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10 DE DEZEMBRO DE 2004

60ª SESSÃO SOLENE EM COMEMORAÇÃO DO “VIII PRÊMIO SANTO DIAS DE DIREITOS HUMANOS”

 

Presidência: RENATO SIMÕES

 

Secretário: ENIO TATTO

 

DIVISÃO TÉCNICA DE TAQUIGRAFIA

Data: 10/12/2004 - Sessão 60ª S. SOLENE  Publ. DOE:

Presidente: RENATO SIMÕES

 

COMEMORAÇÃO DO "VIII PRÊMIO SANTO  DIAS DE DIREITOS HUMANOS"

001 - RENATO SIMÕES

Assume a Presidência e abre a sessão. Nomeia as autoridades. Informa que a Presidência efetiva da Casa convocou a presente sessão, a pedido do Deputado ora na condução dos trabalhos, com a finalidade de outorgar o 8º Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos. Convida todos para, de pé, ouvirem o Hino Nacional Brasileiro.

 

002 - ENIO TATTO

Assevera que a comemoração dessa data renova as forças para continuar lutando por uma sociedade mais justa e digna.

 

003 - VICENTE GARCIA

Membro do Comitê Santo Dias, recorda o episódio da morte de Santo Dias. Homenageia a Sra. Ana Dias.

 

004 - LUIZ EDUARDO GREENHALGH

Deputado Federal, narra detalhadamente o incidente que matou Santo Dias e a repercussão que teve na época.

 

005 - Presidente RENATO SIMÕES

Explica as razões pelas quais o prêmio leva o nome de "Santo Dias". Conduz  a entrega de diplomas às pessoas indicadas à premiação. Anuncia  a execução de número musical.

 

006 - ODETE ANTONIA MARQUES

Membro do Comitê Santo Dias, presta homenagem à Sra. Ana Dias, ganhadora do prêmio deste ano.

 

007 - ANTONIA CARRARA

Coordenadora Nacional da Pastoral Operária, presta homenagem à Sra. Ana Dias.

 

008 - LUCIANA DIAS

Filha de Santo e Ana Dias, membro do Comitê Santo Dias, igualmente presta homenagem à mãe.

 

009 - Presidente RENATO SIMÕES

Anuncia a execução de número musical. Conduz a entrega do Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos à Sra. Ana Maria do Carmo Silva, conhecida como Ana Dias.

 

010 - ANA DIAS

Agradece a homenagem recebida.

 

011 - Presidente RENATO SIMÕES

Anuncia a execução de número musical. Agradece a todos que colaboraram para o êxito da solenidade. Encerra a sessão.

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos. Convido o Sr. Deputado Enio Tatto para, como 2º Secretário “ad hoc”, proceder à leitura da Ata da sessão anterior.

 

O SR. 2º SECRETÁRIO - ENIO TATTO - PT - Procede à leitura da Ata da sessão anterior, que é considerada aprovada..

 

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O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Esta Presidência cumprimenta os membros da Mesa: Exmo. Sr. Deputado Federal Luiz Eduardo Greenhalgh; Exmo. Dr. Robson Santos Campos, dirigente da Assessoria de Defesa da Cidadania, representando o Sr. Secretário da Justiça e Defesa da Cidadania, Dr. Alexandre de Moraes; Exmo. Sr. Frederico dos Santos, Presidente do Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana - Condep, e representante do Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo; minha cara amiga, companheira Ana Dias; Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores, esta Sessão Solene foi convocada pelo Presidente da Casa, Deputado Sidney Beraldo, atendendo solicitação deste Deputado, com a finalidade de outorgar o 8º Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos.

Convido a todos os presentes para, em pé, ouvirmos a execução do Hino Nacional Brasileiro, que será apresentado pela cantora e integrante do Teatro União Olho Vivo, premiado também com o Prêmio Santo Dias, Ana Lúcia da Silva.

 

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-         É entoado o Hino Nacional.

 

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O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Esta Presidência gostaria de informar também e agradecer a presença do Pe. Devair Carlos Poletto, que representa nesta noite, como Secretário-Executivo, o Presidente do Conselho Episcopal Regional Sul 1 da CNBB, Dom Nelson Westrupp; saudar também a Vereadora Maria José Cunha, da Câmara Municipal de Campinas; a Vereadora Lucila Pisani, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo; a Vereadora Flávia Pereira, Presidente da Comissão dos Direitos da Mulher da Câmara Municipal de São Paulo; o Pe.Benedito Ferraro, da Pastoral Operária da Arquidiocese de Campinas; o Pe. Gunter A. Zugbic, Coordenador Nacional da Pastoral Carcerária; a Odete Antonia Marques, do Comitê Santo Dias da Silva; o Pe. Bernard Henri Marie Hervy, da Acat; Deise Benedito, da Organização de Mulheres Negras Fala Preta; Antonia Carrara, Coordenadora Nacional da Pastoral Operária; Geni dos Santos Camargo, da Associação Rede Rua; Lia Diskin, do Comitê Paulista para a Década da Cultura da Paz; Vicente Garcia, do Comitê Santo Dias; Thiago Thobias, representante da EDUCAFRO, Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes; Ex-Deputado Estadual Anísio Batista; e Maria Gorete Marques de Jesus, da Comissão Teotônio Vilela. Estas são algumas das pessoas representativas da luta pelos direitos humanos em São Paulo aqui presentes. Oportunamente vamos poder também saudar outras pessoas.

Juntamente com a Ana, queremos saudar a Luciana e o Santo, filhos de Santo Dias e de Ana Dias, também presentes. Mas não estão ensacadas como estiveram na Praça da Sé na última manifestação, simbolizando as sementes da luta do Santo Dias. Hoje estão aí ao vivo e em cores. Muito obrigado a todos e todas pela presença.

Tem a palavra o nobre Deputado Enio Tatto, em nome do Partido dos Trabalhadores, nosso vice-líder.

 

O SR. ENIO TATTO - PT - Boa noite a todos, boa noite a todas. Boa noite, nobre Deputado Renato Simões, nobre Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, Vereadora Lucila. Boa noite, Ana, e em seu nome quero cumprimentar todos os presentes. Quero parabenizar por esse oitavo prêmio Santo Dias. Nada melhor que homenagear a Ana por sua luta e perseverança.

Todos os anos em que celebramos o aniversário da morte de Santo Dias - e tenho procurado participar, lá na zona sul, embora não tenha podido este ano, por problema de agenda, renovamos a força e a vontade, mantendo viva a memória daquele que é um dos grandes responsáveis pela democratização do Brasil e um dos responsáveis pela luta por mais salário, por mais justiça social e por melhores condições de vida.

