08 DE DEZEMBRO DE 2006

045ª SESSÃO SOLENE PARA ENTREGA DO “10º PRÊMIO SANTO DIAS DE DIREITOS HUMANOS”.

 

Presidência: ÍTALO CARDOSO


DIVISÃO TÉCNICA DE TAQUIGRAFIA

Data: 08/12/2006 - Sessão 45ª S. SOLENE  Publ. DOE:

Presidente: ÍTALO CARDOSO

 

ENTREGA DO "10º PRÊMIO SANTO DIAS DE DIREITOS HUMANOS"

001 - ÍTALO CARDOSO

Assume a Presidência e abre a sessão. Informa que esta sessão solene foi convocada pela Presidência efetiva, a pedido do Deputado ora na condução dos trabalhos, com a finalidade de entregar o "10º Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos". Anuncia as autoridades presentes. Convida a todos para, de pé, ouvirem a execução do Hino Nacional.

 

002 - LUÍS EDUARDO GREENHALGH

Deputado Federal, fala sobre a trajetória das duas pessoas que vão ser agraciadas com o Prêmio Santo Dias deste ano, as Senhoras Heide Ann Cerneka e Josephina Bacariça. Cumprimenta a Comissão de Direitos Humanos desta Casa, na figura de seu presidente Deputado Ítalo Cardoso pela iniciativa desta solenidade.

 

003 - Presidente ÍTALO CARDOSO

Divulga as mensagens recebidas felicitando as agraciadas pelo prêmio.

 

004 - RENATO SIMÕES

Deputado Estadual, parabeniza as ganhadoras do Prêmio Santo Dias deste ano. Discorre sobre os agraciados pelo prêmio desde que este foi instituído.

 

005 - Presidente ÍTALO CARDOSO

Diz sobre o significado do "Prêmio Santo Dias" e enumera todos os agraciados durante estes dez anos de existência. Menciona os 26 indicados deste ano.

 

006 - DULCE MAIA

Fala sobre a vida e a obra da Irmã Isabel de Oliveira, uma das 26 indicadas para receber o prêmio.

 

007 - Presidente ÍTALO CARDOSO

Conduz a entrega de homenagens.

 

008 - ANA MARTINS

Deputada Estadual, faz homenagem póstuma a Zorilda Maria dos Santos, que faleceu logo após sua indicação para o recebimento do Prêmio Santo Dias. Tece considerações sobre sua vida e seu trabalho.

 

009 - Presidente ÍTALO CARDOSO

Discorre sobre o trabalho Heidi Ann Cerneka na Coordenadoria da Pastoral Carcerária Nacional para as Questões Femininas, uma das agraciadas com o "Prêmio Santo Dias" deste ano.

 

010 - HEIDI ANN CERNEKA

Agradece o Prêmio e compartilha com todas as mulheres encarceradas que acompanha durante todos esses anos de trabalho na Pastoral Carcerária.

 

011 - Presidente ÍTALO CARDOSO

Fala sobre o trabalho de Josephina Bacariça, membro da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo e do Grupo de Trabalho da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública de São Paulo, também agraciada com o "Prêmio Santo Dias" deste ano.

 

012 - JOSEPHINA BACARIÇA

Agradece o Prêmio. Defende um Brasil de inclusão, com participação popular e a realização do atendimento de suas necessidades mínimas.

 

013 - Presidente ÍTALO CARDOSO

Informa o convite da Deputada Ana Martins para um ato que se realizará no dia 11 de dezembro, segunda-feira, às 19 horas, no Auditório Franco Montoro, nesta Casa, para tratar dos 30 Anos da Chacina da Lapa. Agradece a todos que colaboraram para o êxito desta solenidade. Encerra a sessão.

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.

 

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- É dada como lida a Ata da sessão anterior.

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Srs. Deputados, compõem a Mesa: Deputado Federal Luiz Eduardo Greenhalgh; Desembargador Antônio Carlos Malheiros; as nossas grandes homenageadas de hoje, Heidi Ann Cerneka e a Josephina Bacariça; Dr. Carlos Cardoso, da Promotoria de Cidadania do Ministério Público; Dr. Ewerton de Souza, representando o Presidente da OAB, Sr. D'Urso; Sr. Willian Fernandes, ouvidor da Defensoria Pública; Sra. Irina Bacci, da Inova, Associação Brasileira de Famílias GLTTB e do Fórum Paulistas GLBTT; Sra. Marisa Fernandes, do Condepe; Sr. Rogério Mamão Gouveia, da Fundacentro.

Srs. Deputados, minhas senhoras, meus senhores, esta Sessão Solene foi convocada pelo Presidente desta Casa, nobre Deputado Rodrigo Garcia, atendendo solicitação deste Deputado, com a finalidade de entregarmos o 10o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos.

Convido todos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro, executado pela Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

 

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- É entoado o Hino Nacional Brasileiro.

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Convido o Deputado Renato Simões e a Deputada Ana Martins para comporem a Mesa.

Tem a palavra o nobre Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh.

 

O SR. LUIZ EDUARDO GREENHALGH - Sr. Presidente, nobre Deputado Ítalo Cardoso, esta Sessão Solene já se tornou costume nesta Casa como uma iniciativa da Comissão dos Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo de agraciar os paulistas que se dedicam à defesa dos direitos humanos. Tenho muita honra de estar aqui, como sempre faço, mas hoje numa situação peculiar, pois acompanho a trajetória das duas pessoas que vão ser agraciadas com o Prêmio Santo Dias, há muitos anos.

Com relação à Jose, acompanho sua trajetória como perseguida política, como lutadora dos direitos humanos, como uma pessoa que ofereceu a dedicação de sua militância à restauração da democracia no Brasil. E é hoje sem dúvida um marco, um símbolo desta luta pela defesa dos direitos humanos contra a repressão policial, militar e política. Portanto, sinto que este prêmio que hoje é dado a ela, é um grande reconhecimento de nós todos que acompanhamos a sua trajetória ao longo desses anos.

Eu me sinto honrado por estar vivo, para estar nesta sessão em homenagem a ela.

