14 DE OUTUBRO DE 2024
65ª SESSÃO SOLENE EM HOMENAGEM AO DIA DOS PROFESSORES
Presidência: PROFESSORA BEBEL
RESUMO
1 - PROFESSORA BEBEL
Assume a Presidência e abre a sessão às 19h10min.
2 - MESTRE DE CERIMÔNIAS
Nomeia a Mesa e demais autoridades presentes.
3 - PRESIDENTE PROFESSORA BEBEL
Informa que a Presidência efetiva convocara a presente solenidade para "Homenagem ao Dia dos Professores", por solicitação desta deputada. Reflete sobre a relevância da Educação. Lamenta políticas públicas em desfavor da Pasta.
4 - MESTRE DE CERIMÔNIAS
Convida o púbico para ouvir, de pé, o "Hino Nacional Brasileiro".
5 - YASMIN FARIAS
Vice-presidente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas, faz pronunciamento.
6 - FÁBIO DE MORAES
1º presidente da Apeoesp, faz pronunciamento.
7 - ARIOVALDO DE CAMARGO
Presidente da CUT Brasil - Central Única dos Trabalhadores, faz pronunciamento.
8 - MESTRE DE CERIMÔNIAS
Anuncia apresentação da poetisa Sílvia Maria Ribeiro.
9 - PRESIDENTE PROFESSORA BEBEL
Menciona a importância de Paulo Freire para a Educação.
10 - MARILENA CHAUÍ
Professora, faz pronunciamento.
11 - PRESIDENTE PROFESSORA BEBEL
Defende reflexão sobre o uso racional da tecnologia nas escolas.
12 - ELVIRA SOUZA LIMA
Professora, faz pronunciamento.
13 - PRESIDENTE PROFESSORA BEBEL
Enaltece a importância da leitura. Anuncia a exibição de vídeo com pronunciamento da deputada Leci Brandão. Faz agradecimentos gerais. Encerra a sessão às 21h08min.
*
* *
- Assume a Presidência e abre a sessão
a Sra. Professora Bebel.
*
* *
O
SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Sejam todos
bem-vindos à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Esta sessão solene
tem a finalidade de homenagear todas as professoras e professores.
Nós comunicamos aos presentes que esta
sessão solene está sendo transmitida ao vivo pela TV Alesp e pelo canal Alesp
no YouTube. Convido para compor a Mesa a deputada estadual Professora Bebel,
proponente e presidente desta sessão solene. (Palmas.)
Professora Dra. Marilena Chauí,
escritora e filósofa, professora emérita de história da filosofia moderna na
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
(Palmas.) Professora Dra. Elvira Souza Lima, pesquisadora, neurocientista,
antropóloga, musicista e psicóloga. (Palmas.)
Convido também o Sr. Ariovaldo de
Camargo, da CUT Brasil. (Palmas.) O Sr. Fábio de Moraes, da Apeoesp. (Palmas.) Rosaura
Almeida, da Apase. (Palmas.) Yasmin Farias, da Upes. (Palmas.)
Passo a palavra à proponente desta
sessão solene, deputada estadual Professora Bebel. (Palmas.)
A
SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Boa noite. Eu
não gosto de falar sentada. Vou pedir licença e vou quebrar o protocolo para
falar de pé. Se assim entender, eu acho que... Bem, boa noite, minhas colegas,
meus colegas, estudantes que aqui estão presentes, enfim, todos que nos ouvem e
assistem através da Rede Alesp e todos aqueles que, porventura, estão nos vendo
também através do canal no YouTube.
Eu cumprimento a professora Dra.
Marilena Chauí, como também a professora Dra. Elvira, que a gente teve tanto
tempo na Apeoesp, juntas e juntos, pensando políticas públicas para a educação,
assim como a professora Dra. Marilena Chauí, que nos formou a vida inteira. A
vida inteira, tem gerações e gerações que nós fomos formados e formadas.
Eu até lembrava que ela... Na greve de
2000, aquela fatídica greve, nós fomos dar aula pública lá na USP. Ela, sob o
olhar da Universidade, porque a Universidade estava em greve, e nós... eu, sob
o olhar da educação pública básica.
Eu era, naquele momento, a primeira
presidenta mulher, depois de 20 anos, na Apeoesp. Eu era uma menina. Eu
envelheci, obviamente. E estava chegando naquele momento. Era o primeiro
mandato meu.
Imagina, debater junto à Marilena Chauí,
que aula. E ela me deu mais aula do que eu dei aula. Essa foi a verdade. Mas
foi algo fantástico, marcado na minha cabeça. Tive a honra também de estar com
ela no Conselho Nacional de Educação. Um ano, lamentavelmente, um ano, mas
valeu a pena esse um ano. Eu tinha vontade de dizer as coisas, e ela me apoiava
naquilo que eu dizia.
E a professora Elvira não é diferente.
Quando veio o debate da qualidade total, nós puxávamos a Elvira, no caso, a
nossa querida Eneide, ela que ali também tem a educação, como eu até dizia
recentemente, agora há pouco, para a nossa querida Marilena Chauí, que é
lamentável que a Educação seja tratada como causa. Eu não gostaria. Ela deveria
ser naturalmente uma política pública de Estado, de direito de todos e todas e
com plena valorização dos profissionais da educação.
É para isso que a gente faz essa
reflexão hoje: para dizer para os governantes, para os deputados que aqui
estão, que nós os formamos, mas eles, quando chegam aqui - o seu Evaldo, meu
querido Evaldinho - quando eles chegam aqui, eles se esquecem e votam tudo
contra os profissionais da Educação, tudo contra os estudantes, tudo contra...
E a gente vê retrocesso atrás de retrocesso.
Nós tivemos a triste aprovação do
programa “Escola Cívico-Militar”, que é, em tese, a extensão do programa “Escola
Sem Partido”. Eu costumo fazer essa análise. E eu quero dizer para vocês o
seguinte: que aqui tem sido palco de muita tristeza para nós.
Tudo que é contra o funcionalismo
público é aqui que é votado e depois espraia para todo o estado de São Paulo,
porque nós não conseguimos quebrar, fazer uma trinca e dizer que o voto teria
que ser aquele que representasse a maioria, mas não é isso que
acontece. Acaba sendo representada para a minoria. O voto vem para a
minoria.
Eu vou estender meus cumprimentos
também ao Ariovaldo de Camargo, que é da Central Única dos
Trabalhadores. É importante ter o representante da Central Única dos
Trabalhadores na Mesa. Vou estender as minhas palavras também ao Fábio de
Moraes, que é o primeiro presidente da Apeoesp.
Eu, segunda presidenta da Apeoesp, até
então estava há muito tempo na Apeoesp. A gente resolveu fazer um, não é
Fábio, fazer um bem bolado. Falei: “não, vamos sair um pouco disso e vamos
tocar”. E também cumprimentar a estudante, A Yasmin. Falei: “se não tiver
a estudante na Mesa, eu vou ficar muito brava”. E veio. Yasmin, que
satisfação ter você.
Vocês, que têm estado comigo nesta
luta contra o corte das verbas da educação. Cinco por cento significa
dez bilhões a menos. E nós arrastamos a briga até agora. Era para ter sido
aprovado no ano passado. Esticamos, esticamos. Era para ter sido em
abril. Esticamos, esticamos e está até aqui.
Vamos conseguir esticar essa
briga e não permitir que sejam retirados dez bilhões de reais da Educação,
porque, se a Educação está ruim com o que nós temos de recursos, quanto
mais se tirar dez bilhões.
Então, é com muita honra que eu abro esta
sessão solene, precedendo até o Dia dos Professores e das Professoras, dos
profissionais da Educação, por que não? E dizer que, para mim, é uma honra
também trazer a pauta da Educação e debatê-la a exaustão aqui na
Assembleia Legislativa.
Assim como também sou
presidenta da Comissão de Educação e Cultura, momento em que tem
vários embates. E esses embates são trazidos aqui. Muitos a gente até
enfrenta bem, outros a gente... Enfim, mas a gente tem dado o
melhor para dar respostas para uma Educação pública de qualidade,
laica e includente, sobretudo. Muito obrigada.
Obrigada a
todos e todas que estão presentes e fizeram todo o esforço para estar aqui
comigo. Assim como amigos históricos meus. Está aqui... eu falei do
seu Evaldo, jornalista em Piracicaba. Satisfação tê-lo aqui.
Em nome dele,
eu cumprimento todos os homens. Assim como, também, em nome da
Eneide, eu vou cumprimentar todas as mulheres, porque a Eneide faz
também uma luta insana em torno de uma Educação pública de qualidade.
Muito obrigada. (Palmas.)
O
SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Senhoras e
senhores, convido a todos os presentes para, em posição de
respeito, ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro.
*
* *
- É executado
o Hino Nacional Brasileiro.
