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24 DE MAIO DE 2004

24ª SESSÃO SOLENE EM COMEMORAÇÃO DA “SEMANA DE SOLIDARIEDADE AOS POVOS AFRICANOS”

 

Presidência: SEBASTIÃO ARCANJO

 

Secretário: CÂNDIDO VACCAREZZA

 

DIVISÃO TÉCNICA DE TAQUIGRAFIA

Data: 24/05/2004 - Sessão 24ª S. SOLENE  Publ. DOE:

Presidente: SEBASTIÃO ARCANJO

 

COMEMORAÇÃO DA "SEMANA DE SOLIDARIEDADE AOS POVOS AFRICANOS"

001 - SEBASTIÃO ARCANJO

Assume a Presidência e abre a sessão. Nomeia as autoridades. Informa que a presente sessão solene foi convocada pelo Presidente efetivo da Casa, Deputado Sidney Beraldo, a pedido do Deputado ora na condução dos trabalhos, com a finalidade de comemorar a Semana de Solidariedade aos Povos Africanos. Convida todos para, de pé, ouvirem o Hino Nacional Brasileiro. Fala das relações entre o povo brasileiro e o africano, que justificam a instituição dessa semana comemorativa.

 

002 - CÂNDIDO VACCAREZZA

Exige o resgate da dívida social do mundo para com a África. Defende a adoção de políticas positivas de valorização do povo negro.

 

003 - Presidente SEBASTIÃO ARCANJO

Anuncia a execução de número musical.

 

004 - SADOO ALMULGEST

Presidente do Fórum África, fala das atividades e objetivos da instituição, de fazer conhecer mais a África para o povo brasileiro.

 

005 - PAI NENEM DE OXALÁ

Explica o que é a Nação Nagô, à qual pertence. Entoa uma canção.

 

006 - KABENGELÊ MUNANGA

Professor da USP, considera que a solidariedade aqui constituída permite que se conheçam mais as raízes africanas em que se baseia a cultura brasileira.

 

007 - PAI ÉLCIO DE OXALÁ

Da Nação Umbanda, saúda a todos com uma canção entoada.

 

008 - PAI CÁSSIO RIBEIRO

Presidente da Fucabrad, Núcleo Afro-Descendente Petista de Diadema, critica a discriminação contra os que professam uma religião de origem africana.

 

009 - PAI FLÁVIO DE YANSAN

Babalorixá da Nação Keto, afirma que a Semana de Solidariedade aos Povos Africanos tem papel relevante na reconstrução da história do negro.

 

010 - QUAGLIOTTI SILVESTRI FAÁ

Adido Cultural do Consulado Geral da República de San Marino, traz mensagem de liberdade e paz em nome de seu país.

 

011 - JOSÉ ENIS DE JESUS

Padre, prega a construção da paz por todas as religiões.

 

012 - MÃE CORAJACY

Yalorixá da Nação Angola, faz uma saudação aos presentes.

 

013 - TATA TAUÁ

Discorre sobre o reconhecimento que tem hoje o culto herdado dos ancestrais. Entoa uma canção.

 

014 - CARLOS JACCHIERI

Delegado Regional de Cultura da Grande São Paulo, aponta o papel do negro na História Universal.

 

015 - Presidente SEBASTIÃO ARCANJO

Defende o ensino de História da África em nossas escolas.

 

016 - JOSÉ ANTONIO DOS SANTOS

Adido Cultural para as Comunidades do Consulado Geral de Angola no Rio de Janeiro, reafirma a importância dos laços históricos entre Brasil e Angola. Pede uma reflexão sobre os vários problemas que atingem a África.

 

017 - Presidente SEBASTIÃO ARCANJO

Lista os eventos que marcarão a passagem da Semana de Solidariedade aos Povos Africanos e convida todos a participarem. Agradece a todos que colaboraram para o êxito da solenidade. Encerra a sessão.

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos. Convido o Sr. Deputado Cândido Vaccarezza para, como 2º Secretário “ad hoc”, proceder à leitura da Ata da sessão anterior.

 

O SR. 2º SECRETÁRIO - CÂNDIDO VACCAREZZA - PT - Procede à leitura da Ata da sessão anterior, que é considerada aprovada.

 

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O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Senhoras e senhores, passarei a nomear os membros que compõem a Mesa. Agradecemos a presença do Sr. José Antonio dos Santos, Adido Cultural para as Comunidades do Consulado Geral de Angola no Rio de Janeiro; do Prof. Kabengelê Munanga, da USP; do Sr. Sadoo Almulgest, Presidente do Fórum África que, conosco, compartilhou na organização deste evento; do Sr. Quagliotti Silvestri Faá, Adido Cultural do Consulado Geral da República de San Marino.

Convido todos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro, executado pela Banda da Polícia Militar, sob a Regência do 2º Tenente Luiz Ricardo Gomes.

 

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- É executado o Hino Nacional Brasileiro pela Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

 

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O Sr. Presidente - Sebastião Arcanjo - PT - Esta Presidência agradece à Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo pela execução do Hino Nacional. Muito obrigado aos Senhores!

Esta Sessão Solene ocorre noeste Plenário Juscelino Kubitscheck, praticamente um ano após termos realizado um evento com o mesmo objetivo de homenagear o Dia da África. Por isso, temos a honra de poder contar com autoridades importantes, embaixadas e consulados africanos, bem como com todos os senhores e senhoras.

Há um ano, esta sessão era apenas uma possibilidade, uma vez que o projeto protocolado na Assembléia Legislativa, na data daquela sessão solene, em 25 de maio de 2003, passou por um processo de tramitação na Casa, aprovado em todas as comissões e, posteriormente, aprovado no plenário. Esse foi o primeiro projeto de lei deste Deputado, que acabou transformando-se efetivamente em uma lei.