Este ano, a Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo nobre Deputado Renato Simões, acertou, como vem acertando, ao fazer essa homenagem, porque a Ana representa realmente a história viva do Santo Dias. Cada vez que comemoramos essa data, renovamos as forças para continuar lutando, a fim de termos uma sociedade mais justa e digna.

Todas as vezes que lembramos da morte de Santo Dias, lembramos também que a cada dia temos de renovar nossa esperança por uma polícia mais humana, por uma polícia que não seja tão cruel, por uma polícia que não mate tanto quanto está matando atualmente. Naquela época, matou-se Santo Dias porque lutava por justiça social, por salário, por direito dos trabalhadores. Hoje perdemos muitos jovens que, por falta de oportunidade e de mercado de trabalho, já que nossas autoridades não oferecem, são pegos pelo tráfico e pelas drogas, muitas vezes mortos pela polícia de forma absurda.

Esta semana participei de uma reunião da Comissão de Direitos Humanos que o nobre Deputado Renato Simões estava presidindo, em que diversas pessoas e famílias testemunhavam a violência que sofreram, quando pessoas de suas famílias foram mortas pela truculência e pela falta de preparo da nossa polícia.

Esta sessão de hoje serve para que, todas as vezes que aconteça um caso de violência policial, estejamos preparados, que eles estejam atentos, que haja pessoas preocupadas para que não aconteça o que aconteceu com Santo Dias, a fim de podermos ter uma sociedade melhor e um Estado melhor.

Parabéns, Renato. Eu queria dar meu testemunho do trabalho que o Renato Simões vem fazendo à frente da Comissão de Direitos Humanos, todos os anos comemorando o Prêmio Santo Dias, principalmente pelo seu trabalho diário aqui na Assembléia, à frente dessa Comissão, muitas vezes não entendida por aqueles que querem perturbar a mentalidade da população brasileira. O Renato vem, portanto, à frente dessa Comissão, demonstrando um belo trabalho.

Parabéns, Renato. Parabéns, Ana Dias, por essa homenagem. Você merece. Um grande abraço para todos vocês. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Agradeço as palavras do nobre Deputado Enio Tatto. Antes de falarmos do Prêmio Santo Dias e da premiada deste ano, pensamos que esta sessão, no ano em que se rememora 25 anos do assassinato de Santo Dias, seria dedicada a ele, a sua luta, a seus valores, a seus princípios.

Já muito antes da premiação, imaginávamos que, da mesma forma como várias organizações da sociedade civil, igrejas, movimentos sociais, movimento sindical, partidos políticos que desenvolveram uma grande atividade, não só em São Paulo, mas em todo o País, de resgate da memória, da vida, do compromisso, dos princípios e das lutas de Santo Dias, esta sessão fosse dedicada a ele.

Por isso, antes de abrir o prêmio propriamente dito, pedimos que duas pessoas falem sobre o significado da pessoa e sua relação com Santo Dias. Uma pessoa que conviveu com ele aqui em São Paulo durante um bom tempo, militando nas mesmas áreas em que o Santo atuou. O outro, um advogado que teve um papel importante na luta contra a impunidade e que hoje é uma das referências nacionais da luta pelos direitos humanos.

Convido então, inicialmente, o Sr. Vicente Garcia para que ele nos dirija a palavra, e depois vou convidar também o Deputado Federal Luiz Eduardo Greenhalgh.

 

O SR. VICENTE GARCIA - Boa noite a todos. Para introduzir um pouco algumas idéias que escrevi, vou me apresentar. Participei, principalmente com o Santo, da Posição Sindical. Fizemos muitas reuniões naqueles anos históricos, naquela luta contra o sindicato, naquela luta pelo sindicato de São Paulo, e participei também, por sorte e por desgraça, daquele dia 29, na frente da Silvânia, quando estávamos juntos no piquete, daquele convite que íamos fazer para os operários aderirem à greve.

Tenho algumas idéias organizadas aqui e vou lê-las para ser breve.

A verdadeira história da humanidade não é escrita durante o século em que ela acontece, nem por seus protagonistas. São muitos os interesses envolvidos. As biografias dos reis, dos Presidentes e das pessoas famosas são disputadas por autores sedentos de lucros.

Nossa história, ninguém a registrará se não cumprirmos com esse dever de registrá-la. Como protagonistas dessa história que não tem voz, temos obrigação de fornecer todos os dados para que seja escrita de maneira objetiva.

Santo foi assassinado durante a greve de 1979. Depois da rasteira recebida na greve de 1978, quando a diretoria do sindicato, passando por cima da decisão da assembléia da categoria, decidiu acabar com a greve, a Posição Sindical assumiu toda a responsabilidade da paralisação daquele ano, 1979.

Por esse motivo, a Polícia Militar de São Paulo, governado por Paulo Maluf, invadiu as sedes do sindicato, levando presa grande parte das lideranças da Posição Sindical, na véspera da paralisação. Era a única maneira que a direção do sindicato tinha de acabar com uma greve que escapava de suas mãos.

No dia 29 de outubro de 1979, saímos da Igreja de Socorro, transformada em sub-sede do sindicato para a fábrica da Silvânia, com dois objetivos claros: convidar os companheiros do turno das duas horas da tarde a aderirem à paralisação e comparecer à assembléia do sindicato, que seria realizada às 15 horas. Não deixaríamos levar nenhum companheiro preso, porque percebemos que essa era a tática do sindicato e da polícia para provocar o fracasso da greve.

Naquele empurra-empurra, Santo foi assassinado, não porque foi violento - nunca o foi. A polícia, com sua presença, fez presente a violência, querendo nos levar presos. O soldado Herculano atirou para matar o Santo, não porque soubesse quem ele era, senão porque já o tinha marcado de outros piquetes.

Ano após ano, o Comitê Santo Dias, impulsionado principalmente por Ana, não deixou de relembrar sua memória e suas idéias. Neste ano, celebramos o 25º aniversário de sua morte. Foi lançado o livro Santo Dias, quando o passado transforma-se em história.

Esse livro é muito mais do que uma biografia de Santo Dias e de sua época: é a narração das lutas no campo e na cidade de uma classe explorada e oprimida, com derrotas e vitórias, mas sempre atuante. Não é uma simples narração, pois brota por todo o livro a semente da luta no bairro, na roça, nas fábricas, nos sindicatos. Lendo-o, não somente recordamos o passado, senão descobrimos o caminho para conquistar o futuro, para transformar o Brasil e o mundo.