*
* *
Nós gostaríamos de registrar e
agradecer as presenças da Sra. Nani Cruz, do Ceprocig; Flaudio Limas, secretário
de formação da Apeoesp; Evaldo Vicente, diretor do jornal “A Tribuna
Piracicabana”; Chico Gretter, da Aproffesp; Cleide Alves, da Unas.
Douglas Izzo, da CUT/SP; Felipe Chadi, Fete/SP;
Fernando Ná, do Sintesp; também Francisca da Rocha Seixas, do CTB Educação; Giulia
Castro, da UEE/SP; Leandro Oliveira, da FEE/SP e Michelle Rosa, do Sinpeem.
Senhoras e
senhores, ouviremos neste momento palavras da nossa deputada estadual, Professora
Bebel.
A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL -
PT - Eu acho que eu já fiz uma fala abrindo
a sessão, e eu vou pedir só um pouquinho de paciência para as duas convidadas, professoras
convidadas, não porque os outros não fossem, mas dar três minutos de
cumprimentos, para os cumprimentos das entidades que estão à Mesa, e passar
imediatamente a palavra para a professora Marilena Chauí, depois para a Dra. Elvira.
Pode ser? Tudo bem, Yasmin, começar
pelos estudantes?
A
SRA. YASMIN FARIAS
- Boa noite, eu me chamo Yasmin, sou vice-presidenta da União Paulista dos
Estudantes Secundaristas, e é uma honra estar aqui no Dia dos Professores, representando
tal entidade tão grande para o movimento estudantil e firmar o compromisso que
os estudantes têm com os professores.
É muito importante, até porque a
relação entre professor e aluno vai muito mais além do que o ensino. Então,
quando você cria vínculos com o professor, a educação passa a ser emancipadora.
Você consegue ter uma perspectiva de futuro diferente do que você teria antes.
E o ensino
público, a gente vê que é muito defasado, em que os alunos não gostam de estar
dentro da escola. E a comunidade escolar começa a mudar quando os professores acabam
por fazer esses vínculos e mostrar que a escola é um lugar, sim, de “pertencência” para os alunos.
Então, para os
estudantes que estão presentes, sempre tenham em mente que criar vínculos faz a
educação ser emancipadora e que você pode ter, sim, um projeto de vida de uma
forma que ele alcance todos os seus sonhos e suas metas.
A gente tem
muitas lutas a serem travadas ainda, mas muitas já foram, com a ajuda dos
estudantes, com a ajuda dos professores, que são unificados e se unificam. A
gente tem pautas recentes, como a privatização das escolas, as escolas
cívico-militares, como o sucateamento da nossa educação pública. E nós,
estudantes...
A gente não
permite que isso aconteça justamente por ser o nosso lugar, porque passamos 12
anos dentro da escola. Passamos 12 anos estudando e nem sempre nós, estudantes
secundaristas, conseguimos ingressar direto no ensino superior.
E a gente opta
por cursinhos, cursinhos populares. A gente opta pelo ensino técnico, formações
técnicas, porque o ensino nem sempre vai dizer para você sempre ter uma
faculdade e tudo mais, você pode optar pelo ensino técnico.
Mas que a
evasão desses ensinos, tanto do cursinho popular, possa acabar, de fato, e dos
cursos técnicos também. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT -
Passo a palavra agora para o primeiro presidente da Apeoesp, Fábio de Moraes.
O SR. FÁBIO DE MORAES - Boa noite. Boa
noite a esta Mesa encantadora. Boa noite, Bebel, que é quem está promovendo esta
noite importante para todos os professores, educadores, estudantes, comunidade
escolar, a todas as entidades. Boa noite, professoras. Boa noite, professores,
estudantes, todos.
Gente, nós
teremos amanhã mais um dia dos professores, e a gente queria estar aqui
comemorando tanta coisa, não é? Tanta coisa que a gente merece, tanto trabalho
bonito que os professores realizam. Mas o que sobra para a gente é sempre lutar
contra esse projeto de desmonte da Educação.
É retirada de
dinheiro, é militarização, é plataformização, é reduzir o currículo, tentar
reduzir o aprendizado, tirar dinheiro do aposentado, tirar dinheiro da ativa,
separar os professores. Mas tem algo que nos une, que é fundamental, que é a
nossa esperança de que a educação - como Paulo Freire nos ensinou - transforma
as pessoas e nós transformamos a sociedade. E nós acreditamos nos nossos
estudantes.
Por isso eles
nunca conseguiram vencer. Porque, quando nós abrimos a porta, a professora abre
a porta da sala e olha para aqueles 40 alunos, ela transforma. Por isso,
parabéns, professores, professoras, é uma honra estar aqui hoje, nesta noite
com vocês.
Obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT -
Obrigada, Fábio. Passo imediatamente a fala para o Ariovaldo de Camargo. Ele
que é presidente da CUT Brasil, Central Única dos Trabalhadores. Tem também
entre nós a Central dos Trabalhadores Brasil, a Francisca.
Enfim, depois
eu também abrirei, porque a gente tem que, no mínimo, ser coerente com as
diversas vozes. Por favor, Ariovaldo.
O SR. ARIOVALDO DE CAMARGO - Boa
noite, Bebel. Queria, em nome da Bebel, saudar a todos os professores e
professoras, não só do estado de São Paulo, mas do Brasil.
Cumprimentar a Prof.ª
Marilena, Prof.ª Elvira, Fábio, Yasmin. E, falar de educação, nós não podemos
deixar de reconhecer, Bebel, algumas fases da educação neste País que amanhã,
felizmente para nós, não vamos ver na Rede Globo aquela figura da professorinha
muitas vezes sobre um animal no nordeste que ganhava menos do que um salário
mínimo.
Porque nós não
tínhamos no Brasil, ainda, o piso salarial profissional nacional, que foi uma
luta que começou - não é, Eneide? - com tanta crítica, quando você ainda estava
na CNTE, em um debate ainda no governo Itamar Franco, e se tornou realidade
quando a Bebel estava no Conselho Nacional de Educação, no governo do
presidente Lula.
Este é um
legado, que a Educação não pode deixar de reconhecer os protagonistas deste
processo, que são, entre aqueles que fizeram a luta, cada professor, cada
professora e cada trabalhador e trabalhadora de Educação no chão da escola, que
acreditaram na possibilidade de nós transformarmos um sonho em realidade.
Faço este
registro para registrar duas figuras importantíssimas na minha vida de
professor, na minha formação política sindical, que são duas pessoas que
passaram e que foram muito importantes nesse processo. Por isso faço referência
à companheira Eneide e à companheira Bebel pela luta que fizeram dentro desse
processo.
E nós, da
Central Única dos Trabalhadores, não podemos ter outro olhar que não seja do
reconhecimento e do fortalecimento das lutas que temos pela frente.
A consolidação
do piso se faz na luta como esta que foi travada - não é, Bebel - de não
permitir a retirada de dez bilhões da Educação para que a gente possa ter, de
fato, o recurso para que não falte para o provimento dos professores e, em
especial, na luta da reparação, inclusive, dos aposentados e aposentadas que
tiveram confisco.
De mais, em
nome do presidente Sérgio Nobre, que está em Brasília tratando de questões
outras, trago aqui um forte abraço da Central Única dos Trabalhadores a todos
os trabalhadores e trabalhadoras da Educação e, em especial, aos professores
pelo seu dia. (Palmas.)
O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS -
Nós agradecemos a todos que fizeram uso da palavra, e gostaria de chamar, neste
momento, a poetisa Sílvia Maria Ribeiro.
A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT -
Cerimonial, eu gostaria de chamar a Francisca. Está entre nós? Da CTB. Não?
Então, por favor.
O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Agradecendo
a palavra de todos da Mesa, nós convidamos, neste momento, a poetisa Sílvia
Maria Ribeiro para homenagear nossos educadores, restando Paulo Freire, o
patrono da educação brasileira. (Palmas.)
A SRA. SÍLVIA MARIA RIBEIRO -
Uma honra estar aqui. Estou muito feliz com esta justa e merecida homenagem aos
educadores, educadoras, professoras, professores e estudantes.
É muito potente
isso daqui. Sairemos diferentes, transformados. “Se a educação sozinha não
transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda”, disse Paulo
Freire, patrono da Educação brasileira, considerado um pensador notável, o
brasileiro mais homenageado no mundo.
Defensor da
autonomia intelectual e influenciador da pedagogia crítica, lutava por uma educação
emancipatória, libertadora, pela capacidade de não só acontecer a apropriação
do conhecimento, mas também construção de ideias, conceitos, o aprender, ler o
mundo.
O aluno
pensante, atuante, sujeito crítico, cidadão político. Boniteza. Boniteza, no
olhar do educador, é sinônimo de postura elevada da vida, que é trabalhar por
um mundo melhor. Na boniteza da vida, é essencial e transformador o diálogo. O
diálogo leva ao conhecimento, é a essência daquilo que buscamos. É uma
possibilidade de esperançar, de resistir, de reinventar-se. O diálogo é a
boniteza da vida.
