14 DE OUTUBRO DE 2024

65ª SESSÃO SOLENE EM HOMENAGEM AO DIA DOS PROFESSORES

        

Presidência: PROFESSORA BEBEL

        

RESUMO

        

1 - PROFESSORA BEBEL

Assume a Presidência e abre a sessão às 19h10min.

        

2 - MESTRE DE CERIMÔNIAS

Nomeia a Mesa e demais autoridades presentes.

        

3 - PRESIDENTE PROFESSORA BEBEL

Informa que a Presidência efetiva convocara a presente solenidade para "Homenagem ao Dia dos Professores", por solicitação desta deputada. Reflete sobre a relevância da Educação. Lamenta políticas públicas em desfavor da Pasta.

        

4 - MESTRE DE CERIMÔNIAS

Convida o púbico para ouvir, de pé, o "Hino Nacional Brasileiro".

        

5 - YASMIN FARIAS

Vice-presidente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas, faz pronunciamento.

        

6 - FÁBIO DE MORAES

1º presidente da Apeoesp, faz pronunciamento.

        

7 - ARIOVALDO DE CAMARGO

Presidente da CUT Brasil - Central Única dos Trabalhadores, faz pronunciamento.

        

8 - MESTRE DE CERIMÔNIAS

Anuncia apresentação da poetisa Sílvia Maria Ribeiro.

        

9 - PRESIDENTE PROFESSORA BEBEL

Menciona a importância de Paulo Freire para a Educação.

        

10 - MARILENA CHAUÍ

Professora, faz pronunciamento.

        

11 - PRESIDENTE PROFESSORA BEBEL

Defende reflexão sobre o uso racional da tecnologia nas escolas.

        

12 - ELVIRA SOUZA LIMA

Professora, faz pronunciamento.

        

13 - PRESIDENTE PROFESSORA BEBEL

Enaltece a importância da leitura. Anuncia a exibição de vídeo com pronunciamento da deputada Leci Brandão. Faz agradecimentos gerais. Encerra a sessão às 21h08min.

        

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- Assume a Presidência e abre a sessão a Sra. Professora Bebel.

 

* * *

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Sejam todos bem-vindos à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Esta sessão solene tem a finalidade de homenagear todas as professoras e professores.

Nós comunicamos aos presentes que esta sessão solene está sendo transmitida ao vivo pela TV Alesp e pelo canal Alesp no YouTube. Convido para compor a Mesa a deputada estadual Professora Bebel, proponente e presidente desta sessão solene. (Palmas.)

Professora Dra. Marilena Chauí, escritora e filósofa, professora emérita de história da filosofia moderna na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. (Palmas.) Professora Dra. Elvira Souza Lima, pesquisadora, neurocientista, antropóloga, musicista e psicóloga. (Palmas.)

Convido também o Sr. Ariovaldo de Camargo, da CUT Brasil. (Palmas.) O Sr. Fábio de Moraes, da Apeoesp. (Palmas.) Rosaura Almeida, da Apase. (Palmas.) Yasmin Farias, da Upes. (Palmas.)

Passo a palavra à proponente desta sessão solene, deputada estadual Professora Bebel. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Boa noite. Eu não gosto de falar sentada. Vou pedir licença e vou quebrar o protocolo para falar de pé. Se assim entender, eu acho que... Bem, boa noite, minhas colegas, meus colegas, estudantes que aqui estão presentes, enfim, todos que nos ouvem e assistem através da Rede Alesp e todos aqueles que, porventura, estão nos vendo também através do canal no YouTube.

Eu cumprimento a professora Dra. Marilena Chauí, como também a professora Dra. Elvira, que a gente teve tanto tempo na Apeoesp, juntas e juntos, pensando políticas públicas para a educação, assim como a professora Dra. Marilena Chauí, que nos formou a vida inteira. A vida inteira, tem gerações e gerações que nós fomos formados e formadas.

Eu até lembrava que ela... Na greve de 2000, aquela fatídica greve, nós fomos dar aula pública lá na USP. Ela, sob o olhar da Universidade, porque a Universidade estava em greve, e nós... eu, sob o olhar da educação pública básica.

Eu era, naquele momento, a primeira presidenta mulher, depois de 20 anos, na Apeoesp. Eu era uma menina. Eu envelheci, obviamente. E estava chegando naquele momento. Era o primeiro mandato meu.

Imagina, debater junto à Marilena Chauí, que aula. E ela me deu mais aula do que eu dei aula. Essa foi a verdade. Mas foi algo fantástico, marcado na minha cabeça. Tive a honra também de estar com ela no Conselho Nacional de Educação. Um ano, lamentavelmente, um ano, mas valeu a pena esse um ano. Eu tinha vontade de dizer as coisas, e ela me apoiava naquilo que eu dizia.

E a professora Elvira não é diferente. Quando veio o debate da qualidade total, nós puxávamos a Elvira, no caso, a nossa querida Eneide, ela que ali também tem a educação, como eu até dizia recentemente, agora há pouco, para a nossa querida Marilena Chauí, que é lamentável que a Educação seja tratada como causa. Eu não gostaria. Ela deveria ser naturalmente uma política pública de Estado, de direito de todos e todas e com plena valorização dos profissionais da educação.

É para isso que a gente faz essa reflexão hoje: para dizer para os governantes, para os deputados que aqui estão, que nós os formamos, mas eles, quando chegam aqui - o seu Evaldo, meu querido Evaldinho - quando eles chegam aqui, eles se esquecem e votam tudo contra os profissionais da Educação, tudo contra os estudantes, tudo contra... E a gente vê retrocesso atrás de retrocesso.

Nós tivemos a triste aprovação do programa “Escola Cívico-Militar”, que é, em tese, a extensão do programa “Escola Sem Partido”. Eu costumo fazer essa análise. E eu quero dizer para vocês o seguinte: que aqui tem sido palco de muita tristeza para nós.

Tudo que é contra o funcionalismo público é aqui que é votado e depois espraia para todo o estado de São Paulo, porque nós não conseguimos quebrar, fazer uma trinca e dizer que o voto teria que ser aquele que representasse a maioria, mas não é isso que acontece. Acaba sendo representada para a minoria. O voto vem para a minoria.

Eu vou estender meus cumprimentos também ao Ariovaldo de Camargo, que é da Central Única dos Trabalhadores. É importante ter o representante da Central Única dos Trabalhadores na Mesa. Vou estender as minhas palavras também ao Fábio de Moraes, que é o primeiro presidente da Apeoesp.

Eu, segunda presidenta da Apeoesp, até então estava há muito tempo na Apeoesp. A gente resolveu fazer um, não é Fábio, fazer um bem bolado. Falei: “não, vamos sair um pouco disso e vamos tocar”. E também cumprimentar a estudante, A Yasmin. Falei: “se não tiver a estudante na Mesa, eu vou ficar muito brava”. E veio. Yasmin, que satisfação ter você. 

Vocês, que têm estado comigo nesta luta contra o corte das verbas da educação. Cinco por cento significa dez bilhões a menos. E nós arrastamos a briga até agora. Era para ter sido aprovado no ano passado. Esticamos, esticamos. Era para ter sido em abril. Esticamos, esticamos e está até aqui.

Vamos conseguir esticar essa briga e não permitir que sejam retirados dez bilhões de reais da Educação, porque, se a Educação está ruim com o que nós temos de recursos, quanto mais se tirar dez bilhões.

Então, é com muita honra que eu abro esta sessão solene, precedendo até o Dia dos Professores e das Professoras, dos profissionais da Educação, por que não? E dizer que, para mim, é uma honra também trazer a pauta da Educação e debatê-la a exaustão aqui na Assembleia Legislativa. 

Assim como também sou presidenta da Comissão de Educação e Cultura, momento em que tem vários embates. E esses embates são trazidos aqui. Muitos a gente até enfrenta bem, outros a gente... Enfim, mas a gente tem dado o melhor para dar respostas para uma Educação pública de qualidade, laica e includente, sobretudo. Muito obrigada.

Obrigada a todos e todas que estão presentes e fizeram todo o esforço para estar aqui comigo. Assim como amigos históricos meus. Está aqui... eu falei do seu Evaldo, jornalista em Piracicaba. Satisfação tê-lo aqui. 

Em nome dele, eu cumprimento todos os homens. Assim como, também, em nome da Eneide, eu vou cumprimentar todas as mulheres, porque a Eneide faz também uma luta insana em torno de uma Educação pública de qualidade.

Muito obrigada. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Senhoras e senhores, convido a todos os presentes para, em posição de respeito, ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro.

 

* * *

 

- É executado o Hino Nacional Brasileiro.

 

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Nós gostaríamos de registrar e agradecer as presenças da Sra. Nani Cruz, do Ceprocig; Flaudio Limas, secretário de formação da Apeoesp; Evaldo Vicente, diretor do jornal “A Tribuna Piracicabana”; Chico Gretter, da Aproffesp; Cleide Alves, da Unas.

Douglas Izzo, da CUT/SP; Felipe Chadi, Fete/SP; Fernando Ná, do Sintesp; também Francisca da Rocha Seixas, do CTB Educação; Giulia Castro, da UEE/SP; Leandro Oliveira, da FEE/SP e Michelle Rosa, do Sinpeem.

Senhoras e senhores, ouviremos neste momento palavras da nossa deputada estadual, Professora Bebel.

 

A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Eu acho que eu já fiz uma fala abrindo a sessão, e eu vou pedir só um pouquinho de paciência para as duas convidadas, professoras convidadas, não porque os outros não fossem, mas dar três minutos de cumprimentos, para os cumprimentos das entidades que estão à Mesa, e passar imediatamente a palavra para a professora Marilena Chauí, depois para a Dra. Elvira.

Pode ser? Tudo bem, Yasmin, começar pelos estudantes?

 

A SRA. YASMIN FARIAS - Boa noite, eu me chamo Yasmin, sou vice-presidenta da União Paulista dos Estudantes Secundaristas, e é uma honra estar aqui no Dia dos Professores, representando tal entidade tão grande para o movimento estudantil e firmar o compromisso que os estudantes têm com os professores.

É muito importante, até porque a relação entre professor e aluno vai muito mais além do que o ensino. Então, quando você cria vínculos com o professor, a educação passa a ser emancipadora. Você consegue ter uma perspectiva de futuro diferente do que você teria antes.

E o ensino público, a gente vê que é muito defasado, em que os alunos não gostam de estar dentro da escola. E a comunidade escolar começa a mudar quando os professores acabam por fazer esses vínculos e mostrar que a escola é um lugar, sim, de “pertencência” para os alunos.

