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08 DE DEZEMBRO DE 2000

47ª SESSÃO SOLENE EM COMEMORAÇÃO DO 5º ANIVERSÁRIO DE CRIAÇÃO DA COMISSÃO PERMANENTE DE DIREITOS HUMANOS DESTA CASA E OUTORGA DO “4º PRÊMIO SANTO DIAS DE DIREITOS HUMANOS”

 

Presidência: RENATO SIMÕES

Secretária: MARIA LÚCIA PRANDI

 

DIVISÃO TÉCNICA DE TAQUIGRAFIA

Data: 08/12/2000 - Sessão 47ª S. Solene Publ. DOE:

Presidente: RENATO SIMÕES

 

COMEMORAÇÃO DO 5º ANIVERSÁRIO DE CRIAÇÃO DA COMISSÃO PERMANENTE DE DIREITOS HUMANOS DESTA CASA E OUTORGA DO "4º PRÊMIO SANTO DIAS DE DIREITOS HUMANOS"

001 - RENATO SIMÕES

Assume a Presidência e abre a sessão. Nomeia as autoridades presentes. Anuncia que a sessão foi convocada pelo Presidente desta Casa, Deputado Vanderlei Macris, por solicitação do Deputado ora na Presidência, com a finalidade de comemorar o 5º aniversário de criação da Comissão Permanente de Direitos Humanos na Casa e outorga do "4º Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos". Convida todos para ouvirem o Hino Nacional Brasileiro, cantado por Regina Célia Gomes de Rezende.

 

002 - MARIA LÚCIA PRANDI

Refere-se à necessidade mundial e brasileira de luta constante pelos direitos humanos.

 

003 - MARIÂNGELA DUARTE

Elogia o trabalho da Comissão de Direitos Humanos da Casa, bem como o de entidades do setor.

 

004 - LUÍZA ERUNDINA

Deputada Federal, expressa sua emoção por ter sido designada para receber o prêmio Santo Dias e o oferece às figuras anônimas que lutam pelos Direitos Humanos no País.

 

005 - Presidente RENATO SIMÕES

Lembra que em setembro deste ano completaram-se 10 anos da descoberta da vala clandestina no cemitério de Perus, e que nem todas as ossadas foram identificadas ainda. Homenageia Clara Charf.

 

006 - CLARA CHARF

Viúva de Carlos Marighella, agradece a homenagem.

 

007 - Presidente RENATO SIMÕES

Homenageia Maria Augusta Capistrano.

 

008 - MARIA AUGUSTA CAPISTRANO

Viúva do militante comunista Davi Capistrano da Costa, morto pela repressão em 1974, agradece a homenagem. Fala sobre os 20 anos de luta dos familiares dos desaparecidos políticos. Lembra também do trabalho de seu filho, Davi Capistrano, recentemente falecido.

 

009 - ESTER GÓES

Atriz e militante política, lê o poema "O Rondó da Liberdade", de Carlos Marighella.

 

010 - GILMAR MAURO

Coordenador Nacional do MST, discorre sobre a luta dos sem-terra no País. Fala sobre companheiros presos e assassinados.

 

011 - ESTER GÓES

Lê o poema "Canto da Terra", de Carlos Marighella.

 

012 - PAULO TEIXEIRA

Parabeniza o trabalho da Comissão de Direitos Humanos da Casa. Convida para sessão solene, dia 11/12, às 10 horas, para homenagear o Programa da ONU em HIV/Aids.

 

013 - Presidente RENATO SIMÕES

Anuncia as pessoas e entidades de destaque na área de Direitos Humanos homenageadas pelo Prêmio Santo Dias.

 

014 - AMELINHA TELLES

Coordenadora da Comissão dos Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos, nomeia os homenageados e destaca personalidades presentes que atuaram na luta pelos Direitos Humanos.

 

015 - TELMA DE SOUZA

Deputada Federal, saúda os homenageados. Destaca o trabalho da irmã Dolores na Baixada Santista.

 

016 - Presidente RENATO SIMÕES

Determina que sejam prestadas homenagens à Irmã Maria Dolores Junqueira.

 

017 - PADRE XAVIER MATEO ARANA

Discursa em homenagem à Irmã Dolores.

 

018 - MARIA DOLORES JUNQUEIRA

Agradece as homenagens prestadas. Expressa sua preocupação com a globalização da miséria e da violência.

 

019 - Presidente RENATO SIMÕES

Anuncia apresentação de número musical pela Escola VIP-Nec. Agradece a presença de todos. Encerra a sessão.

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos. Convido a Sra. Deputada Maria Lúcia Prandi para, como 2ª Secretária “ad hoc”, proceder à leitura da Ata da sessão anterior.

 

A SRA. 2ª SECRETÁRIA - MARIA LÚCIA PRANDI - PT procede à leitura da Ata da sessão anterior, que é considerada aprovada.

 

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O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Esta Presidência passa a nomear as pessoas componente da Mesa: Sra. Maria Augusta Capistrano (palmas), Sra. Amelinha Telles (palmas), Irmã Maria Dolores Junqueira (palmas), Sra. Deputada Federal Luíza Erundina (palmas), Dr. Mário Boccatelli Jr., representando o Exmo. Sr. Secretário de Esportes e Turismo Marcos Arbaitman (palmas), Sr. Gilmar Mauro (palmas), Sra. Ester Góes (palmas), Padre Xavier Mateo Arana (palmas), Srs. Vereadores Fausto Figueira, de Santos, e Marcos Calvo, de São Vicente (palmas).

Sras. e Srs. Deputados, minhas senhoras, meus senhores, esta sessão solene foi convocada pelo Presidente desta Casa, nobre Deputado Vanderlei Macris, atendendo a solicitação deste Deputado, com a finalidade de comemorar o 5º aniversário de criação da Comissão Permanente de Direitos Humanos desta Casa e a outorga do 4º Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos.

Convido os presentes para de pé ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro, cantado pela nossa convidada, a cantora Regina Célia Gomes de Rezende.

 

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-É cantado o Hino Nacional Brasileiro.

 

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O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Antes de conceder a palavra às Sras. Deputadas presentes, queremos anunciar, compondo a Mesa, a nossa companheira Clara Sharp.

Registramos também o telefonema recebido há pouco do nobre Deputado estadual Edmur Mesquita, vice- Presidente da Comissão de Direitos Humanos desta Casa, que teve um contratempo, seu carro quebrou na estrada e ele chegará até o final da solenidade, mas pede que se justifique o seu atraso.

Recebemos também uma mensagem do Sr. Antônio Costa Santos, Prefeito eleito de Campinas, justificando a sua ausência e cumprimentando os homenageados. Hoje, temos uma Mesa exclusivamente feminina, temos apenas deputadas presentes, e concedo a palavra à Deputada Maria Lúcia Prandi, para a sua saudação à esta sessão solene e aos homenageados da noite.

 

A SRA. MARIA LÚCIA PRANDI - PT - Sr. Presidente, nobre Deputado Renato Simões, Presidente desta sessão e da Comissão de Direitos Humanos; Sra. Deputada Mariângela Duarte; Sra. Deputada federal Luíza Erundina; Vereador Fausto Figueira; Vereador Marcos Calvo; nossa atriz Ester Góes; nossos queridos homenageados; Irmã Dolores; representantes da Associação de Familiares das Vítimas e Desaparecidos Políticos; D. Maria Augusta; Sra. Clara Charf; Amélia, senhoras e senhores, especialmente os jovens que aqui se encontram. Sentimo-nos profundamente emocionados pelo significado desta sessão solene. Se hoje ocupamos o parlamento, se seguimos o caminho da consolidação da democracia neste País, é porque os familiares dos que aqui estão desapareceram e foram mortos por esta luta.

A luta pelos direitos humanos em nosso País e no mundo é constante e sem tréguas. Vivemos os tempos da ditadura militar, onde pessoas como Marighella, Capistrano e tantos outros entregaram suas vidas pelo ideal de liberdade. A defesa e a promoção dos direitos humanos se faz ao mesmo tempo em vários campos, inclusive pelo respeito à dignidade do ser humano e à promoção dos direitos humanos.

A outra homenageada de hoje é a Irmã Dolores, uma mulher aparentemente frágil, mas que encontra uma força incomensurável dotada pela sua fé, pela sua profunda crença e respeito ao ser humano. Irmã Dolores acredita fundamentalmente na transformação da sociedade. Faz da sua religião uma profissão de fé em defesa dos direitos humanos, principalmente de sua promoção. Vinda da Europa, onde trabalhou em vários países, escolheu um dos países pobres para se dedicar ao seu trabalho. Nós, brasileiros, tivemos esse privilégio, principalmente a região da Baixada Santista, pois, depois de trabalhar em São Paulo, Irmã Dolores trabalhou no Guarujá, Santos e São Vicente.

A maior homenagem que podemos prestar àqueles que deram a vida pela liberdade, aos familiares, que ainda pranteiam seus mortos e desaparecidos, e à Irmã Dolores, é esse trabalho que a senhora faz com os jovens, no sentido do reconhecimento de que este País realmente trate todos aqueles que aqui nascem com a dignidade que o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, tem direito.

Muito obrigada, Irmã Dolores. Muito obrigada, familiares dos mortos e desaparecidos políticos, por esta Casa ter a oportunidade singela de demonstrar o reconhecimento pela caminhada. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Agradeço as palavras da nobre Deputada Maria Lúcia Prandi e concedo a palavra à nobre Deputada Mariângela Duarte.