Heidi, você é uma pessoa que conheci há menos tempo que a Jose, mas também tem a minha admiração. Nas vezes em que você compareceu ao Congresso Nacional e nas audiências públicas que tivemos sobre a situação da mulher encarcerada no Brasil - e em especial em São Paulo - foi o quanto bastou para eu verificar a justeza dessa sua premiação.

Hoje, no nosso Estado e no nosso País, você é também um símbolo de uma mulher que luta pelos direitos das mulheres que não têm direitos - direitos das mulheres que estão encarceradas - as quais, portanto, são humilhadas nesse sistema penitenciário podre que vivemos na nossa sociedade.

Eu queria dizer também que sinceramente sinto-me muito honrado por estar aqui e ser o primeiro a falar nesta cerimônia de entrega do Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos. Agradeço a todos pela gentileza.

Quero cumprimentar o Deputado Ítalo Cardoso, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia, pelo seu excelente trabalho à frente dessa comissão. Aliás, essa comissão, ao longo dessa trajetória em São Paulo, vem tendo como presidentes pessoas absolutamente dedicadas à militância dos direitos humanos. Entre nós está o Deputado Renato Simões, que também é um marco e um símbolo desta luta da nossa terra, assim como o Antonio Carlos Malheiros, atual Presidente da Comissão de Justiça e Paz, de quem tive a honra de ser colega de classe na Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

Valeu a pena esta luta, valeu a pena estarmos aqui comemorando a entrega desse prêmio! Muito obrigado a vocês! (Palmas).

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Foram enviadas a esta comissão algumas cartas de pessoas e entidades que não puderam comparecer a esta solenidade.

Há uma aqui do Senador Eduardo Suplicy, endereçada a Jose:

“À querida Jose Bacariça,

Meus cumprimentos por estar recebendo o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos. É uma justiça e uma homenagem à sua longa dedicação e presença tão relevantes em todos os momentos dos importantes movimentos por liberdade, justiça e democracia ao longo de sua vida.

Um abraço, do amigo Eduardo Suplicy.”

Há também o documento enviado pelo Grupo de Trabalho da Ouvidoria e Defensoria Pública do Estado de São Paulo, composto pela Comissão de Justiça e Paz, Condepe, Fala Preta, IDDD, Pro Bono e Movimento Nacional de Direitos Humanos.

Também há a carta do Sr. Luiz Flávio Borges D’Urso, embora representado nesta Casa na noite de hoje, solicitando e indicando o Dr. Antonio Everton de Souza.

Há também uma carta muito bonita da Vereadora Heleni de Paiva, nossa parceira em Santo André, da Comissão de Direitos Humanos, que não pôde comparecer.

Há também correspondência do Procurador-Geral de Justiça, Dr. Rodrigo César Rebello Pinho, felicitando a todos. Ele envia um forte abraço e indica a presença do nosso parceiro de sempre, companheiro Carlos Cardoso.

Concedo, então, a palavra ao Deputado Renato Simões.

 

O SR. RENATO SIMÕES - PT - Caro companheiro Ítalo Cardoso, Presidente da Comissão de Direitos Humanos; Deputada Ana Martins; nossas homenageadas com o Prêmio Santo Dias de hoje, Heidi, Jose, Deputado Greenhalgh, Desembargador Malheiros, pessoas que representam todos os que estão aqui, militantes da causa dos Direitos Humanos, e que nos encontramos anualmente neste Plenário, para homenagear pessoas como nós, pessoas que se dedicam na sua vida à promoção da defesa dos Direitos Humanos.

O caráter excepcional dessas pessoas não está na sua diferença conosco, está naquilo que nos aproxima delas. Os trabalhos que a Jose e a Heidi fazem em defesa dos Direitos Humanos são trabalhos que se referenciam naquilo que fazemos. E é por isso que todas as demais pessoas que aqui estão e que receberão também as suas homenagens - as pessoas que foram mencionadas e sugeridas para o prêmio -, são dignas de estarem aqui.

Este Parlamento é a Casa de quem acredita que é possível São Paulo ser diferente, o Brasil ser diferente, o mundo ser diferente.

É por isso que também estamos tomados pelos mesmos sentimentos expressos aqui pelo companheiro Greenhalgh. Refiro-me à emoção daqueles que acreditam que este é o nosso espaço, e que o espaço dos Direitos Humanos é ganhar cada vez mais a sociedade, o Parlamento, os governos, os poderes do Estado, para que eles sejam um instrumento de serviço à promoção dos direitos da pessoa.

Por isso eu queria registrar que esta é uma ocasião especial. Em 1997, pela primeira vez esse prêmio foi concedido a Dom Paulo Evaristo Arns, o nosso pai de todos. Aquele que nos anos mais difíceis das nossas vidas, pudemos olhar e dizer: “Ali estamos nós. Ali está uma âncora, ali está um sinal, ali está um farol para aquilo que queremos para o Brasil.”

Não é a primeira vez que a Pastoral Carcerária recebe esse prêmio na pessoa da Heidi. Em 1998, foi a vez da Pastoral da Arquidiocese de São Paulo receber o prêmio, pelo Padre Chico, que também nos ensinou o que é a cadeia. Aliás, se não fosse ele, não saberíamos o que é o mundo do presídio, os caminhos dos cárceres e a libertação das pessoas encarceradas.

Da mesma forma que a Jose, ele foi uma pessoa presente desde a luta para constituir essa comissão, quando em 95 enfrentávamos resistência para a aprovação da Comissão de Direitos Humanos nesta Casa. Depois, nas conferências dos programas estaduais de direitos humanos, na construção do Condepe - um conselho que se tornou referência para muitos outros estados em termos de atribuições da sociedade civil no controle do Estado.

Então, tudo isso passa pelos nossos olhos neste momento.

Vocês sabem que esta é a última cerimônia de entrega do Prêmio Santo Dias da qual participo como Deputado. Provavelmente, no ano que vem, eu, o Ítalo e o Greenhalgh estaremos sentados os três aqui, do lado de baixo, com vocês, que é o nosso lugar, e que sempre foi, e sempre será: o lugar daqueles que ocupam o seu espaço na sociedade e que defendem, portanto, esta sociedade cada vez mais justa, cada vez mais igualitária e cada vez mais fraterna.