Boniteza é a ética, a moral, a
coerência, é o convívio saudável e respeitoso com o outro. Boniteza é poético.
Afeta e desperta, surpreende, dialoga com experiências, com vivências, põe o
pensamento em movimento, constrói conhecimento. A boniteza e referências nas “pensatas”,
entrevistas, nesses recortes preciosos - é só dar um Google.
A canoa: “Em um largo rio de difícil
travessia, havia um barqueiro que atravessava as pessoas de um lado para o
outro. Em uma das viagens, ia um advogado e uma professora. Como quem gosta de
falar muito, o advogado perguntou ao barqueiro: ‘Companheiro, você entende de
leis?’. ‘Não’, respondeu o barqueiro.
E o advogado, compadecido: ‘É uma pena,
você perdeu metade da vida’. A professora, muito social, entra na conversa: ‘Seu
barqueiro, você sabe ler e escrever?’. ‘Também não’, respondeu o barqueiro. ‘Que
pena’, condói-se a mestra. ‘Você perdeu metade da sua vida’. Nisso, chega uma
onda bastante forte e vira o barco.
O barqueiro, preocupado, pergunta: ‘Vocês
sabem nadar?’. ‘Não’, respondem eles rapidamente. ‘Então é uma pena’, concluiu
o barqueiro. ‘Vocês perderam toda a vida’. ‘Não há saber maior ou saber menor,
há saberes diferentes’. Paulo Freire”
Segue sendo luz e seta. Inspiração,
transpiração.
Sintam-se abraçadas e abraçados,
bonitezas.
A
SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Muito
obrigada, Silvia. Satisfação, sobretudo, ouvir palavras tão importantes nas
nossas vidas e, sobretudo, reflexões, e de alguém que nada mais, nada menos que
Paulo Freire, nosso eterno professor no mundo inteiro.
Muito obrigada, boniteza. Vamos lá. Eu
então, neste momento, vou passar a palavra para a professora Dra. Marilena Chauí.
Então, tem V. Exa. de 30 a 40 minutos.
A
SRA. MARILENA CHAUÍ - É uma emoção ver
tanta gente de luta tão longa. Cada um, a maioria dos que estão aqui... cada
um, em um pedaço, eu estive junto, eu participei.
Então, eu me sinto abraçada e queria
dizer que eu abraço todos vocês neste dia que é tão importante para nós. E que
é um dia, como sempre, sempre assim para os professores, professoras, e sempre
assim para os brasileiros e as brasileiras, é sempre um dia de luta.
Eu pensei que eu fosse chegar na
velhice e olhar para trás e dizer: “Lutamos bastante, agora estamos todos
repousados”; não tem jeito. Então, o que eu vou lhes dizer é algo muito simples
e foi uma sugestão que a Professora Bebel fez para mim.
Quando ela me convidou, ela disse que
gostaria que eu falasse sobre a importância do ensino da filosofia no Ensino Médio,
levando em conta as mudanças tecnológicas. Vocês sabem que essa é a minha
praia, não é?
Então, eu dividi a minha fala em duas
partes, uma primeira em que eu vou falar livremente sobre alguns tópicos e
depois, para não falar a noite inteira, eu fiz o que eu sempre faço, eu fiz um
texto que eu vou ler, porque aí ordena o meu pensamento e não cansa vocês
demais. Então, eu queria lhes dizer que eu não sou reacionária, não sou. Eu
aceito as grandes mudanças no pensamento, nas artes, nas ciências e nas
técnicas.
No entanto, nós estamos em um momento
que é mais, muito mais do que uma transformação - é uma mudança, é uma mutação.
Há um autor que observa que em todas as mudanças tecnológicas anteriores, o que
é que se estendia, o que é que a técnica permitia fazer?
Ela estendia a capacidade do corpo
humano. Então, fazia você, seus braços irem mais longe com os objetos técnicos,
os seus olhos irem mais longe com os óculos, os binóculos, os telescópios - ou
seja, o corpo aumentava as suas potências graças à ciência e à tecnologia.
Ao contrário, diz ele, agora é uma
outra coisa. As mudanças técnicas e tecnológicas se referem ao cérebro humano,
é ele, é ele que se procura alargar e fazer com que ele seja a referência e o
dominante.
E é por isso que eu lhes digo, eu não
sou reacionária, eu entendo todos os movimentos de mudança técnica e
tecnológica, mas esse é um momento em que nós estamos diante de uma mutação.
Essa mutação não é uma mutação vinda só
das ciências, é uma mutação financiada por grandes, grandes oligopólios
internacionais secretos. Então, é um poderio econômico-político, um poderio
bélico e um poderio sobre as nossas mentes, e é disso que eu quero falar um
pouco.
Então, o que as novas formas de
comunicação introduziram foram duas mudanças muito profundas, que os
adolescentes não fazem ideia do grau da mudança, que é o fato de que o espaço
se reduziu a este objeto, este aqui. Não existe espaço, em grego, “topos”.
Nós vivemos, graças ao celular, em uma é
situação de “atopia”, isto é, não existe espaço, existe aqui, isto aqui. A
mesma coisa com relação ao tempo. Tempo, em grego, se diz “chronos”. Nós
vivemos uma situação de “acronia”, isto é, só tem aqui e agora.
É um mundo sem passado e sem futuro.
Ele é agora. Então, ele não se estende no espaço, porque ele é o que acontece
aqui. O mundo acontece aqui e ele não se estende no tempo, nem da memória, nem
da esperança, porque é agora que isso acontece e se esvai ali.
A terceira característica, além da “acronia”
e da “atopia”, é aquilo que, em um primeiro momento, se elogiou muito, se
confiou muito, que eram as redes sociais, a maneira de haver uma comunicação,
sobretudo, entre os jovens. As redes sociais, na verdade, se transformaram no
substituto do que a gente dizia que tinha acontecido com as crianças e os
jovens nos condomínios.
Os condomínios eram uma bolha. A
escola, o dentista, o médico, o esporte. Tudo é dentro do condomínio, ele é uma
bolha. Este objeto aqui, com as redes sociais, fez com que as redes sociais,
menos do que um lugar de encontro, conversa e troca de ideias, se tornou uma
bolha, em que eu penso segundo o que é dito na rede e eu faço segundo o que é
dito na rede, porque a rede é a bolha dentro da qual eu estou.
Então, ao invés de expansão, houve
decréscimo. Decresceu o espaço, decresceu o tempo e decresceu o contato humano,
mas não só isso. Algo mais... para o que vou dizer a respeito da filosofia,
algo mais terrível, e que é explicado por um colega meu, professor de
filosofia, Benito Maeso, que acaba de lançar um livro sobre o fake news. O que
ele diz?
O fake news não é boato, não é fofoca.
O fake news é um modo de vida. O fake news não é uma simples informação malfeita
ou mal dada. Ele é um mecanismo econômico-político que invade a nossa vida
cotidiana, a nossa vida psíquica e emocional e introduz aquilo que o filósofo
Theodor Adorno chamou de cinismo.
O cinismo é a atitude deliberada de
mentir. Não é uma mentira que acontece... É a deliberação de mentir. Isso é o
cinismo. Eu costumava dizer que tínhamos aqui um presidente da República que
era marcado pelo cinismo, porque é a deliberação de dizer a mentira.
O fake news é esse cinismo. Ele assume,
tem esse poder persuasivo, porque ele assume a forma do espetáculo, do bom
humor e do discurso do ódio. O discurso de ódio que o fake news abre é uma
coisa ilimitada e que desemboca nas guerras que estamos vendo.
O fake news... porque ele se tornou um
modo de vida? Porque ele é feito de tal maneira que ele obtém a nossa adesão
pessoal, a nossa adesão social, a nossa adesão afetiva e a nossa adesão
política à desinformação, ou seja, a nossa maneira de pensar, de sentir e de
agir se torna fake news.
Nós operamos fake news, porque estamos
persuadidos e convencidos psiquicamente, eticamente, politicamente pela
desinformação. Então, não é fofoca, não é boato, não é notícia falsa. É uma maneira
de viver. É isso que é terrível no caso do fake news.
Um outro elemento que eu queria
salientar - e eu me dirijo sobretudo a eles, que são os jovens, aos quais quero
me endereçar - é o fato de que, pouco a pouco, esse objeto faz com que o jovem
considere que existir é ser visto. Se você não é visto, você não existe.
Existir é ser visto.
Ora, o resultado disso é algo estudado
pela psicanálise, estudado por Freud, e que se chama narcisismo, o amor pela
própria imagem. Só que, como essa imagem precisa ser ininterruptamente
alimentada e vista pelos outros, ela produz a depressão. E temos uma juventude
ligada ao risco contínuo de ser narcisista e depressiva. Então, é gigantesco.