Então, para os estudantes que estão presentes, sempre tenham em mente que criar vínculos faz a educação ser emancipadora e que você pode ter, sim, um projeto de vida de uma forma que ele alcance todos os seus sonhos e suas metas.

A gente tem muitas lutas a serem travadas ainda, mas muitas já foram, com a ajuda dos estudantes, com a ajuda dos professores, que são unificados e se unificam. A gente tem pautas recentes, como a privatização das escolas, as escolas cívico-militares, como o sucateamento da nossa educação pública. E nós, estudantes...

A gente não permite que isso aconteça justamente por ser o nosso lugar, porque passamos 12 anos dentro da escola. Passamos 12 anos estudando e nem sempre nós, estudantes secundaristas, conseguimos ingressar direto no ensino superior.

E a gente opta por cursinhos, cursinhos populares. A gente opta pelo ensino técnico, formações técnicas, porque o ensino nem sempre vai dizer para você sempre ter uma faculdade e tudo mais, você pode optar pelo ensino técnico.

Mas que a evasão desses ensinos, tanto do cursinho popular, possa acabar, de fato, e dos cursos técnicos também. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Passo a palavra agora para o primeiro presidente da Apeoesp, Fábio de Moraes.

 

O SR. FÁBIO DE MORAES - Boa noite. Boa noite a esta Mesa encantadora. Boa noite, Bebel, que é quem está promovendo esta noite importante para todos os professores, educadores, estudantes, comunidade escolar, a todas as entidades. Boa noite, professoras. Boa noite, professores, estudantes, todos.

Gente, nós teremos amanhã mais um dia dos professores, e a gente queria estar aqui comemorando tanta coisa, não é? Tanta coisa que a gente merece, tanto trabalho bonito que os professores realizam. Mas o que sobra para a gente é sempre lutar contra esse projeto de desmonte da Educação.

É retirada de dinheiro, é militarização, é plataformização, é reduzir o currículo, tentar reduzir o aprendizado, tirar dinheiro do aposentado, tirar dinheiro da ativa, separar os professores. Mas tem algo que nos une, que é fundamental, que é a nossa esperança de que a educação - como Paulo Freire nos ensinou - transforma as pessoas e nós transformamos a sociedade. E nós acreditamos nos nossos estudantes.

Por isso eles nunca conseguiram vencer. Porque, quando nós abrimos a porta, a professora abre a porta da sala e olha para aqueles 40 alunos, ela transforma. Por isso, parabéns, professores, professoras, é uma honra estar aqui hoje, nesta noite com vocês.

Obrigado. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Obrigada, Fábio. Passo imediatamente a fala para o Ariovaldo de Camargo. Ele que é presidente da CUT Brasil, Central Única dos Trabalhadores. Tem também entre nós a Central dos Trabalhadores Brasil, a Francisca.

Enfim, depois eu também abrirei, porque a gente tem que, no mínimo, ser coerente com as diversas vozes. Por favor, Ariovaldo.

 

O SR. ARIOVALDO DE CAMARGO - Boa noite, Bebel. Queria, em nome da Bebel, saudar a todos os professores e professoras, não só do estado de São Paulo, mas do Brasil.

Cumprimentar a Prof.ª Marilena, Prof.ª Elvira, Fábio, Yasmin. E, falar de educação, nós não podemos deixar de reconhecer, Bebel, algumas fases da educação neste País que amanhã, felizmente para nós, não vamos ver na Rede Globo aquela figura da professorinha muitas vezes sobre um animal no nordeste que ganhava menos do que um salário mínimo.

Porque nós não tínhamos no Brasil, ainda, o piso salarial profissional nacional, que foi uma luta que começou - não é, Eneide? - com tanta crítica, quando você ainda estava na CNTE, em um debate ainda no governo Itamar Franco, e se tornou realidade quando a Bebel estava no Conselho Nacional de Educação, no governo do presidente Lula.

Este é um legado, que a Educação não pode deixar de reconhecer os protagonistas deste processo, que são, entre aqueles que fizeram a luta, cada professor, cada professora e cada trabalhador e trabalhadora de Educação no chão da escola, que acreditaram na possibilidade de nós transformarmos um sonho em realidade.

Faço este registro para registrar duas figuras importantíssimas na minha vida de professor, na minha formação política sindical, que são duas pessoas que passaram e que foram muito importantes nesse processo. Por isso faço referência à companheira Eneide e à companheira Bebel pela luta que fizeram dentro desse processo.

E nós, da Central Única dos Trabalhadores, não podemos ter outro olhar que não seja do reconhecimento e do fortalecimento das lutas que temos pela frente.

A consolidação do piso se faz na luta como esta que foi travada - não é, Bebel - de não permitir a retirada de dez bilhões da Educação para que a gente possa ter, de fato, o recurso para que não falte para o provimento dos professores e, em especial, na luta da reparação, inclusive, dos aposentados e aposentadas que tiveram confisco.

De mais, em nome do presidente Sérgio Nobre, que está em Brasília tratando de questões outras, trago aqui um forte abraço da Central Única dos Trabalhadores a todos os trabalhadores e trabalhadoras da Educação e, em especial, aos professores pelo seu dia. (Palmas.)

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Nós agradecemos a todos que fizeram uso da palavra, e gostaria de chamar, neste momento, a poetisa Sílvia Maria Ribeiro.

 

A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Cerimonial, eu gostaria de chamar a Francisca. Está entre nós? Da CTB. Não? Então, por favor.

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Agradecendo a palavra de todos da Mesa, nós convidamos, neste momento, a poetisa Sílvia Maria Ribeiro para homenagear nossos educadores, restando Paulo Freire, o patrono da educação brasileira. (Palmas.)

 

A SRA. SÍLVIA MARIA RIBEIRO - Uma honra estar aqui. Estou muito feliz com esta justa e merecida homenagem aos educadores, educadoras, professoras, professores e estudantes.

É muito potente isso daqui. Sairemos diferentes, transformados. “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda”, disse Paulo Freire, patrono da Educação brasileira, considerado um pensador notável, o brasileiro mais homenageado no mundo.

Defensor da autonomia intelectual e influenciador da pedagogia crítica, lutava por uma educação emancipatória, libertadora, pela capacidade de não só acontecer a apropriação do conhecimento, mas também construção de ideias, conceitos, o aprender, ler o mundo.

O aluno pensante, atuante, sujeito crítico, cidadão político. Boniteza. Boniteza, no olhar do educador, é sinônimo de postura elevada da vida, que é trabalhar por um mundo melhor. Na boniteza da vida, é essencial e transformador o diálogo. O diálogo leva ao conhecimento, é a essência daquilo que buscamos. É uma possibilidade de esperançar, de resistir, de reinventar-se. O diálogo é a boniteza da vida.

Boniteza é a ética, a moral, a coerência, é o convívio saudável e respeitoso com o outro. Boniteza é poético. Afeta e desperta, surpreende, dialoga com experiências, com vivências, põe o pensamento em movimento, constrói conhecimento. A boniteza e referências nas “pensatas”, entrevistas, nesses recortes preciosos - é só dar um Google.

A canoa: “Em um largo rio de difícil travessia, havia um barqueiro que atravessava as pessoas de um lado para o outro. Em uma das viagens, ia um advogado e uma professora. Como quem gosta de falar muito, o advogado perguntou ao barqueiro: ‘Companheiro, você entende de leis?’. ‘Não’, respondeu o barqueiro.

E o advogado, compadecido: ‘É uma pena, você perdeu metade da vida’. A professora, muito social, entra na conversa: ‘Seu barqueiro, você sabe ler e escrever?’. ‘Também não’, respondeu o barqueiro. ‘Que pena’, condói-se a mestra. ‘Você perdeu metade da sua vida’. Nisso, chega uma onda bastante forte e vira o barco.

O barqueiro, preocupado, pergunta: ‘Vocês sabem nadar?’. ‘Não’, respondem eles rapidamente. ‘Então é uma pena’, concluiu o barqueiro. ‘Vocês perderam toda a vida’. ‘Não há saber maior ou saber menor, há saberes diferentes’. Paulo Freire”

Segue sendo luz e seta. Inspiração, transpiração.

Sintam-se abraçadas e abraçados, bonitezas.

 

A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Muito obrigada, Silvia. Satisfação, sobretudo, ouvir palavras tão importantes nas nossas vidas e, sobretudo, reflexões, e de alguém que nada mais, nada menos que Paulo Freire, nosso eterno professor no mundo inteiro.

Muito obrigada, boniteza. Vamos lá. Eu então, neste momento, vou passar a palavra para a professora Dra. Marilena Chauí. Então, tem V. Exa. de 30 a 40 minutos.

 

A SRA. MARILENA CHAUÍ - É uma emoção ver tanta gente de luta tão longa. Cada um, a maioria dos que estão aqui... cada um, em um pedaço, eu estive junto, eu participei.

Então, eu me sinto abraçada e queria dizer que eu abraço todos vocês neste dia que é tão importante para nós. E que é um dia, como sempre, sempre assim para os professores, professoras, e sempre assim para os brasileiros e as brasileiras, é sempre um dia de luta.

Eu pensei que eu fosse chegar na velhice e olhar para trás e dizer: “Lutamos bastante, agora estamos todos repousados”; não tem jeito. Então, o que eu vou lhes dizer é algo muito simples e foi uma sugestão que a Professora Bebel fez para mim.

Quando ela me convidou, ela disse que gostaria que eu falasse sobre a importância do ensino da filosofia no Ensino Médio, levando em conta as mudanças tecnológicas. Vocês sabem que essa é a minha praia, não é?

Então, eu dividi a minha fala em duas partes, uma primeira em que eu vou falar livremente sobre alguns tópicos e depois, para não falar a noite inteira, eu fiz o que eu sempre faço, eu fiz um texto que eu vou ler, porque aí ordena o meu pensamento e não cansa vocês demais. Então, eu queria lhes dizer que eu não sou reacionária, não sou. Eu aceito as grandes mudanças no pensamento, nas artes, nas ciências e nas técnicas.

No entanto, nós estamos em um momento que é mais, muito mais do que uma transformação - é uma mudança, é uma mutação. Há um autor que observa que em todas as mudanças tecnológicas anteriores, o que é que se estendia, o que é que a técnica permitia fazer?

Ela estendia a capacidade do corpo humano. Então, fazia você, seus braços irem mais longe com os objetos técnicos, os seus olhos irem mais longe com os óculos, os binóculos, os telescópios - ou seja, o corpo aumentava as suas potências graças à ciência e à tecnologia.