Sentimo-nos felizes por ter pessoas como a Heidi e a Jose ao nosso lado, ao longo de toda essa caminhada. Parabéns a vocês, a nós e a todos os lutadores dos direitos humanos aqui de São Paulo! (Palmas).

 

O SR. PRESIDENTE - ITALO CARDOSO - PT - Também está presente entre nós a ex-Vereadora Lucila, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, e a ex-Deputada Bia Pardi.

O Renato lembrou que todos os Deputados que estão aqui estarão desempregados no ano que vem. A Deputada Ana também é uma das não-contempladas que, inclusive, falará mais tarde.

Faremos uma homenagem à Zorilda, uma militante, que alguns dias depois da indicação veio a falecer. Faremos, portanto, uma homenagem mais à frente.

Temos também um e-mail do Sr. Presidente da Comissão Municipal de Direitos Humanos, Sr. José Gregori, que agradece o convite, mas em função de atividades já agendadas não pôde comparecer.

Da Universidade Estadual de Campinas, assinado pela Sra. Maria Angélica Weister; também parabeniza o Vereador Agnaldo Timóteo.

Esta é a décima Sessão Solene em que se entrega o Prêmio Santo Dias, que foi criado há dez anos. Não é necessária muita explicação, pois que todos conhecem o militante que foi Santo Dias, sabem da sua morte, do porquê da sua morte na porta da Fábrica Silvânia, na Zona Sul de São Paulo, numa greve em 1979. O companheiro Santo Dias, portanto, empresta o seu nome para que os militantes de Direitos Humanos, nesta cidade e neste Estado, sejam agraciados.

Esta Casa, então, aprovou esse prêmio e os primeiros a recebê-lo foram Dom Paulo Evaristo Arns, em 1997; a Pastoral Carcerária, em 1998; o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, junto com o Dr. Hélio Bicudo, em 1999; a Irmã Dolores e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, em 2000; a União de Mulheres e a Revista Sem Fronteiras, em 2001; o Fórum Permanente de ex-Presos e Perseguidos Políticos, em 2002; o Grupo de Teatro União e Olho Vivo e Waldemar Tebaldi, em 2003; Ana Dias, em 2004; o Movimento pela Defensoria Pública e a advogada Valdânia Paulina, em 2005.

Neste ano foram feitas 26 indicações subscritas por representantes de entidades e movimentos sociais e também por parlamentares. No dia 30 de novembro os membros da Comissão ouvem as entidades, os assessores e os movimentos organizados e, então, fazem a indicação.

No ano passado iniciamos a prática de oferecer um diploma, que é também um reconhecimento a todos que foram indicados, porque, só o fato de ser indicado já mostra a história, já mostra o mérito que tem. Portanto, como forma de gratidão por essa luta e reconhecimento por esse compromisso resolvemos também oferecer um diploma a todos os indicados.

Assim, neste ano foram feitas 26 indicações, além das duas indicações da Jose e da Heidi, que serão as grandes homenageadas de hoje.

Dos 26 indicados o nome indicado pela Deputada Ana Martins foi o da companheira Zorilda, militante de movimento popular da Zona Leste, militante do Partido PCdoB, militante que pode ser vista em todas as lutas desta cidade por moradia, pelos direitos humanos, pelos direitos das mulheres. Infelizmente a companheira Zorilda faleceu no dia 11 de novembro.

Na Comissão, por unanimidade, resolvemos pedir que a Deputada Ana Martins - que muito mais do que Deputada foi companheira, amiga de Zorilda durante longos anos - contasse-nos um pouco da história de vida da Zorilda para que também pudéssemos fazer uma homenagem a essa companheira pela sua luta, pela sua vida e pela sua trajetória.

Ao final faremos essa homenagem, ouvindo a Deputada Ana Martins que foi parceira de luta. Com certeza as duas aprenderam muito uma com a outra, ao longo de todos esses anos.

Agora, faremos menção aos 26 indicados. Esta Sessão Solene está sendo transmitida ao vivo pela TV Assembléia. Por isso teremos que tomar cuidado com o tempo. No ano passado a sessão foi até quase meia-noite. Neste ano teremos que ser um pouco mais rápidos. Assim, vamos fazer a indicação, dizer os nomes dos indicados e entregar-lhes os diplomas. Depois faremos a homenagem à Zorilda e, por fim, a entrega do diploma às duas premiadas.

Para a primeira entrega convidamos a Sra. Dulce Maia para que, em nome de todos os indicados, fale um pouco sobre a vida da Irmã Isabel de Oliveira, que é uma das 26 indicadas.

Convido a Dulce para que venha à tribuna. Convido, também, a Irmã Isabel, apesar de não saber se ela consegue se locomover com facilidade. A Irmã Isabel, conhecida como Irmã Assunção, começou o seu trabalho junto às mulheres excluídas ainda na década de 1940. Ela trabalhou no presídio, em Tremembé, foi diretora da Penitenciária Feminina do Carandiru e é parte importante da vida de muitas ex-presidiárias. Por isso o convite para que a companheira Dulce fale um pouco dessa história.

 

A SRA. DULCE MAIA - Vocês devem até achar engraçado eu dizer que tive lembranças tão boas de um presídio. Esse presídio, que era dirigido pela Irmã Assunção, ficou na memória, uma memória muito boa, uma lembrança de 37 anos. Depois de todo esse tempo é uma grande satisfação poder homenageá-la.

Vou homenagear também a Jose, uma grande companheira. Sinto-me muito honrada por estar aqui participando da entrega do Prêmio Santo Dias.

A minha emoção é muito grande ao falar da Irmã Assunção. Vou fazer um depoimento sobre a Irmã que talvez não imaginasse que eu tivesse uma lembrança tão boa da presença dela em minha vida.

Minha mãe teve uma morte acidental em 1969. Fui a primeira presa política em São Paulo. Como não sabiam muito bem o que fazer comigo, mandaram-me para vários presídios, até que cheguei à Penitenciária e lá estava quando minha mãe faleceu. A Irmã Assunção chamou-me, levou-me para um lugar que mais parecia um internato. Ela levou-me para um lugar muito bonito, um jardim de inverno, e preparou-me para falar da morte de mamãe.