No dia 29 de outubro de 2004, fizemos uma passeata da Igreja da Consolação até a Praça da Sé, refazendo o mesmo percurso que uma grande multidão fez acompanhando o corpo morto de Santo. Acabamos na Câmara Municipal, a Casa do Povo, homenageando o nosso mártir Santo Dias, renovando nossos compromissos com suas lutas. Por trás, e encabeçando todas essas manifestações, estava a garra de Ana, empurrando-nos e nos animando.

Por todos esses anos de luta, para que Santo e seus ideais permanecessem vivos e, principalmente, pelos anos em que viveu lutando junto com Santo, pensamos que a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa fez uma ótima escolha, homenageando Ana Dias neste dia.

Parabéns, Ana! Você merece! (Palmas.)

 

O sr. Presidente - Renato Simões - PT - obrigado, Vicente. Vamos ouvir as palavras do companheiro, o Deputado Federal Luiz Eduardo Greenhalgh.

 

O SR. LUIZ EDUARDO GREENHALGH - Deputado Renato Simões, Presidente desta Sessão Solene, que, no dia 10 de dezembro de todos os anos, reúne-nos na Assembléia Legislativa, homenageando os lutadores do povo e os defensores dos direitos humanos.

É ditado popular aquele que encerra a frase recordar é viver”. Mais do que viver, nesstes momentos em que recordamos Santo Dias, temos que aprender. Vejo, no Pplenário, pessoas, homens e mulheres, que conheceram Santo Dias, que trabalharam com ele, que militaram com ele e que, estando aqui, renovam os seus compromissos com os ideais de Santo Dias. Para esses companheiros, recordar é viver. Vejo, também, no Pplenário, muita gente que vem aqui para saber da história de Santo Dias, que não conviveu com ele naquela época e que, portanto, numa sessão como esta, recordar é aprender.

Conheci Santo Dias quando a oposição sindical metalúrgica constituiu-se em São Paulo. Santo Dias, Chacrinha, Fernando do Ó Veloso, Aurélio Peres, Anísio Batista - que ali está - reuniam-se aos sábados, das dez horas ao meio-dia, no escritório de advocacia que eu integrava na Ttravessa da Brigadeiro. Dali saiu a formação da oposição sindical.

O que me impressionava em Santo Dias era que, de todas essas pessoas, ele era o mais calmo, ele era o mais sereno, ele era o menos radical, ele era o mais pacificador. No auge da criação da oposição sindical, que lutava para tomar a direção do Sindicato dos Metalúrgicos em São Paulo, naquela época dirigido pelo Joaquinzão, no auge da efervescência da oposição sindical, o que eu ouvia de Santo Dias era a palavra de tranqüilidade, a palavra de confiança do povo, a palavra que, se desse tempo ao tempo, as coisas iam melhorar.

Por isso é que aquele dia 29 de outubro não vai sair da minha cabeça tão cedo. Tenho repetido isso, e este ano já repetipor várias vezes, porque estamos comemorando os 25 anos do assassinato de Santo Dias, houve o lançamento do livro, houve uma sessão na Câmara Municipal, houve diversas solenidades evocando a memória de Santo Dias. Nessas solenidades, tenho sempre repetido isso.

Em nossa trajetória, vamos colocando na nossa retina e na nossa memória os fatos que Deus quis que presenciássemos. Eram mais ou menos dez e meia da manhã, quando recebi um telefone de Dom Paulo Evaristo Arns, dizendo que tinha havido uma invasão em uma igreja no Largo do Socorro e que havia militantes sindicais ido fazerndo um piquete na fábrica Silvânia. Havia a idéia de que tinha havido repressão; havia o boato de que a polícia tinha atirado nos trabalhadores.

Não conseguimos verificar essa situação. O que Dom Paulo queria era que eu me inteirasse dessa questão. Quando foi meio-dia e meia, recebi um telefonema do Padre Luiz Juliani, que não estando aqui fisicamente, está conosco em qualquer atividade que se fale de Santo Dias. Ele dizia que a única solução que tinha era que nos dirigíssemos ao Dops.

O Dops, naquela época, era dirigido pelo Delegado Romeu Tuma, que hoje é Senador da República. Chegamos lá entre uma e meia e quinze para as duas da madrugada. Subimos ao quarto andar, o Delegado Tuma não estava, ninguém estava para nos prestar informações. Quando já estávamos saindo de lá, o Delegado Tuma chegou, confirmou a morte de um operário na Silvânia e deu o seu nome: Santo Dias.

Este momento foi de muito impacto. O Padre Luiz Juliani fez um discurso, que até hoje me lembro. De dedo em riste, ele foi para cima do Delegado Tuma, fez um discurso no Dops, no quarto andar, na sala do Delegado Tuma, contra a ditadura, contra a repressão, lutando pela democracia no Brasil, e disse que isso não ia ficar assim.

Saímos e fomos falar com Dom Paulo. Chegamos na Av. Higienópolis, nº 890, na Cúria. Dom Paulo pegou-nos, colocou-nos dentro de um fusquinha e fomos até o Pronto-Socorro, na Zona Sul. O Santo já tinha saído de lá e fomos ao IML.

Esses fatos, para muitos de vocês aqui presentes, são cansativos, porque eu só falo neles, mas é aquilo que me vem na retina para dizer neste dia. Chegamos ao IML e ele estava cercado pela Tropa de Choque. Ninguém entrava, ninguém saía. A força moral de Dom Paulo evaristo Arns fez com que chegássemos ao portão e os militares fossem se afastando. Subimos e chegamos à ante-sala daquela geladeira que existe no IML.

Ali, vimos a Ana - nunca vou me esquecer do jeito dela - numa prostração de desespero. Entramos. Não queriam deixar que entrássemos. Abriu-se a sala, o corpo de Santo Dias estendido.

Rezamos um Padre Nosso, puxado por Dom Paulo. Os delegados da repressão ao lado do corpo e Dom Paulo apontou com o dedo o corpo, a ferida, a marca da bala. Dizia num grito que até hoje escuto na minha cabeça: “Olhem o que vocês fizeram. Olhem o que vocês fizeram. Por que fizeram? Isso não vai ficar assim.” Rezamos o Padre Nosso, saímos, levamos o corpo para a Igreja da Consolação, passamos a noite chorando. Nunca vi a classe operária tão revoltada como naquele dia. No dia seguinte se fez uma caminhada até a Igreja da e enterramos Santo Dias.

