Depoimentos e documentário enriquecem solenidade da Comissão da Verdade

Evento homenageou Rubens Paiva, um dos 183 desaparecidos políticos do Brasil
02/03/2012 22:02
Rubens Paiva

Eunice e Rubens Paiva

Parlamentares e autoridades presentes

Sessão solene da comissão estadual da Verdade

Rubens Paiva


Após exibição de dois vídeos sobre desaparecidos políticos e sobre Rubens Paiva, a recém-instalada Comissão estadual da Verdade deu continuidade a seus trabalhos nesta quinta-feira, 1º/3, com depoimentos de ex-presos políticos e de familiares destes. Também houve a transmissão simultânea de documentário, produzido por Miriam Leitão e exibido na Globo News, sobre a vida de Rubens Paiva, homenageado da noite, cujo nome foi dado à comissão presidida por Adriano Diogo (PT).

Amélia Teles, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, foi militante do PCdoB à época da guerrilha do Araguaia. Foi presa, junto com o marido César e os filhos Janaína e Edson, ambos pequenos, e a irmã Criméia, grávida de 8 meses. Ingressou, juntamente com a filha, com ação declaratória contra Carlos Alberto Brilhante Ustra, com a finalidade de que a Justiça, mesmo não podendo condená-lo criminalmente devido à Lei da Anistia, o declarasse como torturador, o que ocorreu em 2008, quando a ação foi julgada.

Para Amélia, a Comissão da Verdade acontece muito tarde " já se passam 40 anos desde sua prisão ", porém ainda assim é muito válida. "Afinal, temos o direito de saber como morreram nossos entes queridos e onde estão seus corpos!"

A ex-presa política lembrou CPI realizada na Câmara Municipal de São Paulo, à época conduzida pelo vereador Ítalo Cardoso (PT), sobre a descoberta de valas clandestinas no cemitério de Perus. "Houve depoimentos de torturadores como David Araújo, Edson Maiorca, Isac Abramovich e Erasmo Dias." Amélia disse que torturadores de outros países buscam abrigo no Brasil, e que dois acabaram presos e extraditados, mas não pelos crimes bárbaros contra a humanidade, e sim por estelionato e falsidade ideológica.

Segundo Amélia, o Brasil foi condenado por órgãos internacionais a esclarecer os desaparecimentos de militantes no Araguaia. "Sendo assim, que essa sentença seja cumprida", concluiu Amélia.

Ivan Seixas, jornalista, foi preso pela Operação Bandeirantes, em São Paulo, em abril de 1971, aos 16 anos de idade, junto com seu pai, o metalúrgico Joaquim Seixas, militante do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), este morto no mesmo ano.

Seixas disse que não basta contar a história dos mortos e dos desaparecidos. "É importante que se traga à tona depoimentos e documentos sobre a repressão que acontecia paralelamente à tortura, representada pela presença de unidades da Divisão de Segurança e Informações (DSI) em sindicatos, universidades etc."

O jornalista recorda que centenas de pessoas foram perseguidas pela DSI e que muitos perderam o emprego ou foram expulsos das faculdades, sendo cerceados e obrigados a viver sem cidadania e dignidade. Ele entregou ao deputado um dossiê com denúncias que incluem nomes e locais relativos à prática de tortura.

O professor Aziz Ab Saber lembrou que nunca atuou diretamente na militância, mas que sempre foi alvo dos aparelhos repressores por defender colegas presos. "Por dois anos aceitei o convite de um senhor, que eu acreditava ser um frequentador de cursos na universidade, para tomar um cafezinho, nos intervalos vespertinos. Um belo dia, a colega Maria Cecília me advertiu que ele era agente infiltrado do Dops."

Ex-ministro de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, afirmou que é inadimissível que um certo coronel afirme que nunca houve tortura no Brasil. "Eu mesmo a sofri na pele". Vanucchi declarou que é preciso pôr fim à impunidade.

Representante do Ministério Público Federal, o procurador Marlon Weichert disse que a instalação da Comissão da Verdade estadual demonstra que o tema tortura e desaparecidos políticos não pode ficar restrito ao governo federal, devendo ser um debate descentralizado.