Como se isso não bastasse, ela ainda foi falar com um juiz da 2ª Auditoria Militar, pedindo para me levar ao enterro. Eu iria em companhia dela. Até pensei que mesmo que houvesse possibilidade de fuga eu não faria isso por causa dela, que teve um gesto tão bonito, tão nobre.

Ele não deixou. Lembro-me muito bem do que ela disse - minha memória é muito ruim, mas essa lembrança é muito forte: “Mas ela irá comigo”. Ele continuou dizendo que não. Terminado o telefonema ela ligou para o velório em que minha mãe estava sendo velada e passou o telefone para que eu falasse com meus irmãos, com meu pai e com amigos.

A seguir, ela convidou-os para que viessem ao presídio depois do enterro e eles puderam, então, estar comigo naquele momento, que era muito difícil para todos nós.

Mamãe também era uma combatente, uma mulher de muita garra, de muita força. Eles vieram e foram informados de que a irmã estava preparando a maior surpresa, que era uma missa de 7º dia para mamãe, na Capela do Presídio. A missa foi belíssima com a presença não só de meus familiares, mas até de amigos e outros parentes, que não podiam me ver porque eu fiquei presa muitos meses e, quando fui para a penitenciária, eu só tinha autorização para ver meu pai e meus irmãos.

Então, essa é a madre Assunção, maravilhosa, que hoje a reencontro com muita alegria. Vim do interior para vê-la, quando soube que ela era uma das indicadas, pois tenho uma gratidão enorme, uma lembrança belíssima dela.

Agora vou falar de uma outra irmã, madre Tereza, que também foi maravilhosa para mim no presídio. Ela, numa cela, que não era bem uma cela, era um quarto na verdade, porque não tinha grades, depois de muitos presídios terríveis que eu havia passado - e esse eu até brincava que não deixava de ser uma gaiola, mas era de ouro -, tinha um relacionamento muito bonito comigo, que era a única presa política, e com as presas comuns.

A madre Tereza veio me ver no meu primeiro dia na prisão. Eu não podia ter contato com as outras enquanto não fizesse o exame médico, e recebesse algumas vacinas. E ela me disse uma coisa muito bonita: “No céu, nós vamos ter muitas surpresas, porque vocês lutam pela verdadeira fraternidade.”

Essa madre identificou-se como sendo da família Mata Machado, uma família mineira que eu conheço bem, parente de Edgar Mata Machado, uma grande figura, uma grande personalidade em Belo Horizonte, que teve um filho, mas que, depois, veio a ser morto. E ela não sabia que esse seu parente também estava na luta. Este é o meu depoimento. Obrigada. (Palmas.)

 

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- É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Muito obrigado, Dulce. Muito obrigado, irmã Assunção.

Está aqui presente também o Deputado Federal Paulo Teixeira.

A indicação da irmã Assunção foi feita pela Deputada Ana Martins.

Convido agora a Isabel Peres, que representa aqui hoje, além de toda a sua história, a ACAT - Ação dos Cristãos pela Abolição da Tortura - organização não-governamental que denuncia a tortura, a violência policial, além de acompanhar o tratamento às vítimas dentro e fora do sistema prisional. Atua em São Paulo desde 99 junto aos torturados e seus familiares, prestando atendimentos psicossocial, espiritual, educativo e médico.

Vou convidar também o fundador da ACAT, companheiro Paulo Sampaio, para entregar à Isabel Peres esse troféu, esse diploma da ACAT, pelo trabalho que vem desenvolvendo no Estado e na Cidade de São Paulo.

 

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- É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - O prêmio ACAT foi indicado pelo companheiro Bernard, que também é da equipe dos fundadores da ACAT.

O Dr. Jorge Márcio Pereira de Andrade é psiquiatra, psicanalista, fundador do DEFNET - Centro de Informática e Informações sobre Paralisias Cerebrais -, e integra o Conselho Consultivo do Centro de Vida Independente de Campinas, entidade que o indicou para o prêmio.

Para receber o prêmio, em nome do Dr. Jorge, eu convido a Professora. Dra. Shirley da Silva, que preside o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Campinas.

Convido o companheiro, Deputado Renato Simões, para que faça a entrega do diploma.

 

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- É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - O próximo indicado é o Padre Valdir João, Coordenador Estadual da Pastoral Carcerária. Ele é um exemplo de compromisso com a cidadania, de amor ao próximo, sobretudo praticado nas lutas em defesa das pessoas encarceradas em nosso Estado e em todo país. Foi indicado pelo Padre Gunther Zgubic, também membro da Pastoral Carcerária.

Convido a companheira Michael para entregar o diploma.

 

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- É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - O próximo indicado é a Rede Criança de Combate à Violência Doméstica. Criada por um grupo de profissionais da zona Leste da Capital, atua na prevenção e atendimento às famílias da periferia. É referência no atendimento à criança e ao adolescente vítima de violência doméstica e sexual.

A indicação foi feita pela Deputada Ana Martins, a quem convido para fazer a entrega do diploma a Sra. Giovana Godini Martins.

 

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- É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - A próxima indicada - conhecida desta Casa e de todas as casas de lei, porque, onde tem uma casa de lei, ela está lá militando - é a companheira Michael Mary Nolan, fundadora do Centro Santo Dias e do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos. Ela é do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania. Faz parte do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e integra o Conselho Consultivo da Ouvidoria da Defensoria Pública.

Peço ao seu parceiro de longos anos, Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, para que faça a entrega do diploma.

 

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- É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - O próximo indicado é vereador em Piracicaba, companheiro Antonio Osvaldo Storel, com atuação destacada em defesa dos direitos humanos, tendo presidido a Comissão de Direitos Humanos daquele município. Criou o Fórum da Cidadania, Justiça e Cultura de Paz, e desenvolve um trabalho contínuo com representações sociais diversas no espaço criado para discutir problemas da criança, do adolescente, do idoso e dos direitos humanos.

Foi indicado pelo Deputado Roberto Felício. Convido seu filho, Storel, militante do Incra, um daqueles que nos últimos anos esteve à frente da luta pela divisão da terra e da reforma agrária neste país, para fazer a entrega do diploma.

 

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- É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - O próximo é o Centro de Amparo e Proteção à Infância São Francisco de Assis, que atua junto a famílias de baixa renda, trabalhando também junto a crianças que têm problemas na face, como lábio leporino e outros.