Depois veio o processo. O advogado do caso era o José Carlos Dias, membro da Comissão de Justiça e Paz. O julgamento aproximava-se. Houve uma mudança de advogado. Foi a primeira vez que um soldado foi condenado na Justiça Militar de São Paulo por um crime político. o absolveram depois de alguns anos, mudando a composição do Tribunal da Justiça Militar de São Paulo.

Santo Dias é uma lição, um exemplo, um compromisso. Toda vez que falamos de Santo Dias, renovamos esses compromissos. Espero que nós, que somos sobreviventes desse fato, que somos testemunhas desse fato, nunca nos deixemos desviar para que continuemos sendo passíveis de comparação e de honra dos ideais de Santo Dias.

Neste dia em que estamos entregando o Prêmio de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo que se chama Santo Dias para a mulher, a companheira, a militante Ana Dias, isso significa uma renovação desses ideais e uma multiplicação do nosso compromisso de fazer deste país um país justo, humano e liberto.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Tínhamos aprovado a constituição da Comissão dos Direitos Humanos nesta Casa em 1995, quando pensamos em criar um prêmio de direitos humanos. Instalamos a Comissão em 1996, quando conseguimos aprovar a criação do prêmio, entregue pela primeira vez aqui neste plenário, com a presença da Ana, ao Cardeal Arcebispo Emérito de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns.

Discutimos que nome poderíamos dar a esse prêmio. O nome do Santo acabou sendo escolhido por várias razões, mas a principal delas é o fato de que a sua figura simboliza, encarna, representa, sintetiza muitas facetas da luta pelos direitos humanos.

Uma pessoa que veio do campo, expulso da terra porque lutou pelos direitos trabalhistas dos trabalhadores rurais; que participava de vários dos movimentos da Igreja Católica; que veio para São Paulo e engajou-se em movimentos populares extremamente fortes, tanto na base como na cidade; que foi uma liderança sindical importante no cenário urbano; ganhou, mas não levou, com seus companheiros, a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, que foi mantida sob o comando do pelego Joaquinzão pela ditadura militar, que fez a nova intervenção no sindicato depois de tê-la feito no início do golpe; que foi assassinato pela Polícia Militar como tantas pessoas são mortas, seja na repressão a movimentos sociais - e acabamos de ter em Minas Gerais o assassinato de cinco lideranças do MST recentemente por grileiros, jagunços que a polícia não soube ou não pôde, ou não quis identificar a tempo, seja como acontece no dia-a-dia, na própria Zona Sul aqui em São Paulo, quando jovens, trabalhadores, crianças, adolescentes são também perseguidos e mortos por policiais.

Foi justamente a riqueza e a identidade que o nosso mandato tinha com Santo Dias que fez com que escolhêssemos esse nome. Vocês imaginem, numa Assembléia Legislativa onde até hoje existe uma grande representação de policiais militares, a dificuldade que foi, depois de aprovada a Comissão dos Direitos Humanos, aprovar o nome de uma pessoa que lembra até hoje que o assassino está impune, um caso que foi capaz de mudar a lei, retirando da Justiça Militar o poder de julgar os homicídios praticados por policiais militares, até hoje não foi resolvido, porque o assassino foi libertado depois de uma farsa de um segundo julgamento. Para nós é muito importante que a Assembléia esteja reunida hoje com tantas pessoas que são Santo Dias como ele foi.

Disse na Câmara Municipal que, embora não tenha sido glorificado oficialmente nos altares, Santo Dias é o santo padroeiro da esquerda católica no Brasil. Quantos e quantos militantes foram à luta como ele foi e simbolizam tanto quanto ele essa luta. Para não citarmos 300, vou pedir que homenageemos o Santo em duas pessoas e, como sempre, os que estão com os cabelos mais grisalhos.

Um é o nosso companheiro Anísio Batista, Ex-Deputado desta Casa, que encabeçou a chapa em que o Santo também participava como Vice-Presidente roubada pela ditadura. (Palmas.) O outro é o companheiro Waldemar Rossi, (palmas) militante da Pastoral Operária, que está na platéia, atrás do vidro colocado recentemente porque os movimentos sociais às vezes ameaçam a vida dos Deputados aqui embaixo. Nestas duas figuras que não vão deixar ninguém enciumado, pois todos poderiam ser citados, queremos homenagear os Santos que estão aí até hoje nesta luta.

Vamos chamar agora algumas pessoas tão merecedoras do prêmio como a Ana Dias. A Comissão dos Direitos Humanos sempre tem esse problema: quem premiar num contexto em que tantas pessoas importantes, tantos militantes, tantas entidades são dignas desse tipo de reconhecimento.

Eu diria que os prêmios de direitos humanos, mais do que uma honraria, são instrumentos pedagógicos, pois escolhemos as pessoas por aquilo que elas representam e, às vezes, a ênfase cai mais em uma dimensão do que em outra. Porém, não há como - da mesma forma que os direitos humanos são universais e indivisíveis - dividir um prêmio, que, pelo Regimento deve ser entregue a uma pessoa ou entidade.

Assim, a forma que encontramos foi a seguinte: convidar para esta festa, para este momento de encontro, todos os indicados por outras pessoas ou entidades para receber o prêmio. Todos recebem uma pequena lembrança da Assembléia, que é um diploma assinado por mim, pelo Presidente da Casa, Deputado Sidney Beraldo, que, na verdade, representa um gesto, como poderia ser como um abraço, um aperto de mão.

Faremos agora a entrega dos diplomas às pessoas indicadas ao Prêmio Santo Dias.

Inicialmente, chamo o Padre Bernard Henri Marie Hervy, um grande lutador contra a tortura, durante muito tempo Secretário do Movimento Nacional dos Direitos Humanos e, agora, fundador e grande articulador da Acat Brasil.

 

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- É feita a entrega do Prêmio Santo Dias.

 

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O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Quero chamar agora uma entidade que está sendo investigada pela polícia. Recebemos uma circular enviada pela Inteligência da Polícia de São Paulo pedindo informações sobre pessoas potencialmente inimigas da ordem. Essa entidade foi premiada com essa circular, mas também com o Prêmio Santo Dias. Convido a Educafro - Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes, antes que alguma coisa aconteça, na pessoa de Thiago Thobias para receber o prêmio.

 

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- É feita a entrega do Prêmio Santo Dias.