Portanto, para mim, em particular, é uma honra estar aqui, um ano após aquele momento. Na ocasião, na composição da Mesa, falávamos sobre as dificuldades do continente africano, sobretudo nos programas de saúde e no combate à Aids. Estava presente conosco a Dra. Sílvia Bellucci, do Instituto Corsini de Campinas, que fazia, através de um convênio com o Ministério da Saúde, uma campanha de prevenção à Aids em vários países do território africano. Aquele era o nosso motivo de preocupação.

Imaginávamos, também, que a eleição do Presidente Lula pudesse restabelecer relações positivas, em uma nova agenda com o continente africano. Com muita honra e alegria, pudemos acompanhar a visita do Presidente à África, no sentido de reforçar os laços históricos e culturais. Segundo o nosso próprio Presidente afirmou, era também necessário ao Brasil saldar - se é que é possível usar esse termo - parte da dívida que os brasileiros têm com os cidadãos africanos, com os nossos irmãos africanos tanto na África como na . diáspora. Na nossa opinião, o Presidente está fazendo um esforço significativo nessa didireção.

Da mesma forma, esta iniciativa visa a dar continuidade a situações que já estavam operando, independentemente da vontade das letras, muitas vezes frias, da lei. Entidades como “Fórum África” já vinham realizando um conjunto de articulações na cidade de São Paulo, visando estabelecer um debate sobre a África, suas perspectivas e seu futuro.

Portanto, o projeto de lei apenas dá conseqüência a algumas ações que já estavam sendo desenvolvidas pela própria sociedade civil. Penso que não teria sentido, não seria importante, se assim não o fosse. Não estamos aqui apenas para criar leis, de cima para baixo, deslocadas e desfocadas da realidade social em que vivemos.

Assim, é uma satisfação muito grande presidir esta sessão, já com uma lei que estabelece um conjunto de ações e políticas públicas que poderemos acompanhar durante a semana. Aliás, desde sábado, na Biblioteca Mário de Andrade, estão ocorrendo excelentes debates, com a presença significativa da população da cidade de São Paulo e de algumas cidades do interior do Estado, também com representantes do Ministério de Relações Exteriores, o que reafirma esse compromisso.

Aproveito a oportunidade deste evento, antes de dar continuidade ao nosso ato, para agradecer o apoio e o patrocínio da Petrobraas, empresa brasileira que tem feito várias ações no continente africano, e que se associou a todos esses atores a que fiz referência inicialmente e a outros que irei anunciar durante esta sessão. Sem o patrocínio da Petrobraas, com certeza, não conseguiríamos fazer este evento.

Quero, também, convidar todos para visitar, no segundo andar, na entrada da Assembléia Legislativa, uma exposição de peças africanas, que pertencem ao acervo do Instituto Cultural (Babatologê ?). Durante a solenidade de hoje, iremos divulgar a programação da próxima semana. até o dia 28.

Estas são minhas palavras iniciais e quero desejar a todos boas-vindas. De certa maneira, gostaria de quebrar o protocolo, porque o Líder de meu partido, Deputado Cândido Vaccarezza, estava na Zona Leste de São Paulo e se dirigiu a este plenário para prestigiar este evento. Ele também atua conosco na Frente Parlamentar pela Promoção da Igualdade Racial e terá qude retornar à Zona Leste com esse trânsito, em dia de chuva, e vocês já conhecem a cidade há mais tempo do que eu, que venho da cidade de Campinas.

Peço licença aos senhores para passar a palavra ao Deputado Cândido Vaccarezza, para que ele faça uma saudação e possa cumprir o seu compromisso com a comunidade da Zona Leste de São Paulo.

 

O sr. Cândido Vaccarezza - PT - Nobre Deputado Sebastião Arcanjo, com muito orgulho falo que sua iniciativa dignifica a Assembléia Legislativa e traz um sentido positivo para toda a nossa ação política na sociedade e nesta Casa.

Gostaria de cumprimentar todos os componentes da Mesa e todos os presentes, que estão aqui manifestando não só a solidariedade ao povo africano, mas, em cada rosto, manifestando a nossa ação de luta pela igualdade racial e por uma sociedade humana, justa e igualitária.

Foi na África que surgiu o primeiro hominídeo, que veio dar no Homo Sapiens. Foi na África que surgiu o primeiro homem da nossa espécie, que é única, a espécie humana, o Homo Sapiens, que de lá da África se expandiu para o restante do mundo: para a Europa, para a Ásia e, posteriormente, para a América.

Aqui, todos trazemos muito do que tem na África. Não só no nosso sangue. Todos, a maioria dos brasileiros, somos afro-descendentes. Esta ação e esta Sessão Solene têm que marcar um passo. Quero comprometer-me com cada um dos presentes pela igualdade racial, independentemente da minha ação militante, ao lado do Deputado Tiãozinho e de outros. A partir de hoje, a Sessão Solene, para nós, só tem sentido se dermos um passo adiante depara trazer para esta Casa de Leis, para o Parlamento Estadual mais importante do país, o Parlamento do Estado de São Paulo, para cada ponto que seja discutido neste parlamento, o pensamento desta Sessão Solene.

Exigimos, não só o resgate de uma dívida social que o mundo tem com a África e com o povo africano. – tTenho certeza de que se depender do Deputado Tiãozinho, mais do que todos nós, já que ele encabeça essa luta,, mas que possamos trazer para dentro do processo legislativo de São Paulo a incorporação do sentimento que contagia este plenário. Exigimos a igualdade racial. Lutamos por uma sociedade justa, igualitária, sem opressão. Lutamos por políticas positivas de valorização do povo negro.

O Deputado Tiãozinho tem uma lei tramitando nesta Casa que estabelece as cotas para negros em universidades públicas do Brasil. Sabemos que em muitos lugares isso já foi aprovado e o Governo Federal tem discutido essa questão, mas há ainda uma resistência grande porque, mesmo que não pareça, o preconceito, infelizmente, ainda está presente em nosso País.