Ao contrário, diz ele, agora é uma outra coisa. As mudanças técnicas e tecnológicas se referem ao cérebro humano, é ele, é ele que se procura alargar e fazer com que ele seja a referência e o dominante.

E é por isso que eu lhes digo, eu não sou reacionária, eu entendo todos os movimentos de mudança técnica e tecnológica, mas esse é um momento em que nós estamos diante de uma mutação.

Essa mutação não é uma mutação vinda só das ciências, é uma mutação financiada por grandes, grandes oligopólios internacionais secretos. Então, é um poderio econômico-político, um poderio bélico e um poderio sobre as nossas mentes, e é disso que eu quero falar um pouco.

Então, o que as novas formas de comunicação introduziram foram duas mudanças muito profundas, que os adolescentes não fazem ideia do grau da mudança, que é o fato de que o espaço se reduziu a este objeto, este aqui. Não existe espaço, em grego, “topos”.

Nós vivemos, graças ao celular, em uma é situação de “atopia”, isto é, não existe espaço, existe aqui, isto aqui. A mesma coisa com relação ao tempo. Tempo, em grego, se diz “chronos”. Nós vivemos uma situação de “acronia”, isto é, só tem aqui e agora.

É um mundo sem passado e sem futuro. Ele é agora. Então, ele não se estende no espaço, porque ele é o que acontece aqui. O mundo acontece aqui e ele não se estende no tempo, nem da memória, nem da esperança, porque é agora que isso acontece e se esvai ali.

A terceira característica, além da “acronia” e da “atopia”, é aquilo que, em um primeiro momento, se elogiou muito, se confiou muito, que eram as redes sociais, a maneira de haver uma comunicação, sobretudo, entre os jovens. As redes sociais, na verdade, se transformaram no substituto do que a gente dizia que tinha acontecido com as crianças e os jovens nos condomínios.

Os condomínios eram uma bolha. A escola, o dentista, o médico, o esporte. Tudo é dentro do condomínio, ele é uma bolha. Este objeto aqui, com as redes sociais, fez com que as redes sociais, menos do que um lugar de encontro, conversa e troca de ideias, se tornou uma bolha, em que eu penso segundo o que é dito na rede e eu faço segundo o que é dito na rede, porque a rede é a bolha dentro da qual eu estou.

Então, ao invés de expansão, houve decréscimo. Decresceu o espaço, decresceu o tempo e decresceu o contato humano, mas não só isso. Algo mais... para o que vou dizer a respeito da filosofia, algo mais terrível, e que é explicado por um colega meu, professor de filosofia, Benito Maeso, que acaba de lançar um livro sobre o fake news. O que ele diz?

O fake news não é boato, não é fofoca. O fake news é um modo de vida. O fake news não é uma simples informação malfeita ou mal dada. Ele é um mecanismo econômico-político que invade a nossa vida cotidiana, a nossa vida psíquica e emocional e introduz aquilo que o filósofo Theodor Adorno chamou de cinismo.

O cinismo é a atitude deliberada de mentir. Não é uma mentira que acontece... É a deliberação de mentir. Isso é o cinismo. Eu costumava dizer que tínhamos aqui um presidente da República que era marcado pelo cinismo, porque é a deliberação de dizer a mentira.

O fake news é esse cinismo. Ele assume, tem esse poder persuasivo, porque ele assume a forma do espetáculo, do bom humor e do discurso do ódio. O discurso de ódio que o fake news abre é uma coisa ilimitada e que desemboca nas guerras que estamos vendo.

O fake news... porque ele se tornou um modo de vida? Porque ele é feito de tal maneira que ele obtém a nossa adesão pessoal, a nossa adesão social, a nossa adesão afetiva e a nossa adesão política à desinformação, ou seja, a nossa maneira de pensar, de sentir e de agir se torna fake news.

Nós operamos fake news, porque estamos persuadidos e convencidos psiquicamente, eticamente, politicamente pela desinformação. Então, não é fofoca, não é boato, não é notícia falsa. É uma maneira de viver. É isso que é terrível no caso do fake news.

Um outro elemento que eu queria salientar - e eu me dirijo sobretudo a eles, que são os jovens, aos quais quero me endereçar - é o fato de que, pouco a pouco, esse objeto faz com que o jovem considere que existir é ser visto. Se você não é visto, você não existe. Existir é ser visto.

Ora, o resultado disso é algo estudado pela psicanálise, estudado por Freud, e que se chama narcisismo, o amor pela própria imagem. Só que, como essa imagem precisa ser ininterruptamente alimentada e vista pelos outros, ela produz a depressão. E temos uma juventude ligada ao risco contínuo de ser narcisista e depressiva. Então, é gigantesco. Por isso que eu falei que é uma mutação.

Eu gostaria de lhes dizer... Eu já contei essas duas historinhas que aconteceram comigo, provavelmente vocês já viram isso no Google, não sei onde... Eu não entendo as palavras, viu? Eu não sei o que quer dizer ChatGPT, o que quer dizer Google, o que quer dizer WhatsApp, o que quer dizer “aba”. Eu não faço ideia, não faz parte do meu mundo de pensamento e de vocabulário.

Eu fiquei encantada quando fui a Portugal, porque eles têm uma linguagem em português para tudo isso. Por exemplo: eles não falam “site”, falam “sítio”. Falam em português as coisas. Então, como não tem nada em português...

Meus netos não se conformam, eles brigam comigo noite e dia, porque eu digo: “O que você está falando? Quando você diz WhatsApp, o que você quer dizer com WhatsApp? Traduz isso em uma língua portuguesa para sua avó entender”. Eu não entendo o que é isso.

Bom, eles acharam que iriam me ajudar fazendo eu conviver com uma inteligência artificial. Deram-me de presente uma Alexa. Eu pensei: “Vou testar, vou testar a Alexa”. “Alexa, em que obra de Machado de Assis, Quincas Borba ou Memórias Póstumas de Brás Cubas, está a frase ‘Ao vencedor as batatas?’”. Resposta: “O mercado de batatas amanheceu hoje...” É o que ela consegue responder.

Dias depois, fiz outro teste: “Alexa, qual é a diferença entre a medicina hipocrática e a medicina galênica?” Silêncio. “Alexa, qual é a diferença entre a medicina hipocrática e a medicina galênica?” Silêncio. “Alexa, qual é a diferença entre a medicina hipocrática e a medicina galênica?” “Estou programada apenas para respostas relevantes”. (Palmas.)

Ou seja, o que está em vias de acontecer com todos esses aplicativos, com esse mundo eletrônico, esse mundo da inteligência artificial? A morte do pensamento. É a morte do pensamento.

É por isso que considero que o ensino da filosofia para os adolescentes é terapêutico, não é só formador, não é só educar o educador, mas é uma terapia. Eu vou agora ler para não tomar muito o tempo de vocês:

“É muito conhecida a história do patrono da filosofia, o ateniense Sócrates, que conversava com os jovens de Atenas perguntando-lhes o que era aquilo em que acreditavam e defendiam: a coragem, a justiça, o amor, a beleza e a verdade.

Mostrava pouco a pouco, durante o diálogo, que, não só eles se contradiziam, uns aos outros, mas contradiziam a si próprios, de maneira que dizia Sócrates: ‘Realmente, eles não sabiam o que eram os valores nos quais acreditavam’.

Eles pediam então a Sócrates para que lhes dissessem o que eram esses valores, e ele respondia: ‘Eu também não sei, por isso que estou perguntando’.

Eis porque é muito conhecida a história de que ele se dirigiu ao templo do deus Apolo, deus da luz e da razão, para consultar a Sibila, para que ela consultasse o Apolo e lhe desse um oráculo do deus, pois todos diziam que ele era um sábio, mas ele não compreendia porque era considerado dessa maneira.

A Sibila, então, lhe perguntou: ‘O que você sabe?’. Sócrates respondeu: ‘Só sei que nada sei’. A Sibila, então, lhe transmitiu a mensagem ou o oráculo de Apolo: ‘Sim, Sócrates é o mais sábio de todos os humanos, porque ele sabe que nada sabe’.

O que significa essa história? Como eu assinalei ao iniciar, com as minhas observações sobre o mundo tecnológico, a nossa vida cotidiana é um tecido de opiniões que recebemos da nossa família, no trabalho, no lazer e com os novos meios tecnológicos de comunicação.

Raramente, procuramos comprovar a veracidade ou a correção dessas opiniões. Nós as aceitamos como naturais, válidas em toda parte e para toda gente. Nós vivemos no senso comum da nossa sociedade. É isso a rede social, é o senso comum.”. Perdão. “Nós aceitamos essas opiniões como naturais, válidas em toda parte e para toda gente, porque nós vivemos no senso comum na nossa sociedade.

Nunca perguntamos o que essas opiniões significam ou o porquê as valorizamos. ‘É assim, porque é assim’, dizemos no mais das vezes. Ou, então: ‘É assim...’. Agora, o que é mais constante, é: ‘É assim, porque as redes sociais dizem que é assim’.

Imaginemos, porém, que passemos por experiências nas quais as nossas certezas fiquem abaladas, experiências em que as nossas opiniões comessem a se contradizer umas às outras, pareçam se tornar incompatíveis, e já não sabemos muito bem o que pensar, o que fazer e o que sentir. ‘Será que as coisas são assim como eu pensava?’, perguntamos a nós mesmos e aos mais próximos. Nós entramos em crise.

A palavra crise não significa desordem e confusão, ela significa, exatamente, o contrário disso. Essa palavra vem do verbo grego ‘krisein’, que significa, primeiro, capacidade para julgar, discernir e decidir corretamente. Segundo, o exame racional de todas as coisas sem preconceito e sem pré-julgamentos. Terceiro, a atividade de examinar e avaliar detalhadamente alguma coisa - uma ideia, um valor, um costume, um comportamento, uma obra de arte, uma obra de pensamento. É isso uma crise.

Entrar em crise significa buscar meios para entender os nossos pensamentos e sentimentos, as nossas ações, as pessoas com quem convivemos, as informações que recebemos e o mundo que nos rodeia.

A crise desperta em nós o desejo de saber. É este o significado da história de Sócrates, pois só podemos desejar saber quando reconhecemos que nada sabemos. A consciência da nossa ignorância é o ponto de partida da filosofia. (Palmas.)

O filosofar se inicia no momento em que tomamos distância com relação às nossas certezas cotidianas e não dispomos de nada para substituí-las ou para preencher a lacuna deixada por elas.

Em outras palavras, a filosofia se interessa por aquele instante em que o mundo das coisas - a natureza - e o mundo dos humanos - a sociedade -, tornam-se problemáticos, estranhos, incompreensíveis, enigmáticos, e sobre os quais as opiniões disponíveis já não nos satisfazem.