 

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O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Este ano foi marcado pelo homicídio de vários moradores de rua em São Paulo, e esta Casa realizou talvez uma das reuniões mais dramáticas. Ficamos chocados ao ver a que ponto chega a barbárie na cidade de São Paulo.

Uma pessoa e uma entidade foram indicadas para simbolizar essa luta: Padre Júlio Lancelotti e a Associação Rede Rua. Como o Padre Júlio Lancelotti está sendo homenageado neste momento pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Sapopemba, do CDH daquele local, e não pôde comparecer, convido a Associação Rede Rua para receber o diploma.

 

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- É feita a entrega do Prêmio Santo Dias.

 

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O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Queremos convidar uma militante que há muitos anos freqüenta esta Casa, os trabalhos da Comissão, com grande participação no movimento de direitos humanos no Estado de São Paulo, representante de uma entidade que marca a luta da comunidade negra, particularmente da mulher negra, pelos direitos de todos nesta sociedade: Deise Benedito, da Fala Preta - Organização de Mulheres Negras.

 

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- É feita a entrega do Prêmio Santo Dias.

 

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O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Uma das prioridades da Comissão de Direitos Humanos é a defesa da criança e do adolescente. No ano que vem, iremos desenvolver um grande programa na Assembléia Legislativa, de fiscalização e acompanhamento das políticas do Estado na área da infância e juventude, para que possamos verificar os avanços e problemas ainda existentes nos 15 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Gostaríamos de convidar a Aliança pela Infância, entidade indicada para receber o Prêmio Santo Dias. (Pausa) Infelizmente não compareceu, mas, mesmo assim, receberá o prêmio.

Chamamos uma outra entidade muito importante na gênese dessa comissão, que muito ajudou na mobilização da opinião pública para sua criação, e histórica na luta pelos direitos humanos em São Paulo: Comissão Teotônio Vilela.

 

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- É feita a entrega do Prêmio Santo Dias.

 

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O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Queremos registrar que nesta Casa funciona o Conselho Parlamentar para Cultura da Paz, criado com o objetivo de, em uma sociedade tão violenta, marcada por tantas desigualdades, injustiças e conflitos, mostrar a dimensão estratégica da luta pela paz.

Queremos convidar para receber sua menção o Comitê Paulista para a Década da Cultura de Paz.

 

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- É feita a entrega do Prêmio Santo Dias.

 

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O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Há uma pessoa que fisicamente não está entre nós, e a menção “in memorian” será encaminhada a sua família, que não mora em São Paulo. Trata-se do diplomata Sérgio Vieira de Mello, Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos, assassinado em um atentado em Bagdá. Queremos nos unir a sua família, às Nações Unidas e a todas as pessoas que, no plano internacional, lutam pelos direitos humanos.

Tanto a família do diplomata Sérgio Vieira de Mello quanto o Padre Júlio Lancelotti, como a Aliança pela Infância receberão oportunamente suas menções.

Assistiremos agora à apresentação do Cordel Santo Dias, cujo intérprete é Cícero Umbelino da Silva, que nos ajudou muito não só na sessão solene de hoje, mas também na sua preparação, com reuniões em Santo André, Campinas, aqui na cidade de São Paulo.

Cícero Umbelino da Silva fará sua apresentação, se estiver tudo certo. Enquanto isso, vamos fazer uma festinha com as pessoas premiadas e depois retomaremos junto com a apresentação musical.

 

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-         É executado número musical. (Palmas.)

 

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O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Muito obrigado, Sr. Cícero. Registramos mais algumas presenças honrosas nesta noite de hoje. Quero anunciar o nosso companheiro Eduardo Tadeu Pereira, Prefeito eleito de Várzea Paulista, e sua esposa Dulce; o nosso companheiro e Presidente do Conselho Tutelar de Santo André, Marcelo Augusto; o Padre João Drexel, da Pastoral do Menor; o Sr. Ademar Carlos e o Sr. Marco Antonio, do Projeto Meninos e Meninas de Rua de São Bernardo do Campo; o Sr. Aylton Bekes Cézar, Diretor do Conselho Regional da Associação dos Oficiais de Justiça do Estado de São Paulo, representando a Presidente Yvone Barreiros Moreira; Padre Roberto Fitzpatrick, da Pastoral Operária Metropolitana de São Paulo; a Sra. Maria Rute, da Rede de Solidariedade; a Sra. Wilma da Mota Lopes, da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Cristãos; a Sra. Cecília Hansen, Coordenadora do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo, Cedep, a quem agradecemos toda a mobilização desta região, juntamente com o Padre Jaime Crowe, nosso Coordenador do Fórum de Defesa da Vida de Campo Limpo; muitas pessoas presentes da Zona Sul, onde Ana e Santo militaram e moraram; o Pe. Raimundo Perilat, autor do presente que todos receberão na próxima música, da Casa de Solidariedade do Ipiranga; o Sr. Rone Costa, Coordenador do Fórum Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente; o Dr. Luiz Henrique, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Sorocaba. A todos vocês, muito obrigado pela presença.

Ouviremos alguns depoimentos sobre a nossa premiada. Disse ainda há pouco, na abertura de um seminário que realizamos na Assembléia, sobre Gênero e Direitos Humanos, que a grande maioria dos movimentos sociais, das entidades de direitos humanos, é composta por mulheres. Aliás, na grande maioria da nossa sessão solene de hoje, também; temos mais mulheres do que homens, e Ana Dias, ainda há pouco, na gravação de um programa que vai ao ar pela TV Assembléia na próxima segunda-feira - essa parte não sei, evidentemente, confirmar, disse que as mulheres são mais corajosas, mais dispostas e mais aguerridas que os homens nessas tarefas. (Palmas.)

No entanto, quando entregamos o Prêmio Santo Dias ao projeto das promotoras legais populares, uma das falas daquela sessão foi justamente a de que elas não se lembravam da entrega de um prêmio de direitos humanos às mulheres pela luta das mulheres.

Muita gente imagina que a única razão pela qual Ana poderia receber esse prêmio é porque é viúva do Santo. Uma das coisas que mais contou para que ela recebesse esse prêmio foi justamente a nossa capacidade de dizer, a quem não a conhecia, que ela era a viúva do Santo Dias, e muito mais, que militava antes, durante e depois da convivência com Santo pelas mesmas lutas, pelos mesmos valores, pelos mesmos ideais de seu companheiro.

Por isso, Ana Dias recebe o prêmio hoje. Escolhida, como disse, por unanimidade, pelos Deputados da Comissão de Direitos Humanos, por ser Ana Dias, e por ser aquilo que ela é e aquilo que ela projeta para nós, como exemplo de uma militante mulher na luta pelos direitos humanos no Estado de São Paulo.