A vida de Rubens Paiva



Antes da exibição do documentário de Miriam Leitão sobre Rubens Paiva, a filha do ex-deputado, Vera Paiva, agradeceu a honra de ter o nome de seu pai integrando a denominação da comissão. "Que seu nome e sua vida perdida possam ser meios para restabelecer a memória e recuperar a história de atos de terrorismo praticados pelo Estado, para que eles não se repitam mais."

Vera advertiu sobre as práticas de tortura que ainda são praticadas por órgãos do Estado, como a Polícia Militar. Ela sugeriu uma aliança entre os movimentos de desaparecidos políticos e os de mães de jovens executados em ações policiais.

Rubens Paiva tinha 41 anos quando foi preso, juntamente com a esposa Eunice e a filha mais velha, Eliana, de 15 anos, em 20/1/1971.

Era engenheiro civil formado pela Universidade Mackenzie, em 1954. Militou no movimento estudantil da campanha O Petróleo É Nosso. Foi presidente do centro acadêmico e vice-presidente da UEE de São Paulo.

Em outubro de 1962, foi eleito deputado federal por São Paulo, pelo PTB. Assumiu o mandato em fevereiro do ano seguinte e participou da CPI criada na Câmara dos Deputados para examinar as atividades do Ipes-Ibad (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais " Instituto Brasileiro de Ação Democrática). A instituição financiava palestrantes e escritores que escreviam artigos avisando sobre a chamada ameaça vermelha no Brasil. Nas investigações da CPI, Rubens Paiva começou a descobrir que os cheques que eram depositados nas contas de alguns militares.

Com o Golpe Militar de 1964, teve seu mandato cassado no dia 10 de abril do mesmo ano. Exilou-se na Iugoslávia e depois em Paris, França. Passados nove meses, iria para Buenos Aires, se encontrar com Jango e Brizola, quando em uma escala do vôo, no Rio de Janeiro, disse à aeromoça que ia comprar cigarro, saiu do avião e pegou outro vôo para São Paulo, seguindo para a casa de sua família.

A família mudou-se para o Rio de Janeiro e Rubens Paiva voltou a exercer a engenharia sem deixar de fazer contatos com os exilados. Foi também diretor do jornal Última Hora de São Paulo.

Depois visitar Santiago, no Chile, para ajudar a filha de seu amigo Bocaiúva Cunha, Rubens Paiva voltou ao Brasil. Após a prisão das pessoas que traziam a carta para Rubens de Helena Bocaiúva, implicada no sequestro do embaixador americano, os agentes da repressão identificaram Rubens Paiva como contato de Adriano, codinome de Carlos Alberto Muniz, militante do MR-8 e contato de Lamarca.

A casa de Rubens, no Rio de Janeiro, foi invadida por pessoas armadas de metralhadoras que, sem apresentar mandado de prisão, se diziam da Aeronáutica. Rubens se arrumou e saiu guiando o próprio carro, cuja recuperação posterior comprovaria sua prisão, negada pelos órgãos de repressão.

Rubens Paiva foi dado como desaparecido. Segundo nota oficial dos órgãos de segurança, o carro que o conduziu dois dias depois, da prisão ao Centro de Operações de Defesa Interna (CODI), teria sido abalroado e atacado por indivíduos desconhecidos, que o teriam sequestrado. Anos depois, Amilcar Lobo, que na época era médico do DOI-Codi, declarou à revista Veja que o ex-deputado teria morrido após sessões de tortura.

Em carta, em 1971, ao Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, com base em relato de testemunhas, Eunice Paiva afirmava que provavelmente seu marido começara a ser torturado no mesmo dia de sua prisão, durante o interrogatório realizado na 3ª Zona Aérea, próxima ao aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, sob o comando do brigadeiro João Paulo Burnier, o mesmo que é acusado pela morte de Stuart Angel Jones, obrigado a respirar o escapamento de um jipe até morrer.

Em 1996, após projeto de lei dos Desaparecidos, enviado ao Congresso pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, foi entregue à família de Rubens Paiva " Eunice e seus cinco filhos Marcelo, Vera, Eliana, Ana Lucia e Maria Beatriz " um atestado de óbito reconhecendo sua morte. Seu corpo nunca foi encontrado.

alesp