Foi indicado pela Coreógrafa Vânia Eustáquia e pela professora Flora Mátria.

Convido a Sra. Vânia Eustáquia Ferreira de Lima para receber a homenagem. Para fazer a entrega, convido o Deputado Paulo Teixeira.

Enquanto aguardamos, a Presidência anuncia a presença da companheira Márcia Regina da Silva, vice-Prefeita de Taboão da Serra.

 

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- É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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Convido o Sr. Romeu Kazumi Sassaki, que tem mais de 40 anos de trabalho em defesa dos direitos da pessoa com deficiência, principalmente nas áreas do trabalho, educação, lazer, turismo, transporte e acesso a edifícios públicos.

Foi indicado pelo Centro de Vida Independente Araci Nallin/SP e por Teda Ferreira Pellegrini.

Para receber a homenagem, convido o Sr. Romeu Kazumi Sassaki e o Padre Gunther para fazer a entrega.

 

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- É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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Convido a Sra. Silvana Veríssimo para receber a homenagem, ela que é Diretora do Grupo de Mulheres Negras Nzinga Mbandi. Atua na defesa da população negra, de cidadãos homossexuais e adeptos das religiões de matriz africana.

Foi indicada pelo Conselho Municipal da Comunidade Negra de São Sebastião; ABC contra o Racismo; Associação de Homossexuais de São Paulo; Articulação Nacional de Mulheres Negras; Associação de Mulheres do Interior Paulista; Fórum de Entidades Negras do Interior; Fórum Nacional de Entidades Negras; Frente Parlamentar pela Igualdade Racial; Instituto do Negro Padre Batista; Liga Brasileira de Lésbicas; Rede Afro-latina de Mulheres Negras, Rede Nacional de Mulheres Negras, entre outras.

Para fazer a entrega, convido o Ouvidor da Defensoria Pública, companheiro William.

 

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- É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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Temos ainda a União Popular de Mulheres de Campo Limpo para receber a homenagem. A União Popular de Mulheres de Campo Limpo luta pela emancipação das mulheres em defesa dos direitos sociais e desenvolvimento de atividades de apoio às desempregadas gestantes, bem como mulheres, adolescentes e crianças vítimas de violência sexual e doméstica.

Foi indicada pela Deputada Ana Martins para receber o prêmio.

Convido Luciene Rosa Baliza e a ex-Vereadora Lucila Pizani para fazerem a entrega.

 

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- É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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Temos ainda entre os indicados o LACRI, Laboratório da Criança, que desenvolve estudos e pesquisa de natureza transdisciplinar sobre a infância. Capacita profissionais através do Telecurso de Especialização em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes, preparando e formando defensores de Direitos Humanos.

Convido para receber a homenagem a Sra. Maria Amélia Azevedo e a Deputada Ana Martins, que indicou o prêmio, para fazer a entrega.

 

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- É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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Ainda na nossa lista de homenageados temos o Centro de Direitos Humanos Educação Popular de Campo Limpo, que tem como objetivo contribuir para a formação e articulação de atores sociais, visando uma sociedade justa e solidária de pleno exercício da cidadania e dos direitos à luz dos Direitos Humanos e do respeito ao meio ambiente.

Indicado por Leda Aschermann, Deputado Carlos Neder, Padre Jaime, José Carlos Pegollaro, Deputado José Eduardo Martins Cardoso, Instituto contra a Violência, Fórum em Defesa da Vida, Fórum de Organizações Sociais, SOS Guarapiranga, entre outros.

Convido o Dr. Carlos Cardoso para entregar a Lucila Pizani o diploma em nome do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo.

 

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- É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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Convido o Sr. Danilo Silveira Manha, jornalista. Atua em Atibaia e municípios vizinhos. Desenvolveu de forma voluntária um projeto de videoreportagem exibido semanalmente na TV Altiora, Bragança Paulista e Atibaia, mostrando o trabalho das entidades assistenciais.

Foi indicado pelo Deputado Sebastião Batista Machado.

Peço, então, ao Padre Valdir para fazer a entrega do diploma ao Sr. Danilo Silveira Manha.

 

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- É feita a homenagem. (Palmas.)

 

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Neste momento vamos passar à homenagem da Sra. Zorilda Maria dos Santos.

Peço à Deputada Ana Martins que fale um pouco sobre a história da Sra. Zorilda, da sua luta, da justeza de sua indicação, pelo trabalho que desenvolveu durante toda a sua vida.

Tem a palavra a nobre Deputada Ana Martins.

 

A SRA. ANA MARTINS - PCdoB - Sr. Presidente, Deputado Ítalo Cardoso; Deputado Renato Simões; Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh; Dr. Malheiros; demais componentes da Mesa; entidades e instituições presentes neste plenário para a realização deste evento tão importante que é o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos.

Em primeiro lugar vou cumprimentar a Jose e a Heidi por terem sido designadas como as que receberiam hoje o prêmio Santo Dias. Mas todas as entidades e instituições mencionadas têm um significado importante. Isso mostra que ainda temos os Direitos Humanos muito violados. Temos ainda injustiças sociais gritantes e consideramos que a atuação política dos parlamentares comprometidos tem um conteúdo de compromisso e de busca de justiça social. A política precisa servir à construção dessa justiça.

Vou fazer aqui uma homenagem póstuma a Zorilda Maria dos Santos e contar um pouco da história dela que vem enriquecer este evento.

Zorilda uma jovem baiana de Alagoinhas que aos 15 ou 16 anos vem para São Paulo, para lutar, para ganhar a vida. Vai morar no Brás e começa a trabalhando como ambulante, depois trabalha como balconista, depois trabalha como auxiliar de cozinha, cozinheira. Zorilda, negra, de família popular, desde menina dizia que dentro dela tinha alguma coisa que dizia que ela tinha que lutar pela justiça. E ela, em São Paulo, começou a participar da luta pelos direitos dos encortiçados no Brás. Depois ela mudou para a periferia da Zona Leste e, em 1986, fazendo parte da alfabetização de adultos, como milhões de migrantes que vêm para São Paulo, Zorilda começo a participar do movimento de moradia. Filiou-se ao PCdoB e desde então Zorilda nunca mais deixou de participar de todas as lutas de interesse dos que sofrem alguma injustiça.