Agradeço ao Deputado Tiãozinho por me ter dado a palavra antes. Eu, como Líder da Bancada do PT, e como militante, não poderia deixar de estar presente. A minha vinda aqui é para assumir um compromisso com vocês: esta sessão solene não ficará apenas numa solenidade, numa manifestação de boas intenções. Ela se traduzirá numa luta permanente, concreta, sem tréguas, para, aqui do Parlamento de São Paulo, em cada processo legislativo, em cada lei específica, trazermos a particularidade do povo negro, da África, para o Legislativo paulista.

Muito obrigado pela atenção e uma boa sessão solene a todos vocês. (Palmas)

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - O Deputado Cândido Vaccarezza modestamente não fez referência à sua proposta de lei, que estabelece também um percentual de vagas para alunos de escolas públicas paulistas nas nossas universidades. É dele também a iniciativa de podermos fazer uma sistematização dessas propostas todas.

Sei que a USP, como a Unicamp e a Unesp, têm muita resistência a essa discussão, mas a idéia é que nós possamos fazer uma sistematização dessa proposta, apresentá-la à Assembléia e, quem sabe, decidirmos de maneira mais positiva fazendo aqui em São Paulo o que já é realidade hoje no Rio de Janeiro, na Bahia, em Brasília, Mato Grosso do Sul e Alagoas.

O Estado de São Paulo, que foi um dos últimos a abolir a escravidão no Brasil, não pode ser o último a fazer um programa generoso de ação afirmativa à população negra e carente do Estado de São Paulo. Queremos já deixar o convite para que vocês possam, no momento adequado, vir prestigiar esse que vai ser, com certeza, um dos enfrentamentos que marcará época dn Parlamento paulista.

Agradeço as palavras do Deputado Vaccarezza. Peço que fique à vontade.

Convido agora a todos para, em pé, ouvirmos o Hino à África, com a cantora lírica Glória Maletsabisa Saraiva.

* * *

 

- É entoado o Hino à África.

 

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O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Em função da quantidade e representatividade das pessoas, vamos anunciar as presenças durante o evento. Vamos alternar algumas saudações junto com manifestações das representações das diversas religiões de matizes africanas, que se fazem presentes no plenário.

Esta presidência agradece à presença do Sr. Ricardo da Cruz, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra; Sr. Djalma de Oliveira, Presidente do Sindicato dos Gasistas, Sinergia, CUT; Prof. Carlos Jacchieri, Delegado Regional de Cultura da Grande São Paulo; Sr. Joselito Conceição, Tata Tauá da Nação Angola; Pai Cássio Ribeiro, Presidente da Fucabrad, Núcleo Afro-descendente Petista de Diadema; Sra. Sônia Maria Zanelato, que representa neste ato o Dr. Tito César Santos Nery, Coordenador Regional da Funasa em São Paulo, Fundação Nacional da Saúde.

Aproveito para deixar um convite a todos. Depois mandarei a programação, pois a Fundação está organizando um encontro para discutir sobre a saúde e sobre as populações quilombolas do Estado de São Paulo.

O nosso amigo José Vicente, Presidente da Afrobras, está com uma experiência importante aqui, em São Paulo, com a Faculdade Zumbi dos Palmares. Obrigado pela sua presença.

Também presentes a Mãe Corajacy, Yalorixá da Nação Angola, da cidade de Campinas; o Pai Nenen de Oxalá, que é da Nação Nagô; Pai Flávio de Yansan, Babalorixá da Nação Keto; Mãe Dango, Eunice de Souza - vou chamá-la de Mãe Dango, da Nação  Angola; Inácio Teixeira Neto, Presidente da Conad - Comissão do Negro e Assuntos Antidiscriminatórios da OAB; Pai Élcio de Oxalá, da Nação Umbanda; Pai Francisco de Oxum; Sr. Valteci, assessor da Vereadora Claudete, da capital; Sra. Márcia, assessora do nobre Deputado Renato Simões; Sra. Paula, militante da nossa causa.

Padre Enis, gostaria de convidá-lo para ocupar a tribuna reservada para as autoridades religiosas. A Adriana liderou, no último dia 12, uma grande marcha noturna em São Paulo pela igualdade racial.

Passo a palavra ao nosso amigo Sadoo, Presidente do Fórum África, que conosco compartilha este evento e o da semana de solidariedade à causa africana.

 

O SR. SADOO ALMULGEST - Boa-noite. Para mim, é uma grande honra, um grande prazer estar presente hoje nesta sessão especial, que está comemorando ou iniciando, espero, uma longa história sobre o reconhecimento do povo africano e, sobretudo, da contribuição do povo africano para o Brasil.

Estou falando em nome do Fórum África. Para quem não conhece, vou falar duas palavras. O Fórum África é uma associação criada em 2000, cujo objetivo é justamente contribuir para fazer conhecer um pouquinho mais sobre a África, do ponto de vista cultural, político, social e histórico. Antes de 2000, já começamos a organizar eventos nesse sentido, convidando universitários, artistas para falar da história, política, aspectos sociais, música e cultura da África.

A votação da lei que está vigorando, reconhecendo a Semana da África, aqui, em São Paulo, para nós é uma oportunidade de criar parcerias com o nobre Deputado Sebastião Arcanjo para desenvolver mais atividades, cujo objetivo é fazer conhecer ainda mais a África para o povo brasileiro.

O nosso objetivo também é o de contribuir um pouquinho, de maneira modesta, para a auto-estima de nosso povo afro-brasileiro, descendentes, mostrando que, na verdade, todos ganham, que somos capazes, inteligentes, e que só precisamos de algumas oportunidades para avançamos.

É um grande prazer para nós estarmos presentes aqui. Agradeço a todos, especialmente ao nobre Deputado Sebastião Arcanjo e ao seu grupo pela oportunidade. Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Como você disse, esta oportunidade, com certeza, não será a primeira. Esse passo já é anterior à nossa presença aqui na Assembléia Legislativa, mas virá acompanhado de outros longos passos, porque a nossa luta é longa, dura e necessária.