Por isso que eu falei que é uma mutação.
Eu gostaria de lhes dizer... Eu já contei
essas duas historinhas que aconteceram comigo, provavelmente vocês já viram
isso no Google, não sei onde... Eu não entendo as palavras, viu? Eu não sei o
que quer dizer ChatGPT, o que quer dizer Google, o que quer dizer WhatsApp, o
que quer dizer “aba”. Eu não faço ideia, não faz parte do meu mundo de
pensamento e de vocabulário.
Eu fiquei encantada quando fui a
Portugal, porque eles têm uma linguagem em português para tudo isso. Por
exemplo: eles não falam “site”, falam “sítio”. Falam em português as coisas.
Então, como não tem nada em português...
Meus netos não se conformam, eles
brigam comigo noite e dia, porque eu digo: “O que você está falando? Quando
você diz WhatsApp, o que você quer dizer com WhatsApp? Traduz isso em uma
língua portuguesa para sua avó entender”. Eu não entendo o que é isso.
Bom, eles acharam que iriam me ajudar
fazendo eu conviver com uma inteligência artificial. Deram-me de presente uma
Alexa. Eu pensei: “Vou testar, vou testar a Alexa”. “Alexa, em que obra de
Machado de Assis, Quincas Borba ou Memórias Póstumas de Brás Cubas, está a
frase ‘Ao vencedor as batatas?’”. Resposta: “O mercado de batatas amanheceu
hoje...” É o que ela consegue responder.
Dias depois, fiz outro teste: “Alexa,
qual é a diferença entre a medicina hipocrática e a medicina galênica?”
Silêncio. “Alexa, qual é a diferença entre a medicina hipocrática e a medicina
galênica?” Silêncio. “Alexa, qual é a diferença entre a medicina hipocrática e
a medicina galênica?” “Estou programada apenas para respostas relevantes”.
(Palmas.)
Ou seja, o que está em vias de
acontecer com todos esses aplicativos, com esse mundo eletrônico, esse mundo da
inteligência artificial? A morte do pensamento. É a morte do pensamento.
É por isso que considero que o ensino
da filosofia para os adolescentes é terapêutico, não é só formador, não é só
educar o educador, mas é uma terapia. Eu vou agora ler para não tomar muito o
tempo de vocês:
“É muito conhecida a história do
patrono da filosofia, o ateniense Sócrates, que conversava com os jovens de
Atenas perguntando-lhes o que era aquilo em que acreditavam e defendiam: a
coragem, a justiça, o amor, a beleza e a verdade.
Mostrava pouco a pouco, durante o
diálogo, que, não só eles se contradiziam, uns aos outros, mas contradiziam a
si próprios, de maneira que dizia Sócrates: ‘Realmente, eles não sabiam o que
eram os valores nos quais acreditavam’.
Eles pediam então a Sócrates para que
lhes dissessem o que eram esses valores, e ele respondia: ‘Eu também não sei, por
isso que estou perguntando’.
Eis porque é muito conhecida a história
de que ele se dirigiu ao templo do deus Apolo, deus da luz e da razão, para
consultar a Sibila, para que ela consultasse o Apolo e lhe desse um oráculo do
deus, pois todos diziam que ele era um sábio, mas ele não compreendia porque era
considerado dessa maneira.
A Sibila, então, lhe perguntou: ‘O que
você sabe?’. Sócrates respondeu: ‘Só sei que nada sei’. A Sibila, então, lhe
transmitiu a mensagem ou o oráculo de Apolo: ‘Sim, Sócrates é o mais sábio de
todos os humanos, porque ele sabe que nada sabe’.
O que significa essa história? Como eu
assinalei ao iniciar, com as minhas observações sobre o mundo tecnológico, a
nossa vida cotidiana é um tecido de opiniões que recebemos da nossa família, no
trabalho, no lazer e com os novos meios tecnológicos de comunicação.
Raramente, procuramos comprovar a
veracidade ou a correção dessas opiniões. Nós as aceitamos como naturais,
válidas em toda parte e para toda gente. Nós vivemos no senso comum da nossa
sociedade. É isso a rede social, é o senso comum.”. Perdão. “Nós aceitamos
essas opiniões como naturais, válidas em toda parte e para toda gente, porque
nós vivemos no senso comum na nossa sociedade.
Nunca perguntamos o que essas opiniões
significam ou o porquê as valorizamos. ‘É assim, porque é assim’, dizemos no
mais das vezes. Ou, então: ‘É assim...’. Agora, o que é mais constante, é: ‘É
assim, porque as redes sociais dizem que é assim’.
Imaginemos, porém, que passemos por
experiências nas quais as nossas certezas fiquem abaladas, experiências em que
as nossas opiniões comessem a se contradizer umas às outras, pareçam se tornar
incompatíveis, e já não sabemos muito bem o que pensar, o que fazer e o que
sentir. ‘Será que as coisas são assim como eu pensava?’, perguntamos a nós
mesmos e aos mais próximos. Nós entramos em crise.
A palavra crise não significa desordem
e confusão, ela significa, exatamente, o contrário disso. Essa palavra vem do
verbo grego ‘krisein’, que significa, primeiro, capacidade para julgar,
discernir e decidir corretamente. Segundo, o exame racional de todas as coisas
sem preconceito e sem pré-julgamentos. Terceiro, a atividade de examinar e
avaliar detalhadamente alguma coisa - uma ideia, um valor, um costume, um
comportamento, uma obra de arte, uma obra de pensamento. É isso uma crise.
Entrar em crise significa buscar meios
para entender os nossos pensamentos e sentimentos, as nossas ações, as pessoas
com quem convivemos, as informações que recebemos e o mundo que nos rodeia.
A crise desperta em nós o desejo de
saber. É este o significado da história de Sócrates, pois só podemos desejar
saber quando reconhecemos que nada sabemos. A consciência da nossa ignorância é
o ponto de partida da filosofia. (Palmas.)
O filosofar se inicia no momento em que
tomamos distância com relação às nossas certezas cotidianas e não dispomos de
nada para substituí-las ou para preencher a lacuna deixada por elas.
Em outras palavras, a filosofia se
interessa por aquele instante em que o mundo das coisas - a natureza - e o
mundo dos humanos - a sociedade -, tornam-se problemáticos, estranhos,
incompreensíveis, enigmáticos, e sobre os quais as opiniões disponíveis já não
nos satisfazem.
Ela se volta, preferencialmente, para
os momentos de crise no pensamento, na linguagem, na ação, porque esses
momentos são os que manifestam a necessidade de que fundamentemos nossas
ideias, nossas palavras, nossos valores, nossos comportamentos e nossas ações.
Por isso, alguém que tome a decisão de
não aceitar rapidamente, nem essa nem aquela opinião recebida, está tomando
distância do senso comum e de si mesmo para indagar o que são as opiniões, os
sentimentos que alimentam silenciosamente a nossa existência.
Ao tomar essa distância, começa-se a
indagar a respeito de si mesmo para entender o porquê pensamos o que pensamos,
o porquê sentimentos o que sentimos e o porquê fazemos o que fazemos, o que são
as nossas opiniões, os nossos sentimentos e as nossas ações.
Esse alguém está começando a adotar a
atitude filosófica, isto é, a decisão de não aceitar como naturais, óbvias e
evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações e os valores da nossa
existência cotidiana, nem a validade inquestionável dos nossos comportamentos e
os dos outros. Em suma, é a decisão de jamais aceitar ideias, fatos e valores
sem tê-los compreendido e avaliado.
Nós podemos dizer que a filosofia tem
lugar quando seres humanos começam a exigir
provas e justificações racionais antes de aceitar ou recusar opiniões, ideias,
valores, sentimentos e comportamentos, pois racional significa argumentado,
debatido, compreendido pelo pensamento para chegar a conclusões que podem ser
compreendidas, discutidas, aceitas e respeitadas por nós e pelos outros.
Para que a filosofia possa se realizar,
é preciso que ela tenha a forma de uma interrogação permanente. Ela é uma
interrogação sobre o que são as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os
comportamentos, os valores e nós mesmos.
É uma interrogação sobre o porquê e o
como disso tudo e de nós próprios. Por isso, essa atitude filosófica é
inseparável da atitude crítica, que vem da palavra ‘krisein’, que vem da
palavra crise, da atitude crítica.
Costuma-se julgar que a palavra crítica
significa ser do contra, dizer que tudo vai mal, que tudo está errado, que tudo
é feio, desagradável. Crítica parece significar mau humor e coisa de gente
chata ou pretensiosa, que imagina saber mais do que os outros.