 

A SRA. MARIÂNGELA DUARTE - PT - Sr. Presidente, Mesa constituída e já referida, plenária, platéia, começaria a cumprimentar o querido companheiro Renato Simões, pelo quinto ano da Comissão de Direitos Humanos nesta Casa. Só quem acompanha o trabalho deste companheiro guerreiro e impar na honestidade e lealdade com seus companheiros, até na democracia com que divide o poder da Presidência da Comissão, a ponto de não sabermos se podemos perdê-lo em uma terceira recondução, mostra a grandeza do trabalho que tem sido feito, junto com as entidades de Direitos Humanos, o trabalho incansável do companheiro Renato Simões.

Quero cumprimentar a Comissão de Direitos Humanos pelo quinto ano consecutivo. Sabemos a dificuldade que foi implantá-la. Parabéns! Companheiro Renato Simões, na sua pessoa cumprimento todas as entidades de Direitos Humanos que aqui se encontram.

Em relação à Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, gostaria de dizer que pudemos ver a luta que foi feita, a hombridade e grandeza da luta, que fez com que, até hoje, os torturadores não consigam permanecer no poder, que fez com que essa luta não seja esquecida ou apagada tão rapidamente como querem os Governos. Isto é um tributo que temos de fazer a vocês. Esta foi uma luta insana, e tem tudo a ver com o prêmio que recebe, também, hoje, Irmã Dolores. Por quê? Foi o trabalho de Dom Paulo Evaristo Arns, foi o trabalho da Igreja Católica, através de suas pastorais e comunidades de base, que tanto auxiliaram na resistência à ditadura, na luta pela anistia e, finalmente, esse movimento tão exemplar. A quantas audiências assistimos da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos?

De modo muito especial e com todo o carinho, escolho a pessoa de Armando para, emocionada, dizer de todos os companheiros da Baixada Santista, do litoral, do Estado de São Paulo, que nos apoiaram. Fui a primeira a fazer o requerimento à Comissão de Direitos Humanos, pedindo que o prêmio fosse concedido à irmã, porque eram tantos os apelos que chegavam, de tantas comissões e de tantas entidades, que fiquei impressionada. Parei tudo e preparei o requerimento, em primeiro lugar.

Irmã, acho que a senhora acolhe hoje, pela unanimidade da votação da Comissão de Direitos Humanos desta Casa, elogio que recebeu dos mais diferentes parlamentares. Estávamos presentes, os três Deputados da Baixada, e pudemos ver. Colhemos o seu trabalho de verdadeira cristã, a cristã que nos lembra os primeiros tempos do cristianismo, um cristianismo pragmático na salvação daqueles que não podem esperar, porque a fome mata, que não podem esperar porque a carência da saúde mata, que não podem esperar porque nos lembramos do que Florestan Fernandes falou: ‘Tão grave quanto a miséria e a fome é a miséria da instrução e da educação’. E qual é o trabalho de Irmã Dolores por todo o litoral - na verdade é por todo o litoral - depois de São Paulo? É este trabalho, é o trabalho cristão da assistência aos pequeninos desamparados, excluídos e oprimidos, é o trabalho da educação àqueles que não têm acesso, é o trabalho àquele que precisa aprender computação e não consegue. É o trabalho que ensina a primeira profissão, como a Escola Vip-Nec, em São Vicente, e aqui estão os representantes, que gostaria de cumprimentar, na pessoa da Profª Marilena Lambert. Essas pessoas e esse trabalho, irmã, não têm sido em vão. Têm salvo vidas, têm salvo comunidades, têm levado a luz do conhecimento e da esperança a toda a comunidade do litoral de São Paulo.

Para concluir, parabenizo a todos os que aqui estão, porque temos a alegria e a satisfação de acompanhar esse trabalho. Fazemos ‘n’ reuniões com a irmã e nos sentimos companheiros. Os Vereadores de Santos também estão aqui, assim como os representantes da Igreja Católica, seus companheiros de jornada. Parabéns a todos. Irmã Dolores é um valor inestimável e nada mais justo do que em sua pessoa representar a outra entidade que hoje também está sendo contemplada. Parabéns a todos, porque na luta pelos Direitos Humanos, quando se caminha tão rapidamente para um estado de barbárie, na violência e selvageria a que estamos submetidos, quando conseguimos manter viva, forte e resistente a Comissão de Direitos Humanos nesta Casa, sabendo que temos pessoas como vocês, que trazem Irmã Dolores e a esta Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos dizemos: a vida é possível, a esperança existe e se concretiza. Contra a barbárie caminhamos para a civilização e para a cidadania. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - A Presidência agradece as palavras da nobre Deputada Mariângela Duarte e convida para fazer uso da palavra a nossa companheira Deputada Federal por São Paulo Luíza Erundina.

 

A SRA. LUÍZA ERUNDINA - Sr. Presidente, nobre Deputado Renato Simões, presidindo os trabalhos na noite de hoje, meus caros homenageados, quero saudar na pessoa da Maria Augusta Capistrano, essa paraibana de luta que antecedeu a muitos na luta pelos Direitos Humanos, pela democracia e pela liberdade, a todos os homenageados e a todos aqueles que lutam pelos Direitos Humanos em nosso país.

É com profunda emoção e com plena consciência da minha responsabilidade que recebo esse prêmio, que traz a marca de um grande mártir das liberdades e dos direitos humanos, do caríssimo e inesquecível Santo Dias.

Receber esse prêmio é uma responsabilidade no sentido de colocar a nossa energia, o nosso tempo, a nossa inteligência e a nossa capacidade de trabalho a serviço do que representou a razão de ser da vida de mártires como o Santo Dias, desses desaparecidos, cujos familiares aguardam até hoje uma notícia, um indício, uma informação qualquer, porque pior do que perder um familiar, é não saber sequer para onde foi.

Tivemos o privilégio de, como prefeita desta cidade, poder trazer um pouco da verdade sobre alguns desaparecidos políticos encontrados na vala clandestina do cemitério de Perus.

Tenho dito que se não tivesse outra razão para justificar a nossa experiência como prefeita de São Paulo, teria valido ter colocado o nosso mandato a serviço dos familiares dos desaparecidos políticos e da sociedade toda na busca e na verdade dos desaparecidos políticos.

Minha resposta a essa homenagem, ao receber este prêmio, é estendê-lo aos anônimos, aos que lutaram e que hoje lutam pelos Direitos Humanos, ainda violentados e desrespeitados em nossa cidade, em nosso Estado e em nosso país, como os desempregados, os trabalhadores rurais sem-terra, as crianças, as mulheres, os adolescentes e os idosos, violentados no seu direito à vida, à integridade física e à dignidade humana; também os negros, os homossexuais, os diferentes, tão desrespeitados e violentados nos seus direitos fundamentais.

Estendo, portanto, este prêmio que muito me honra, a todas as vítimas da violência, sob qualquer forma que se expresse.

Quero, ao mesmo tempo, renovar o meu compromisso de vida na luta pelos Direitos Humanos. Enquanto houver um ser humano, seja criança, adolescente, uma mulher, um negro, um idoso, um trabalhador desrespeitado nos seus direitos fundamentais à vida e à dignidade humana, quero colocar minha vida, meu tempo, minha energia, a minha capacidade de trabalho em defesa dessa luta. Quero poder dizer de alguma forma o quanto sou grata por esse prêmio, do quanto ele me serve de estímulo, de renovação neste meu compromisso de luta pelos direitos humanos em nosso país.

Parabéns homenageados! Sinto-me honrado por estar ao lado dos senhores homenageados nesta noite.

Parabenizo o Deputado pela dedicação à causa dos direitos humanos. Temos acompanhado o seu empenho e a sua dedicação. Saúdo também a todos os presentes a esta sessão dizendo o quanto somos reconhecidos pelo seu esforço, dedicação, empenho na luta e defesa dos direitos humanos no nosso Estado.

Quem sabe, um dia, tenhamos a alegria de ver avançar a luta por essa causa tão nobre em favor dos Direitos Humanos em nosso país. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - A Presidência anuncia a presença da Sra. Cleide Neves da Silva Santos, do Conselho Gestor da Educafro, representando o Frei Davi Raimundo dos Santos; da Sra. Maria Conceição Andrade Paganele, Presidente da Associação de Mães e Amigos da Criança e Adolescente em situação de Risco - AMAR; do Sr. Ary Geraldo Zanetti, da Associação Hope Unlimited da Cidade dos Meninos de Campinas.

Queremos introduzir o primeiro bloco de homenagens desta noite dizendo que a luta pelos direitos humanos no Brasil teve um marco na defesa dos direitos civis e políticos ao longo de toda ditadura militar. É triste que recordemos - como tivemos que fazer ao longo de toda semana, nesta Casa - a mistificação histórica que se construiu em torno dos resultados da famosa Revolução de 1964 por ocasião dos debates sobre o projeto de lei do Sr. Governador que indeniza presos políticos sob responsabilidade do Estado de 31 de março de 1964 até a anistia em 79; fomos obrigados a ver a obstrução feita por parlamentares dos partidos conservadores que desfiaram desta tribuna os argumentos mais reacionários para justificar o injustificável.

As polêmicas que se travaram neste plenário, em boa hora transmitidas ao vivo pela TV Assembléia, mostram a necessidade do resgate da memória histórica do que foi esse período. Hoje, temos nesta Casa um grande número de jovens e não tão jovens que não viveram em toda a plenitude aquele período. Neste ano, em particular, como lembrou a nobre Deputada Luíza Erundina, tivemos a oportunidade de retomar uma importante história dessas histórias que temos para contar daquele período.