Tenho certeza de que vamos superar qualquer dificuldade que eventualmente venha acontecer durante esse processo inicial, para que possamos rumar na direção da construção efetiva das relações entre Brasil e África, estabelecendo nossos laços afetivos de solidariedade.

Para aproximarmos nossas relações com a cultura africana, resolvemos organizar esta Sessão Solene. Cada um dos representantes terá três minutos para fazer uma saudação ou uma oração a todos os presentes. Vamos começar pelo Pai Nenen de Oxalá, da Nação Nagô, que fará uso da tribuna, para que possamos conhecer um pouco das nações e das religiões africanas.

Esta Presidência registra a presença aqui da cantora africana. Acho que todos perceberam que, durante a apresentação do Hino da África, ela foi mudando de dialetos. Então, durante a apresentação pudemos ouvir em “kossa”, “zulu”, “sutu”, “africans” e em inglês. Foram cinco dialetos que expressam também, de certa forma, a diversidade na própria África.

Outro dado importante é que a língua do opressor inclusive - no caso, tanto a língua inglesa como a dos africanos - está presente na música, na forma como ela foi apresentada aqui, no sentido que - até conversávamos sobre isso no gabinete - precisamos combater a ideologia de que tenhamos que eliminar o racista, ou aqueles que praticam o preconceito. Mas eliminar o que há de pior, que é o racismo que está impregnado nas mentes. Essa apresentação buscou expressar a generosidade, até a forma de perdão, ou mesmo de sacrifício ou de reconciliação proposta no Hino à África.

É importante fazer este registro. Não sei se todos notaram, durante a canção, ficamos acompanhando a mudança, não do ritmo, mas dos dialetos introduzidos no hino africano. (Palmas.)

 

O SR. PAI NENEN DE OXALÁ - Boa-noite a todos, que Oxalá proteja todos nós, que Ogum abra os nossos caminhos e que a paz de Oxalá esteja conosco!

A Nação Nagô cultua os espíritos, que são os caboclos, os pretos velhos e os mestres de Jurema, que são os xangôs de Recife. No Nagô não faz raspagem de cabeça, faz apenas o ouri, só o centro da cabeça, é onde inicia o filho com o orixá.

Para saudar os mestres de Jurema, que são as principais entidades do nosso culto, que o Prof. Brandi, da USP, fez uma matéria, escreveu um livro sobre isso, que é muito importante também, que são os xangôs de Recife. Na verdade, o Nagô está extinto; há somente em Recife-PE; não conheço nenhum terreiro em São Paulo, a não ser o meu, que é em Juquitiba.

Então, vou cantar aos mestres de Jurema: “Salve Jurema sagrada! Salve o Anjico! Salve o Jucá! Salve os mestres da Jurema! Salve Oxalá!

 

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- É apresentada uma canção.

 

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Salve Jurema e os mestres de Jurema, e obrigado! (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Obrigado, Pai Joãozinho. Vamos passar a palavra ao Prof. da USP, Kabengelê Munanga.

 

O SR. KABENGELÊ MUNANGA - Boa-noite a todos, Deputado Sebastião Arcanjo, nosso querido Tiãozinho, senhoras e senhores, acho que é bom viver a história; talvez seja uma das vantagens de ser mais velho.

Vivo aqui há 29 anos e quando aqui cheguei muitos brasileiros não sabiam o que era a África. Os que tinham algumas idéias vagas pensavam que África era um país; muitos tinham a idéia da África que era uma caricatura, um clichê, a partir do filme de Tarzan, um super-herói que vimos na juventude.

Não imaginava que este dia pudesse acontecer. Isso mostra que as mudanças, embora lentas, acontecem, mas não caem do céu, são resultado de uma longa luta que passa de geração em geração.

A instituição da Semana da África, de solidariedade com a África, que está sendo representada pelo Deputado Tiãozinho, é uma luta que vem de outras gerações, que o Deputado retomou, com tantos outros que representam esse segmento da população, tanto na Câmara dos Vereadores como nesta Assembléia Legislativa.

Mas a única boa maneira de lutar é a luta conjunta, pela solidariedade. O próprio nome já diz: Semana de Solidariedade aos Povos Africanos. Solidariedade é a palavra chave do que chamamos de identidade. Sem a solidariedade não existe identidade, nem a identidade de gênero humano, nem de alguns grupos dos segmentos étnicos, que são vítimas da discriminação racial.

Acho que com essa solidariedade que está construída aqui é que podemos conhecer um pouquinho nossas origens africanas, conhecer um pouquinho uma das raízes mais importantes da cultura africana e da cultura brasileira, no plural, que é a raiz africana. Isso foi caracterizado pela Lei nº 10.639, que obriga o ensino da África e da cultura do negro no Brasil, no ensino fundamental. Muitos brasileiros não entenderam por quê. Chegaram a dizer que em alguns Estados onde não há negros, por que estudar a África?

Esqueceram que a África é uma das raízes do Brasil. Aliás, um Deputado disse aqui que a África é o berço da humanidade. De uma maneira ou de outra somos todos afro-descendentes. Num país com o grau de mestiçagem do Brasil, cada um de nós carrega em suas veias algumas gotas de sangue que lembram o continente africano. Mesmo aqueles que aparentemente têm todas as características européias e nórdicas, se fizerem o exame de DNA, vamos ver que têm algumas gotas de sangue que os cientistas chamam de marcadores genéticos africanos.

Portanto, a África é muito importante para um país como o Brasil. Se este País quer construir uma verdadeira democracia, ela não poderá ser construída a partir de uma única visão do mundo, que é a visão ocidental. A verdadeira democracia brasileira tem de ser construída a partir da diversidade.