Ora, na
verdade, crítica significa a capacidade para julgar, discernir e decidir
corretamente, pelo exame racional, todas as coisas, sem preconceito, sem pré-julgamento,
avaliando detalhadamente uma coisa, uma ideia, um valor, um costume, um
comportamento, uma obra de arte, um valor de pensamento a nós próprios e aos
outros. Assim, nós podemos dizer que a filosofia é uma indagação. O que é que
ela indaga?
1 - Ela indaga:
o que é? O que é uma coisa, uma certa ideia, uma ideia. Em outras palavras,
qual é a realidade e qual é a significação de alguma coisa. 2 - Ela indaga:
como é? Uma coisa, uma ideia, um valor, um comportamento, ou seja, como é a
estrutura ou o sistema de relações que constitui a realidade de algo.
3 - Ela indaga:
por que é? Em outros termos, por que algo existe? Qual a sua origem? Qual a sua
causa? 4 - Ela indaga: para quê? Isto é, para que existe, em outros termos,
qual a finalidade de alguma coisa.
Assim, nós não
somos apenas sujeitos que recebem opiniões e vivem nas opiniões; nós
trabalhamos sobre elas. (Palmas.) Nós não somos apenas seres pensantes, nós somos
seres com sentimento, desejo, vontade.
Seres que agem
no mundo, que se relacionam com os outros seres humanos, com os animais, as
plantas, as coisas, que participam dos fatos e dos acontecimentos, e exprimimos
todas essas relações por meio de sentimentos da linguagem e de gestos, por meio
de ações, comportamentos e condutas.
A reflexão
filosófica se volta também para compreender o que se passa em nós, nas relações
que mantemos com a realidade que nos circunda, com aquilo que dizemos, com
aquilo que sentimos, com as ações que realizamos.
Assim, a
reflexão filosófica acrescenta três indagações no que se refere a nós. 1 -
Quais os motivos, as razões, as causas do que pensamos, dizemos e fazemos? 2 -
Qual o sentido do que pensamos, dizemos ou fazemos? 3 - Qual é a intenção ou a
finalidade do que pensamos, dizemos, sentimos e fazemos?
Ou seja, a
filosofia indaga não apenas sobre o pensamento, mas sobre a ética e a política.
(Palmas.) É por isso que eu considero que o ensino da filosofia, levando em
conta a mutação a que eu me referi e o risco de uma subjetividade narcisista,
depressiva, que pode perseguir os jovens...
Eu vejo a
filosofia, de um lado, como um bloqueio a essa invasão que os oligopólios da
informação fazem sobre a nossa vida, mas, ao mesmo tempo que a filosofia nos
faça ser uma verdadeira terapia, uma terapêutica contra o risco da depressão,
do narcisismo.
Assim, a
filosofia indaga sobre a ética e a política e, por isso, ela é um aprendizado
da maior relevância para os jovens. Por quê? Porque, se reconhecer a própria
ignorância e abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for
importante; se adotar a atitude crítica e reflexiva que investiga a origem e o
sentido da realidade das práticas humanas for importante.
Se buscar o
conhecimento de si for importante; se, graças ao exercício da razão, não se
deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for
importante; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da
história for importante; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes,
nas ciências e na política for importante.
Se dar a cada
um de nós e a nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas
ações, em uma prática ética e política que deseja a liberdade, a justiça e a felicidade
para todos, for importante, então nós podemos dizer que o ensino da filosofia é
um dos mais importantes que os jovens possam receber. (Palmas.)
É muito
importante essa referência que eu fiz à ética e à política, porque a ética e a
política pressupõem que o sujeito ético e o sujeito político são seres dotados
de pensamento, linguagem, desejo e capacidade de agir em função dos
sentimentos, dos desejos e do pensamento racional.
É sobre esse
solo que a ética e a política se erguem, isto é, seres dotados de razão,
vontade, responsabilidade e liberdade, essas quatro características que nós não
podemos perder de maneira nenhuma. Nós temos que conquistá-las continuamente.
São elas que fazem com que a filosofia se dedique à questão da ética e da
política e, por isso, ela se ergue contra a violência. (Palmas.)
O que é a
violência? A palavra violência vem de uma palavra em latim, “vis”, que
significa: 1 - tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum
ser; violência é desnaturar alguém. 2 - Todo uso da força contra a
espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém; é coagir, torturar,
brutalizar.
3 - A violência
significa todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa,
valorizada positivamente por uma sociedade; é violar. 4 - Todo ato de
transgressão contra aquelas coisas e ações que alguém ou uma sociedade define
como justas e como um direito.
Consequentemente,
a violência é um ato de brutalidade, sevícia, abuso físico, abuso psíquico
contra alguém e caracteriza as relações pessoais e sociais definidas pela
opressão, pela intimidação, pelo medo.
A violência se
opõe à ética, porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem,
de liberdade, como se eles fossem coisas, isto é, como se fossem irracionais,
insensíveis, mudos, inertes e passivos. E a violência se opõe à política,
porque trata seres racionais, sensíveis e livres como se fossem objetos
inertes, obedientes e oprimidos e capazes de exercer opressão.
Na medida em
que a ética e a política são inseparáveis da figura do sujeito racional,
voluntário, livre, responsável, tratá-lo como se fosse desprovido de razão,
desprovido de vontade, desprovido de liberdade e desprovido de responsabilidade
é tratá-lo como um não-humano, como uma coisa, fazendo-lhe violência em todos
os sentidos da palavra.
E nós podemos
constatar que as novas tecnologias eletrônicas são violentas nesses cinco
sentidos, pois não estimulam a racionalidade, a liberdade e a responsabilidade,
substituindo-as pela moral do rebanho que nos desumaniza.
Por isso, é
importante o ensino da filosofia para os jovens”. (Palmas.)
A
SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Bem, eu
acredito que todos nós sairemos daqui com muita reflexão. E reflexão mesmo, em
cima do que ocorre na rede pública do estado de São Paulo, no Brasil, podemos
assim dizer, exatamente por esses grupos que transformaram a sala de aula em um
espaço de plataformização.
E tiraram, na verdade, aquilo que é
mais lindo no espaço da sala de aula, que é ministrar a aula, sentir o aluno,
ler no rosto do aluno, se ele está gostando ou não da nossa aula. E fica
rodando aquele treco lá, fica rodando, e o menino fica ali desesperado,
tentando entender, e vai mostrando quantidade e não qualidade.
Então, professora doutora, minha sempre
professora Dra. Marilena Chauí, a sua aula magna vem ao encontro exatamente
para que nós... Isso é um início necessário de uma reflexão profunda do que nós
estamos passando nas escolas públicas do estado de São Paulo, que estão
coisificando as pessoas e personificando os aparelhos todos. Eles
personificaram, e nós viramos coisa. E é contra isso que nós vamos lutar.
Nós queremos, sim, a tecnologia como um
meio, mas não como um fim. Nós queremos fazer o uso dela com a nossa razão e
não com a razão de quem a produziu, porque senão, desta forma, nós vamos
coisificar coisas o tempo todo, nos tornarmos coisa. Isso é marxismo, eu não
sou tão marxista, mas ele fala da coisificação e da personificação.
Mas, em todo caso, eu não quero ousar,
porque eu quero ainda ter dúvida de muita coisa. Como disse você já de início,
a filosofia nos permite isso, duvidar. A dúvida tem que ser permanente.
E por ser sempre na dúvida é que eu vou
agora passar... estar sempre na dúvida... vou passar a palavra para a nossa
querida, agora pesquisadora, professora doutora, pesquisadora, neurocientista,
antropóloga, musicista e psicóloga.
Eu acho que o encontro das falas aqui
vai nos dar possibilidade de poder sair daqui com o intuito de dizer que nós
precisamos fazer alguma coisa nesse contexto triste, violento, sobre o qual
vivemos.
Muito obrigada.
Passo, então, para você, mãe Vira.
A
SRA. ELVIRA SOUZA LIMA - Boa noite. É um
prazer muito grande estar aqui, é enorme. Agradeço o convite, a possibilidade. Eu
que vim da escola pública de São Caetano do Sul, minha vida inteira foi na escola
pública. É um dever estar aqui para dialogar e para poder ver se consigo
contribuir em alguma coisa com a nossa pobre neurociência aqui. Mas eu queria
trazer...
Estava lembrando, Marilena, que eu tive
aula de filosofia no ensino médio, quando estávamos na outra ditadura, um
pouquinho antes do AI-5. E foi uma diferença enorme na nossa vida toda. Todos
nós ainda temos contato.
Tive a oportunidade de estudar
filosofia e sociologia enquanto eu fazia científico. Naquela época, era “científico
clássico”, mas nós tínhamos filosofia durante os três anos, antes da reforma,
que já começaram a acabar com a nossa escola pública, com as reformas que
começaram por ali. Eu queria...
Estava aqui pensando, e vou conversar
com vocês um pouco, talvez sendo um pouco otimista, no que vem antes de chegar
a ser jovem, ter filosofia e estar no ensino médio, o que nós temos aprendido
com o estudo do cérebro.