No dia 4 de setembro nos reunimos, em vários eventos, para lembrar a abertura da vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, em Perus, dez anos depois , sem que tenhamos tido ainda, a identificação dos militantes políticos desaparecidos cujos restos foram ocultados pelo regime militar, naquele cemitério clandestino. Ontem, depois de muita luta e por conta, inclusive, deste período de dez anos vencido, os restos mortais, que se supõe serem de três militantes daquele período: Hiroaki Torigoi, Flávio Molina e Luiz José da Cunha foram retirados da Universidade de Campinas, trazidos para São Paulo, onde o trabalho de identificação, paralisado na Unicamp desde 1996, serão agora retomados pelo Instituto Médico Legal, com apoio técnico da Universidade de São Paulo e com a participação da peritagem indicada pelos familiares dos mortos e desaparecidos políticos.

A entrega do prêmio Santo Dias deste ano à comissão dos familiares dos mortos e desaparecidos políticos é uma tentativa de reconhecimento público da história dessas famílias  que, com o sangue de seus familiares e o testemunho pessoal de militantes que foram e são, transformaram-se num emblema da brutalidade desse regime, que conseguimos vencer.

Temos uma dívida muito grande com essas famílias, por tudo aquilo que nós ainda não conseguimos construir de força social capaz de sepultar todos os episódios de tortura e brutalidade daquela época. Vira e mexe, o Grupo Tortura Nunca Mais, a Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos, as Comissões de Direitos Humanos, do Congresso Nacional, das Assembléias, descobrem um ou outro torturador guindado a cargos importantes como chefes de setor de inteligência do Governo federal, e tantos outros. Esse trabalho continua na pesquisa histórica , na reconstituição daquela época, na retomada de estudos, livros, documentários, filmes, que ainda são muito pouco, para tudo aquilo que tem que ser dito. Neste sentido, sentimo-nos muito honrados de estar aqui, hoje, lembrando duas pessoas que simbolizarão, entre tantas, aqueles que foram vítimas da ditadura. Temos aqui a responsabilidade de lembrar, entre um daqueles tantos mortos sob emboscada, a figura do companheiro Carlos Marighella, que ao longo desta semana, teve o seu nome muitas vezes citado, juntamente com Carlos Lamarca e outros heróis da resistência à ditadura, pelas bocas reacionárias que atacavam esse projeto tímido do Governador Mário Covas.

A figura de Marighela, que foi realçada ao longo desses 30 anos que foram celebrados em todo o país, com o reconhecimento da sua atividade como dirigente político, como parlamentar, como homem, como poeta, uma personalidade rica, começa a ser resgatada para sepultar aquela imagem do bandido, assassino, do terrorista, que os órgãos sob censura da ditadura militar construíram. Por isso queremos entregar à nossa companheira Clara Charf, em nome da Comissão de Direitos Humanos desta Casa, em nome de todos nós que estamos aqui um buquê de flores pela memória, pelo passado e pelo presente das idéias de Carlos Mariguela, morto sob emboscada, à traição e que ressurge na memória de todos e na memória coletiva do povo brasileiro, depois desses trinta anos, também pela luta infatigável desta mulher que tem percorrido, juntamente com outros familiares, os corredores do poder exigindo justiça, construindo o nosso partido, construindo relações internacionais solidárias entre os povos que lutam por libertação, defendendo as bandeiras do feminismo, da justiça social e da igualdade. Convido então para fazer uso da palavra e para receber essa homenagem, a nossa companheira Clara Charf.

 

A SRA CLARA CHARF - Boa noite a todos, gostaria de distribuir essas flores entre todos. Sou integrante também da Comissão de familiares de mortos  desaparecidos, ao lado de muitos jovens e não tão jovens, como disse o Renato, que estão aqui e que fizeram a longa cainhada que não terminou. Por isso eu me alegro muito hoje não só de receber essa homenagem ao Marighella que estendo a todos os que lutam no Brasil, como também a esses jovens todos que não tiveram a oportunidade de receber pelos livros de história, nem pela televisão, nem pelos meios de comunicação em geral, a verdade de se orgulhar dos que lutaram para que nós pudéssemos ter hoje esta Casa aberta. Na época da repressão, na época da ditadura militar, as Câmaras, as Assembléias, os sindicatos, os centros acadêmicos, as associações estavam todos amordaçados, não se podia falar, não se podia cantar. Então hoje podemos estar aqui, o Renato diz que eu choro , é muito difícil não chorar, mas não é choro de acanhamento, não é choro de tristeza, é choro de orgulho, porque graças a essa luta é que estamos todos aqui podendo hoje dizer ao mundo que o brasileiro é corajoso, é valente, é lutador, e vai construir uma sociedade pela qual nossos companheiros, nossos irmãos, nossos maridos, primos, parentes, nós todos, homens e mulheres, lutamos para chegar até aqui.

A sociedade pela qual os homens como Mariguela lutaram, que também foi jovem , foi poeta, que fez versos de protesto na escola, que lutou por esse país todo, pelo pão e pela liberdade, pelo canto, pela beleza, essa sociedade vai ser construída por todos nós juntos. E é por isso que essa homenagem eu transmito a todos os que estão aqui e aos que estão, talvez, vendo pela televisão. Temos que nos orgulhar da raça, do nosso povo, por mais que digam que o povo brasileiro é passivo, é apático, não luta e por isso está aí na pior, mentira. É porque a história do nosso povo não é contada. Desde que o Brasil foi encontrado pelos portugueses até hoje. Então, eu quero dizer a vocês que um dos trabalhos da comissão de familiares a que o Renato fez referência é o resgate da memória histórica. Não podemos só dizer que estamos buscando os corpos dos desaparecidos ou tentando enterrar os mortos, mas também estamos trazendo para a opinião pública um retrato vivo desses companheiros e dessas companheiras, através de livros, exposições, música e poemas, para que a gente se orgulhe e possa com esses exemplos construir a pátria mais linda dessa América que nós tomos queremos que seja livre e seja dos nossos povos.

Muito obrigada. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - A segunda lembrança que gostaríamos de trazer a esta sessão é extremamente valorizada pelo empenho e pela disponibilidade da nossa companheira Maria Augusta Capistrano de se fazer presente aqui esta noite.

Vinda do Rio de Janeiro especialmente para passar conosco esta noite e para estar presente em outras atividades aqui em São Paulo, a figura da Maria Augusta foi conhecida por nós em algumas reuniões grandes - não me lembro de ter estado com ela em nenhuma reunião pequena. Chamava a atenção nesses atos - atos em momento importantes de lembrança dessa história - essa figura miúda, que falava sempre com muita emoção e determinação, e que marcou reuniões e atos, e esteve com certeza animando muitos de seus companheiros e companheiras, familiares - como ela - de desaparecidos políticos a participar dessa luta.

Seu marido, companheiro Davi Capistrano da Costa, foi preso em 1974, depois de uma trajetória de vida que, relendo as páginas do dossiê preparado pela Comissão dos Mortos e Desaparecidos Políticos, fomos rememorando. Militante, dirigente comunista, participou de eventos fundamentais de nossa história: do levante em 1935, da participação como voluntário das forças da democracia na Guerra Civil Espanhola, pela resistência ao nazismo nos campos da Europa, ocasião em que inclusive foi preso, voltando ao Brasil posteriormente. Foi Deputado em Pernambuco, tendo vivido na clandestinidade durante o período militar, e voltou ao Brasil na esperança de participar da reconquista da democracia e da construção do socialismo.

Desde 1974, não se sabe o destino dos restos mortais desse nosso companheiro. A figura da companheira Maria Augusta quer relembrar essa dimensão vivida por tantos outros e outras que estão também aqui nesta sessão, e que nominaremos no decorrer dos trabalhos, que perderam companheiros e companheiras, filhos, filhas, parentes, amigos, amigas, que sumiram sem que uma satisfação fosse dada a elas e à sociedade. Essa presença se faz ainda mais honrosa para nós pelo recente falecimento de seu filho, companheiro Davi Capistrano Filho, que participou conosco de muitas outras reuniões grandes e também pequenas. Prefeito de Santos, uma das maiores autoridades em saúde pública que este País já produziu, dirigente partidário, que faleceu recentemente depois de toda essa luta que com certeza dignificou também a memória de seu pai. Por isso, queremos agradecer muito a presença da Dona Maria Augusta esta noite, a presença de sua sobrinha, que a acompanhou e que também é do Rio de Janeiro. Queremos prestar a elas as homenagens da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, deste plenário, deste público, por aquilo que ela representa na construção dessa Comissão hoje homenageada e para todos aqueles que tiveram a alegria de conviver com ela ao longo dessa sua vida e dessa sua luta.

Vamos conceder a palavra à Dona Maria Augusta. (Palmas.)

 

A SRA. MARIA AUGUSTA CAPISTRANO - Saúdo a toda essa assistência que aqui está presente para fazer com que a questão dos direitos humanos neste País continue com toda a força, pois este País está vivendo um momento de dificuldades tremendas, que inclui a necessidade permanente e vigorosa de uma comissão de direitos humanos, de uma luta de direitos humanos.

Fui companheira de um desaparecido político, companheira de Davi Capistrano, um cearense que veio muito cedo para o Rio de Janeiro para lutar por dias melhores de vida, que encontrou nessa luta por melhorias pessoais de vida uma abertura, um conhecimento de que não se luta pela vida sozinho, que a luta pela vida é uma luta que está junto, uma luta de todo o povo, de todos aqueles injustiçados, de todos aqueles que têm dificuldade para chegar a uma vida digna, a uma vida decente.