Ela se volta, preferencialmente, para os momentos de crise no pensamento, na linguagem, na ação, porque esses momentos são os que manifestam a necessidade de que fundamentemos nossas ideias, nossas palavras, nossos valores, nossos comportamentos e nossas ações.

Por isso, alguém que tome a decisão de não aceitar rapidamente, nem essa nem aquela opinião recebida, está tomando distância do senso comum e de si mesmo para indagar o que são as opiniões, os sentimentos que alimentam silenciosamente a nossa existência.

Ao tomar essa distância, começa-se a indagar a respeito de si mesmo para entender o porquê pensamos o que pensamos, o porquê sentimentos o que sentimos e o porquê fazemos o que fazemos, o que são as nossas opiniões, os nossos sentimentos e as nossas ações.  

Esse alguém está começando a adotar a atitude filosófica, isto é, a decisão de não aceitar como naturais, óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações e os valores da nossa existência cotidiana, nem a validade inquestionável dos nossos comportamentos e os dos outros. Em suma, é a decisão de jamais aceitar ideias, fatos e valores sem tê-los compreendido e avaliado.

Nós podemos dizer que a filosofia tem lugar quando seres humanos começam  a exigir provas e justificações racionais antes de aceitar ou recusar opiniões, ideias, valores, sentimentos e comportamentos, pois racional significa argumentado, debatido, compreendido pelo pensamento para chegar a conclusões que podem ser compreendidas, discutidas, aceitas e respeitadas por nós e pelos outros.

Para que a filosofia possa se realizar, é preciso que ela tenha a forma de uma interrogação permanente. Ela é uma interrogação sobre o que são as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores e nós mesmos.

É uma interrogação sobre o porquê e o como disso tudo e de nós próprios. Por isso, essa atitude filosófica é inseparável da atitude crítica, que vem da palavra ‘krisein’, que vem da palavra crise, da atitude crítica.

Costuma-se julgar que a palavra crítica significa ser do contra, dizer que tudo vai mal, que tudo está errado, que tudo é feio, desagradável. Crítica parece significar mau humor e coisa de gente chata ou pretensiosa, que imagina saber mais do que os outros.

Ora, na verdade, crítica significa a capacidade para julgar, discernir e decidir corretamente, pelo exame racional, todas as coisas, sem preconceito, sem pré-julgamento, avaliando detalhadamente uma coisa, uma ideia, um valor, um costume, um comportamento, uma obra de arte, um valor de pensamento a nós próprios e aos outros. Assim, nós podemos dizer que a filosofia é uma indagação. O que é que ela indaga?

1 - Ela indaga: o que é? O que é uma coisa, uma certa ideia, uma ideia. Em outras palavras, qual é a realidade e qual é a significação de alguma coisa. 2 - Ela indaga: como é? Uma coisa, uma ideia, um valor, um comportamento, ou seja, como é a estrutura ou o sistema de relações que constitui a realidade de algo.

3 - Ela indaga: por que é? Em outros termos, por que algo existe? Qual a sua origem? Qual a sua causa? 4 - Ela indaga: para quê? Isto é, para que existe, em outros termos, qual a finalidade de alguma coisa.

Assim, nós não somos apenas sujeitos que recebem opiniões e vivem nas opiniões; nós trabalhamos sobre elas. (Palmas.) Nós não somos apenas seres pensantes, nós somos seres com sentimento, desejo, vontade.

Seres que agem no mundo, que se relacionam com os outros seres humanos, com os animais, as plantas, as coisas, que participam dos fatos e dos acontecimentos, e exprimimos todas essas relações por meio de sentimentos da linguagem e de gestos, por meio de ações, comportamentos e condutas.

A reflexão filosófica se volta também para compreender o que se passa em nós, nas relações que mantemos com a realidade que nos circunda, com aquilo que dizemos, com aquilo que sentimos, com as ações que realizamos.

Assim, a reflexão filosófica acrescenta três indagações no que se refere a nós. 1 - Quais os motivos, as razões, as causas do que pensamos, dizemos e fazemos? 2 - Qual o sentido do que pensamos, dizemos ou fazemos? 3 - Qual é a intenção ou a finalidade do que pensamos, dizemos, sentimos e fazemos?

Ou seja, a filosofia indaga não apenas sobre o pensamento, mas sobre a ética e a política. (Palmas.) É por isso que eu considero que o ensino da filosofia, levando em conta a mutação a que eu me referi e o risco de uma subjetividade narcisista, depressiva, que pode perseguir os jovens...

Eu vejo a filosofia, de um lado, como um bloqueio a essa invasão que os oligopólios da informação fazem sobre a nossa vida, mas, ao mesmo tempo que a filosofia nos faça ser uma verdadeira terapia, uma terapêutica contra o risco da depressão, do narcisismo.

Assim, a filosofia indaga sobre a ética e a política e, por isso, ela é um aprendizado da maior relevância para os jovens. Por quê? Porque, se reconhecer a própria ignorância e abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for importante; se adotar a atitude crítica e reflexiva que investiga a origem e o sentido da realidade das práticas humanas for importante.

Se buscar o conhecimento de si for importante; se, graças ao exercício da razão, não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for importante; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for importante; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for importante.

Se dar a cada um de nós e a nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações, em uma prática ética e política que deseja a liberdade, a justiça e a felicidade para todos, for importante, então nós podemos dizer que o ensino da filosofia é um dos mais importantes que os jovens possam receber. (Palmas.)

É muito importante essa referência que eu fiz à ética e à política, porque a ética e a política pressupõem que o sujeito ético e o sujeito político são seres dotados de pensamento, linguagem, desejo e capacidade de agir em função dos sentimentos, dos desejos e do pensamento racional.

É sobre esse solo que a ética e a política se erguem, isto é, seres dotados de razão, vontade, responsabilidade e liberdade, essas quatro características que nós não podemos perder de maneira nenhuma. Nós temos que conquistá-las continuamente. São elas que fazem com que a filosofia se dedique à questão da ética e da política e, por isso, ela se ergue contra a violência. (Palmas.)

O que é a violência? A palavra violência vem de uma palavra em latim, “vis”, que significa: 1 - tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser; violência é desnaturar alguém. 2 - Todo uso da força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém; é coagir, torturar, brutalizar.

3 - A violência significa todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa, valorizada positivamente por uma sociedade; é violar. 4 - Todo ato de transgressão contra aquelas coisas e ações que alguém ou uma sociedade define como justas e como um direito.

Consequentemente, a violência é um ato de brutalidade, sevícia, abuso físico, abuso psíquico contra alguém e caracteriza as relações pessoais e sociais definidas pela opressão, pela intimidação, pelo medo.

A violência se opõe à ética, porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem, de liberdade, como se eles fossem coisas, isto é, como se fossem irracionais, insensíveis, mudos, inertes e passivos. E a violência se opõe à política, porque trata seres racionais, sensíveis e livres como se fossem objetos inertes, obedientes e oprimidos e capazes de exercer opressão.

Na medida em que a ética e a política são inseparáveis da figura do sujeito racional, voluntário, livre, responsável, tratá-lo como se fosse desprovido de razão, desprovido de vontade, desprovido de liberdade e desprovido de responsabilidade é tratá-lo como um não-humano, como uma coisa, fazendo-lhe violência em todos os sentidos da palavra.

E nós podemos constatar que as novas tecnologias eletrônicas são violentas nesses cinco sentidos, pois não estimulam a racionalidade, a liberdade e a responsabilidade, substituindo-as pela moral do rebanho que nos desumaniza.

Por isso, é importante o ensino da filosofia para os jovens”. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Bem, eu acredito que todos nós sairemos daqui com muita reflexão. E reflexão mesmo, em cima do que ocorre na rede pública do estado de São Paulo, no Brasil, podemos assim dizer, exatamente por esses grupos que transformaram a sala de aula em um espaço de plataformização.

E tiraram, na verdade, aquilo que é mais lindo no espaço da sala de aula, que é ministrar a aula, sentir o aluno, ler no rosto do aluno, se ele está gostando ou não da nossa aula. E fica rodando aquele treco lá, fica rodando, e o menino fica ali desesperado, tentando entender, e vai mostrando quantidade e não qualidade.

Então, professora doutora, minha sempre professora Dra. Marilena Chauí, a sua aula magna vem ao encontro exatamente para que nós... Isso é um início necessário de uma reflexão profunda do que nós estamos passando nas escolas públicas do estado de São Paulo, que estão coisificando as pessoas e personificando os aparelhos todos. Eles personificaram, e nós viramos coisa. E é contra isso que nós vamos lutar.

Nós queremos, sim, a tecnologia como um meio, mas não como um fim. Nós queremos fazer o uso dela com a nossa razão e não com a razão de quem a produziu, porque senão, desta forma, nós vamos coisificar coisas o tempo todo, nos tornarmos coisa. Isso é marxismo, eu não sou tão marxista, mas ele fala da coisificação e da personificação.

Mas, em todo caso, eu não quero ousar, porque eu quero ainda ter dúvida de muita coisa. Como disse você já de início, a filosofia nos permite isso, duvidar. A dúvida tem que ser permanente.

E por ser sempre na dúvida é que eu vou agora passar... estar sempre na dúvida... vou passar a palavra para a nossa querida, agora pesquisadora, professora doutora, pesquisadora, neurocientista, antropóloga, musicista e psicóloga.

Eu acho que o encontro das falas aqui vai nos dar possibilidade de poder sair daqui com o intuito de dizer que nós precisamos fazer alguma coisa nesse contexto triste, violento, sobre o qual vivemos.

Muito obrigada.

Passo, então, para você, mãe Vira.

 

A SRA. ELVIRA SOUZA LIMA - Boa noite. É um prazer muito grande estar aqui, é enorme. Agradeço o convite, a possibilidade. Eu que vim da escola pública de São Caetano do Sul, minha vida inteira foi na escola pública. É um dever estar aqui para dialogar e para poder ver se consigo contribuir em alguma coisa com a nossa pobre neurociência aqui. Mas eu queria trazer...

Estava lembrando, Marilena, que eu tive aula de filosofia no ensino médio, quando estávamos na outra ditadura, um pouquinho antes do AI-5. E foi uma diferença enorme na nossa vida toda. Todos nós ainda temos contato.

Tive a oportunidade de estudar filosofia e sociologia enquanto eu fazia científico. Naquela época, era “científico clássico”, mas nós tínhamos filosofia durante os três anos, antes da reforma, que já começaram a acabar com a nossa escola pública, com as reformas que começaram por ali. Eu queria...