Costumo dizer em todos os meus livros que a mestiçagem é a unidade da humanidade. Não há uma raça pura. A pureza é um mito. A verdadeira história da humanidade é a história da mestiçagem. Mesmo assim, se essa mestiçagem se dá no plano genético, no plano da miscigenação, a nossa identidade se dá no plano da diversidade: a diversidade cultural, a diversidade étnica. É essa diversidade que faz parte da vida do cotidiano do brasileiro.

A chamada cultura nacional brasileira tem a contribuição de todos os povos. O que surpreende é que essas contribuições fizeram parte do sistema educativo brasileiro, menos as contribuições dos africanos, num país onde cerca de 50% da população carrega alguns elementos genéticos africanos.

Portanto, acho que este momento é muito importante. Não imaginava que isso pudesse acontecer, mas está acontecendo. Somente a partir disso poderemos construir. A mudança começa com a tomada de consciência. Estamos tomando consciência da necessidade dessa luta solidária. A única maneira que podemos ajudar a África é conhecê-la e nos aproximarmos dela. Nós, africanos, também temos obrigação de conhecer um pouco o Brasil, pois uma parte da história da África está aqui, está nas Américas, está nas diásporas. Até uma parte da história que já perdemos, no próprio continente, podemos recuperar a partir do Brasil.

Portanto, quero parabenizar a iniciativa do nobre Deputado Sebastião Arcanjo e dos demais Deputados desta Casa que assumiram essa bandeira de luta.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Muito obrigado, Prof. Kabengelê, pelas palavras generosas.

Convidamos agora, para fazer também uma saudação, o Pai Élcio de Oxalá, que é da Nação de Umbanda. Como o Pai Nenen, ele fará uma saudação e também uma louvação para nós. A Umbanda é a expressão máxima da religiosidade afro-brasileira.

 

O SR. PAI ÉLCIO DE OXALÁ - Obrigado Sr. Deputado. Boa-noite a todos. Venho da Nação Umbanda trazendo hoje uma novidade que consegui levar até Portugal. Em Portugal, todos já estão cantando esta canção, este hino que cantarei para vocês. Salve a Umbanda!

 

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-         É feita a apresentação musical.

 

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O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Obrigado Pai Élcio. O senhor é um grande cantor.

Quero anunciar a presença do Lauro Cornélio da Rocha, da Secretaria Municipal de Educação, da Prefeitura de São Paulo; do Michael Chinara Nwaiwn, da Comunidade Nigeriana do Brasil; da Márcia de Miranda, do Instituto Negro Padre Batista; do Joel Bispo, representando a família de Flávio Sant’Anna, o dentista que foi violentamente assassinado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Convido o Pai Cássio Ribeiro, que é Presidente da Federação de Umbanda e Candomblé de Diadema, para fazer uma saudação. (Palmas.)

 

O SR. PAI CÁSSIO RIBEIRO - Nobre Deputado Sebastião Arcanjo, Tiãozinho do PT, Tiãzinho de Ogum, todos nossos irmãos e irmãs mamedos, tatetos de inquice e ialorixás, babalorixás, doneses e dotés, padrinhos e madrinhas, dirigentes espirituais da Umbanda.

Para nós, este momento é histórico. Estar nesta Casa é histórico. Durante a apresentação do grupo vimos uma criança, uma menina bem pequena, dançando. Todos ficaram maravilhados. Eu também não poderia ficar indiferente. Fiquei pensando sobre a responsabilidade do Povo do Santo, dos nossos irmãos das diversas nações para com essa criança.

Será que daqui a pouco tempo ela não será discriminada? Será que ao escolher uma religião de matiz africana ela não será discriminada? Com certeza, se não resistirmos, se não ocuparmos os espaços isso acontecerá. Porque hoje acontece para mim, acontece para você, acontece para todos nós que professamos uma religião de origem africana. Quando ligamos o rádio, assistimos na TV os nossos orixás sendo vilipendiados, não podemos nos calar.

E você, meu irmão, é a espada de Ogum nesta Casa. É a força do Orixá nesta Casa. (Palmas.) E nós sempre estaremos, como filhos de Orixás, de vodus, de inquices, dispostos a marchar ao seu lado. Porque estamos marchando em nome de uma só palavra: resistência. Resistir é a nossa bandeira. E nós resistimos nos terreiros, nos ilês, nos axés, nos inzós e vamos resistir sempre, mostrando o nosso orgulho em amarmos os Orixás, vodus e inquices.

Longa vida, paz e luz a você e a todos os companheiros e companheiras que erguem essa espada.

Saravá, em nome da Umbanda! Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Muito obrigado pelas palavras, Pai Cássio. Quero convidar o Pai Flávio de Yansan para fazer uma saudação em nome da Nação Keto.

 

O SR. PAI FLÁVIO DE YANSAN - Boa-noite a todos. Boa-noite, Deputado, por esta oportunidade. Não gostaria de fazer uma louvação em nome da Nação Keto porque o Keto está sendo muito louvado, muito presente em todos os eventos. Mas gostaria de fazer uma pequena manifestação.

Recentemente, num grupo de trabalho e de estudos de meus filhos e netos, qual não foi minha surpresa quando o tema sugerido foi a África. Fomos então estudar a história da África. E qual não foi nossa surpresa sobre os textos acadêmicos: professores e cientistas da área de Ciências Humanas afirmam que a África não tem história, que o negro não construiu sua história em função da opressão do branco.

Esta semana, essa sua iniciativa, meu grande Pai Ogã, é a reorganização dessa história. Estamos reconstruindo a história do negro.

Parabéns, Deputado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Acreditamos que há, como disse também o Professor Kabengelê, várias formas de construir a história. Penso que eventos como este nos ajudam a estabelecer um diálogo, a desconstituir mitos e, portanto, afirmar também valores.

Quero pedir a atenção dos senhores e das senhoras para que possamos ouvir - tive oportunidade de conhecê-lo hoje - o Adido Cultural do Consulado da República de San Marino, na África, nosso companheiro e amigo Quagliotti Silvestri Faá.