Foi com essa compreensão que o Davi Capistrano encontrou o Partido Comunista do Brasil. Foi como militante do Partido Comunista do Brasil que participou da revolução de 35 e que, depois, se integrou às brigadas espanholas, foi à Espanha defender a democracia naquele país. Uma vez vencida a revolução espanhola, foi preso pelos franceses, e quando eclodiu a 2ª Guerra, ele, que se encontrava na França, foi integrar a resistência francesa contra os nazistas. Uma vez a França caída, foi preso pelos nazistas, foi para um campo de concentração nazista, onde ficou oito meses.

É esse Davi Capistrano, esse lutador pela liberdade não só em seu País, mas em outros países e continentes, é esse Davi Capistrano que, tentando entrar no Brasil em 1974, foi preso pelos carrascos da ditadura militar e, como se sabe, foi torturado e morto.

É esse Davi Capistrano que hoje está sendo homenageado aqui, é esse Davi Capistrano que fez com que a sua companheira se integrasse num grupo de familiares de desaparecidos e que lutasse, como lutamos, pelos familiares desaparecidos brasileiros. Esse grupo lutou por 20 anos. São 20 anos de luta para que tivéssemos um pequeno reconhecimento, que foi a concessão do atual Governo de uma indenização aos familiares dos desaparecidos. Mas não nos satisfazemos com isso, queremos saber o que foi feito, quem são os responsáveis pelo desaparecimento desses familiares.

Queremos que o povo brasileiro saiba quem são os responsáveis pelo desaparecimento desses familiares porque esses familiares eram patriotas que lutaram  no Brasil - e até fora do Brasil - pela liberdade, pela democracia e pelos direitos humanos de todos os povos do mundo.

Estou aqui, diante de vocês, sob uma forte emoção porque, além de ter perdido, há 20 anos, o meu companheiro desaparecido, nunca me foi dado saber o destino, onde foi sepultado e quem foi o responsável por tudo isso.

Estou aqui num momento de muita emoção e quero que me desculpem por alguma falha na minha fala, porque estou aqui sob a emoção maior ainda de ter visto morrer o meu filho, sucessor de Davi Capistrano, o sucessor com a mesma honestidade, com o mesmo brilhantismo, com a mesma inteligência, com o mesmo amor à pátria brasileira para dar toda a sua capacidade, toda a sua inteligência no sentido de melhorar a situação  das classes menos favorecidas deste país. Foi assim que o meu filho morreu: implantado métodos e meios de saúde para atender a população mais necessitada deste País.

Então, estou aqui sob uma forte emoção. São dois Davi Capistrano, são dois servidores da pátria brasileira, são dois políticos honestos, são dois políticos que só visavam servir ao povo brasileiro e nunca ser servido por ele.

Agradeço a todas estas homenagens que estão sendo feitas aqui. Sempre lutei também como mulher, pelos direitos da mulher, pela emancipação da mulher, pela igualdade de direito da mulher.

Estou aqui emocionada mas não poderia deixar de estar aqui, onde estão aqueles que reconhecem a dádiva da vida de meu companheiro e de meu filho, que foi uma dádiva ao povo brasileiro, porque eles viveram sempre pensando e lutando pelo povo brasileiro.

Muito obrigada. (Palmas).

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Para expressar tudo que sentimos nestes dois depoimentos, convidamos a nossa companheira e grande atriz Ester Góes, militante e lutadora, para ler o poema O Rondó da Liberdade”, de Carlos Marighella.

 

A SRA. ESTER GÓES - “Rondó da Liberdade.”

“É preciso não ter medo. É preciso ter a coragem de dizer. Há os que têm vocação para escravo, mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão. Não ficar de joelhos, porque não é racional renunciar a ser livre. Mesmo os escravos, por vocação, devem ser obrigados a ser livres, quando as algemas forem quebradas.

É preciso não ter medo. É preciso ter a coragem de dizer. O homem deve ser livre. O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo, pode mesmo existir até quando não se é livre e, no entanto, ele é, em si mesmo, a expressão mais elevada do que houver de mais livre em todas as gamas do humano sentimento.

É preciso não ter medo. É preciso ter a coragem de dizer.” (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Infelizmente, essa trajetória de presos políticos no Brasil não foi encerrada com o final da ditadura militar. Temos ainda hoje presos políticos nos cárceres do Brasil, presos que são mantidos presos por uma opção político-ideológica de reprimir os movimentos sociais neste País, que lutam pela terra, por direitos sociais, econômicos, culturais, políticos e civis. Por isso, quisemos abrir neste bloco um momento para atualizarmos essa situação de perseguição política vivida por muitos desses desaparecidos ao longo da sua vida.

Convidamos o nosso companheiro Gilmar Mauro, da direção nacional do MST, para nos relatar a situação de seis companheiros do MST de São Paulo que, neste momento, encontram-se presos em Itapetininga, por terem participado das manifestações convocadas para o dia nacional de protesto e paralisação, no ano passado.

Tem a palavra o companheiro Gilmar Mauro.

 

O SR. GILMAR MAURO - Boa-noite companheiros e companheiras presentes, especialmente os que compõem esta Mesa, premiados com muita justiça e com muito mérito, nesta noite, Deputado que preside esta Comissão, que tanto nos tem ajudado, nossa saudação e agradecimentos, enfim, a todos os senhores que de uma forma ou de outra também levam esta luta adiante, prestando solidariedade não só ao MST, mas a todos os que continuam lutando, os nossos cumprimentos.

É uma honra muito grande estarmos presentes junto a figuras tão ilustres, quando trazemos a memória de lutadores que fizeram história, que não tiveram medo de enfrentar as classes dominantes deste país e lutaram em busca de uma pátria para todo o povo brasileiro. Foi a luta pela reforma agrária, foi a luta dos quilombos, dos Canudos, das ligas camponesas e às vésperas da virada do novo milênio ainda convivemos com uma estrutura arcaica. E é por lutar pela reforma agrária que muitos, neste país, já perderam a vida. Nos últimos anos mais de mil militantes, dirigentes de vários movimentos camponeses, lideranças de trabalhadores rurais foram assassinados. Só no ano de 2000 já somamos mais de 13 companheiros assassinados.

Os companheiros que estão presos em Itapetininga e condenados a dez anos de prisão por terem participado no dia 11 de novembro do ano passado de uma luta dentro da jornada nacional, foram presos e condenados sem que houvesse, sequer, provas de sua participação naquele ato. O Código Penal exige que seja individualizada a conduta, que se tenham provas daquilo que se faz. E a juíza de Boituva os condenou dizendo o seguinte: “...são membros do MST e o MST é uma organização perigosa. A justificativa para a sua constituição é a reforma agrária, mas prega a derrocada do regime instaurado, prega a derrocada da institucionalidade brasileira e é extremamente perigoso para o país. Por isto esses militantes devem ser condenados.”

Os companheiros Walkimar, Rosalino, Edmar, Elvis e Magrão estão presos desde 11 de novembro. Entramos com recurso junto ao Tribunal de Justiça solicitando que o mesmo seja julgado antes do final do ano, já que há um parecer de um promotor do Ministério Público de São Paulo pedindo a liberdade desses companheiros. Por esta razão, estamos conclamando todos a nos ajudar a pressionar o Tribunal de Justiça a fazer o julgamento antes do final do ano, a fim de que esses companheiros possam ser postos em liberdade. Gostaria de dizer mais: no Estado do Paraná, só no Governo Jaime Lerner, foram centenas de despejos violentos. Foram sete torturados, dezesseis assassinados no período do Governo Lerner, centenas de companheiros feridos, centenas de prisões - quatrocentas e tantas. Em São Paulo já perdemos três militantes no Mato Grosso do Sul. A violência no campo e na cidade campeia solta.

Costumo dizer que estamos numa luta não pelos direitos humanos, mas numa luta ainda por direitos animais. É o direito de o nosso povo comer, o direito de ter uma casa, de ter vestuário, é o direito de poder ter um local para criar os filhos.

Milhões de pessoas neste país morrem de fome. Mesmo os que assassinaram Marighella no passado, os mesmos que assassinaram Cipriano e tanta gente, continuam hoje assassinando muita gente, direta e indiretamente.

O nosso povo camponês é obrigado a sair da sua terra e vir para a cidade em busca de emprego, o nosso povo não consegue ter sequer o direito de ter um prato de comida - são seres humanos que morrem neste país por não terem o que comer. Quantos jovens são assassinados na periferia por não terem as mínimas condições de sobrevivência! Quantas pessoas não têm onde morar! Quantas pessoas não têm o direito mínimo de ter um espaço para viver com dignidade! Quantas pessoas são excluídas. Isso é desrespeito aos Direitos Humanos, isto é violência a um povo. Por essa razão queria nesta noite, além desta denúncia específica em relação ao que estamos sofrendo neste momento, dizer que essa elite brasileira nos últimos dias, através dos meios de comunicação, tem procurado transformar a imagem do movimento sem-terra numa organização de corruptos e violentos, para criar o estigma na sociedade de que somos iguais aos que efetivamente roubaram e continuam roubando o nosso país.

São muito ágeis na hora de dar uma liminar de reintegração de posse quando ocupamos uma terra improdutiva, mas muito lentos na hora de prender o Lalau, na hora de prender os verdadeiros ladrões que estão roubando o povo brasileiro. (Palmas.) São muito ágeis na hora de colocar na cadeia o filho de um trabalhador que por  falta de emprego é obrigado a roubar para alimentar a sua família e seus filhos. Mas são demorados e complacentes com aqueles que continuam desviando os recursos públicos. Por que não se apura isso? Por que não se prende?

