Opinião - A escancarada promiscuidade entre os Poderes


07/08/2017 16:10 | Carlos Giannazi

Há anos venho denunciando que a democracia brasileira está manca. Uma democracia verdadeira tem de estar apoiada em Poderes autônomos, e não é isso o que acontece por aqui. Executivo, Legislativo e Judiciário " sem falar no Ministério Público, no Tribunal de Contas e na Defensoria Pública " deveriam atuar de forma independente. Mas, no Brasil, e especialmente em São Paulo, não é assim que funciona.

O Executivo paulista, há mais de 20 anos comandado pelo PSDB, usurpa claramente atribuições que deveriam ser exercidas pelos outros Poderes. Distribuindo cargos, favores e verbas públicas, o governador Alckmin mantém em rédeas curtas os deputados de sua base na Assembleia. E assim o Parlamento passa a ser um "puxadinho" do Palácio dos Bandeirantes, uma espécie de cartório que transforma em lei as vontades do governador.

Essa rede de influências, nutrida com recursos públicos, não para no Legislativo. Setores do Judiciário e do MP exercem uma verdadeira blindagem do governo, de forma que denúncias como o superfaturamento nas obras do Rodoanel, do Metrô e da CPTM nunca seguem adiante. O Tribunal de Contas do Estado, por sua vez, aprova incondicionalmente o balanço financeiro do governo.

Quem vê de perto o governo tucano sabe que as coisas são feitas assim, no toma lá, dá cá. Por isso fico muito satisfeito em ver esse comportamento, que fere de morte nossa democracia, ser retratado de forma científica. Recentemente, uma tese de doutorado defendida na Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo escancarou a relação promíscua que envolve o Legislativo, o TJ, o MP e, sobretudo, o Executivo.

A tese da doutora Luciana Zaffalon, que é supervisora-geral do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), analisa os impactos sociais da administração da justiça na área criminal e penitenciária e relaciona sua atuação com a orientação do Poder Executivo.

Um dado de fácil compreensão é referente à atuação do Ministério Público. Quando se analisa a promoção da ação penal, o MP tem alcançado elevados índices de produção e elevada taxa de sucesso. No entanto, no que toca à sua atribuição para exercer o controle externo da polícia, o resultado alcançado é o oposto: há baixa produtividade e baixa taxa de sucesso. Para a doutora Luciana, esse resultado reforça a leitura de que o MP tem atuação de caráter seletivo, que, enquanto garante total blindagem às elites, destina às classes populares a cadeia e a repressão policial.

A pesquisadora vincula o componente político-partidário na administração da Justiça às pautas remuneratórias e corporativas das carreiras jurídicas. No mesmo exemplo do Ministério Público, Luciana escancara que a maior parte de seus membros receberam em 2015 vencimentos acima do teto de R$ 33,7 mil, pagamentos que só puderam ser realizados porque o órgão recebeu suplementação orçamentária de R$ 216 milhões. A mesma lógica é demonstrada no funcionamento do Tribunal de Justiça, cuja suplementação orçamentária ultrapassou R$ 1 bilhão.

A excelente tese de doutorado de Luciana Zaffalon, que é também membro do Grupo de Estudos e Trabalhos Mulheres Encarceradas, expressa em números o que todos percebemos intuitivamente e confirma, em linguagem acadêmica, a triste realidade que é percebida pelo senso comum. A tese pode ser baixada na Biblioteca Virtual da FGV (http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/18099).

(*) Carlos Giannazi é deputado pelo PSOL

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