Legado da ditadura na USP é tema de audiência na Comissão da Verdade

Regime disciplinar da época da ditadura ainda continua em vigor
10/09/2014 20:00 | Da Redação: Monica Ferrero Fotos: Maurício Garcia de Souza e Roberto Navarro
Bia Pardi, Janice Theodoro, Modesto Carvalhosa, Adriano Diogo, Walter Colli e Renan Quinalhia

Público presente na manhã desta quarta-feira, 10/9

Janice Theodoro

Modesto Carvalhosa, professor de Direito USP

Gráfico aponta número de perseguidos durante a ditadura

Público acompanha os trabalhos

Janice Theodoro

Modesto Carvalhosa, professor de Direito USP

Walter Colli

Público acompanha os trabalhos na manhã desta quarta-feira, 10/9

Modesto Carvalhosa

Modesto Carvalhosa e Adriano Diogo

Walter Colli

Janice Theodoro

Adriano Diogo e Walter Colli

Janice Theodoro, presidente da Comissão da Verdade da USP

Walter Colli

Painel da tarde desta quarta-feira, 10/9

Maria Betti e Silvio Salinas

Painel da tarde desta quarta-feira, 10/9

Adriano Diogo e Maria Hermínia Tavares de Almeida

Painel da tarde

O legado da ditadura miliar na USP, em debate nesta quarta-feira, 19/9


Teve início nesta quarta-feira, 10/9, na Assembleia Legislativa, uma série de audiências públicas da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, presidida pelo deputado Adriano Diogo (PT), com objetivo de resgatar a memória da repressão política na Universidade de São Paulo (USP) e seus efeitos que perduram até hoje. Na parte da manhã foram ouvidos o advogado Modesto Carvalhosa, professor de Direito USP e autor de diversos livros, entre eles O Controle Ideológico na USP e O Livro Negro da Corrupção; Walter Colli, graduado em Medicina, doutor em Bioquímica pela Faculdade de Medicina e livre-docente pelo Instituto de Química da USP; Janice Theodoro, professora titular de História da América Colonial e presidente da Comissão da Verdade da USP; e Renan Quinalha, assessor da Comissão da Verdade Rubens Paiva.

Carvalhosa discorreu sobre a atuação da Associação dos Docentes da USP (Adusp) na época da repressão, como a organização da primeira greve de funcionários públicos na ditadura. Enfrentava-se a cassação branca, aquela que não permitia a entrada de nenhum docente na universidade sem antes passar por triagem no Dops, procedimento também combatido pela Adusp. Ainda segundo Carvalhosa, a USP não foi um ponto de resistência à ditadura, como uma unidade, mas abrigou vários núcleos de forte resistência, embora sua direção fosse conivente com o regime repressivo.

Professores "subversivos"

Carta anônima endereçada, na época, ao Conselho de Segurança da ditadura, acusando diversos docentes da universidade de "subversivos", foi lida por Walter Colli. Em sua opinião, esses professores acusados pretendiam, na realidade, realizar uma reforma no ensino, tornando a universidade mais democrática e livre. O principal ideal defendido por eles, oriundo de um movimento iniciado no final dos anos 1950, seria o de alunos não ingressarem em faculdades, mas sim na universidade, para livremente cursarem as disciplinas que lhes interessassem. Tal reforma foi abortada pela repressão.

A presidente da Comissão da Verdade da USP, Janice Theodoro, observou que são tantas as informações recebidas pela comissão, que o principal desafio na elaboração do relatório será compreender o conjunto documental e analisar qual a política estava sendo desenvolvida pela repressão. Janice comentou que, em 1964, foram excluídas grandes lideranças da universidade, e, em 1968 e 1969, anos de movimentos estudantis, foi o período em que houve a maioria das cassações.

O regime disciplinar da USP continua sendo o mesmo de 1972, explicou Renan Quinalha. Segundo ele, trata-se de um conjunto de normas que ainda definem como infrações disciplinares direitos hoje garantidos pela Constituição federal. "É um estatuto completamente anacrônico, mas que pode ser colocado em prática ainda hoje."

Com a palavra, os professores

Na audiência pública realizada à tarde, houve a oitiva de professores da instituição. Dados preliminares da Comissão da Verdade da USP apontam que 25 professores e 60 estudantes foram afetados pela ditadura na Faculdade de Filosofia, disse a professora Maria Hermínia Tavares de Almeida.

