A arquitetura do golpe


30/05/2016 15:33 | Enio Tatto*

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A jovem democracia brasileira sofreu um duro golpe com a definição do Senado Federal pela admissibilidade do impeachment de Dilma Rousseff, a primeira mulher eleita diretamente pelo povo para conduzir a nação. Nossa presidenta não merece esse processo de impedimento de seu mandato porque não cometeu nenhum crime de responsabilidade. Ela é vítima de uma grande injustiça na medida em que o golpe está assentado nas razões mais levianas e injustificáveis.

Se havia alguma dúvida de que se trata de golpe, essa se desvaneceu com a divulgação da gravação entre o ex-ministro do Planejamento, presidente nacional do PMDB e senador por Roraima, Romero Jucá, e Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro. A gravação escancara que o real motivo do processo de impeachment é o de interromper a Lava Jato, empurrar a investigação para baixo do tapete e absolver políticos graúdos envolvidos no escândalo.

Os golpistas acusam a presidenta Dilma Rousseff por atos corriqueiros, as chamadas "pedaladas fiscais", praticados por ex-presidentes, pela quase totalidade dos governadores e por centenas de prefeitos Brasil afora. Se não é crime para estes, por que é para ela? Aqui em São Paulo o governador Alckmin, do PSDB, assinou um pacote de 31 decretos entre os dias 24 de abril e 7 de julho do ano passado nos mesmos termos daqueles da presidenta Dilma Rousseff.

Os decretos assinados por Alckmin garantiram suplementação orçamentária para várias áreas, num total de 1,2 bilhão de reais. Tudo isso sem autorização da Assembleia Legislativa, conforme determina a lei. Ninguém bateu panelas e muito menos pediu o impeachment do governador. São dois pesos e duas medidas para o mesmo gesto.

O mais incrível é que a consolidação do processo de impedimento da presidenta em andamento no Senado foi feita por Eduardo Cunha, presidente afastado da Câmara dos Deputados por atos de corrupção. Cunha é réu em ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF) por seu envolvimento na Operação Lava Jato. Ele é alvo de oito inquéritos por possuir, conforme denúncia do Ministério Público Federal, inúmeras contas no exterior onde estão depositados vários milhões de dólares desviados da Petrobras.

Cunha somente deflagrou na Câmara dos Deputados o processo de impeachment da presidenta Dilma por vingança, porque o PT se recusou a dar a ele os votos na Comissão de Ética para que fosse absolvido das acusações de corrupção.

Outras questões chave para o início do processo de impeachment foram o preconceito contra uma mulher líder e o ódio de uma direita radical que nunca aceitou os avanços dos governos do PT. Em 13 anos de governo do PT foram muitas as conquistas: pré-sal, Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, Prouni, Pronatec, Fies, elevação do salário mínimo, Mais Médicos, redução da mortalidade infantil, Farmácia Popular, ampliação do ensino superior, elevação social e econômica dos mais pobres e da classe média e proteção às crianças, entre tantos outros avanços.

O processo contra a presidenta que ora corre no Senado na verdade começou tão logo foi reeleita em 2014, com mais de 54 milhões de votos. Os derrotados não aceitaram o resultado. Em 30 de outubro de 2014 o PSDB entrou no Tribunal Superior Eleitoral com pedido de auditoria especial sobre o resultado das eleições. Queria, à época, a criação de uma comissão formada por técnicos indicados pelos partidos para "fiscalizar" os sistemas de todo o processo eleitoral.

A partir de então a presidenta Dilma não teve trégua. Além de todas as articulações políticas que apontamos, no Parlamento enfrentou diversas "pautas-bomba" - projetos de lei que impactariam as contas públicas, dificultando a redução de gastos prevista para que a meta fiscal fosse atingida. Setores de direita e empresários conservadores, aliados a partidos de oposição e com forte apoio de uma mídia monopolista, criaram uma clima econômico de pessimismo e de boicote. Essa injunção de fatores criou uma arquitetura pró-golpe contra a jovem democracia brasileira onde o resultado com certeza será nefasto para o país.

A presidenta Dilma é uma mulher que superou muitos percalços ao longo de sua vida. Enfrentou o desafio terrível e sórdido da ditadura militar e a dor dilacerante da doença. Agora vive a inominável e profunda dor da justiça e da traição. Mas ela está pronta para resistir, por meios legais e junto com o povo brasileiro, da tentativa de apeá-la do cargo que legitimamente conquistou por meio do voto direto do povo brasileiro.

*Enio Tatto é deputado estadual pelo PT e 1º Secretário da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa.

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