Zorilda, negra, mulher, migrante, mas lutadora, combativa. Zorilda fez parte do movimento de moradia, ajudando a organizar mutirões, lutas pela regularização, participava de mesas de debates, com tão pouco estudo, mas aprendeu muita coisa da engenharia, muita coisa do direito, muita coisa de tudo aquilo que o povo poderia ter se tivesse tido a oportunidade de estar num curso de nível universitário. Mas a Zorilda aprendeu de tanto participar. Conseguia debater com engenheiros, com advogados, com sociólogos, com advogados, com assistentes sociais e defendia aquela opinião que era mais justa para o povo. Não atinha um evento ou ato político, ou comemoração, em que a Zorilda não tivesse um jeito de falar, e expressivamente defender o direito dos que sofrem ainda a injustiça, a desigualdade e que, até o fim da vida, nos dois últimos anos, teve que enfrentar um câncer muito grave, mieloma múltiplo, e a Zorilda lutou até o último instante, ainda organizando através do telefone do hospital, um mutirão em Suzano. E um dia antes de morrer, ainda foi à Secretaria de Habitação de muletas e cadeira de rodas, para defender aquilo era interesse do movimento de moradia.

Nós aqui queríamos lembrar da Zorilda, porque pessoas como ela, que tiveram pouca chance de poder estudar, tiveram pouca oportunidade de ter seus direitos garantidos, quando toma consciência da importância da vida, da importância do ser humano, da possibilidade da transformação que se pode fazer na sociedade, essas pessoas têm a capacidade que a Zorilda tem. Então deixo aqui essa singela homenagem póstuma e dizendo que a Zorilda foi uma lutadora dos direitos humanos. Por isso vamos dizer juntos: Zorilda você está presente. Zorilda você está presente, simbolizando todos os negros, todos os imigrante, todos os nordestinos e todos aqueles que ainda não tem o seu direito à moradia, a uma profissão, seu direito de chegar a um curso universitário. Muito obrigada. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT- Deputada Ana Martins, gostaria que V. Exa. entregasse o diploma ao irmão da Zorilda, Sr. Audemário Bernardo dos Santos, presente nesta sessão solene, como homenagem póstuma à Zorilda.

 

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- É feita a entrega do Diploma. (Palmas.)

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Vamos então à entrega das duas indicadas vencedoras: Heidi Ann Cerneka e Josephina Bacariça. Foram duas escolhas unânimes pela Comissão de Direitos Humanos, até porque as duas têm uma trajetória de vida muito semelhante, a luta pelos direitos humanos, a luta pelo direito das mulheres. São duas histórias distintas, que convergem para um único ponto: a defesa desses direitos fundamentais.

As duas nasceram no dia 9 de julho. Uma em Minas Gerais, na cidade de Nepomuceno, não precisa nem dizer que é a Josephina Bacariça, e a Heidi Ann Cerneka, de Connecticut. A Heidi Ann Cerneka é teóloga, trabalha na defesa dos direitos humanos, dedicando-se especialmente a mulheres encarceradas, bacharel em estudos religiosos e decidiu desenvolver seu trabalho no Brasil, sendo hoje Coordenadora da Pastoral Carcerária Nacional para as Questões Femininas, e também integrante do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania. Por mais de dez anos, realiza um trabalho voluntário que se estende também por vários países da América Latina.

Não há entre nós quem conheça mais a realidade dos encarcerados femininos, que receba das presidiárias maior demonstração de respeito e carinho do que ela. Sua luta pelo bem-estar da pessoa, esteja ela dentro ou fora dos muros, tentando conciliar os interesses da sociedade livre com os das mulheres encarceradas, sem se afastar do seu objetivo maior que é o de conseguir a implementação de políticas públicas para o setor. É uma mulher decidida, sem preconceitos, sensível e defensora de idéias voltadas ao bem-estar do ser humano.

Nós, na Comissão de Direitos Humanos, estamos acostumados aos telefonemas da Heidi Ann Cerneka, buscando sempre ajuda desesperada. Quando ela liga já sabemos que é encrenca, não tem jeito, tem algo de grave acontecendo. Com certeza é uma das pessoas respeitadas e temidas pelas autoridades do sistema carcerário desse Estado, porque sabem que também ela tem o conhecimento, que tem a informação, que tem clareza e que sempre sabe o que está falando.

Muito justa a indicação, e justa ao nosso ver também a premiação. Por isso peço ao companheiro Luiz Eduardo Greenhalgh para que faça a entrega do Diploma Santo Dias da Silva de Direitos Humanos à Heidi Ann Cerneka. (Palmas.)

 

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-É feita a entrega do Diploma. (Palmas.)

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Tem a palavra a premiada Heidi Ann Cerneka.

 

A SRA. HEIDI ANN CERNEKA - Muito obrigada, Sr. Presidente, Deputado Ítalo, já liguei muitas vezes na verdade; Deputado Luiz Eduardo, boa-noite a todos.

Quando ouvi todas as pessoas e toda a força que existe nesta sala, fiquei superconfiante de que vamos conseguir mudar o mundo. Agora tenho a confiança de que algum dia nós vamos conseguir.

Peço desculpas porque vou ler, pois sempre fico com medo de esquecer o que quero falar.

É uma grande honra receber este prêmio - estou aqui hoje no plenário repleto de colegas, parceiros, e ainda mais as pessoas o que eu considero meus professores e professoras na luta para os direitos de todos. Já aprendi muito de muitas pessoas aqui, e já lutei e comprei bastantes brigas junto com muitas pessoas aqui. (Acredito que ainda temos algumas brigas para frente, não é?)

Sei que parece um pouco exagerado, mas juro que muitas vezes, eu paro para pensar sobre todas as pessoas maravilhosas com quem eu tenho privilégio de conhecer ou trabalhar junto, e já me sinto premiada mil vezes.

Especialmente as pessoas de Maryknoll, os missionários que me acompanham nesta caminhada, e também, meus parceiros no dia a dia - o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e a Pastoral Carcerária – duas entidades que estão envolvidas diretamente na busca de um mundo melhor - e especificamente para as pessoas encarceradas e o grupo de Estudos da Mulher Encarcerada - um grupo maravilhoso, composto de pessoas de várias entidades, que consegue fazer muitas coisas, em defesa da mulher encarcerada.