 

O SR. QUAGLIOTTI SILVESTRI FAÁ - Gostaria de não ser formal e cumprimento todos como queridos amigos.

A República de San Marino tem mais de 1.700 anos de história. Pequenininha, mas depois de mais de 17 séculos de independência ela pode mandar uma mensagem para a semana de solidariedade. A mensagem poderia ser compreendida em duas palavras: liberdade e paz.

Recebemos há pouco uma maravilhosa aula de ritmo. Tenho a persuasão de que ritmo e vida são a mesma coisa. Recebemos então uma grandiosa aula de vida.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Padre Enis, quero convidar o senhor para fazer uma saudação, porque estamos num movimento, numa luta contra a intolerância religiosa. E no diálogo inter-religioso o senhor tem sido combatente nesta Casa, prestando todo apoio e prestígio da Igreja Católica para, sobretudo, fazer uma aproximação com as religiões de matiz africana, dentre outras manifestações religiosas que se fazem presentes em nosso País e no mundo.

Quero agradecer ao senhor pela presença e passar-lhe a palavra.

 

O PADRE JOSÉ ENIS DE JESUS - Boa-noite a todos. Agradeço a oportunidade de participar deste evento, que é muito importante para a história do Brasil. Boa-noite, Professor Kabengelê, demais autoridades presentes, autoridades religiosas, povo dos orixás. É uma alegria poder participar da abertura deste grande evento, que lembra as nossas raízes tão discriminadas inclusive pela minha igreja.

Hoje, graças a Deus, estamos reunindo, cada vez mais, homens e mulheres de todas as religiões para celebrarmos juntos, como diz nosso grande professor, a construção da paz, a grande paz com que todos nós sonhamos.

Muito obrigado por esta possibilidade. Que os frutos deste encontro ajudem todos os brasileiros a reconhecerem que também somos negros, somos afro-descendentes.

Muita paz. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Quero convidar a Mametu Nkisi e Mãe Corajacy para, na tradição de Angola, fazer a saudação em nome de todos os angoleiros. A Mãe Corajacy está acompanhada da Mãe d’Angô e Tata Tauá.

 

A SRA. MÃE CORAJACY - A benção, d’Auá, a benção, Mãe d’Angô, a benção, meus sobrinhos, a benção, povo do Santo. Fui convidada a falar “Muito obrigada, Tiãozinho, pela oportunidade”. Como estamos num conjunto, não costumamos passar à frente do outro. Com muito respeito a Tauá, Tauá é que vai falar. Obrigada. (Palmas.)

 

O SR. TATA TAUÁ - Primeiro, boa-noite a todos. Queremos agradecer a esta Casa a oportunidade de poder falar e louvar uma coisa herdada de nossos ancestrais.

Somos hoje reconhecidos, eu não diria como religião, mas como culto herdado dos nossos ancestrais. Não temos tempo aqui de nos referir a todos eles. Gostaria então de dizer (frase em idioma estrangeiro), meus respeitos e minha licença aos meus ancestrais. E quando falo ancestrais, refiro-me a todas as etnias. (Palavras em idioma estrangeiro) Proteja os homens aqui presentes, as mulheres, os meninos e as autoridades.

Vamos lembrar um cidadão de Camulema, de nome Eugênio Felício Correia, que se chamava Tata Kiukuila. Viveu no Recôncavo Baiano e nos deixou algumas coisas como herança, dentre elas uma cantiga, que não é o Pai Nosso, mas é parecida. O Pai Nosso em quimbundo é outro.

 

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-         É feita a apresentação musical.

 

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Deus que está entre nós e a natureza, santificado seja o vosso nome. Derrame a vossa proteção aqui na Terra em todos os lugares. Proteja o povo aqui presente. Assim seja! Deus abençoe a todos nós. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Já quebrei o protocolo uma vez e vou quebrar pela segunda. O Prof. Jacchieri está entusiasmado, querendo fazer uma saudação. E quando as pessoas estão assim é porque têm coisas boas a falar.

Tem a palavra o Professor Carlos Jacchieri, Delegado Regional de Cultura da Grande São Paulo.

 

O SR. CARLOS JACCHIERI - Kabengelê lembrou que se costuma desconhecer a História da África. E a História Universal não a dispensa. O Egito, a civilização egípcia, foi uma civilização negra. Todos os monumentos, todas as estátuas são de gente negra. O Egito ficou branco pelas invasões, mas até o fim com Ísis e Osíris foi a segunda grande civilização da História que abriu as portas para a descoberta do astral.

A descoberta do mundo universal, do planisfério, começa no Egito, com as pirâmides dirigidas pelos meridianos e os paralelos, com as suas portas dirigidas para as constelações. O mundo do astral, o mundo da astronomia, começou definitivamente a ser constituído no Egito.

E foi o mundo dos astrônomos que abriu a filosofia na Grécia porque todos os primeiros filósofos foram, primeiro, astrônomos. E a outra civilização, que foi a Suméria, tem escrito em sua mitologia que o seu mais importante componente foi um grupo humano chamado Anunake, que era pequeno, provavelmente pigmeu e provavelmente africano.

A História da África faz parte da História Universal. Quem desconhece isso é simplesmente um ignorante comum.

Outra coisa: a África está presente na formação do que se chama cultura hebréia. Salomão levou para Israel a população negra da Rainha de Sabah e foi condenado por profetas por ter feito essa licença dentro do culto a Jeová.

Um outro detalhe: o Império Romano, a partir de Cipião Africano, no norte da África, que não era habitado pelos árabes - que depois a ocuparam, era uma civilização com gente negra. E Cipião Africano começou a organizar as legiões romanas com dois mil cavaleiros negros, que eram cavaleiros de elite das regiões romanas, e que foram levados como cavaleiros de elite para fundar a Europa, para fundar Bonn, Berlim, Nuremberg, Paris. E esses negros cavaleiros, levados pelo Império Romano, acabaram modificando o cabelo de metade da Europa; foram pessoas que entraram na genética européia.