"A Faculdade de Filosofia foi alvo da repressão, pois foi importante foco de resistência à ditadura, principalmente no curso de ciência política. Essa perseguição a professores, que foram cassados, presos ou fugiram, foi um golpe na faculdade, pois ceifou lideranças importantes e chegou a esvaziar cursos", falou.

A repressão a professores e estudantes consistiu em prisão, tortura, desaparecimento, expulsão, aposentadoria compulsória e demissão, que se concentraram mais no ano de 1968, segundo dados apresentados. Maria Hermínia lamentou que não haja registro da situação dos funcionários nesse período.

Por outro lado, a resistência à ditadura também teve lugar na Faculdade de Filosofia, afirmou a professora. Primeiramente havia, ainda que de forma clandestina, grande atividade política.

Existia, também, uma grande resistência solidária, feita por pessoas que, mesmo sem serem obrigatoriamente de esquerda, eram democratas que não concordavam com o que acontecia, e ajudavam militantes, protegendo-os, mesmo sob risco de prisão.

"Eu fui ajudada assim", lembrou Maria Hermínia, que ainda citou o apoio do então diretor da Faculdade de Filosofia, Eurípedes Simões de Paula. Por fim, a professora destacou que a Faculdade de Filosofia teve "grande papel na formação de um pensamento crítico à ditadura e suas políticas, fornecendo um conjunto de ideias que alimentou a agenda da oposição".

Documentação

Após citar diversas publicações que estão embasando as investigações da Comissão da Verdade da USP, o professor Silvio Roberto Salinas contou que uma fonte de informação que está sendo usada são fichas do Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão criado em 1964.

Ele citou as cassações ocorridas no Instituto de Física da USP, mas disse que lá não havia clima de luta interna e delações como na Faculdade de Medicina. Na Física, a perda maior foi de alunos. Muitos abandonaram o curso por medo ou porque partiram para a militância. Outros foram mortos ou presos.

A professora Maria Silvia Betti também citou a documentação usada. Informou que no site da Adusp (.adusp.org.br/files/cadernos/livronegro.pdf) está disponível o livro O controle Ideológico na USP - 1964/1978, versão ampliada do Livro Negro da USP, além de outras bibliografias importantes, como o número 33 da revista da Adusp, onde há dados sobre tortura e perseguições.

Maria Silvia lembrou o expurgo e as perseguições promovidas pelo reitor Luís Antônio da Gama e Silva com base em critérios pessoais. "Foram atos feitos sob medida para imprimir o conservadorismo na universidade". Gama e Silva tornou-se ministro da Justiça posteriormente e foi um dos artífices do AI-5.

As medidas que implantou na USP foram embasadas nos acordos MEC-Usaid (estabelecidos entre o Ministério da Educação do Brasil e a United States Agency for International Development), que desagradaram a comunidade. Também outras medidas de controle foram tomadas, como a contratação de professores mediante análise de conselho secreto e assinatura de contratos financeiros sem quaisquer esclarecimentos à comunidade acadêmica, disse Maria Silvia.

Uma carta de delação, endereçada ao Dops e datada de 12/5/1964, sobre professores da Faculdade de Medicina, foi lida por Reinaldo Morano Filho. Ele criticou a situação atual da USP, que mantém seu regimento interno arcaico, da época da ditadura, e está em processo de falência por conta de má gestão.

Coordenador da Comissão da Verdade Rubens Paiva, Ivan Seixas disse que ficou claro nas falas a "presença de uma visão estratégica da ditadura para com a academia", que ainda se mantém na instituição.

O presidente Adriano Diogo anunciou que no próximo dia 12/9, na praça Lamartine Babo, na cidade do Rio de Janeiro, será inaugurado um busto de Rubens Paiva. Foi divulgada também a realização da audiência pública A Participação do Brasil na Guerra Civil Espanhola: Brasileiros nas Brigadas Internacionais em Defesa da República, no dia 24/9, às 19h, na Assembleia Legislativa.

A reunião será retomada nesta quinta-feira, a partir das 10h. As audiências da Comissão da Verdade são abertas ao público e transmitidas pela internet através do portal da Assembleia Legislativa - al.sp.gov.br/noticias/tv-alesp/assista/ (selecionar auditório Paulo Kobayashi, e usar navegador Internet Explorer).

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