Sinto também que este prêmio está compartilhado com todos as mulheres encarceradas que tenho acompanhado através dos anos. Elas também são minhas professoras - aprendo diariamente com elas - aprendo que Deus é muito maior de todos nós - e elas nunca abrem a mão da sua fé, mesmo nos piores condições; aprendo que não pode desistir nunca, mesmo quando tudo parece impossível. Outro dia, urna ex-detenta, Vilma foi à Pastoral para buscar uma assistência. Ela acabou de sair do presídio depois de 17 anos presa - e tudo que ela queria foi alguns tupperware, garrafas térmicas e um carrinho para começar trabalhar. Temos que apostar as Vilmas da vida!

E nós todos sabemos que temos muita luta para frente ainda - veja a história que deu manchete esta semana: da Daniele Toledo de Prazo, presa erroneamente, que foi torturada na cadeia com conivência e apoio dos carcereiros. Por que demorou 40 dias para sair um laudo definitivo confirmando que na verdade, não havia nenhuma cocaína na mamadeira da filha? Por que ela já passou por tantos juizes antes de chegar perante qualquer um? (a médica que já chamou de assassina; os policiais que incentivou a tortura da Daniele; as outras presas que aproveitaram a conivência dos policiais para torturá-la)? Como nós, como sociedade, podemos deixas acontecer? Quantas vezes esta história tem que se repetir?

Hoje, faz um ano que inaugurou o “Carandiru das Mulheres”, conhecida como a Penitenciária Feminina de Santana. Lutamos tanto para melhores condições - para fechar a Penitenciária de Tatuapé e a cadeia Pública de Pinheiros - e o Estado teve a vergonha de abrir uma penitenciária para 2400 presas (que em menos que um ano, já chegou a ter 2900!)... Será que as mulheres agora têm a fama de ocupar o maior presídio do Brasil?  Será que Brasil tem a fama de ter a maior presídio feminino do mundo?

Quase três mil mulheres - das quais 86% são mães, cujos filhos estão longe - e na segunda-feira, teve 2 assistentes sociais e uma psicóloga trabalhando lá. Uma equipe de saúde improvisada - mesmo com mais de 400 tomando remédios controlados, mais que 80 mulheres grávidas, só Deus sabe quantas mulheres portadoras de HIV e quantas com tuberculose....

Entendemos que foi um ano extraordinário - posso lhes dar 10 razões (que o Estado lhes daria) porque a situação é assim.... Mas, popa 2800 mulheres, foi mais um ano de cadeia - sem trabalho, sem remição, sem escola e atividades lúdicas, sem visita íntima. Para elas, e suas famílias, as desculpas não importam.

Preciso dizer que apesar de todos os horrores que a gente presencia todos os dias - eu não desanimo. Não desanimo justamente porque nós que estamos aqui, temos uma paixão pela justiça que não se apaga... É com esta paixão, esta luta que precisamos nortear as nossas vidas - para um mundo melhor - e que nós todos, fazemos parte da realização deste mundo novo. Como podemos duvidar? Quando você for olhar todos nós que estamos aqui em este plenário... a força que temos, imagina se juntarmos as forças com os militantes do mundo inteiro. Este plenário está lotado de pessoas que realmente acreditam que um outro mundo seja possível. O que nos une é esta nossa paixão e nossa convicção. Que sejamos sempre assim!

Aceito este prêmio em da Maria Aparecida, Quitéria, Rosa, D. Iolanda, Vilma e Daniele... e em profunda gratidão e solidariedade junto com vocês, meus colegas e parceiros e parceiras, e os minhas professoras e meus professores de vida e de luta! Vamos em frente!

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - A nossa outra homenageada, Josephina Bacariça, poucos conhecem, porque a chamamos de Jose.

Ela é formada em Pedagogia e sua história está ligada à luta pela efetivação dos Direitos Humanos no Brasil. Encarou os tempos sombrios e tenebrosos da ditadura militar, mantendo inabalável seu compromisso com a construção de uma sociedade igualitária.

Quando foi secretária executiva do Conselho Estadual da Pessoa Humana de São Paulo teve atuação relevante no acompanhamento de Programas de Direitos Humanos Nacionais e Internacionais.

Trabalhou na coordenação e supervisão de programas para a Febem, com vistas à capacitação de internos, implantação de novas metodologias de atendimento aos adolescentes com ênfase no respeito aos Direitos Humanos. Exerceu a supervisão de projetos para Educadores de Rua e oficinas de recuperação.

Foi Coordenadora Geral na implantação do Projeto "Centro de Apoio e Desenvolvimento Comunitário Rural”, nos municípios de Mairinque, Mogi das Cruzes, São Roque e Sumaré.

Promoveu cursos destinados a Guarda Civil Metropolitana de São Paulo sobre Direitos Humanos e Cidadania; e implantou oficinas comunitárias de trabalho artesanal para grupos de desempregados.

Atualmente é membro da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo e do Grupo de Trabalho da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública de São Paulo.

O maior acerto da minha vida foi no erro que cometi com ela. Deram-me dois livros, um era para a Jose e o outro era para a amiguinha do meu filho, que faria 12 anos. E eu errei. Eu entreguei o da amiguinha do meu filho, que era o ”Diário da Mafalda”. Mas eu tomei a bronca e falei: “não, acho que eu acertei, porque isso é a Jose”. A Jose aceita a quantidade de anos que depositam na sua conta, mas não aceita ser velha, quiçá idosa. Até evitei, não li aqui a quantidade de indicações de entidades e pessoas, tanto na indicação da Heidi como da Jose, porque com certeza eu teria que ter mais três ou quatro folhas para cada uma.

Portanto, foram várias entidades reconhecidas, sérias, inclusive muitas entidades indicando as duas, pelo trabalho e pela proximidade, inclusive.

Convido o seu parceiro de luta, que é o nosso Desembargador Antonio Carlos Malheiros, para entregar à Jose esse tão merecido diploma, oferecido por esta Casa, que é o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos.