Estava aqui pensando, e vou conversar com vocês um pouco, talvez sendo um pouco otimista, no que vem antes de chegar a ser jovem, ter filosofia e estar no ensino médio, o que nós temos aprendido com o estudo do cérebro.

A primeira coisa que eu gostaria de colocar, e que está muito em moda aqui no Brasil - eu vim para o Brasil ano passado. Está uma moda de neurociência, de função executiva, de tudo no TikTok, no Instagram, tudo é cérebro.

E recebi um documento recente que diz que o professor tem que desenvolver a função executiva dos alunos. O pessoal vai pegando - não é só fake news, não, são os negócios que inventam assim.

Isso traz um problema muito grande, com a banalização da neurociência, que esse cérebro existe pairando sem um corpo, e é o corpo que aprende. Exatamente o que a neurociência tem em 50 anos de pesquisa, graças aos avanços tecnológicos, aí vem a questão.

Hoje nós podemos estudar o cérebro em funcionamento na pessoa viva, uma coisa que em 200 anos de neurologia nunca se pôde fazer. Nós não tínhamos acesso, estudávamos comportamento, fazíamos comparações, as patologias.

Hoje vemos o cérebro da criança no útero materno, formando memórias, como é que ela reage ouvindo música, como é que ela reage ouvindo contar história para ela, e que esse bebê, quando nasce, nos primeiros dias ali, pode ser nas primeiras horas, pega aquela historinha que a mãe contou para ela várias vezes, principalmente a partir do quinto mês, e ela conta junto com outras quatro ou cinco histórias, e o cérebro dela só reage à história que a mãe contou.

Não que ela saiba que era da “Chapeuzinho e do Lobo Mau”, mas aí ficou já muito claro que somos seres de narrativa, reconhecemos melodia, reconhecemos voz.

Quando comecei na psicologia como pesquisadora, era ler no lápis, na canetinha, olhava, anotava; depois avançamos com vídeo, umas máquinas enormes. Jamais imaginei que fosse chegar na minha vida a ter esse avanço graças à tecnologia, que nos permite pensar a inclusão hoje de uma maneira completamente distinta.

Hoje nós sabemos que o autista severo, sem fala, pode ser alfabetizado, pode ir para a universidade, se forma em jornalismo, faz programa de televisão. A visão que temos da possibilidade do ser humano é muito grande.

Nós temos 86 bilhões de neurônios. A contagem anterior era de 100; estamos discutindo, mas 86 é bastante mesmo. E cada neurônio pode chegar a fazer dez mil conexões. Ou seja, temos uma capacidade de aprendizagem que usa o corpo todo, e de pensamento.

Isso se constitui, segundo uma biologia da espécie. Então, a primeira coisa, assim, todas essas áreas que estudei não deveriam ser tomadas como maiores que a pedagogia. Infelizmente, no Brasil é.

Cheguei aqui no ano passado, fui entrevistada por um órgão de comunicação e ele falou assim: “o negócio da alfabetização na idade certa e não sei o quê, me dá uma evidência científica”, porque agora eles querem evidência científica até de brincar. Porque, cientificamente, é bom para a criança brincar; porque agora é tudo assim, evidência científica.

E aí comecei eu, que trabalho há mais de 40 anos com prefeitura, com o estado... estive no MEC, mas sempre faço questão de ir para a escola. Estive lá em Guarulhos, estou sempre na escola com o professor, porque se nós quisermos conhecer o fato, o evento científico, tem que ir lá onde acontece. Por isso que eu fui fazer antropologia também.

Então, a questão é que o repórter... Eu falei para ele, eu comecei a contar uns negócios assim, que deu certo a alfabetização, que todo mundo, as crianças, os estudantes - está dando certo - estão lendo e tal. “Não, doutora, a senhora é cientista, a senhora é neurocientista, eu quero que a senhora fale fatos científicos”. Eu falei: “Eu estou falando fatos científicos”. Porque aqui no Brasil - você já viu a nova? - tudo é evidência científica, ninguém fala de qual ciência.

Evidência científica parece que é uma coisa assim, que foi provado por não sei quem que está lá oferecendo curso de 47,99 no Instagram de neurociência e, depois que você faz, você vira neuropsicopedagogo, “neuro não sei das quantas”.

Então, nós precisamos tomar muito cuidado com isso: essa vulgarização do conhecimento científico que mais uma vez cai na cabeça dos professores, porque eu sou da geração em que a psicologia caiu na cabeça dos professores.

Tudo era teste de QI, tudo era problema emocional - não era isso gente? -, aptidão, “vamos fazer isso, não sei o quê, vamos medir, medir, medir”. Agora a nova moda é... Nós passamos pelo período do eletro, “faz eletro nessa criança, porque eu acho que ela tem problema”, agora nós estamos na fase do autismo e TDAH. São fases diferentes da medicalização da pedagogia.

Então, você colocou ali os problemas da Educação. O primeiro que nós temos, neste País, é entender que a ciência que se ocupa disso é a pedagogia, e que nós que fazemos a pesquisa, que trabalhamos em outras áreas, fazemos contribuições - a gente discute, certo?

Uma das coisas que eu mais gosto da neurociência internacional, antes da pandemia, é a gente ter chegado já em uma discussão - é evidência científica de muita pesquisa no mundo ocidental e oriental, porque eu também acompanho, na medida do possível, o que acontece na China, nos países orientais - em que um professor é realmente o eixo chave da construção de conhecimento de desenvolvimento humano da criança, desde o bebezinho, do primeiro dia que ele nasce. Isso antes da pandemia.

A pandemia, com toda a desgraça que foi, só veio confirmar isso. Eu estava na Europa, segundo mês de isolamento na Europa: “meu Deus, a escola faz falta”, “nós precisamos de escola”. Daqui a pouco, os jovens, que estavam dando graças a Deus que não tinha escola, todo mundo querendo voltar para a escola.

E aí pais, professores com seus filhos em casa - vi reportagens divertidíssimas - que não dão conta de dois filhos em casa. Teve aquele casal em Recife que a notícia chegou lá em Portugal... eles falaram que pediram para a escola particular dobrar o salário do professor, porque não aguentavam os filhos deles, nunca pensaram que seria tão complicado. (Palmas.)

Então, nós percebemos... Mas é um negócio que, como a gente vê na antropologia, nós vemos o professor, na antropologia, como um ser humano adulto que garante a continuidade da espécie.

E aí eu vou dizer para vocês um pouco de como nós sabemos o quanto que a nossa espécie pode aprender e constrói comportamentos e algumas coisas que... Até o uso de celular é um comportamento cultural. Então, nós temos essa questão de que o ser humano pode aprender muito.

Gente, autista severo e sem fala faz programa de televisão no Canadá de entrevista. Por que? Porque os avanços tecnológicos fazem com que ele digite no iPad, aquilo fale e ele entreviste o outro. Gente, é um mundo maravilhoso. Nós não olhamos mais a inclusão como uma impossibilidade, porque as possibilidades são inúmeras.

Eu poderia aqui passar a noite falando para nós, já idosos, o que é que faz eu aprender isso, sabe? “Como é que a gente lida com menopausa, não sei o quê”. Nós sabemos que nós temos uma capacidade muito grande de formar comportamentos - como ela recitou ali do Paulo Freire -, de tolerância. São coisas que não têm genética.

Então, eu vou falar para pais, principalmente de escolas particulares daqui em São Paulo, e eles falam: “não, porque o celular isso, não sei o quê”. Eu falei: “gente, não tem DNA, nós não temos genética para o celular, nós temos genética para falar.

Se alguém falar para a gente, nós já temos um aparato para falar, certo? Nós temos genética para engatinhar, ninguém precisa engatinhar na frente do bebê para ele sair engatinhando atrás, nós temos genética para a música, nós temos um cérebro musical, certo? Um bebê chora em notas musicais, gente, em tons”.

O Mozart - tem na biografia do Mozart, eu até publiquei isso, porque eu acho fantástico - percebeu que, tocando o piano em uma tonalidade, se ele mudasse a tonalidade, o filhinho dele mudava o choro para aquela tonalidade. Em vez de atender o bebê, ele ficava mudando a tonalidade do piano. Isso está na biografia do Mozart.

Hoje, nós sabemos que o choro do bebê é em tonalidade musical. Nós, antes de falarmos, fazemos, construímos - não é isso? - a música da nossa língua. Então, isso está na genética da espécie, temos um cérebro musical, não é isso?

Nós temos a teatralidade - Marilena falava do corpo. Nós somos absolutamente teatrais, nós sabemos usar o corpo desde o... Até o bebezinho. Os gêmeos, a gente tem um estudo de gêmeos, que hoje dá para estudar os dois lá dentro, ou três. Nós temos um corpo que expressa, e é porque expressa que consegue comunicar com o outro.

A questão toda da espécie humana, vou falar aqui para vocês, é a comunicação com o outro, porque nós somos uma espécie biologicamente social. Isso foi dito há 100 anos pelo Wallon e hoje a gente tem a comprovação, porque nós temos partes do cérebro que, conjuntamente, formam o que nós chamamos de cérebro social.

Então, assim, a possibilidade humana é muito grande. Agora, grande parte dela nós só vamos fazer ser realizada se nós tivermos um professor, se nós tivermos um mestre, se nós tivermos alguém que ensine, porque não há genética para isso.

Então, eu tenho genética para a música - “Vamos cantar?”, todo mundo canta, afinado ou desafinado, mas cantando -, tocar um instrumento, ler partitura, compor etc. Fora aqueles Chico Buarque da vida e Tom Jobim. Você estuda, você desenvolve, mas nós temos um cérebro musical.

Nós temos essa teatralidade que vai se expressar na vida. Por exemplo, quando a criança brinca de faz de conta, não é isso? Nós, na juventude... Não sei a juventude de hoje, mas a minha era muito ligada ao teatro, porque, naquela época, nós tínhamos um teatro.

Antes que todo mundo partisse para o exílio, a gente tinha a “Arena”, a gente tinha o “Ruth Escobar”, a gente vivia, a gente vinha de São Caetano de ônibus. Era, assim, matéria da nossa vida ir ao teatro. Ir ao teatro na periferia, em Santo André, em São Caetano. Quer dizer, nós tivemos essa... A teatralidade está na espécie. Então, isso todos nós temos.

Desenhar está na espécie. Todo ser humano desenha, não precisa ir à escola. Tem um livro sobre isso: o bebê, desde que consiga manter o corpo, a musculatura, começa a traçar.