Estive várias vezes na cadeia de Itapetininga e lanço um desafio: quantos da classe dominante estão hoje nas prisões deste país? Agora, quantos pobres estão nas prisões deste país e muitas vezes injustamente ou por terem de roubar para poder sobreviver?

Acusam-nos de criminosos para criar o ceticismo e dizer que na sociedade todos somos iguais. Não somos iguais; somos diferentes. Tenho orgulho de pertencer a uma organização que não se vendeu, que não se deixou corromper neste país e que certamente não se venderá. O dia que recebermos um elogio dos grandes meios de comunicação, o dia que falarem bem no editorial do “Estadão”, certamente é porque teremos de reavaliar todo o movimento sem-terra. Daí, sim, estaremos num outro processo, certamente o da corrupção. Não espero elogios dos grandes meios de comunicação, não quero elogios dos grandes meios de comunicação, porque historicamente sempre elogiaram o poder que matou Marighella e tantos filhos da classe trabalhadora.

O que nós queremos é construir a luta de massas, a luta das ruas e resgatar a dignidade. Não somos iguais a eles. Tiraram-nos vários direitos. Tiram-nos hoje através dos processos que metem em cima dos nossos militantes e de todos os lutadores sociais, seja pela repressão, seja pela violência que cometem com todos os lutadores sociais. Colocam na cadeia os militantes que lutam por mudanças sociais porque eles não têm medo que ocupemos terras. O medo da classe dominante é porque somos um povo organizado e consciente. Isto deve meter muito medo porque a nossa tarefa é de organizar mais gente, para um dia construirmos uma pátria livre para o nosso povo. Não nos igualamos a eles. Tiraram-nos vários direitos, mas não tiraram uma coisa que é sagrada para nós, vergonha na cara e capacidade de continuar sonhando, falando de utopia.

Apesar da crise estamos otimistas e entraremos nesse milênio de braços firmes, unidos com todo o conjunto da classe trabalhadora da sociedade brasileira. Não tenho dúvida que mais cedo do que tarde faremos as mudanças e colocaremos aqueles que merecem numa prisão definitivamente, para que o nosso povo tenha liberdade. Muito obrigado! (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE RENATO SIMÕES - Convido a nossa companheira Ester Góes para mais um poema, Canto da Terra, de Carlos Marighella.

 

A SRA. ESTER GÓES -  Canto da Terra de Carlos Marighella:

A terra tem tudo e plantando é que dá

E plantaram, plantaram ou já estava plantado

Na Floresta Amazônica o rio e os peixes e o balacubau.

A caatinga existia com a braúna, mandacaru e o gravatá cariango.

As coxilhas do Sul, o maciço do Atlântico, a serra do mar, os pinheiros erguidos, o Rio Amazonas, o Rio São Francisco, o Rio Paraná.

Canaviais assobiando, cortina verde estendida sobre imensa extensão

E plantaram café e cacau e borracha e plantaram erva mate

Com o escravo e o imigrante tudo se fez

Comidas, meu santo, a mulata, a morena e até a loura surgiu

A índia já havia, a gringa veio depois

Quem atrapalhou foi gente de fora que não trabalhou.

Eu canto a terra.

Todos sabem que outra mais garrida não há

Teus risonhos lindos campos têm mais flores

Lírios já houve, mas agora é que não.

Eu canto a terra

Eu canto o povo.

Cantam os poetas e, cantando, vão. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES -  PT - Antes de entrarmos no último bloco da entrega do Prêmio Santo Dias, convido para fazerem parte da Mesa a nobre Deputado Federal Telma de Souza, Deputado Estadual Edmur Mesquita, Deputado Paulo Teixeira. (Palmas.) Convido-os para fazerem parte da Mesa.

 

O SR. PAULO TEIXEIRA - Sr. Presidente, convido todos os presentes para comparecerem segunda-feira, às 10 horas, à Assembléia Legislativa, para prestarmos uma homenagem ao diretor-executivo da Unaids (órgão da ONU para a Aids), Sr. Peter Piot, que é uma pessoa que tem percorrido o mundo, para desenvolver importante trabalho em torno da questão da Aids. Queria convidar a todos os presentes para comparecerem aqui, às 10 horas, na segunda-feira.

Em segundo lugar, Sr. Presidente, quero parabenizá-lo e parabenizar a Comissão de Direitos Humanos pela homenagem que faz à irmã Maria Dolores Junqueira e a seu importante trabalho e que conta com o entusiasmo de tantos de nossos Deputados, entre eles a Deputada Telma de Souza, Maria Lúcia Prandi, Mariângela Duarte e Edmur Mesquita.

Parabenizo também a comissão pela homenagem que faz à Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, uma homenagem muito intensa, muito importante. Ouvi a fala da nossa querida Clara Charf, a fala da D.ª Maria Augusta, esposa de David Capistrano e mãe de David Capistrano Filho, e de Clara, que foi esposa de Carlos Marighela, cujas histórias podem ser lidas no livro de Apolônio de Carvalho, na participação dele na Guerra Civil Espanhola, na oposição à ditadura Vargas, à ditadura militar, no Brasil. Hoje, a questão dos mortos e desaparecidos é uma questão atual. Está aqui presente, a Deputada Luíza Erundina, que foi minha prefeita na cidade de São Paulo e de todos os paulistanos, de grande lembrança, e responsável pela abertura da Vala de Perus. Temos de cobrar hoje do Governo que resolva o problema das ossadas que até hoje não foram identificadas, para dar satisfação às famílias dos mortos e desaparecidos políticos e, como bem disse a Da. Maria Augusta, em relação às circunstâncias dos desaparecimentos e aonde estão esses corpos. Nos assusta a temática da tortura no Brasil, na medida em que vemos que muitos dos torturadores ainda estão no Governo federal, na ABIN, e nós devemos sempre repugnar a participação dessas pessoas na sociedade brasileira. Nenhum Governo poderia contratá-los para nenhum cargo, porque gostaríamos que eles fossem esquecidos da vida política brasileira, para não exercerem qualquer cargo público de relevância como acontece hoje na ABIN.

Sr. Presidente, queria parabenizar V. Exa. pelo importante papel que tem tido na Comissão de Direitos Humanos. Quero dizer também que V. Exa. tem se mostrado um combatente incansável da luta pelos direitos humanos, quero dizer que aprendi muito com V. Exa. neste período em que estive na Comissão de Direitos Humanos. Acho que é uma luta muito importante na sociedade brasileira, o discurso de Gilmar Mauro deu conta disso e consubstancia toda a sua importância.

Por último, quero anunciar a minha licença da comissão como da Assembléia Legislativa, no dia 31 deste ano, porque convidado para outra função pública, quero dizer que, como membro da Comissão de Direitos Humanos, pude aprender muito com essa comissão e também como membro desta Casa, com todos que a compuseram e as lutas que travamos.

Aproveito este ato para agradecer a todos que de alguma forma ajudaram e também me despedir da Comissão de Direitos Humanos, esperando que ela continue sempre com a combatividade, com a presença pontual que V. Exa. sempre deu quando há violação de direitos humanos, e dizer que espero nesta nova função pública que a prefeita Marta Suplicy me conferiu levar os ensinamentos que aprendi com os membros da comissão, com V. Exa. e com todas as entidades e pessoas que fazem parte desta comissão. Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Agradecemos ao nobre Deputado Paulo Teixeira, desejamos sucesso a ele nessa nova empreitada, na luta pelo resgate ao direito à moradia de tantos paulistanos que estão aí, esperando o dia da sua casa própria.

Queremos, sem mais delongas então, dizer que a Comissão de Direitos Humanos desta Casa, desde 1996, entrega anualmente, a pessoas ou entidades que tenham se destacado pela sua trajetória de defesa de direitos humanos, o prêmio Santo Dias, prêmio este que foi instituído por Projeto de Resolução da nossa autoria, em 1996, entregue, em 1997, ao Cardeal Arcebispo de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, em 1998, à pastoral carcerária, em 1999, a Hélio Bicudo e ao Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua e, este ano, à irmã Maria Dolores Junqueira e à comissão dos Familiares dos Mortos e Desaparecidos. Fazemos isso por uma razão regimental, mas entendemos que todas as pessoas que foram lembradas, indicadas e reconhecidas no seu trabalho pela defesa dos direitos humanos recebem com eles o prêmio Santo Dias. Por isso vamos convidar a que venham aqui as seguintes pessoas e entidades que receberão com os familiares e com a irmã Dolores o Prêmio Santo Dias. As pessoas que eventualmente justificaram sua ausência, não estão presentes, nós encaminharemos posteriormente o diploma.

O Grupo Primavera, a Federação das Entidades Assistenciais de Campinas, a FEAC, a Cidade dos Meninos, Dr. Marcelo Álvaro Pereira, Frei David Raimundo dos Santos, Valdemar Rossi, Deputada Luiza Erundina, Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, Núcleo de Estados para a Paz da Universidade de Brasília, Associação das Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco, a AMAR e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Convido a todos para que, juntos, recebamos esta edição do 4º prêmio Santo Dias de Direitos Humanos.

Queremos convidar a Sra. Amelinha Telles e a Deputada Luiza Erundina, que têm uma trajetória tão grande nesta área, para que juntos entreguemos então à Comissão dos Familiares dos Desaparecidos Políticos, o pergaminho do prêmio Santo Dias deste ano.