A primeira coisa que eu gostaria de colocar,
e que está muito em moda aqui no Brasil - eu vim para o Brasil ano passado. Está
uma moda de neurociência, de função executiva, de tudo no TikTok, no Instagram,
tudo é cérebro.
E recebi um documento recente que diz
que o professor tem que desenvolver a função executiva dos alunos. O pessoal
vai pegando - não é só fake news, não, são os negócios que inventam assim.
Isso traz um problema muito grande, com
a banalização da neurociência, que esse cérebro existe pairando sem um corpo, e
é o corpo que aprende. Exatamente o que a neurociência tem em 50 anos de
pesquisa, graças aos avanços tecnológicos, aí vem a questão.
Hoje nós podemos estudar o cérebro em
funcionamento na pessoa viva, uma coisa que em 200 anos de neurologia nunca se
pôde fazer. Nós não tínhamos acesso, estudávamos comportamento, fazíamos
comparações, as patologias.
Hoje vemos o cérebro da criança no
útero materno, formando memórias, como é que ela reage ouvindo música, como é
que ela reage ouvindo contar história para ela, e que esse bebê, quando nasce,
nos primeiros dias ali, pode ser nas primeiras horas, pega aquela historinha
que a mãe contou para ela várias vezes, principalmente a partir do quinto mês,
e ela conta junto com outras quatro ou cinco histórias, e o cérebro dela só
reage à história que a mãe contou.
Não que ela saiba que era da “Chapeuzinho
e do Lobo Mau”, mas aí ficou já muito claro que somos seres de narrativa,
reconhecemos melodia, reconhecemos voz.
Quando comecei na psicologia como
pesquisadora, era ler no lápis, na canetinha, olhava, anotava; depois avançamos
com vídeo, umas máquinas enormes. Jamais imaginei que fosse chegar na minha
vida a ter esse avanço graças à tecnologia, que nos permite pensar a inclusão
hoje de uma maneira completamente distinta.
Hoje nós sabemos que o autista severo,
sem fala, pode ser alfabetizado, pode ir para a universidade, se forma em
jornalismo, faz programa de televisão. A visão que temos da possibilidade do
ser humano é muito grande.
Nós temos 86 bilhões de neurônios. A
contagem anterior era de 100; estamos discutindo, mas 86 é bastante mesmo. E
cada neurônio pode chegar a fazer dez mil conexões. Ou seja, temos uma
capacidade de aprendizagem que usa o corpo todo, e de pensamento.
Isso se constitui, segundo uma biologia
da espécie. Então, a primeira coisa, assim, todas essas áreas que estudei não
deveriam ser tomadas como maiores que a pedagogia. Infelizmente, no Brasil é.
Cheguei aqui no ano passado, fui
entrevistada por um órgão de comunicação e ele falou assim: “o negócio da
alfabetização na idade certa e não sei o quê, me dá uma evidência científica”,
porque agora eles querem evidência científica até de brincar. Porque,
cientificamente, é bom para a criança brincar; porque agora é tudo assim,
evidência científica.
E aí comecei eu, que trabalho há mais
de 40 anos com prefeitura, com o estado... estive no MEC, mas sempre faço
questão de ir para a escola. Estive lá em Guarulhos, estou sempre na escola com
o professor, porque se nós quisermos conhecer o fato, o evento científico, tem
que ir lá onde acontece. Por isso que eu fui fazer antropologia também.
Então, a
questão é que o repórter... Eu falei para ele, eu comecei a contar uns negócios
assim, que deu certo a alfabetização, que todo mundo, as crianças, os estudantes
- está dando certo - estão lendo e tal. “Não, doutora, a senhora é cientista, a
senhora é neurocientista, eu quero que a senhora fale fatos científicos”. Eu
falei: “Eu estou falando fatos científicos”. Porque aqui no Brasil - você já
viu a nova? - tudo é evidência científica, ninguém fala de qual ciência.
Evidência
científica parece que é uma coisa assim, que foi provado por não sei quem que
está lá oferecendo curso de 47,99 no Instagram de neurociência e, depois que
você faz, você vira neuropsicopedagogo, “neuro não sei das quantas”.
Então, nós precisamos
tomar muito cuidado com isso: essa vulgarização do conhecimento científico que
mais uma vez cai na cabeça dos professores, porque eu sou da geração em que a
psicologia caiu na cabeça dos professores.
Tudo era teste
de QI, tudo era problema emocional - não era isso gente? -, aptidão, “vamos
fazer isso, não sei o quê, vamos medir, medir, medir”. Agora a nova moda é...
Nós passamos pelo período do eletro, “faz eletro nessa criança, porque eu acho
que ela tem problema”, agora nós estamos na fase do autismo e TDAH. São fases
diferentes da medicalização da pedagogia.
Então, você
colocou ali os problemas da Educação. O primeiro que nós temos, neste País, é
entender que a ciência que se ocupa disso é a pedagogia, e que nós que fazemos
a pesquisa, que trabalhamos em outras áreas, fazemos contribuições - a gente
discute, certo?
Uma das coisas
que eu mais gosto da neurociência internacional, antes da pandemia, é a gente
ter chegado já em uma discussão - é evidência científica de muita pesquisa no
mundo ocidental e oriental, porque eu também acompanho, na medida do possível,
o que acontece na China, nos países orientais - em que um professor é realmente
o eixo chave da construção de conhecimento de desenvolvimento humano da
criança, desde o bebezinho, do primeiro dia que ele nasce. Isso antes da
pandemia.
A pandemia, com
toda a desgraça que foi, só veio confirmar isso. Eu estava na Europa, segundo
mês de isolamento na Europa: “meu Deus, a escola faz falta”, “nós precisamos de
escola”. Daqui a pouco, os jovens, que estavam dando graças a Deus que não
tinha escola, todo mundo querendo voltar para a escola.
E aí pais,
professores com seus filhos em casa - vi reportagens divertidíssimas - que não
dão conta de dois filhos em casa. Teve aquele casal em Recife que a notícia
chegou lá em Portugal... eles falaram que pediram para a escola particular
dobrar o salário do professor, porque não aguentavam os filhos deles, nunca
pensaram que seria tão complicado. (Palmas.)
Então, nós
percebemos... Mas é um negócio que, como a gente vê na antropologia, nós vemos
o professor, na antropologia, como um ser humano adulto que garante a
continuidade da espécie.
E aí eu vou
dizer para vocês um pouco de como nós sabemos o quanto que a nossa espécie pode
aprender e constrói comportamentos e algumas coisas que... Até o uso de celular
é um comportamento cultural. Então, nós temos essa questão de que o ser humano
pode aprender muito.
Gente, autista
severo e sem fala faz programa de televisão no Canadá de entrevista. Por que?
Porque os avanços tecnológicos fazem com que ele digite no iPad, aquilo fale e
ele entreviste o outro. Gente, é um mundo maravilhoso. Nós não olhamos mais a
inclusão como uma impossibilidade, porque as possibilidades são inúmeras.
Eu poderia aqui
passar a noite falando para nós, já idosos, o que é que faz eu aprender isso,
sabe? “Como é que a gente lida com menopausa, não sei o quê”. Nós sabemos que
nós temos uma capacidade muito grande de formar comportamentos - como ela
recitou ali do Paulo Freire -, de tolerância. São coisas que não têm genética.
Então, eu vou
falar para pais, principalmente de escolas particulares daqui em São Paulo, e
eles falam: “não, porque o celular isso, não sei o quê”. Eu falei: “gente, não tem
DNA, nós não temos genética para o celular, nós temos genética para falar.
Se alguém falar
para a gente, nós já temos um aparato para falar, certo? Nós temos genética
para engatinhar, ninguém precisa engatinhar na frente do bebê para ele sair
engatinhando atrás, nós temos genética para a música, nós temos um cérebro
musical, certo? Um bebê chora em notas musicais, gente, em tons”.
O Mozart - tem
na biografia do Mozart, eu até publiquei isso, porque eu acho fantástico -
percebeu que, tocando o piano em uma tonalidade, se ele mudasse a tonalidade, o
filhinho dele mudava o choro para aquela tonalidade. Em vez de atender o bebê,
ele ficava mudando a tonalidade do piano. Isso está na biografia do Mozart.
Hoje, nós
sabemos que o choro do bebê é em tonalidade musical. Nós, antes de falarmos,
fazemos, construímos - não é isso? - a música da nossa língua. Então, isso está
na genética da espécie, temos um cérebro musical, não é isso?
Nós temos a
teatralidade - Marilena falava do corpo. Nós somos absolutamente teatrais, nós
sabemos usar o corpo desde o... Até o bebezinho. Os gêmeos, a gente tem um
estudo de gêmeos, que hoje dá para estudar os dois lá dentro, ou três. Nós
temos um corpo que expressa, e é porque expressa que consegue comunicar com o
outro.