E não é rabisco e nem garatuja não, são composições gráficas. E também ninguém precisa falar para a criança e o bebezinho, nem fazer para ele na frente para ele ficar traçando e desenhando, desenhando, desenhando.

Tudo isso é porque nós temos sistemas expressivos, nós temos formas dadas pela genética da espécie - é aí que eu tenho bastante esperança, Marilena - de expressar as emoções que a gente sente, porque a base das artes são as emoções. Então, arte é trabalhar com emoção. A emoção é aquilo que garante a sobrevivência da espécie.

O que é que está lá?

 

 A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Leia para nós o que está aí. (Palmas.)

 

A SRA. ELVIRA SOUZA LIMA - Vai que é contra mim? Pelo amor de Deus!

 

A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Não, não. Ele está falando lá: “Professor...” O quê?

 

TODOS - “Vocês são incríveis. Parabéns pelo seu dia!”

 

A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Ah, que legal. (Palmas.)

 

A SRA. ELVIRA SOUZA LIMA - Então, ouvindo a Marilena, eu fiquei pensando: “gente, já vou chegar lá na Europa, já vou chegar nas reuniões que eu tenho que fazer e vou falar que arranjei mais uma coisa pela escola, porque, na verdade, como que nós chegamos, e é o que já está acontecendo na Europa... como nós chegamos nesse jovem?

Não precisa chegar lá com a filosofia, mas que venha um encaminhamento do desenvolvimento sensível que nós temos a partir da educação infantil, essa educação infantil que hoje virou fazer letrinha com quatro anos, quando a criança...

Nós temos uma genética para desenhar, certo? E essa genética vai, a criança vai fazer assim, depois vai fazer o ângulo, ela vai fazer o círculo, e isso tem idade certa, determinada, três anos, quatro anos, faz o quadrilátero com os ângulos retos, tudo meio tortinho, depois vai melhorando, aí faz o triângulo. Isso vai dos três aos sete, aí, com sete anos, a criança está pronta para escrever, não aos seis.

Nós enfiamos a criança na escola, olha só, que os colegas de vocês, de milênios atrás, que vocês têm colegas que são milenares... Então a escola começou há cinco mil anos, pedagogia é uma ciência que existe há cinco mil anos.

Embora a gente fale que a pedagogia é moderna, começou com Comenius etc.. Tem arqueólogo - eu gosto de arqueologia também, porque quem está na antropologia vai um pouco para arqueologia - que está defendendo a tese de que nas pinturas das cavernas, 20 mil anos atrás, 30, já havia professor, porque a maneira como estão feitas as coisas na caverna não podem ter sido espontâneas, todo mundo, porque existem padrões que devem ter sido partilhados. Então essa é uma tese bastante interessante.

Nós estamos lidando aqui com... Vocês que são milenares, às vezes a gente entra na instituição, parece que entrou ano passado, o Brasil parece que começou a alfabetização em 80, não é isso?

Quando a gente traz um outro método aqui, parece que não existiu. Eu fiz a escola primária. Nós aprendíamos todos os domínios da linguística no primeiro ano: sintaxe, semântica, morfologia, fonologia - não é isso? -, léxico e prosódia.

Hoje eu estou aqui trabalhando com crianças de 5º ano, 7º ano, gente, e de escola particular também, que não sabem nada além da fonologia. Então, não é possível, é isso que você falou, nós fomos enxugando, enxugando, enxugando.

Então, me parece que a escola tem que ter, o Nicolelis fala que a gente tem que ter um renascimento, acho que o renascimento agora vai sair da escola, porque nós temos um cérebro, desde a primeira infância, desde bebê, pronto a receber do outro, pronto a partilhar com o outro, isso é uma coisa incrível.

O bebê, da hora em que nasce... Gente, o cérebro leva dois anos para entrar tudo em funcionamento, não entra tudo assim, na hora, vai entrando, mas na hora em que o neném nasce entra em funcionamento uma partezinha muito pequena, que fica aqui, ó, especializada em perceber o rosto humano. Nós vamos usar isso a vida inteira, ela só faz isso, esses neurônios estão ali para perceber o rosto do outro.

Na antropologia, a gente já tinha isso, mas se você for olhar na literatura, eu não sei, a literatura é a grande mestra que nós temos, você já tem isso, o movimento da parteira, a gente vai ver que a ciência vai chegando onde a arte já chegou, a cultura já chegou, a cultura popular.

A neurociência, hoje, o que ela faz de muito bom é comprovar cientificamente, dar evidência científica a coisas que a gente fazia antes e deixamos de fazer, principalmente na pedagogia, que são absolutamente necessárias.

A pedagogia acumulou muito conhecimento, gente. São cinco mil anos de tentar ficar ensinando aquelas criancinhas a escrever em cuneiforme, não é isso? No barro. Já passaram por situações piores que a nossa, porque, quando você olha aquelas tablitas, mas olhem bem, as tablitas tinham linha, tudo que você vai olhar tinha linha, tinha espaço, tinha organização.

Aí nós chegamos aqui, faz uns 20 anos que nós tiramos, não tem que ter linha, escreve de qualquer jeito. Coitado, o olho, o cérebro, não dá para perceber esse negócio que sobe e desce. Então são essas coisas que a neurociência vem nos ensinando.

Então, veja bem, há um caminho da primeira infância do bebê, essa areazinha que percebe o rosto do outro é por onde o bebê se guia. Há um monte de pesquisa na antropologia biológica mostrando que leva 10, 15 minutos para um bebê que acabou de nascer encontrar o olho do outro e ali parar, porque começa a comunicação ali.

É essa comunicação que vai fazer com que a gente dialogue com o bebê. É ou não é, gente? Ele olha para lá, a gente olha para onde ele olhou. Na pandemia não foi assim, gente? Nós perdemos isto aqui para interpretar o outro, ficamos só no olho, a visão.

A gente falava que o bebê não enxerga, quando eu cuidava dos meus irmãos, porque eu sou irmã mais velha, “ele não enxerga até cinco meses”. Enxerga, o bebê enxerga. É lógico que não enxerga lá, profundidade vai demorar dois anos para fazer. Se não fizer nos dois primeiros anos, some.

E o que nós temos hoje? Criança no celular. O problema começa aqui, ó, dar o celular. Isto aqui é um objeto cultural, gente. Objeto cultural, eu determino o uso dele. Então, eu vou dizer que nós estamos muito equivocados no uso dos aparatos tecnológicos que foram criados, muito equivocados. (Palmas.) Você entra em um avião, o bebê com uma criança de dois anos, a mãe tira um iPad para um e um celular para o outro. Gente, não é possível.

Então qual o movimento que a gente está tendo na Educação, na Europa, agora? Tirar o celular. Educação infantil. A medicina está dizendo: nada de tela para uma criança de até dois anos, nem televisão, nem celular, nem iPad, nada, porque essa criança vai fazer o quê?

Ela vai brincar, ela vai se entediar, ela vai aprender a lidar com o ócio, ela vai movimentar o corpo dela, porque o que esculpe o nosso cérebro é, primeiramente, o movimento, certo?

Então, nós temos uma espécie que nasceu para se movimentar, engatinhar, fazer isso, não sei o que, não sei o que lá. O celular, em si, não é do mal, nós é que estamos fazendo um uso equivocado, não é isso?

Por que estão tirando os celulares das escolas todas na Europa agora? Por que tiraram a tecnologia dos iPads e não sei o quê? Porque todo mundo fica animado, gente; nós brasileiros, mais ainda. É novidade, vamos dar.

Ah, vai dar iPad para todo mundo, vamos dar não sei o que para todo mundo. Por que a Suécia tirou tudo e, pela primeira vez, as crianças lá de 14 anos estão pegando o livro de papel na mão? Vão ver as entrevistas, vão ver as pesquisas que estão sendo feitas. Estão adorando. Por quê? Porque é fácil de voltar, porque agora dá para a gente procurar.

Gente, nós inventamos... nós tivemos tecnologia sempre, nós inventamos coisas fantásticas. Não é porque surgiu uma outra, agora tira tudo e vamos botar isso aqui. Então tela não é só questão do conteúdo, porque aí também tem outra coisa, redes sociais também são uma opção, porque isso é muito útil, certo?

Eu assisto palestra, aula que eu preciso ver, com o cara que está em Paris. A possibilidade tecnológica tem que ter sabedoria; não está tendo, nós estamos absolutamente emburrecidos com esse uso dos equipamentos. Então vamos tirar, escrever com a mão, vai na tecla.

Está certo, o autista severo vai ter que ser, o autista severo se alfabetiza, escreve livro e tudo, porque agora tem o bendito computador aqui. Ele podia fazer na máquina de escrever, não é, gente, tec, tec, tec, mas não é só isso que o autista está fazendo, o severo se comunica com a família, eles têm diálogo; ele dialoga, é um outro uso do WhatsApp. Então a tecnologia tem dois lados, eu não posso... Primeiro que não vai sumir, certo?

Agora as pessoas começaram a entender, quem começou a entender? Os professores. Não é porque a neurociência está falando, e a medicina, que bebê não tem que ter tela e que de três até sete anos, olha só, meia hora por dia. Qual a idade para entrar em redes sociais? Dezesseis anos, porque aí você já formou o pensamento.

Quando você estava falando, Marilena, veja o vocabulário que você precisa ter para você pensar filosoficamente, certo? Nós temos que formar, nós temos dois sentidos internos, nós temos a fala interna e a imagética visual, a gente pensa por imagens, não é isso, gente? E a gente fala com a gente mesmo.

Aliás, o professor é aquele que nunca cala aquela voz, não é? Está sempre falando, está sempre falando consigo mesmo. Minha mãe foi professora alfabetizadora e ela, há 35 anos, 42 crianças naquela época, eram 42 alunos da escola pública todo ano, e tem uma aluna que ela não conseguia alfabetizar. Minha mãe está com 98 anos, até hoje ela fica falando: “mas aquela menina eu não conseguia alfabetizar”.

Vai morrer, vai para o túmulo com a menina que ela não alfabetizou, porque professor tem essa... É por isso que, na antropologia, a gente fala que tem essa questão da formação humana.

E hoje está muito claro na neurociência quão profundo e quão denso é a ação do professor, porque, além dessa areazinha que percebe o rosto humano, que vai ficar o tempo todo ali nos acompanhando, nós temos uma coisa que se chama neurônios de espelho.

Eles foram descobertos na década de 1990, mas é lógico que a gente já sabia antes. O Peter Brook, um grande teatrólogo, já falava que a neurociência está descobrindo o que o teatro já sabe há muito tempo. Lógico, você tem que entrar em comunicação com o outro. Só que a gente... Hoje, sabemos que todos nós...