 

* * *

 

É feita a entrega da homenagem. (Palmas.)

 

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O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Convido então a Amelinha para fazer uso da palavra em nome da Comissão dos Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos.

 

A SRA. AMELINHA TELLES - Boa noite, companheiras e companheiros, integrantes da Mesa, mulheres e homens, nossos cumprimentos ao Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Renato Simões, gostaria aqui de, falando em nome da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, citar as companheiras e companheiros presentes neste momento, recebendo juntos esta homenagem: a Ângela Mendes de Almeida, companheira de Luís Eduardo da Rocha Merlino (palmas), assassinado na Operação Bandeirantes em julho/1971, aqui em São Paulo; os companheiros Quito e Telma (palmas), filhos de Antônio Raimundo Lucena, assassinado em 20/02/70 pela Polícia Militar, em Atibaia; Criméia Alice Schmidt de Almeida (palmas), cujo companheiro é desaparecido político na região do Araguaia, fazendo parte das Forças Guerrilheiras do Araguaia, André Grabois; o Becker e a Laura, irmã e cunhado dos desaparecidos políticos Maria Lúcia Petit, Jane Petit, Lúcio Petit, guerrilheiros do movimento do Araguaia, todos desaparecidos, sendo que de Maria Lúcia conseguimos resgatar seus restos mortais, que foram enterrados em 1996. Estava aqui também a Lourdinha, que acho que se retirou, tia do Aylton Mortati, companheiro desaparecido, cujos restos mortais ainda não resgatamos, assassinado em novembro/1971 pelos agentes da Operação Bandeirantes, o DOI CODI de São Paulo.

Antes de mais nada, tenho de fazer aqui uma menção a algumas pessoas. Estamos aqui com a Clara Charf, companheira do nosso Marighella, assassinado aqui em 1969 pelos agentes do DOPS, e estamos também com a companheira Maria Augusta Capistrano, cujo companheiro é desaparecido desde março/1974 pela ação das forças da repressão aqui na cidade de São Paulo, a Operação Bandeirantes.

Tenho de fazer uma menção muito especial a algumas pessoas que estão aqui. Uma delas, por quem temos eterna gratidão, é a Luíza Erundina. A Luíza Erundina abriu a vala de Perus, mas não foi só isso que ela fez. Ela é a única autoridade do Executivo deste País que bancou essa nossa luta. Ela criou a Comissão Especial de Investigação das Ossadas de Perus, à qual deu todo apoio para que fossem apuradas as responsabilidades, as circunstâncias, a identificação, até as últimas conseqüências.  No dia 04/09/1990 foi aberta a vala de Perus, e já no dia 05/09 Luíza Erundina estava em seu gabinete criando essa comissão, bancando, estando à frente desse trabalho. Nós, familiares, e a sociedade brasileira temos nela uma luz e uma esperança de que possamos elucidar essa história que carregamos há 30 anos, pelo menos. (Palmas.)

Outra pessoa que está aqui conosco e que batalhou no Legislativo é a Tereza Lajollo. No dia 17/09/1990 foi aberta a Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar os desaparecidos políticos e as responsabilidades pela vala clandestina de Perus. Ali foi criada com o Júlio Caligliuri e a Tereza Lajollo, relatora dessa comissão. Esteve conosco desde então e tem dado todo apoio a essa luta.

Graças a essa luta é que se abriram condições para a criação de comissões de direitos humanos no parlamento brasileiro, começando pela Câmara Federal, vindo para cá, na Assembléia Legislativa e na Câmara Municipal de São Paulo, bem como em outras câmaras e assembléia, que hoje, no Brasil, parecem-me ser muitas, felizmente. Foi dali que veio um grande impulso para essa conquista. Esse é um caminho e um instrumento importante. Mas antes da vala de Perus, houve a luta pela anistia. E aqui há duas baluartes dessa luta, que não podemos deixar de fazer menção, que são a Fernandinha e a Maria Augusta. As duas estavam lá no Comitê Brasileiro pela Anistia lutando e defendendo os direitos políticos do povo brasileiro, defendendo os direitos de liberdades democráticas para que voltassem e fossem libertados os presos políticos, para que voltassem aqueles que estavam no exílio ou viviam na clandestinidade. Não podemos esquecer essas duas, que tiveram um papel importante. Estavam lá a Laura, o Becker - acho que o Becker estava mais na prisão do que no movimento, mas estava com a gente nessa luta - e muitos outros. Nossa luta depende de todo mundo. Todas as pessoas que estão aqui presentes, todas as pessoas que estão nessa sociedade, todos aqueles que pensam em liberdade e democracia, que querem construir cidadania neste País estão conosco. Hoje, quem está sendo homenageado aqui não são só os familiares dos presos políticos mortos e desaparecidos, mas também a sociedade brasileira. Esta homenagem, este prêmio é da sociedade brasileira, é de todos que têm a coragem de denunciar as torturas que acontecem hoje nas prisões e delegacias, em ações que assassinam e prendem os militantes do Movimento dos Sem-Terra. Essa luta é muito nossa. Ela está muito junto. Ela soma. E por isso que quero fazer uma referência hoje a uma fala, que foi publicada em “O Estado de S. Paulo”. O Comandante do Exército, General Cleuber Vieira, disse que aqueles que não estão diretamente ligados aos mortos e desaparecidos políticos e que falam disso estão fazendo proselitismo, ou seja, estão fazendo politicagem. Esse general se engana completamente, porque os nossos não morreram por nós, mas por todos, por toda a sociedade. Esse general está completamente enganado também quando diz que o grupo Tortura Nunca Mais deu um número exagerado, porque disse que são 27 mil agentes de informação e de repressão daquela época da ditadura e que se mantêm hoje. Não estão enganados, não, general. Não estão enganados, não, aqueles do grupo Tortura Nunca Mais, que levantam esses números. Ele se esqueceu que o Exército mobilizou a Aeronáutica, a Marinha, a Polícia Federal, as Polícias Civil e Militar, além de mobilizar agentes da sociedade civil, que estavam infiltrados nas universidades, nas fundações, nas empresas estatais, nos meios de comunicação.

Foram muitos e muitos que criaram esse estado de terror, que criaram esse Serviço Nacional de Informação, que nada mais é do que uma rede de espionagem para perseguir cidadãos de bem. O que se criou neste País foi um verdadeiro estado de terror em que todas as pessoas passaram a ser suspeitas, negando-se-lhes o princípio do direito. Todos eram suspeitos até que se provasse o contrário, negando-se aquele princípio de que todo cidadão é inocente até que se prove o contrário. Então, essa rede de espionagem se mantém, como já falaram aqui antes de mim, o próprio Deputado Renato Simões e o Deputado Paulo Teixeira falaram sobre a ABIN, Agência Nacional de Inteligência, onde lá estão vários torturadores. Hoje, saiu nos jornais que há mais e que eles não vão dizer os nomes, mas que estão citados no “Brasil : Tortura Nunca Mais”. Esse livro é uma pesquisa, um trabalho de grande vulto e que traz os nomes, não de todos, mas daqueles que pudemos registrar naquele momento. Porque muitos eram clandestinos, eles torturavam com capuzes, torturavam de forma que não se pudesse reconhecê-los depois, sem saber seus nomes. Mas todos aqueles que estão no livro com certeza são torturadores de fato, e há mais na ABIN. Há um cadastro do Programa de Integração Nacional das Informações da Justiça e da Segurança, o Infoseg, nome estranho que dizem que é a menina dos olhos da Secretaria Nacional da Segurança Pública, subordinada ao Ministério da Justiça. Isso é atual. Às vezes, como há 30 anos contamos a história, as pessoas pensam que estou falando da época da ditadura. Não, voltando para o dia de hoje, 8 de dezembro de 2000, essas notícias que falei estão aqui na “Folha de S. Paulo”. Alguém aqui, inclusive, citou o juiz Nicolau, o Lalau. No cadastro do Infoseg, o Lalau está como não tendo o mandato de prisão, enquanto que o nosso companheiro de antigamente que conheci com o nome de guerra Clemente, Carlos Eugênio, que foi da Ação Libertadora Nacional e que há 30 anos foi perseguido, foi ameaçado de morte e se tivesse caído nas mãos da repressão hoje estaria na lista dos mortos e desaparecidos, mas aqui, mantém o mandato de prisão dele. Isso é o que estamos vivendo hoje.

Nós, os familiares, e as comissões de direitos humanos como a do Deputado Renato Simões e de outros aqui temos denunciado a impunidade. Não podemos construir a história deste País e construir a democracia mantendo a impunidade aos agentes que torturaram, que assassinaram, que mataram, de alguma forma produzindo informação, ou participando diretamente da repressão.

Assim como no passado, a nossa dor e a nossa perda nos levaram a erguer a voz, e transformamos essa dor em bandeira de luta que trouxemos para as ruas, a luta em defesa dos direitos humanos. Diga-se de passagem, fomos nós que trouxemos essa luta para as ruas há muitos anos atrás, e essa luta permanece presente.

Temos o problema da vala de Perus que não foi resolvida, como já colocaram aqui. Só para vocês lembrarem a vala de Perus quando foi aberta tinha 1.500 ossadas, sendo que um terço dessas ossadas praticamente eram de crianças com menos de 10 anos. Então não foi possível resgatar essas ossadas. Mil e quarenta e nove ossadas foram catalogadas e enviadas para a Unicamp. Na época diziam que estávamos querendo fazer politicagem, aliás, argumento usado até hoje. O jornal “O Estado de S. Paulo” está dizendo que as nossas denúncias são infundadas. Na época falavam que aquilo era conversa eleitoreira e nós provamos que não, pois dois presos políticos foram resgatados: Denis Casimiro e Frederico Eduardo Maer. Nós entregamos aos familiares para fazer o sepultamento. Isso ocorreu em 1991 e 1992.