Dona Odete Antonia Marques aqui veio acompanhada por muitas pessoas e se empenhou demais na organização dessa sessão. Convido-a para dar um depoimento, pois ela conhece e convive com Ana Dias há muito tempo. Vamos ouvir agora Dona Odete Antonia Marques, que falará a nós sobre a vida de Ana Dias.

 

A SRA. ODETE ANTONIA MARQUES - Boa noite a todos. Quero contar hoje da alegria que sinto neste momento em homenagear a nossa companheira Ana Dias. Como muitos falaram, vou repetir, ela não era uma grande mulher atrás de um grande homem, mas ao lado de um grande homem. Graças a este prêmio, nós todas, companheiras da Ana, estamos sendo homenageadas neste momento.

Para não falar muito, escrevi algo, que passo a ler agora:

“Na década de 70 que tudo teve começo. Saímos de nossas casas em busca de endereço, pois precisávamos pesquisar para a luta começar.

Tudo aqui era ruim: sem luz, sem água, sem esgoto, sem creche, sem escola e hospital. A carência era grande: filhos largados na rua, ao sol, à chuva e à lua.

Começamos a fermentar - jovens, mulheres e homens - na esperança de mudar o nosso País para melhor. Sofremos com repressão, com muita confusão e com uma arma de fogo nos tiraram Santo Dias, nosso irmão.

Para a nossa organização, o sacrifício foi grande. O temor dos companheiros, temendo a nossa prisão. Mas, dentro do nosso peito, a esperança era grande e tínhamos fé de montão.

Em cada vitória, a alegria nas assembléias explodia; nas celebrações, a oração e a Deus Pai agradecíamos a coragem, a teimosia e a nossa união.

E, agora, tanto tempo se passou e a luta continua. Quem a briga abraçou, não consegue esmorecer. Embrenhamos no partido para fazê-lo crescer. De filhas, já temos netos e, ainda, nada é concreto.

E, agora, nós, mulheres, vivemos este momento de tão grande emoção, onde a companheira Ana, por santa é homenageada neste momento solene pela sua caminhada.

Mulher, mulher, na escola em que você foi ensinada, jamais tirei um dez. Sou forte, mas não chego a teus pés.” (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Muito bom. Imaginem como ficaremos se ela não tirou dez nessa escola.

Também quero convidar aqui para falar sobre Ana Dias a atual Coordenadora Nacional da Pastoral Operária, que foi uma organização de trabalhadores cristãos da qual o Santo fez parte e que tem grandes membros também aqui no plenário. Concedo a palavra, então, a Antonia Carrara.

 

A SRA. ANTONIA CARRARA - Boa noite a todas. Boa noite a todos.

Ana Dias recebe o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos. Que alegria! E ela recebe por ser mais do que companheira e esposa de Santo Dias. Ana foi companheira no dia-a-dia das lutas, sempre presente no cotidiano da militância. Não como coadjuvante, mas como protagonista: junto, dividindo com Santo não só o mesmo pão, mas também o mesmo sofrimento e as mesmas esperanças, vitórias e conquistas.

Ana extrapolou o próprio conceito de companheira, pois mais do que repartir o pão, lutou com Santo pelo pão de cada dia. Muito mais do que lutar pelo pão para os seus filhos - seu filho e sua filha, lutou pelo pão de outros filhos e filhas deste Brasil.

Mais do que lutar pelo pão que alimenta o corpo, Ana lutou e luta pelo pão que alimenta a alma: o pão do conhecimento, o pão da liberdade, o pão dos direitos, dos direitos humanos.

Ana Dias tem animado muito a Pastoral Operária. Conversávamos aqui um pouco e ela dizia das suas visitas. Ela viajou por este Brasil, para vários estados, do Maranhão ao Rio Grande do Sul, fazendo visitas em grupos. E vá dizer a esse povo que Ana não levava animação!

 O povo queria a sua presença, a sua presença de mulher lutadora, porque sempre ouvimos muitas análises de conjuntura, que têm falado muito da política, da economia. Mas, Ana nessas visitas falava de outras políticas, a política das relações, a política da sensibilidade que as mulheres levam e que são ferramentas fundamentais nesta luta para mudar a sociedade para uma outra sociedade que queremos.

No momento em que a polícia nos roubou a vida do Santo Dias, estava ali personificado o sistema capitalista, que é amedrontrado com a força do povo, que investe sobre as pessoas e pensa que lhes rouba a vida. Não roubou, porque Santo renasceu tanto na simpatia de Ana, na sua luta, no rosto de seu filho, no rosto de sua filha e de suas netas. E ele vive. Ele vive na memória e na história. Ele vive na memória e Ana fazendo a história.

Eles continuam juntos e ela aqui, viva, vivaz, continuando essa história. Como hoje em que temos o grande desafio de trabalhar com desempregados e desempregadas, e Ana tem animado isso. Ela tem nos animado porque esse sistema acha que nos rouba a vida de novo, que nos rouba a vida dizendo que somos culpados pelo desemprego, arrumando falsas causas para o desemprego. E Ana diz e prova que ele não nos rouba.

Esse sistema não quer regular os salários com as filas dos desempregados, mas também regular a nossa auto-estima, regular a nossa esperança e os nossos sonhos. E pensa que mata os nossos sonhos. Não mata, não. Não rouba, não. Porque reavivamos e a Ana tem feito isso por este Brasil peregrinando, caminhando, viajando, animando grupos, dizendo que levantamos os trabalhadores, as trabalhadoras, os empregados ou não, com a memória, com a história, lembrando que todos e todas que estão trabalhando ou não construíram este País e as suas riquezas.

Finalizando, quero dizer aqui sobre alguns alimentos de que pegamos a receita por aí. Quero deixar aqui uma receita para que todos possamos nos alimentar dela, receita retirada da militância da Pastoral Operária e do exemplo de luta de Ana Dias, que nos tem animado: nos alimentamos com os textos da Bíblia, que nos remetem ao exemplo da caminhada do povo de Deus. Aí, mistura-se um pouquinho da metodologia e prática de Jesus de Nazaré.

Coloca-se mais um pouquinho da história das lutas de resistência desse povo brasileiro desde 1500. Acrescenta-se o clamor do povo sofrido que ouvimos no nosso dia-a-dia; coloca-se para fermentar a nossa paixão e a nossa criatividade na militância; acrescenta-se a clareza de opção política, a fé no reino de Deus, que sustenta a nossa utopia e finaliza com sinais do Novo Mundo que já se apresentam para nós.