A questão toda
da espécie humana, vou falar aqui para vocês, é a comunicação com o outro,
porque nós somos uma espécie biologicamente social. Isso foi dito há 100 anos pelo
Wallon e hoje a gente tem a comprovação, porque nós temos partes do cérebro
que, conjuntamente, formam o que nós chamamos de cérebro social.
Então, assim, a
possibilidade humana é muito grande. Agora, grande parte dela nós só vamos
fazer ser realizada se nós tivermos um professor, se nós tivermos um mestre, se
nós tivermos alguém que ensine, porque não há genética para isso.
Então, eu tenho
genética para a música - “Vamos cantar?”, todo mundo canta, afinado ou
desafinado, mas cantando -, tocar um instrumento, ler partitura, compor etc.
Fora aqueles Chico Buarque da vida e Tom Jobim. Você estuda, você desenvolve,
mas nós temos um cérebro musical.
Nós temos essa
teatralidade que vai se expressar na vida. Por exemplo, quando a criança brinca
de faz de conta, não é isso? Nós, na juventude... Não sei a juventude de hoje,
mas a minha era muito ligada ao teatro, porque, naquela época, nós tínhamos um
teatro.
Antes que todo
mundo partisse para o exílio, a gente tinha a “Arena”, a gente tinha o “Ruth
Escobar”, a gente vivia, a gente vinha de São Caetano de ônibus. Era, assim,
matéria da nossa vida ir ao teatro. Ir ao teatro na periferia, em Santo André,
em São Caetano. Quer dizer, nós tivemos essa... A teatralidade está na espécie.
Então, isso todos nós temos.
Desenhar está
na espécie. Todo ser humano desenha, não precisa ir à escola. Tem um livro sobre
isso: o bebê, desde que consiga manter o corpo, a musculatura, começa a traçar.
E não é rabisco
e nem garatuja não, são composições gráficas. E também ninguém precisa falar
para a criança e o bebezinho, nem fazer para ele na frente para ele ficar traçando
e desenhando, desenhando, desenhando.
Tudo isso é
porque nós temos sistemas expressivos, nós temos formas dadas pela genética da
espécie - é aí que eu tenho bastante esperança, Marilena - de expressar as
emoções que a gente sente, porque a base das artes são as emoções. Então, arte
é trabalhar com emoção. A emoção é aquilo que garante a sobrevivência da
espécie.
O que é que
está lá?
A SRA.
PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Leia para nós o que está aí. (Palmas.)
A SRA. ELVIRA SOUZA LIMA - Vai
que é contra mim? Pelo amor de Deus!
A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Não,
não. Ele está falando lá: “Professor...” O quê?
TODOS - “Vocês são incríveis.
Parabéns pelo seu dia!”
A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Ah,
que legal. (Palmas.)
A SRA. ELVIRA SOUZA LIMA - Então,
ouvindo a Marilena, eu fiquei pensando: “gente, já vou chegar lá na Europa, já
vou chegar nas reuniões que eu tenho que fazer e vou falar que arranjei mais
uma coisa pela escola, porque, na verdade, como que nós chegamos, e é o que já
está acontecendo na Europa... como nós chegamos nesse jovem?
Não precisa
chegar lá com a filosofia, mas que venha um encaminhamento do desenvolvimento
sensível que nós temos a partir da educação infantil, essa educação infantil
que hoje virou fazer letrinha com quatro anos, quando a criança...
Nós temos uma genética para desenhar,
certo? E essa genética vai, a criança vai fazer assim, depois vai fazer o
ângulo, ela vai fazer o círculo, e isso tem idade certa, determinada, três
anos, quatro anos, faz o quadrilátero com os ângulos retos, tudo meio tortinho,
depois vai melhorando, aí faz o triângulo. Isso vai dos três aos sete, aí, com
sete anos, a criança está pronta para escrever, não aos seis.
Nós enfiamos a criança na escola, olha
só, que os colegas de vocês, de milênios atrás, que vocês têm colegas que são
milenares... Então a escola começou há cinco mil anos, pedagogia é uma ciência
que existe há cinco mil anos.
Embora a gente fale que a pedagogia é
moderna, começou com Comenius etc.. Tem arqueólogo - eu gosto de arqueologia
também, porque quem está na antropologia vai um pouco para arqueologia - que
está defendendo a tese de que nas pinturas das cavernas, 20 mil anos atrás, 30,
já havia professor, porque a maneira como estão feitas as coisas na caverna não
podem ter sido espontâneas, todo mundo, porque existem padrões que devem ter
sido partilhados. Então essa é uma tese bastante interessante.
Nós estamos lidando aqui com... Vocês
que são milenares, às vezes a gente entra na instituição, parece que entrou ano
passado, o Brasil parece que começou a alfabetização em 80, não é isso?
Quando a gente traz um outro método
aqui, parece que não existiu. Eu fiz a escola primária. Nós aprendíamos todos
os domínios da linguística no primeiro ano: sintaxe, semântica, morfologia,
fonologia - não é isso? -, léxico e prosódia.
Hoje eu estou aqui trabalhando com
crianças de 5º ano, 7º ano, gente, e de escola particular também, que não sabem
nada além da fonologia. Então, não é possível, é isso que você falou, nós fomos
enxugando, enxugando, enxugando.
Então, me parece que a escola tem que
ter, o Nicolelis fala que a gente tem que ter um renascimento, acho que o
renascimento agora vai sair da escola, porque nós temos um cérebro, desde a
primeira infância, desde bebê, pronto a receber do outro, pronto a partilhar
com o outro, isso é uma coisa incrível.
O bebê, da hora em que nasce... Gente, o
cérebro leva dois anos para entrar tudo em funcionamento, não entra tudo assim,
na hora, vai entrando, mas na hora em que o neném nasce entra em funcionamento
uma partezinha muito pequena, que fica aqui, ó, especializada em perceber o
rosto humano. Nós vamos usar isso a vida inteira, ela só faz isso, esses
neurônios estão ali para perceber o rosto do outro.
Na antropologia, a gente já tinha isso,
mas se você for olhar na literatura, eu não sei, a literatura é a grande mestra
que nós temos, você já tem isso, o movimento da parteira, a gente vai ver que a
ciência vai chegando onde a arte já chegou, a cultura já chegou, a cultura
popular.
A neurociência, hoje, o que ela faz de
muito bom é comprovar cientificamente, dar evidência científica a coisas que a
gente fazia antes e deixamos de fazer, principalmente na pedagogia, que são
absolutamente necessárias.
A pedagogia acumulou muito
conhecimento, gente. São cinco mil anos de tentar ficar ensinando aquelas
criancinhas a escrever em cuneiforme, não é isso? No barro. Já passaram por situações
piores que a nossa, porque, quando você olha aquelas tablitas, mas olhem bem,
as tablitas tinham linha, tudo que você vai olhar tinha linha, tinha espaço,
tinha organização.
Aí nós chegamos aqui, faz uns 20 anos
que nós tiramos, não tem que ter linha, escreve de qualquer jeito. Coitado, o
olho, o cérebro, não dá para perceber esse negócio que sobe e desce. Então são
essas coisas que a neurociência vem nos ensinando.
Então, veja bem, há um caminho da
primeira infância do bebê, essa areazinha que percebe o rosto do outro é por
onde o bebê se guia. Há um monte de pesquisa na antropologia biológica
mostrando que leva 10, 15 minutos para um bebê que acabou de nascer encontrar o
olho do outro e ali parar, porque começa a comunicação ali.
É essa comunicação que vai fazer com
que a gente dialogue com o bebê. É ou não é, gente? Ele olha para lá, a gente
olha para onde ele olhou. Na pandemia não foi assim, gente? Nós perdemos isto
aqui para interpretar o outro, ficamos só no olho, a visão.
A gente falava que o bebê não enxerga,
quando eu cuidava dos meus irmãos, porque eu sou irmã mais velha, “ele não
enxerga até cinco meses”. Enxerga, o bebê enxerga. É lógico que não enxerga lá,
profundidade vai demorar dois anos para fazer. Se não fizer nos dois primeiros
anos, some.
E o que nós temos hoje? Criança no
celular. O problema começa aqui, ó, dar o celular. Isto aqui é um objeto
cultural, gente. Objeto cultural, eu determino o uso dele. Então, eu vou dizer
que nós estamos muito equivocados no uso dos aparatos tecnológicos que foram
criados, muito equivocados. (Palmas.) Você entra em um avião, o bebê com uma
criança de dois anos, a mãe tira um iPad para um e um celular para o outro. Gente,
não é possível.
Então qual o movimento que a gente está
tendo na Educação, na Europa, agora? Tirar o celular. Educação infantil. A
medicina está dizendo: nada de tela para uma criança de até dois anos, nem
televisão, nem celular, nem iPad, nada, porque essa criança vai fazer o quê?