A partir de 1993, quando Luíza Erundina deixou o Governo, começaram as dificuldades e não tivemos mais o diálogo com a Unicamp.

Em 1996, graças ao jornal “O Globo”, que mostrou Maria Lúcia Petit morta com o seu corpo enrolado num pára-quedas do Exército, tivemos todas as facilidades para que o corpo fosse identificado. De lá para cá a Unicamp alegou não ter condições técnicas. Quantas vezes pedimos socorro aos parlamentares. O nobre Deputado Renato Simões várias vezes nos acompanhou à Secretaria da Justiça e Cidadania, à Secretária de Segurança Pública e ao IML. Na época não aceitamos o Instituto Médico Legal porque existiam médicos que compactuaram com a tortura, que forjaram laudos negando a tortura como “causa mortis” dos nossos companheiros. Recentemente retornamos ao IML porque os médicos legistas que compactuaram com a ditadura já se aposentaram. Voltamos e fizemos todos os acordos possíveis, mas tudo em vão. Por fim, o Ministério Público Federal interveio e graças aos Procuradores da República, que estão cuidando do caso da vala de Perus, retomamos um fio de esperança nessa trajetória de busca da verdade, de reconhecimento dos restos mortais. O nobre Deputado falou das sete ossadas transferidas da Unicamp para o IML. Essas sete ossadas representam as seguintes pessoas: Luiz José da Cunha, Hiroaki Torigoi e Flávio de Carvalho Molina. Ficaram lá as outras ossadas, que deverão vir para o Cemitério do Araça, pois queremos que seja dada continuidade à investigação. A nossa luta está começando a ser retomada em relação à história da vala de Perus, mas ainda temos de garantir a dos outros que se encontram ainda na Unicamp. Temos certeza do Dimas Casimiro, do Grenaldo de Jesus, do Francisco José de Oliveira dentre outros desaparecidos em 1971 e 1972 na cidade de São Paulo.

Estou aproveitando a oportunidade para esclarecer um pouco sobre o que está acontecendo e agradecer o apoio de todos. Nós precisamos desse apoio para a continuidade dessa luta e aqui faço um agradecimento especial à Comissão de Direitos Humanos. Esse prêmio é de todos nós.

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Tivemos a honra de nesse processo de escolha para o Prêmio Santo Dias conhecer a Irmã Maria Dolores Junqueira. Diz o Evangelho que é pelos frutos que se conhece a árvore, mas eu conheci primeiro os frutos e agora estou conhecendo a árvore. Foram muitos os frutos e a mobilização da Baixada Santista foi uma das mais intensas que tivemos ao longo desses quatro anos, culminando, inclusive, com a indicação de uma pessoa ao prêmio.

É digno de ser registrado, inclusive pela presença marcante dos moradores da Baixada Santista nesta noite, o apoio de sindicatos, de associações, de Câmaras Municipais, da imprensa local, de parlamentares dos mais variados partidos, que criaram um movimento de opinião pública que sensibilizou a Assembléia Legislativa. Acreditamos que uma das faces do ataque ao movimento de Direitos Humanos, hoje, é justamente a negação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Querem reduzir o movimento de Direitos Humanos à defesa de bandidos, mas afirmamos, pela premiação da Irmã Maria Dolores Junqueira, que Direitos Humanos é o que ela fez e faz na Baixada Santista; que Direitos Humanos é a defesa da criança e do adolescente; que Direitos Humanos é garantir às crianças e aos adolescentes educação, saúde e oportunidade de construir uma vida saudável; que Direitos Humanos é a atenção às populações carentes que não têm, no Estado, a prestação de serviços públicos e fundamentais; que Direitos Humanos é o que se faz, hoje, na área continental de São Vicente, como se fez, antes, em Vicente de Carvalho; que Direitos Humanos é, portanto, a afirmação da dignidade básica de toda e qualquer pessoa. Por tudo isso nos sentimos muito felizes de a Assembléia Legislativa e a sua Comissão de Direitos Humanos terem respondido, positivamente, a essa mobilização.

Queremos registrar a presença do nobre Vereador José Pedro, de Guarujá, do nobre Vereador Brito Coelho, de São Vicente, enfim, de todos os parlamentares da Baixada Santista, estaduais e federais. Isto mostra frutos de um trabalho que marcou gerações naquela região. Por isto queremos convidar a nobre Deputada Federal Telma de Souza, que nos dirigirá algumas palavras sobre o trabalho desenvolvido pela Irmã Maria Dolores Junqueira, dando seu testemunho a respeito dessa lutadora pelos Direitos Humanos naquela região.

Tem a palavra a nobre Deputada Federal Telma de Souza.

 

A SRA. TELMA DE SOUZA - Muito obrigada, Deputado Renato Simões, na pessoa de quem na Presidência da Comissão de Direitos Humanos quero saudar não só os parlamentares que aqui estão, particularmente os da Baixada Santista, como também todos os agraciados, minha companheira Luíza Erundina, e também todos aqueles que vieram da Baixada trazer a sua expressão de apoio e de profunda honra, que é nossa, por termos entre nós a Irmã Dolores, e que juntos hoje também fazemos a saudação na luta que é interminável, porque é assim que tem que ser na conquista dos Direitos Humanos e na conquista da condição maior que precisamos ter enquanto espécie.

Falar sobre a Irmã Dolores é quase que covardia.

Penso que aqueles que aqui estiveram e falaram sobre a sua trajetória, que se confunde com a trajetória que a Amelinha, de alguma maneira, retratou, que o Deputado Paulo Teixeira agora também retratou, que a luta que dona Maria Augusta também retratou, acredito que essa é a tradução da trajetória da Irmã Dolores.

A Irmã Dolores é para nós da Baixada, Deputado Renato, uma espécie de farol. Porque quando nos cansamos, por algum motivo, e o corpo não quer seguir mais, vemos esta figura aparentemente franzina - e não é à toda que ela e a dona Maria Augusta se parecem - no grito dos excluídos, chamando a atenção para que a sensibilidade não termine, para que não nos curvemos perante os poderosos, e principalmente quase que no silêncio da sua humildade mostra a sua força e garante que nós, de uma maneira até envergonhada, recomecemos e continuemos o caminho da luta.

Poucos sabem que de alguma maneira a Irmã Dolores e dona Maria Augusta estão unidas, porque o filho da dona Maria Augusta, que foi meu sucessor na Prefeitura de Santos, recentemente desaparecido, deixou sua marca no Quarentenário com a Irmã Dolores, quanto estabeleceu - e vamos continuar, não tenhamos dúvidas - a sua trajetória, no sentido de defender a vida, de defender a gestante e defender principalmente o símbolo maior, através da mulher, que é a continuidade da vida, através da criança que nasce.

Acredito que quando vamos ao Quarentenário, e a pobreza da periferia da Baixada Santista, o Brito, o Marcos, o Fausto, a Luzia, recém-eleita, os Deputados Mariângela, Edmur, Maria Lúcia, sabemos o que significa a vivência das crianças no meio de valas fétidas, no meio da ausência do saneamento, e principalmente naquilo que temos como lema maior da nossa trajetória, que é a luta por condições melhores.

A Irmã Dolores não chama à Luta por Direitos Humanos; ela chama com esta voz que ela tem com forte sotaque espanhol - está aqui o Pe. Xavier, seu companheiro, que ela chama à luta pela vida! É assim que ela fala.

E, quando estamos aqui, pegamos trânsito, viemos e trouxemos o nosso aplauso. Vejo a Maria Helena Lambert, que hoje faz anos e aqui está para reverenciar  a Irmã Dolores - quero dizer que é nosso orgulho podermos estar aqui, junto com a Irmã Dolores, fazendo com que ela tenha esse reconhecimento. Tenho a certeza que para ela é apenas um momento da vida dela. A Irmã Dolores é feita daquela têmpera que só os verdadeiros lutadores e revolucionários têm. Ela não se cansa; está pronta a ser irreverente, a enfrentar inclusive aqueles que querem tolhê-la em trajetórias maiores no sentido da liberdade humana. Estamos hoje aqui, seus fiéis seguidores, porque sabemos o que significa uma luta que lá na Baixada é apresentada como uma luta silenciosa e quase que anônima, que se dá lá na periferia de São Vicente. Mas é a mesma luta do MST e do Marighella; é a mesma luta para saber das ossadas da vala de Perus. É a mesma luta de Davi Capistrano pai que está, lamentavelmente, na lista dos desaparecidos. É a mesma luta dos Deputados da Baixada para que tenhamos dias, pelo menos, um pouco menos animalescos, roubando a fala do Sr. Gilmar. Esse é um compromisso que todos temos, por isso estamos aqui. Esse é um compromisso que é selado de maneira magistral, incansável, imprescindível pela Irmã Maria Dolores Junqueira. Por isso, quero agradecer a honra em nome dos meus companheiros parlamentares, da Baixada Santista poder reverenciá-la. É uma graça, uma dádiva, conviver com esta figura que não se cansa, que saltita para cá, para lá, do alto da sua jovialidade de 20 anos de idade, para que hoje possamos dizer: Viva mais Irmã Maria Dolores Junqueira, porque a vida que queremos celebrar não é só a vida que a senhora canta, que entoa, mas a vida que nos dá por fazer essa louvação, a marca dos verdadeiros revolucionários. Muito obrigado! (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Convido o nobre Deputado Edmur Mesquita, vice-Presidente da Comissão dos Direitos Humanos desta Casa, Deputada Thelma de Souza, Deputada Mariângela Duarte, Deputada Maria Lucia Prandi, para que juntos entreguemos à Irmã Maria Dolores Junqueira, o prêmio Santo Dias deste ano.