 

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- É feita a homenagem. (Palmas)

 

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O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Esta Presidência concede a palavra à Sra. Josephina Bacariça.

 

A SRA. JOSEPHINA BACARIÇA - Antes de mais nada quero abraçar a Heidi com muito carinho, com muito ânimo por estarmos juntas, com muita admiração.

Quero também cumprimentar todos os componentes da Mesa - autoridades muito importantes que estão no fundo do meu coração - com a maior ternura, com a maior amizade, com o maior companheirismo. Sempre nos encontramos nas nossas lutas, nas nossas dificuldades, nas nossas batalhas.

Quero, principalmente, cumprimentar o Deputado Ítalo Cardoso, Presidente da Comissão de Direitos Humanos, meu amigo muito querido e uma pessoa a quem admiro profundamente pela luta que realizou nessa comissão, vindo de uma luta anterior na defesa dos direitos humanos, estimulando os grupos das organizações, da educação e da ampliação nessa luta.

Estar aqui hoje é uma grande alegria. Recebo este prêmio e as homenagens em nome de todos, que juntos caminhamos ao longo de todos esses anos na tarefa difícil de despertar as consciências para a defesa dos direitos, da ética e cidadania.

O momento é de grande efervescência. Nele, revela-se avanços na consciência e na ação. Clamores não podem ser compreendidos como simples lamurias e lágrimas de dor e revolta não ser sentidas como passividade e ou conformidade.

A indignação, fartamente adubada pelas derrotas e frustrações, é passo decisivo que nos levam a buscar caminhos solidários e a necessidade de organização para a participação, só assim pavimentaremos o chão da sociedade democrática com que sonhamos.

A educação de todos, compreendida como processo de aprendizagem é fundamental para conhecermos as leis que nos protegem mostrando nossos direitos e deveres. Todas as pessoas sem exceção, ao conhecerem seus direitos e deveres verão crescer a maturidade para assegurar-se uma vida digna e respeitada.

Defender o direito a viver com segurança, com saúde, com educação de qualidade, habitação e trabalho com remuneração justa, para que todos os crimes de sonegação de impostos, contrabando, tráfico de drogas, lucro abusivo, corrupção e outros, são crimes contra os nossos direitos e para que sejam punidos com rigor da lei, mais uma vez é preciso que os cidadãos estejam dispostos, por meio do conhecimento e da ação organizada, a exigir que o direito de todos nós seja respeitado.

Portanto, em primeiro lugar, é a consciência, seguida da ação organizada, a única via para se conquistar a paz e o respeito aos nossos direitos e a democracia que queremos.

Cada cidadão por mais simples que seja tem condições para conhecer seus direitos e deveres. E ao conhece-los -se dará o segundo passo necessário, que é o de partir para ação organizada.

Muitos já estiveram até a morte, engajados nessa luta, e muitos como nós que estamos aqui, continuamos nela.

É preciso fortalecer esse movimento, que junta todos que sonham e sabe ser possível um mundo de abundância, alegria, saúde, esperança. Uma nação o que seu povo desejar.

Muito está por ser feito e que nada é perfeito. Não termos a ilusão de encontrar tudo pronto e bem feito a nossa espera.

Vamos encontrar tantos erros e injustiças, que podemos até fraquejar, em um certo momento, mas não podemos e nem devemos desistir. Alguém muito inspirado já disse que o caminho se faz ao caminhar.

Nossa história é resultado de persistência, vontade guiada pelo sonho de felicidade que todos temos.

Temos que construir no dia a dia, a sociedade tal qual precisa ser, porque em última instância, somos os instrumentos únicos capazes de influenciar, de alguma forma os destinos próprios, e dos que nos cercam, de nossa família, cidade, estado, Nação e os da própria humanidade.

A nossa bandeira deve ser um sonho de esperança de um outro Brasil possível, e diferente não mais pela opulência de uns poucos e a miséria gritante das maiorias...

Um Brasil de inclusão, com a participação popular, realizar a utopia mínima de ver atendido suas necessidades básicas como : comer, assistência de saúde, educação, trabalho com salário digno e aposentadoria que permita enfrentar as limitações da idade e poderem despedir desse mundo agradecidos e não o maldizendo.

Segundo Leonardo Boff: "O povo Brasileiro tem um pacto com a esperança, com grandes sonhos e com a certeza de que se sente, sempre acompanhado pelos santos e espíritos fortes, a ponto de suspeitar que Deus é Brasileiro". Isto é o que deve ser. E o que deve ser tem força invencível.

Obrigada, Ítalo Cardoso, por ter recebido-me com tanto carinho, por ter confiado em mim e ter convivido comigo nesses quatro anos, além de tantos outros que, de longe, já convivíamos. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - ÍTALO CARDOSO - PT - Temos aqui representantes do Conselho Tutelar de Jaçanã, do Centro Santo Dias de Direitos Humanos.

A Deputada Ana Martins está convidando todos para um ato que se realizará no dia 11 de dezembro, segunda-feira, às 19 horas, no Auditório Franco Montoro, na Assembléia, para tratar dos 30 Anos da Chacina da Lapa, quando foram assassinados os militantes do PCdoB Pedro Pomar, Ângelo Arroio e João Batista Drumond. Esse evento está sendo organizado pelo Instituto Maurício Grabois e a liderança do PCdoB nesta Casa.

Queremos registrar também a presença da Sra. Rose Nogueira, Presidente do Condepe.

Queremos agradecer a todos os funcionários, assessores dos gabinetes - do meu gabinete particularmente, pois sei o quanto esse pessoal trabalhou; do gabinete da Deputada Ana Martins -, à Dona Yeda e sua equipe e a todos os senhores principalmente.

Como disse o Deputado Renato Simões no ano que vem não estaremos aqui na condição de Deputado, mas com certeza estaremos juntos com as entidades para garantir que esta premiação continue, não só pelo prêmio, mas pelo incentivo à militância pelos Direitos Humanos.

Esgotado o objeto da presente sessão, antes de encerrá-la, esta Presidência agradece às autoridades, aos funcionários desta Casa e àqueles que com suas presenças colaboraram para o êxito desta solenidade.

Está encerrada a sessão.

 

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- Encerra-se a sessão às 21 horas e 42 minutos.

 

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