Estou muito contente de ver aqui a representação dos orixás, dos babalaos, das yalorixás, que são do Candomblé, da Umbanda, e que essa tradição foi com os pais-de-santo, com a dignidade dada pela Princesa Akualturme ao Zumbi, ao Cangazuba, que formou isto que é o nosso Candomblé, que preservou na História do Brasil a tradição dos reis negros africanos.

A tradição da civilização africana é mais do que uma simples religiosidade, é uma constituição da espiritualidade do povo brasileiro.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Como eu disse, o Prof. Jacchieri tinha algo a nos dizer. E foram boas palavras. Mas Prof. Kabengelê dizia o seguinte: esta Sessão Solene tem sentido, assim como também frisou o Deputado Vaccarezza, se dermos seqüência ao que estamos aqui fazendo hoje.

A introdução da História da África nos currículos escolares do Brasil é um imperativo se quisermos, de fato, construir uma sociedade verdadeiramente democrática. Negando a nossa própria História, nossa resistência, negando inclusive a condição e a possibilidade de os brasileiros conhecerem a África, estamos omitindo, e deixando de recuperar o que foi dito pelo professor, a idéia de que mais do que uma paisagem, um canto ali do planeta Terra, estamos falando de um continente que tem uma história de mil e setecentos anos. Mas temos também outras histórias, a história do fóssil mais antigo até hoje encontrado pelos pesquisadores.

Mesmo sendo uma lei aprovada pelo Congresso Nacional, a primeira lei sancionada pelo Presidente Lula, a Lei nº 10.639 sofreu questionamentos de vários acadêmicos, questionando, inclusive, se era legal o Congresso Nacional aprovar uma legislação que, de certa maneira, impunha a obrigatoriedade de se ensinar a História da África, ou seja, nos negando o direito de conhecer a cultura africana, só nos oferecendo o estudo de outras culturas. É só abrirmos qualquer livro de História ou de Geografia do ensino médio e das nossas universidades que poderemos constatar essa realidade. E mesmo a História do povo egípcio, quando é colocada, não faz referência à África, como se fosse algo distante, um território à parte do continente africano.

Portanto, na nossa opinião isso também tem um objetivo estratégico, de negar os avanços da Física, da Matemática, da própria Medicina aos africanos e, portanto, dar aos europeus, de certa maneira, o privilégio de serem os detentores do conhecimento da ciência e dá também um suporte ideológico para a manutenção do preconceito racial. Não é por acaso que essas coisas acontecem. Também não é por acaso que estamos reunidos hoje.

Estamos reunidos para travar um combate em condições que eu considero muito mais favoráveis do que travou Zumbi e os próprios negros do continente africano. Temos uma Assembléia Legislativa, televisão, internet, vários instrumentos de que os africanos não dispunham no passado para valorizar sua cultura e para travar uma boa luta. Então, que utilizemos esses instrumentos para avançar as nossas conquistas.

Quero convidar, como último orador, o Sr. José Antonio dos Santos, Adido Cultural para as Comunidades do Consulado Geral de Angola no Rio de Janeiro.

 

O SR. JOSÉ ANTONIO DOS SANTOS - Boa noite a todos, senhores, senhoras, queridos compatriotas angolanos, endereço uma saudação a todos, principalmente aos meus compatriotas. Sinto-me muito honrado de estar aqui presente representando o Cônsul Geral de Angola num evento que considero de muita importância.

Angola sempre soube respeitar a história. O Brasil, país que tem alguns laços históricos com Angola, é para nós um país que merece uma certa importância.

Esta Sessão Solene veio no momento certo. Durante esta semana, discutiremos alguns assuntos, faremos uma reflexão bastante profunda sobre os mais variados problemas que tocam a África, um tema bastante discutido, muito analisado, tal como já foi referenciado pelas pessoas que me antecederam.

Estão de parabéns todos quantos contribuíram para que este evento se realizasse. Estão de parabéns os grupos culturais que aqui estiveram e que com o rufar dos tambores ajudaram espiritualmente a viajarmos um bocado para a África. Tudo que pude testemunhar foi uma cerimônia de extrema importância. Não vou me alongar mais porque as pessoas que me antecederam praticamente já disseram tudo. Apenas direi aos irmãos brasileiros que estão presentes, que tiveram essa iniciativa, que vocês estão no bom caminho, continuem assim. Muito obrigado.

 

O SR. PRESIDENTE - SEBASTIÃO ARCANJO - PT - Quero agradecer ao Brito Neto, do Instituto Amigos de Angola; Maria Cândida de Paula Tomás Souza, da Pastoral Afro da Igreja Nossa Senhora de Acheropita; Wides Ramos de Souza, da Banda Pedra do Pelô; Ângela Santos, do Centro Cultural Paulo Freire e da Marcha Mundial de Mulheres, da cidade de Diadema; Ricardo Eugênio Mariano, do Instituto Cultural Baobá; Maria Raimunda Reis, do Conselho Municipal da Pessoa Deficiente; José Reinaldo Araldo, representante da Negros e Políticas Públicas da Assembléia Legislativa, na pessoa de quem agradeço a dedicação de todos os funcionários da Assembléia Legislativa; minha mãe, Conceição Reis, do Movimento Negro Unificado e também do Intecab; Pedro Gomes Vaz, da Associação dos Estudantes de Guiné-Bissau; Claudinéia Apolinário, do Grupo Gira, da cidade de Diadema; Luis Paulo Lima, do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo. (Palmas.)

Essa agenda se articula com um conjunto de iniciativas do próprio Movimento Negro do Estado de São Paulo, da Frente Parlamentar pela Promoção da Igualdade Racial da Assembléia Legislativa, que tenho a honra de coordenar.