 

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-           É feita a entrega do prêmio. (Palmas)

 

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O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES -  PT - Registro a presença do Sr. José Pedro.

Convido o Padre Xavier Mateo Arana, juntamente com os alunos da Escola Vip-Nec entregar flores e prestar homenagens à Irmã Maria Dolores Junqueira.

 

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É feita a entrega das flores. (Palmas.)

 

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O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Tem a palavra o Padre Xavier Mateo Arana.

 

O SR. XAVIER MATEO ARANA- Não é a minha palavra, é a palavra da irmã da Irmã Dolores, através de um fax:

Querida irmã

Recebe a felicitação carinhosa por este grande acontecimento que o dia 8 de dezembro te vai dar. Teus irmãos e família estamos orgulhosos de ti e pensamos que são bem merecidas todas as homenagens por teu grande amor e coragem em defesa dos mais fracos.

 Dia 8, festa da Imaculada aqui em Jiron, todos estaremos te acompanhando com a pena de não poder estar aí para abraçar-te.

Com todo o carinho de Celina, Amandina, Carolina e Alfredo. (Palmas.)

Há outro fax:

Querida irmã Maria Dolores

É sabido que o dia 8, festa da nossa Mãe Imaculada, vai ser um grande dia para todos os cristãos. É que nele se dará glória da Deus, reconhecendo que continua fazendo o bem através de Suas criaturas, em favor dos mais fracos.

Sim, irmã, o Senhor te escolheu para que Seu amor chegasse aos marginalizados, aos desprezados. Se volto na história, recordo aqui os anos 60 em Londres, com os imigrantes que chegavam da Espanha muito numerosos.

Tu eras minha superiora. E que tempos tão maravilhosos. Corriam os tempos de Concílio e aquela comunidade vibrava  com a Igreja em renovação. Todos que chegavam àquela casa saíam contentes. Era estupendo trabalhar naquele ambiente. Sempre estavas naquele clima de oração que te fazia esquecer de ti para dar-te aos demais. Não posso deixar de mencionar os tempos de Rio Rosas. Que lembranças!

Sei que teu caminhar é junto ao servo de Jesus. Por isso, não estranhes quando, ao percorrer seu caminho, te encontres com incompreensões e outras dores que te levam a Ele.

Estou agradecida ao Senhor de haver-te conhecido e Lhe peço que te conserve para que o mundo conheça a vida.

Um abraço

                                                            Maria Pilar(Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT -  Tem a palavra a Irmã Maria Dolores Junqueira. Ela vai explicar o que é essa VIP, porque as pessoas estão achando muito elitista.

 

A SRA. MARIA DOLORES JUNQUEIRA- Boa noite para todos. Sei que estão um pouco cansados, mas vamos procurar falar muito em poucas palavras. Achei importantíssimo que uma Casa como esta, que é a Casa de Leis, se preocupe tanto com os direitos humanos. Muitas vezes é a própria lei que falta com os direitos humanos. Então, uma Casa de Leis que foi capaz de formar uma Comissão de Direitos Humanos que, na pessoa do nosso Deputado Renato Simões, formou também nesses cinco anos essa caminhada e procura chamar a atenção com esses prêmios - procurando as pessoas que, de alguma maneira, lutam pelos direitos humanos - merece realmente todos os nossos elogios. Se numa Casa de Leis não se luta pelos direitos humanos teríamos que falar que essa casa nunca poderia chamar-se Casa de Leis, senão seria a casa da hipocrisia, da falsidade, de todos os apelidos que poderíamos dar.

Foi muito importante que coincidisse este dia com a entidade que está aqui procurando os mortos e desaparecidos da ditadura. Um povo que trata de esquecer o passado não tem futuro. Por isso, as ditaduras e os opressores sempre procuram apagar a história. Um povo sem história é um povo que não é capaz de se organizar. No cristianismo se diz que os mártires são a semente dos novos cristãos. Esses desaparecidos da ditadura são mártires também, são mártires da liberdade, são mártires da democracia. Por isso, a morte deles não foi em vão, foi a semente para a luta pela liberdade, para a luta pela democracia, para a luta pelo idealismo. Esse sangue não foi derramado em vão. Por isso é muito importante que hoje vocês, jovens da Baixada, vocês, jovens de São Vicente, do Quarentenário, etc. saibam que nas escolas não se ensina a verdadeira história, nas escolas ensinam a história do ponto de vista dos vencedores. Então, dirão que esses que morreram eram bandidos, subversivos, revolucionários, mas não se ensina que esses eram os verdadeiros patriotas, os que na verdade queriam a liberdade, a democracia, a justiça para todos os brasileiros. E lutamos tanto para que vocês jovens sejam realmente a semente da mudança desta sociedade injusta, desta sociedade neoliberal, para uma sociedade justa, fraterna, igualitária. Acho que foi muito importante vocês escutarem aqui a verdadeira história do Brasil, escutarem aqui a verdadeira história de uma ditadura militar, que é sempre uma ditadura.

Muitas vezes, o povo angustiado pela falta de trabalho, angustiado pala falta de moradia, diz: “acho que era melhor o tempo da ditadura, porque, pelo menos, havia trabalho”. Então vocês jovens que não tinham nascido gravem no coração o que escutaram hoje aqui, porque este século, o último século do milênio - que apressadamente já comemoramos no final do ano de 1999, dizendo que acabava o século, que começava o novo milênio quando realmente o século é agora que acaba e o novo milênio será em 2001 - digo que este século devia ter sido o século dos direitos humanos porque, depois de duas guerras mundiais horríveis, formou-se a ONU, Organização das Nações Unidas, para que nunca mais houvesse guerra, para  que houvesse paz e liberdade. A ONU foi um fracasso, as guerras continuam e continuam verdadeiramente por meio daqueles que são os países do Primeiro Mundo,  que acabam uma guerra e começam outra, porque a indústria das armas é muito rendosa e tem que vender armas. (Palmas.)

É também o ano da FAO, vamos acabar com a fome no mundo, mas a fome aumenta cada vez mais. Neste nosso país, que poderia ser o celeiro de mundo, nosso povo passa fome. Indo por esses bairros carentes encontramos pessoas que dizem: “ irmã, não tenho um grão de arroz em casa. Irmã, não tenho comida hoje. Irmã, não tenho leite para as crianças”. Sabemos que é verdade.

E a tuberculose está voltando, e a mortalidade infantil que tinha caído está aumentando novamente. Vocês devem ter lido que na Etiópia há um campo de refugiados famélicos e os médicos com sangue frio entram e vão marcando na fronte uma série de criaturas que estão lá. A essas criaturas não dão alimentos, já as condenaram a morrer, para que o pouco alimento dê para os outros. E, com sangue frio, se condena à morte aquela multidão. Porque o sistema neoliberal em que vivemos não é outra coisa que o capitalismo selvagem, que já envergonhado de ser tão selvagem muda o nome para liberalismo e depois para neoliberalismo . E o que faz esse sistema? Ele acumula lucros e globaliza a miséria. Essa é a globalização. (Palmas.)

É o ano também da Unicef. só que ela também não basta para salvar nossas crianças. Vivemos em um século tão cínico, mas tão cínico que falam muito em salvar o mundo, salvar as espécies porque a baleia está acabando, a Arara-Azul está sendo exterminada, o Mico-Leão já quase não existe. Quero gritar nesta Casa de Leis: salvem as baleias, salvem o Mico, e o outro Mico, mas, gente, salvemos nossas crianças! (Palmas.) Salvemos nossos jovens! (Palmas.)

Fala-se muito na violência, no banditismo, mas, gente, vá aos nossos bairros carentes. Qual é o primeiro emprego que se oferece aos jovens, depois que, com muito sacrifício, procura estudar um pouco e aprender alguma profissão? O mercado de trabalho está fechado. Sabem qual o primeiro emprego que se oferece a um jovem de periferia? É ser “avião”, quer dizer, passar os papeizinhos de cocaína. Cada papelzinho custa R$5, até que se viciem os jovens. Depois, sabem que uma vez viciado, realmente eles vão matar e roubar para conseguir a cocaína. Salvemos nossos jovens! Salvemos a raça humana! (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Vamos assistir agora à apresentação musical dos alunos da Escola VIP-NEC, para encerrarmos esta sessão solene.

 

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-                     É feita a apresentação dos alunos da Escola VIP-NEC.

 

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O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Esgotado o objeto da presente sessão, antes de encerrá-la, esta Presidência registra a presença da vice-Presidente eleita de Campinas, Isalene Tiene, e agradece a todas as autoridades, entidades e pessoas que compareceram a esta sessão solene e igualmente agradece a todas as pessoas que colaboraram com a organização desta sessão, particularmente ao pessoal do nosso gabinete, aos funcionários da Casa, da Mesa, do Cerimonial, do Som. Queremos agradecer todos que vieram da região de Campinas, da Baixada Santista e outras cidades.

Está encerrada a sessão. Boa noite! Todos em luta pelos direitos humanos!

 

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-                     Encerra-se a sessão às 22 horas e 55 minutos.

 

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