Ana tem sido uma luz para nós, uma luz de sensibilidade, dando vida, colocando no forno essa receita. Ana, parabéns! Que alegria! Que emoção! Obrigada. (Palmas).

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Vamos, então, concluir este trio de apresentações sobre a Ana Dias, convidando alguém que conviveu bem por dentro com ela, porque nasceu dela. Para falar em nome da família, convidamos a Luciana para falar um pouco da sua mãe, não só em nome dela, como também de suas filhas, do seu marido e do seu irmão.

Embora ela tenha se expressado mais escrevendo - inclusive fizemos há pouco o lançamento do livro que marca os 25 anos de memória, para que essa memória se transforme a cada dia em novas reafirmações desses valores, ela está com a Jô, não sei se a Nair Benedito também está aí, levanta, Jô Azevedo, todo mundo a conhece quando escreve, ela é essa moça co-autora do livro com a Nair e Luciana.

Vamos ouvir a Luciana Dias.

 

A SRA. LUCIANA DIAS - Boa-noite a todos os presentes.

Acho muito importante essa homenagem do Deputado Renato Simões e de toda a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa à mulher Ana Dias. Porque depois de 25 anos, escrevendo o livro com a Jô e a Nair, estamos homenageando a história do meu pai e de todos os companheiros.

Mas a Ana, que passou a se chamar Ana Dias após a morte do meu pai, tinha uma luta junto, tanto que no dia da morte ela foi fazer ‘porta de fábrica’ junto com o meu pai, às cinco da manhã, e à tarde aconteceu o assassinato.

A Ana era muito lutadora também. Estávamos juntas o tempo todo, a família sempre junta, a família em todas as reuniões e em todos os movimentos. A Ana, como mulher, como todo mundo diz, a mulher puxa o homem, ela realmente puxava, estava junto o tempo todo.

Então esta homenagem é muito merecida. Todo mundo pode ver no livro essa história conjunta, não só da minha mãe, mas de muitas mulheres que saíram de dentro de suas casas para lutar por melhores condições de vida.

Os homens também; tem a Chapa 3, tem toda a história no livro, todo mundo poderá ler e compartilhar com outras pessoas, divulgar essa história que estava na memória das pessoas e agora está escrita, registrada e tem de ser divulgada. Quanto mais pessoas lerem essa história, melhor vão ser os movimentos de reivindicações daqui para a frente.

Porque agora as reivindicações são outras, as esperanças e os quereres são outros. Depois de 20 anos, duas décadas já se passaram, muita coisa mudou. Muita gente que lutava hoje está no poder e pode lutar mais firmemente pelos nossos direitos, os direitos humanos que não vemos ainda tão claramente na sociedade.

Gostaria de parabenizar minha mãe e agradecer pelo prêmio. Parabéns, mãe. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Vamos chamar o Cícero novamente para uma apresentação.

A Luciana falou que 25 anos depois muitas lutas são iguais, muitas lutas ainda continuam e outras conquistas precisam ser ainda objeto de muita mobilização e organização. Então, vamos ouvir uma apresentação cultural e musical sobre os 25 anos de luta da classe trabalhadora, que se passaram da morte do Santo até hoje.

Vamos aproveitar para agradecer uma surpresa feita pelo Raimundo Perilat e muita gente, porque se fosse só ele não teria conseguido, mas foi ele quem me avisou. Então, vou agradecer a ele e na pessoa dele a todas as pessoas da Casa Solidariedade que participaram na região sudeste também desse presente que todos aqui vão receber.

O Santo, como eu disse no ato da Praça da Sé, a semente que ele representou foi simbolizada pelo conjunto das suas netas. Mas vamos receber aqui um outro símbolo dessa semente, que são justamente essas sementes de girassol que o Raimundo e todo o pessoal que veio com ele - porque ele não deixou vir quem não trabalhasse - prepararam para nós. Está escrito: 25 anos - 1979-2004 - Santo Dias, quando o passado se transforma em história. Cada um de nós poderá levar essas sementes, lembrando da semente que o Santo representou e que cada um de nós pode ser também nessa história da luta dos trabalhadores.

Enquanto ouvimos o Cícero, vamos pedir ao pessoal do Ipiranga também que ajude o Raimundo a distribuir para os presentes as sementes dessa nova sociedade que queremos construir.

 

O SR. CÍCERO Umbelino da Silva - São três apresentações: uma é que nós operários cantávamos na cidade, a outra que os nossos companheiros do campo cantavam. Depois, uma apresentação que é dos dois juntos.

 

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- É feita a apresentação.

 

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O SR. CÍCERO Umbelino da Silva - O operário que fez o poema é um camponês. Os dois se encontraram numa fábrica e contaram, neste poema, a nossa luta e como se deu essa junção.

Diz assim - o operário dizendo ao camponês:

“Contigo aprendi a plantar, amar a terra como filho e mãe.

Contigo aprendi a saber que o fruto custa o suor e o músculo rígido de camponês.

Contigo aprendi a saber que senti que a morte se estenderia pelo país e te vi percorrer o triste exílio expulso da raiz.

E vi teu fruto queimar-se no lucro do poder de quem dorme e não trabalha.

Contigo aprendi a aprender.

Te encontrei na fila, tu de lá triste e eu daqui, segurando nas mãos a mesma carteira de trabalho.

Te vi lá dentro como quem planta e segura firme na enxada, tão rápido construindo carro, tratores e máquinas. Tão rápido e calado como se quisesse terminar tudo num instante para voltar logo ao sol e ao campo.

Mas te vi lutar, parando as máquinas, ter raiva, e te ouvi dizer com fúria que o fruto do produto foge como a esperança da terra almejada, roubada.

Contigo aprendi a dizer não.

E na greve nos vimos de repente sorrindo e dando as mãos.

Na comissão de fábrica construí conquistada a semente de um futuro firme que plantamos juntos aqui na fábrica.

Um comércio de um poder que se estende como o milho verde, como o vento forte, como o rio que dança e corre com um sorriso imenso e quente. Como se o sol, em vez de nascer nas montanhas altas iluminando as terras, nascesse em nossas próprias bocas das palavras novas.