A natureza é muito democrática, viu, gente? Todo mundo tem o mesmo número de neurônios, as mesmas partes no cérebro, a menos que tenha alguma patologia, algum acidente e tal. Todo mundo, todas as raças, todas as cores, tudo é igual.

O que vai determinar o seu mapa neuronal, esse órgão que nós temos, com todas as possibilidades, vai ser a nossa vida de cultura, a nossa vida social. A maior parte das conexões que são feitas entre os neurônios do nosso cérebro, vem do que a gente tem desde o momento em que a gente nasce, as línguas que se ouve, o movimento que se faz, a música, o que a vida... Não é isso? Nós vamos constituindo, e mesmo em gêmeos idênticos não há o mesmo mapa neuronal.

Nós podemos pegar o mapa neuronal, é tão individual quanto a impressão digital. Então, cada um de nós é um indivíduo e, ao mesmo tempo, fazemos parte desse coletivo. O que fazem esses neurônios espelhados? Já existia antes, agora sabemos a existência.

Mas dá para entender porque a gente imita, porque nós sabemos ler o outro, porque nós temos empatia, porque a gente prevê o que o amigo vai dizer, porque você muda a sua conversa quando você quer falar alguma coisa, você vai fazer uma fofoca, mas a reação do outro é você já ficar quieto.

Quer dizer, nós julgamos o outro e vamos... Porque nós temos elementos biológicos para fazer isso. Então, o neurônio e o espelho é mais ou menos assim. Eu faço assim com a minha mão e estou movendo seis áreas do meu cérebro para fazer isso. Vocês não estão, mas nesse momento o cérebro de todos vocês está movendo as mesmas áreas.

O nosso cérebro, ele mimica nos neurônios o que o outro está fazendo. Imagina você, professor, lá na frente, imagina seu aluno que está te vendo quatro horas por dia. Não é o que você está falando, não é o que você planejou, é o que você é, é o que você expressa, também é formativo. Nós formamos.

Então, veja bem, para eu chegar a usufruir da beleza que é, porque acho que filosofia devia estar no curso de pedagogia, devia estar em todo lugar e o teatro também. Para eu usufruir disso, preciso ter um acervo de vocabulário na minha fala interna. Tenho que ter não “tipo assim” ou “meio o quê”, gente, porque está tudo meio assim, não é isso? Porque eu trabalho com aquisição de escrita, tenho um projeto de escrita há 40 anos.

A condição é a seguinte aqui no Brasil. No Brasil tem um fenômeno assim, sumiu a subordinação. (Vozes fora do microfone.) Não, sumiu, não tem sintaxe básica. Sumiu pontuação; sumiu pontuação, gente. Olha, eu tenho milhares de anos trabalhando com escrita em escola particular aqui, nos Estados Unidos, que eu morei lá, na França; chega no Brasil, não há mais pontuação. Não há nenhuma pontuação.

Gente, foi uma conquista inventar a pontuação, porque, quando você pega a história da escrita, a escrita não começou bonitinha assim que nem está agora, porque ela está ótima, com segmentação, com pontuação. Nós sabemos que o cérebro vai pela ortografia.

Eu não posso enganar meu cérebro, se é com dois “S” ou põe um “C cedilha”, porque ele vai formar memória disso, depois você não reconhece. E nós estamos aí fazendo as crianças fazer hipótese de escrita e ficar vendo até quando ela vai chegar a fazer alguma coisa. Quinto ano está fazendo hipótese de escrita. Está escrevendo para a escola. Estou dando exemplos práticos. Para “E”, junto aqui, e “Cola” aqui.

Não está escrito para a escola. O cérebro está escrito para “E” e “Cola”. Nenhum lugar você vai encontrar isso aí. Então, entender o que é escrito, o que é linguagem. Nós somos seres de linguagem.

Fui lá na faculdade de medicina conversar, porque os meninos, os alunos, não estão entendendo os textos. Sério o negócio. Fiquei conversando com eles. Falei: “o que vocês estão estudando agora na fisiologia? Estão estudando o esôfago. E o esôfago?” Então, o rapaz falou assim, o esôfago é tipo assim.

Eu falei, não quero você de médico, porque se é tipo assim, pode ser qualquer coisa. Então, a linguagem, a palavra, gente, é muito importante. Qual é a palavra na linguística com verbo? É o verbo de ação. Então, o verbo de ação é que vai pedir o objeto indireto ou ser bitransitivo. (Palmas.)

Então, nós estamos ensinando... Como é que você chamou o negócio? O desafio. O desafio da Educação em São Paulo, pelo menos, que é o que eu conheço melhor, mas eu trabalho em várias partes do Brasil, é ensinar a criança o que ela tem direito: a linguagem. (Palmas.) A linguagem. Então, eu tenho cadernos... É um negócio seríssimo, porque eu tenho meus cadernos de primário ainda.

Estou juntando cadernos daqui da escola pública de São Paulo - já vou acabar, acho que está na hora - de 70, 71, tinha até trazido aqui para mostrar. Cadernos daquela época, porque fico pensando, eram 42 alunos, só tinham professor na sala de aula, diretor e vice-diretor, não existiam os outros cargos.

E todo mundo, no dia 15 de outubro, recebia o livro, a festa do livro, vai ganhar o livro, porque está todo mundo lendo, todo mundo escrevendo. Por quê? Porque havia uma docência explícita, porque essas professoras eram formadas na escola normal, que ensinava a professora a ser professora.

Então, a questão é a seguinte, nós temos um contínuo, porque lá, agora, nos países nórdicos, eles têm matéria mesmo do currículo de trabalhar com os alunos a compreensão do fake news.

 Então, para mim, estou saindo daqui iluminada hoje, porque há a solução para tudo isso. É a própria escola. E se é a própria escola, são vocês, professores. (Palmas.) Já está...

Assim, se eu tenho neurônios de espelho com essa função de entrar na comunicação com o outro, se eu tenho essa área especializada em perceber o rosto humano, a criança, quanto menor ela for, mais ela usa.

Se eu tenho um sistema emocional que pega o cérebro todo, e essa emoção não é que nem falava na psicologia, a emoção está presente em tudo. Ela modula a memória, ela está na atenção executiva que eu preciso...

E fico falando para o professor ensinar atenção executiva para os alunos. Façam atividades que envolvam emoção, desde a criança pequena até a juventude: teatro, música, literatura, poesia. Gente, não tem nada que pegue mais todas as áreas do cérebro do que a poesia, sabia disso?

A metáfora é uma dessas coisas mais sofisticadas que nós fazemos. E a metáfora, para a minha grande surpresa, antes de entrar - estou há quase 50 anos na neurociência - não é uma questão só da poesia e da literatura, ela está presente na escultura, ela está presente na ciência.

A gente tem muito... O mundo de estudo do cérebro, embora muito inicial ainda, 50 anos, é uma coisa fantástica. Nós descobrimos que temos a potencialidade para ser esse sujeito mais cidadão, mais tolerante, porque também nós temos tanta pesquisa mostrando que a criança não é racista, que ela é solidária, que ela divide as coisas até quatro anos.

Muitas coisas, nós que estamos ensinando. Nós temos que entender que o avanço tecnológico é um ganho da humanidade. Aprender a usar direito também é uma responsabilidade nossa.

E onde é que se forma a coisa tão importante da escola, é o seguinte. É Yasmin o seu nome? (Manifestação nas galerias.) Ela falou que ficou 12 anos dentro da escola. Doze anos, você fica dentro da escola. O cérebro de vocês está amadurecendo, não acabou ainda. Até os 20 anos ele está amadurecendo. A sua vivência na escola faz parte da sua pessoa, a gente queira ou não.

Nós somos a escola, porque os dois primeiros anos, se você for para a creche, aquela vivência que você teve lá, as pessoas que tem, a música que cantou, o afago, tudo vai fazer parte da sua vida, porque esse cérebro, você falou que sai transformado. Professor, coitado, tem um cérebro...

Por isso que em outubro vocês não aguentam mais nada. Você entra na sala de aula, seu cérebro muda até a hora que você sai. Porque o nosso cérebro não é parado. Os neurônios estão ali, para o bem ou para o mal. Sabe quando você vai para aquele dia da aula - às vezes acontece - e você fala “hoje não vai dar”?

Quando você entra e começa aquela coisa humana, você esquece tudo, porque é uma atividade extremamente humana, que merece ter uma formação adequada. E nós trazemos, dentro de nós, os anos todos que nós passamos na escola.

Agora, eu sempre falo, que falta de criatividade! Porque passa 12 anos para fazer o ensino fundamental, o ensino médio, depois não sei quantos na universidade, depois faz não sei o quê. Se formou profissional, para onde vai? Para a escola. Aí vai ficar até a aposentadoria.

O conhecimento, não tem outro jeito. Sempre estou defendendo isso. Conhecimento, lá no MEC... eles ficavam falando que eu vivia defendendo professor. O conhecimento pedagógico que tem um professor, porque muito professor fala assim para mim: “eu fui pela intuição”. A intuição é cientifica.

Você juntou um monte de elementos que fazem você tomar a decisão. Agora, quando tiram a decisão do professor, aí o negócio é sério. É muito sério. (Manifestação nas galerias.) É sério para ele, é sério para a criança que ele está formando, para o jovem que ele está formando.

Porque tira exatamente o poder de decisão, a questão de decidir as coisas, que então eu vou ler ali. Não só filosofia, mas eu sou muito adepta de ler literatura. Porque literatura é que nem a Cate Blanchett falou quando ela ganhou o prêmio. Vocês viram? Ela falou: “nós estamos vivendo tempos problemáticos, tenebrosos. Eu busco a minha coragem com Clarice Lispector”.

Esse é o maior recado que nós temos para nós. Ou nós entendemos que o desenvolvimento do cérebro é biológico e cultural, e que nós temos uma pedagogia brasileira que foi interrompida...

Nós tínhamos um caminho pedagógico. Tinha ou não tinha, gente? Constituindo até... Depois nós tivemos uma ruptura. Aí fica pegando coisa daqui, avaliação de um país daqui, pega a alfabetização não sei de onde. E nós tiramos a identidade nacional da nossa pedagogia. Esse é o grande desafio, porque o próprio desenvolvimento de cérebro é função da cultura.

Agora vou terminar dizendo uma das tristezas da minha vida. É ver que, cada vez mais, nossa cultura brasileira é currículo nos outros países, e não é no Brasil. Se você for para a China hoje, as criancinhas de cinco anos - está no currículo - estão aprendendo piano, não sei o que, têm que tocar “Tico-Tico no Fubá”. Alguém aqui sabe tocar? Tem que fazer assim como a mão, e ainda saem dançando. Elas saem dançando.