Convidamos a todos para, no dia primeiro de junho de 2004, participar de uma tribuna livre contra o racismo e impunidade e pela vida. Será às 18 horas no Auditório Franco Montoro. Está sendo organizado pelas entidades de movimento negro, pelas centrais sindicais e pela sociedade civil. Queremos fazer uma grande tribuna para não só denunciar o racismo, mas também criar as condições para apresentação de políticas públicas de promoção da igualdade, discutirmos legislações como as que foram citadas no início da Sessão Solene pelo nobre Deputado Cândido Vaccarezza.

Quero convidar todos para participarem de mais algumas atividades durante a semana. Amanhã, dia 25, teremos, em Campinas, às 9 horas, um ato solene no Instituto Cultural Babá Toloji, o organizador da exposição na entrada da Assembléia Legislativa. O endereço do Instituto é Rua Mário Bassani, nº 154, Jardim São Vicente.

Às 14 horas e 30 minutos, teremos a abertura oficial da exposição das culturas africanas, uma feira de livros, a apresentação da orquestra do Projeto Guri e palestra sobre a cultura africana no Brasil, com a Teresa Santos, historiadora e pesquisadora, e Emanuel Araújo, curador do Museu do Negro de São Paulo.

Teremos amanhã à tarde, na Assembléia, a presença da Ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Igualdade Racial, e da Sra. Cláudia Costin, Secretária Estadual de Cultura. No dia 26, faremos uma palestra sobre “A África frente às duras realidades da geopolítica internacional”, no Plenário Teotônio Villela. Teremos a presença do Professor Doutor José Maria Pereira, da Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro.

Aqueles que puderam ouvir o que Professor Kabengelê Munanga nos apresentou também terão oportunidade de ouvir o Professor José Maria e apreciar, com mais tempo, um pouco da questão política. A idéia desta semana era discutir os aspectos aqui trabalhados, a questão da religiosidade, da cultura, e também pensar a África nesse novo contexto internacional, frente a esses novos desafios.

No dia 27, teremos uma mesa redonda na Assembléia, quando iremos discutir as potencialidades econômicas entre o Brasil e a África. Aproveitando a presença do Presidente Lula na África, o que abre possibilidades de novos negócios de mercados, teremos a presença do nosso companheiro Nelson de Oliveira, Diretor das Linhas Aéreas da África do Sul no Brasil; do Sr. José Aparecido Barbosa, representante da Petrobras; do Sr. Oswaldo Nascimento, gerente de Cluster da IBM; do Deputado Nivaldo Santana, que irá coordenar a Mesa; do Sr. Mário Nelson Carvalho, militante do Movimento Negro, Diretor Presidente da Construtora Gomes Carvalho; do Sr. Aguinaldo Rocha, Cônsul de Cabo Verde em São Paulo; do Sr. Luis Felipe Galiano, representante da Embaixada de Angola.

Esta semana, como já disse, tem apoio da Petrobras, da Casa de Cultura Tainã, da Biblioteca Mário de Andrade, da Secretaria Estadual de Cultura, da Coordenadoria para Assunto da População Negra da Prefeitura de São Paulo, do Instituto Cultural Babá Toloji e do Fórum África, representado na mesa pelo nosso amigo Sadoo.

Antes de encerrar nosso evento, quero, mais uma vez, agradecer a presença de todos. O objetivo dessa lei, de certa maneira, está sendo materializado não só pela Sessão Solene, mas também pelo fato de estarmos escrevendo na história do Estado de São Paulo, até porque temos vários acontecimentos aqui que fazem alusão a outros povos e outras culturas.

A primeira intenção, confesso, era deixar marcada na história de São Paulo alguma referência. Se não pudéssemos realizar uma atividade como esta e outra que estamos realizando, que tivéssemos o registro histórico para efeito de reconhecimento. Quando olhamos o calendário oficial do Estado de São Paulo e do Brasil, notamos atividades várias, lembrando diversos povos. Não temos - ou não tínhamos - nenhum registro alusivo à história da África, à cultura africana, do ponto de vista oficial.

Tínhamos e temos expressões que estão, de certa maneira, no subterrâneo das nossas atividades, ou, muitas vezes, sendo tratadas como caricaturas, como objeto de sedução. E temos ainda aqueles que olham a África com o objetivo apenas de fazer negócio. A idéia era estabelecer um contraponto a tudo isso.

Acreditamos, apesar das diversas referências feitas a esse projeto de lei, que estamos cumprindo um dos nossos compromissos assumidos durante nossa campanha para Deputado Estadual. É uma experiência que vínhamos desenvolvendo na cidade de Campinas e queremos, com muita dedicação, levar para todo o Estado de São Paulo, em particular para este grande laboratório político, cultural e econômico-social, que é a cidade de São Paulo. Esperamos que os senhores possam compartilhar conosco de todos esses acontecimentos e eventos.

Quero dizer aos senhores que esta atividade só foi possível graças à dedicação de pessoas que contribuíram voluntariamente para sua realização. Tanto é que temos aqui uma exposição de quadros feita pela artista plástica Agnes, a quem eu gostaria que saudássemos com uma salva de palmas. (Palmas.)

Assim como à Agnes, agradecemos também às pessoas responsáveis pelo Acervo Cultural Babá Toloji, e outras manifestações. Muito obrigado a todos. Sabemos que, em cada canto do mundo, está presente um pedacinho da cultura africana e do povo africano. E é isso que queremos recuperar.

Esgotado o objeto da presente sessão, antes de encerrá-la, esta Presidência agradece às autoridades, aos funcionários desta Casa e àqueles que com suas presenças colaboraram para o êxito desta solenidade e convida a todos para um coquetel no Hall Monumental e para uma visita à exposição da artista plástica Agnes.

Está encerrada a sessão.

 

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-         Encerra-se a sessão às 22 horas e 19 minutos.

 

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