Companheiro operário, eu quero ficar ao teu lado para contigo aprender a profunda cultura de criar, para contigo fazer um produto que nos faça levantar mais tarde e sorrir de manhã, e ao entardecer, brincar, amar, olhar as flores, a lua, as estrelas, os planetas e voltar ao campo, para da terra arrancar os frutos da amargura, e da semente, que na luta nos uniu, frutificar o homem novo, fazendo das nossas forças a arma do povo.” (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Obrigado Cícero. Agora vamos chamar novamente a Luciana e o Santo, para que entreguemos à Ana Dias - cujo nome é Ana Maria do Carmo Silva, mas virou Ana Dias, e assim ficou. Vamos entregar a ela o seguinte documento:

“A Mesa Diretora e a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, com fundamento na Resolução 779, de 18 de dezembro de 1996, conferem oprêmio Santo Dias de Direitos Humanos a Ana Maria do Carmo Silva - Ana Dias, pela sua atuação cotidiana em defesa dos direitos humanos e por sempre ter defendido os legítimos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.

São Paulo, 10 de dezembro de 2004.

Sidney Beraldo, Presidente

Emidio de Souza, 1º Secretário

José Caldini Crespo, 2º Secretário

Renato Simões, Presidente da Comissão de Direitos Humanos

Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo” (Palmas.)

 

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-         É feita a entrega do documento.

 

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A SRA. ANA MARIA DO CARMO SILVA - É tão difícil falar neste momento que não sei se terei palavras. Quero agradecer e passar este prêmio a todas as mulheres da luta, às mulheres que me indicaram - sei que foram muitas. Este prêmio não é da Ana, é de vocês e de todos os companheiros que estão aqui.

São 25 anos sem o Santo. Muitas pessoas disseram aqui que antes se falava: “O Santo da Ana” e não “A Ana do Santo”, porque eu estava em muitos movimentos e muitas lutas e o Santo muitas vezes não estava. Assim, muitas pessoas me conheciam, mas não conheciam o Santo. Eu viajava também para muitos lugares, muitos estados, porque tinha a caminhada do movimento do custo de vida, depois da carestia, aquele movimento que nasceu das mulheres e que reivindicou tantas lutas, tantas conquistas que os políticos não fizeram e nós mulheres fizemos. (Palmas.)

Mulheres que tinham garra, que começavam a briga dentro de casa com o marido e com os filhos para sair. As mulheres têm um papel muito importante neste país, mas elas sempre aparecem por trás. É na igreja, em casa, na política, na família e na escola.

Quem sempre garantiu, garante e vai garantir a educação e a formação é a mulher, porque ela educa o filho e a filha. Mas antes de ela entrar na luta ela educa errado, porque foi a maneira que as nossas mães educaram que fez o filho ser diferente da filha.

Na nossa luta aprendemos que a mulher tem que mudar a cabeça do homem. E quando a mulher muda a cabeça do homem ele tem medo da mulher, porque quando ele sabe que a mulher pensa, acredita e tem coragem, ele treme na base. Porque quando as mulheres vão para a rua, para a luta, para a política, para a igreja e para a briga são muito mais corajosas do que os homens. As mulheres que estão aqui que o digam. (Palmas.)

No movimento do custo de vida, quando íamos para a rua, encarávamos a polícia e brigávamos com o marido, porque ele queria bater na mulher dentro de casa. Mas a mulher ia para a rua, conseguiu fazer uma revolução e continua fazendo.

Não é apenas a Ana Dias que deveria receber este prêmio, muitas mulheres também deveriam receber. Muitas mulheres estão escondidas, morreram, sofreram e sofrem com a família, mães desempregadas que mantém a família etc. Se eu fosse falar de mulher passaria a noite toda aqui falando. Mulher é força, mulher é garra. Este prêmio não é meu, é de todas as mulheres lutadoras.

Muito obrigada por este prêmio. E que a luta continue. Não só do Santo, não só pelos direitos humanos, mais por uma sociedade mais justa e mais participativa. Muito obrigada. Agradeço de coração. São essas as palavras que tinha a dizer. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Esta Presidência chama o Cícero para cantar a música “Tocando em frente” do Almir Sater e Renato Teixeira, que muitos conhecem. Chamo também o genro, a nora da Ana e suas netas, para fazer uma participação especial.

 

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- É feita a apresentação do número musical. (Palmas.)

 

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O SR. PRESIDENTE - RENATO SIMÕES - PT - Muito obrigado, Cícero.

Quero agradecer a presença da Sra. Edda Bergmam, Vice-Presidente Internacional da B`nai B`rith, a Casa da Mulher Lilithi; Sra. Hilda Calixto, do Conselho Tutelar da Vila Prudente; companheiros Paulo Maldos e Sérgio Abreu, do CEPIS - Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae; Yury Puello, da Católicas pelo Direito de Decidir, e a todas as pessoas que aqui compareceram nesta noite.

Quero registrar de forma muito calorosa, a nossa amizade a reconhecimento ao padre Bernard Henri Marie Hervy, da Acat Brasil; ao padre Júlio Lancellotti; à irmã Geni Camargo, da Associação Rede Rua; à Deise Benedito; à Gorete Marques, representando a Comissão Teotônio Vilela; à Lia Diskin, do Comitê Paulista para a Década da Cultura de Paz; ao Dr. Thiago Tobias, da Educafro; ao Fred, Presidente do Condep do Centro Santo Dias, que também perpetua a memória do Santo Dias na luta contra todo tipo de violência policial; Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh; Robson, leve o nosso agradecimento ao Dr. Alexandre Moraes, Secretário de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado e à Ana Dias.

Esta sessão só foi possível com a participação de todos vocês, da Ana Lúcia, que cantou o hino, do Cícero, que fez as apresentações com a sua equipe, do Raimundo Perilat, e equipe que prepararam a semente que vamos cultivar, saindo dessa sessão.

Agradeço aos funcionários da Casa, ao Cerimonial, do som, à Dona Yeda, nossa matrona, que com seu punho firme e generoso comanda a estrutura da Casa durante as nossas sessões. Agradeço ao meu gabinete, aos demais Deputados, nobre Deputado Enio Tatto, e desejo bom retorno as suas cidades. Muito obrigado.

Esgotado o objeto da presente sessão, agradecemos a todas as pessoas que com suas presenças colaboraram para o êxito desta solenidade. Muito obrigado.

Vamos ouvir o Engenho de Flores, de Josias Sobrinho, na interpretação de Cícero e Flávio. Está encerrada a sessão.

 

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- É feita a apresentação do número musical. (Palmas.)

 

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- Encerra-se a sessão às 22 horas e 06 minutos.

 

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