Você vai no Japão, os jovens do Japão têm que aprender... Não é que têm que aprender, faz parte do currículo deles a música popular brasileira. Aí você vai para os Estados Unidos, os alunos estão lendo Malba Tahan.

Ninguém nem sabe que Malba Tahan é brasileiro. Clarice Lispector, eu tive alunos... nos Estados Unidos, tive uma aluna que falou: “eu aprendi Clarice Lispector, porque eu queria ler no original”.

E a gente, eu inclusive, fala mal dos americanos. Aí você vai para a Dinamarca, para o raio que o parta, no fundo de não sei o quê, entra na casa de um físico, ele tem uma prateleira de Clarice Lispector.

As crianças, na França, leem Machado de Assis no quinto ano. Nem falo quantos autores indígenas hoje são currículo obrigatório. “Meu Pé de Laranja Lima” vendeu 400 mil exemplares na China, e faz parte do currículo obrigatório de leitura. Monteiro Lobato, Rubem Fonseca, Clarice Lispector, “Meu Pé de Laranja Lima”, tudo hit na China.

Então, ou nós entendemos que a escola é um espaço de cultura... Porque ela é. Nós tiramos antropologia, nós tiramos tudo isso. A gente nunca teve uma entrada da antropologia para colaborar, porque nós tivemos a ruptura de 64, saiu todo mundo. Foram embora, desenvolver essas coisas lá fora. Faz uma falta enorme.

Nós somos seres de cultura. É a cultura que esculpe o nosso cérebro, e nós fazemos a opção. Então, quando eu dou isso aqui para uma criança e deixo ela ficar cinco horas...

Porque os pais estão deixando. “Ai, meu filho não, mas ele gosta de joguinho”. Ele não tem genética para jogar. Gosta porque construiu o comportamento. Agora, o que está acontecendo na Europa?

Não tem mais televisão em creche, não tem mais nada, não tem iPad, não tem celular, não sei o quê. Sabe o que tem? Livro. Finlândia, todo mundo adora falar da Finlândia. Vai ver o que a Finlândia está fazendo.

Todo mundo escrevendo no papel, fazendo raiz quadrada de novo na mão. Por que as pessoas estão fazendo isso? Não é ser reacionário. É para poder explicar o funcionamento, poder explicar a funcionalidade que isso tem no cérebro.

Então, é na hora que você está escrevendo que a sua mão, que é sua escrita, que ninguém imita, é um fator de identidade. Quantas crianças que eu peguei: “não, eu já não sou bebê mais, eu escrevo de cursiva”.

Eu tenho, nos trabalhos que eu faço, o orgulho, porque você escreve a sua letra. Porque, de forma, é de qualquer um. Quando você digita, é muito diferente para o cérebro. Escrever com a cursiva, 30 a 40% a mais você memoriza o que você escreveu.

Veja a sabedoria da dona Ida, a minha professora de primeiro ano, para uma pessoa com traços de dislexia, que nem eu. A gente tinha que escrever à mão, marcava o ponto, depois comparava.

A gente aprendia todas as atividades de estudo no primeiro ou segundo ano. Hoje, a gente vai ensinar atividade de estudo para quem chega no doutorado, porque não sabe fazer o livro, escrever. Então nós temos não que ser saudosistas. Eu vou sair com um artigo sobre isso, porque acho importantíssimo.

Eu pus a minha filha na escola pública de São Paulo. Ela fez jornada única de dois anos, 88 e 89. O que ela fez na jornada única, não tem mais nada de currículo hoje. Assim não é possível.

Esvaziou o currículo, esvaziou a formação do professor. Nós temos que lutar por essa questão da dignidade. Vamos seguir a antropologia, que diz que o professor é o ser humano adulto da espécie que garante a continuidade da espécie.

O Vygotsky já dizia isso: “nós vamos chegar ao final do século XX com um desenvolvimento jamais visto”. Ele estava certo. Não foi isso, gente? Por que ele falou que vai acontecer isso? Porque nós começamos o século XX ampliando a escola para todos.

Então, ter a dimensão do que significa a escola, tem que ter um curso de história da Escola na Pedagogia, História da Alfabetização. Eu fiz o maior sucesso em Nova York, porque eu dava História da Escrita, porque os professores alfabetizadores não sabem de onde que vem. Tem uma história. Tudo tem uma história.

Eu falava para o Celso Vasconcelos: “você acha que está inventando grande coisa, falando que o professor é mediador, não sei o quê? Eu tenho documento de 700 depois de Cristo, que já fala que o professor tem que ser um mediador”.

Se a gente for olhar a história da pedagogia, a gente vai ver que existe um acúmulo, e nesse momento que nós estamos, ou a gente vai para o conhecimento, ou vamos ler mais, para a gente ter mais vocabulário... nós também... mais pensamento, porque está difícil.

Porque o nosso cérebro funciona assim, gente. Então, quem já passou dos 60, aconselho, leia poesia todos os dias. Quem está entrando na menopausa, também. Mova-se. O cérebro realmente precisa muito de movimento na primeira infância e vai precisar muito de movimento a partir dos 60 anos.

Então, a tecnologia tem um lado bom. Lógico que a gente tem usos indevidos, mas não vamos esquecer que isso aqui é cultural. Isso é um objeto cultural. Do mesmo jeito que a gente usa o copo, eu uso o celular. Certo?

A gente conhece as histórias que você vai com o copo lá em uma tribo, em uma aldeia, vira o copo de ponta-cabeça, põe uma vela, e eles vão achar que o copo... O objeto cultural, nós damos o significado.

E aí tem a juventude, que é uma idade que o cérebro, gente, é talvez... A gente se encanta com criança, mas o que é o cérebro de um jovem, a possibilidade é uma coisa fantástica. É o último período de maturação.

Então, é uma benção poder ser professor de jovem, porque mantém a gente também... A criatividade, a possibilidade de criação que está ali, dos 14 até os 20 anos, é realmente muito grande.

Então, parabéns a vocês todos.

Não vamos desanimar, porque dá para desanimar, mas...

 

A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Aguardem, por favor, que ainda... Nós temos um vídeo da nossa querida Leci Brandão. Ela faz questão de dar uma fala para nós.

E, até que ponha um vídeo, eu quero dizer que a capacidade também, a leitura nos dá a capacidade de criação. O mesmo personagem que eu crio quando estou lendo não é o mesmo que você, mas essa é a riqueza quando a gente faz uma leitura.

Então, vocês que estão aí em cima, não pensem que a gente está contra a tecnologia. Eu vi que vocês aplaudiram quando... Não, a gente quer que vocês façam o bom uso da tecnologia para que vocês possam, sim, se emancipar, ter o saber como soberania para poder fazer...

 

A SRA. ELVIRA SOUZA LIMA - Deixe-me só falar uma coisa. Na Copa de 1958 - eu que eu nasci em 1951 - a gente teve um grande avanço tecnológico, que foi o radinho de pilha, porque a gente tinha que pôr na tomada. Então, para nós jovens...

Foi o acontecimento no bairro, porque a gente pôde trazer o rádio para a rua e todo mundo ouvia junto o radinho de pilha. Então, é sempre o encantamento. O encantamento hoje é esse.

Mas a gente também tem que entender que tecnologia, gente... sempre houve a espécie... Ela cria a tecnologia desde lá...

 

A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - E nós temos que fazer o bom uso dela.

 

A SRA. ELVIRA SOUZA LIMA - Então, eu acho fantástico poder usar a tecnologia. E, sem tecnologia, nada do que eu falei aqui do cérebro nós saberíamos.

 

A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Muito bom! Pessoal, nós vamos, então, ouvir a Leci. E aí cada um vai ler o cartaz, porque aqui a gente está achando que está brigando com a gente. Está bom assim?

 

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- É exibido o vídeo.

 

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Agora é a vez de vocês. Podem ler aí o cartaz. Quem que vai ler? O que está escrito? Não, eu não consigo ler daqui. Não, sacanagem. Pode ler. Gente, o que custa dar um “up” aí? Por favor, que eu não estou enxergando. Vamos lá.

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - “Professores, obrigado por existir em nossas vidas”. “Você é o início de tudo”. “Parabéns, professores”. “Escola Estadual República do Panamá”. “Feliz Dia dos Professores”. Tem mais? A câmera consegue pegar mais? Acho que deu, não é? Já foi? Deu.

 

A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Bom, eu quero agradecer a ilustre presença da professora Dra. Marilena Chauí, como também da professora Dra. Elvira Souza Lima, que, para mim, foi um momento, um encontro muito importante. Assim como você pode ver que os jovens perceberam, os momentos deles deram feedback para nós.

E nós, que somos professores, também entendemos a importância desse encontro, e gostaríamos, Marilena, se assim posso chamá-la, e Elvira, de ter outra oportunidade de a gente poder ficar um tempo, talvez, maior. Porque a gente está necessitando fazer essa discussão com a profundidade que tem que ser feita. Está muito “en passant”.

A gente percebe que todo mundo está discutindo a tecnologia muito lá e também o uso ou não uso, também muito “en passant”, e nós queremos nos apropriar desse conhecimento exatamente para que a gente possa fazer o devido debate que tem que ser feito, porque ficou uma tábula rasa.

Tipo, agora é tudo tecnologia, agora corrige prova de professores ou concurso através da inteligência artificial, e aí cria injustiças, como aconteceu no último concurso aqui no estado de São Paulo, e a Apeoesp conseguiu, via ação judicial... Nós conseguimos fazer com que os professores pudessem recorrer. Alguns casos foram revistos, outros não. Então, há que se ter um aprofundamento nessa discussão.

Então, eu agradeço. Vamos combinar uma nova data, uma data em que a gente venha poder fazer essa reflexão de forma mais profunda. Um seminário, essa é a ideia. Fica aí o nosso pedido. Bom, eu vou agora ler o rito final. Eu tenho que fazer isso.

Primeiro eu tenho que dizer, eu tenho que ser correta, que esta sessão solene foi convocada pelo presidente desta Casa de Leis, deputado André do Prado, atendendo à minha solicitação com a finalidade de homenagear o Dia dos Professores. E agora, esgotado o objeto da presente sessão, eu agradeço a todos os envolvidos na realização desta solenidade, assim como agradeço a presença de todos e todas. E um beijo no coração de cada um.

Parabéns, professores.

Parabéns, professores.

Parabéns.

 

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- Encerra-se a sessão às 21 horas 08 minutos.

 

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