Ela vai brincar, ela vai se entediar,
ela vai aprender a lidar com o ócio, ela vai movimentar o corpo dela, porque o
que esculpe o nosso cérebro é, primeiramente, o movimento, certo?
Então, nós temos uma espécie que nasceu
para se movimentar, engatinhar, fazer isso, não sei o que, não sei o que lá. O
celular, em si, não é do mal, nós é que estamos fazendo um uso equivocado, não
é isso?
Por que estão tirando os celulares das
escolas todas na Europa agora? Por que tiraram a tecnologia dos iPads e não sei
o quê? Porque todo mundo fica animado, gente; nós brasileiros, mais ainda. É
novidade, vamos dar.
Ah, vai dar iPad para todo mundo, vamos
dar não sei o que para todo mundo. Por que a Suécia tirou tudo e, pela primeira
vez, as crianças lá de 14 anos estão pegando o livro de papel na mão? Vão ver
as entrevistas, vão ver as pesquisas que estão sendo feitas. Estão adorando. Por
quê? Porque é fácil de voltar, porque agora dá para a gente procurar.
Gente, nós inventamos... nós tivemos
tecnologia sempre, nós inventamos coisas fantásticas. Não é porque surgiu uma
outra, agora tira tudo e vamos botar isso aqui. Então tela não é só questão do
conteúdo, porque aí também tem outra coisa, redes sociais também são uma opção,
porque isso é muito útil, certo?
Eu assisto palestra, aula que eu
preciso ver, com o cara que está em Paris. A possibilidade tecnológica tem que
ter sabedoria; não está tendo, nós estamos absolutamente emburrecidos com esse
uso dos equipamentos. Então vamos tirar, escrever com a mão, vai na tecla.
Está certo, o autista severo vai ter
que ser, o autista severo se alfabetiza, escreve livro e tudo, porque agora tem
o bendito computador aqui. Ele podia fazer na máquina de escrever, não é, gente,
tec, tec, tec, mas não é só isso que o autista está fazendo, o severo se comunica
com a família, eles têm diálogo; ele dialoga, é um outro uso do WhatsApp. Então
a tecnologia tem dois lados, eu não posso... Primeiro que não vai sumir, certo?
Agora as pessoas começaram a entender,
quem começou a entender? Os professores. Não é porque a neurociência está
falando, e a medicina, que bebê não tem que ter tela e que de três até sete
anos, olha só, meia hora por dia. Qual a idade para entrar em redes sociais? Dezesseis
anos, porque aí você já formou o pensamento.
Quando você estava falando, Marilena,
veja o vocabulário que você precisa ter para você pensar filosoficamente,
certo? Nós temos que formar, nós temos dois sentidos internos, nós temos a fala
interna e a imagética visual, a gente pensa por imagens, não é isso, gente? E a
gente fala com a gente mesmo.
Aliás, o professor é aquele que nunca
cala aquela voz, não é? Está sempre falando, está sempre falando consigo mesmo.
Minha mãe foi professora alfabetizadora e ela, há 35 anos, 42 crianças naquela
época, eram 42 alunos da escola pública todo ano, e tem uma aluna que ela não
conseguia alfabetizar. Minha mãe está com 98 anos, até hoje ela fica falando: “mas
aquela menina eu não conseguia alfabetizar”.
Vai morrer, vai para o túmulo com a
menina que ela não alfabetizou, porque professor tem essa... É por isso que, na
antropologia, a gente fala que tem essa questão da formação humana.
E hoje está muito claro na neurociência
quão profundo e quão denso é a ação do professor, porque, além dessa areazinha
que percebe o rosto humano, que vai ficar o tempo todo ali nos acompanhando,
nós temos uma coisa que se chama neurônios de espelho.
Eles foram descobertos na década de
1990, mas é lógico que a gente já sabia antes. O Peter Brook, um grande
teatrólogo, já falava que a neurociência está descobrindo o que o teatro já
sabe há muito tempo. Lógico, você tem que entrar em comunicação com o outro. Só
que a gente... Hoje, sabemos que todos nós...
A natureza é muito democrática, viu,
gente? Todo mundo tem o mesmo número de neurônios, as mesmas partes no cérebro,
a menos que tenha alguma patologia, algum acidente e tal. Todo mundo, todas as
raças, todas as cores, tudo é igual.
O que vai determinar o seu mapa
neuronal, esse órgão que nós temos, com todas as possibilidades, vai ser a
nossa vida de cultura, a nossa vida social. A maior parte das conexões que são
feitas entre os neurônios do nosso cérebro, vem do que a gente tem desde o
momento em que a gente nasce, as línguas que se ouve, o movimento que se faz, a
música, o que a vida... Não é isso? Nós vamos constituindo, e mesmo em gêmeos
idênticos não há o mesmo mapa neuronal.
Nós podemos pegar o mapa neuronal, é
tão individual quanto a impressão digital. Então, cada um de nós é um indivíduo
e, ao mesmo tempo, fazemos parte desse coletivo. O que fazem esses neurônios
espelhados? Já existia antes, agora sabemos a existência.
Mas dá para entender porque a gente
imita, porque nós sabemos ler o outro, porque nós temos empatia, porque a gente
prevê o que o amigo vai dizer, porque você muda a sua conversa quando você quer
falar alguma coisa, você vai fazer uma fofoca, mas a reação do outro é você já
ficar quieto.
Quer dizer, nós julgamos o outro e
vamos... Porque nós temos elementos biológicos para fazer isso. Então, o
neurônio e o espelho é mais ou menos assim. Eu faço assim com a minha mão e
estou movendo seis áreas do meu cérebro para fazer isso. Vocês não estão, mas
nesse momento o cérebro de todos vocês está movendo as mesmas áreas.
O nosso cérebro, ele mimica nos
neurônios o que o outro está fazendo. Imagina você, professor, lá na frente,
imagina seu aluno que está te vendo quatro horas por dia. Não é o que você está
falando, não é o que você planejou, é o que você é, é o que você expressa, também
é formativo. Nós formamos.
Então, veja bem, para eu chegar a
usufruir da beleza que é, porque acho que filosofia devia estar no curso de
pedagogia, devia estar em todo lugar e o teatro também. Para eu usufruir disso,
preciso ter um acervo de vocabulário na minha fala interna. Tenho que ter não “tipo
assim” ou “meio o quê”, gente, porque está tudo meio assim, não é isso? Porque
eu trabalho com aquisição de escrita, tenho um projeto de escrita há 40 anos.
A condição é a seguinte aqui no Brasil.
No Brasil tem um fenômeno assim, sumiu a subordinação. (Vozes fora do
microfone.) Não, sumiu, não tem sintaxe básica. Sumiu pontuação; sumiu
pontuação, gente. Olha, eu tenho milhares de anos trabalhando com escrita em
escola particular aqui, nos Estados Unidos, que eu morei lá, na França; chega
no Brasil, não há mais pontuação. Não há nenhuma pontuação.
Gente, foi uma conquista inventar a
pontuação, porque, quando você pega a história da escrita, a escrita não
começou bonitinha assim que nem está agora, porque ela está ótima, com
segmentação, com pontuação. Nós sabemos que o cérebro vai pela ortografia.
Eu não posso enganar meu cérebro, se é
com dois “S” ou põe um “C cedilha”, porque ele vai formar memória disso, depois
você não reconhece. E nós estamos aí fazendo as crianças fazer hipótese de
escrita e ficar vendo até quando ela vai chegar a fazer alguma coisa. Quinto
ano está fazendo hipótese de escrita. Está escrevendo para a escola. Estou
dando exemplos práticos. Para “E”, junto aqui, e “Cola” aqui.
Não está escrito para a escola. O
cérebro está escrito para “E” e “Cola”. Nenhum lugar você vai encontrar isso
aí. Então, entender o que é escrito, o que é linguagem. Nós somos seres de
linguagem.
Fui lá na faculdade de medicina
conversar, porque os meninos, os alunos, não estão entendendo os textos. Sério
o negócio. Fiquei conversando com eles. Falei: “o que vocês estão estudando
agora na fisiologia? Estão estudando o esôfago. E o esôfago?” Então, o rapaz
falou assim, o esôfago é tipo assim.
Eu falei, não quero você de médico,
porque se é tipo assim, pode ser qualquer coisa. Então, a linguagem, a palavra,
gente, é muito importante. Qual é a palavra na linguística com verbo? É o verbo
de ação. Então, o verbo de ação é que vai pedir o objeto indireto ou ser
bitransitivo. (Palmas.)
Então, nós estamos ensinando... Como é
que você chamou o negócio? O desafio. O desafio da Educação em São Paulo, pelo
menos, que é o que eu conheço melhor, mas eu trabalho em várias partes do Brasil,
é ensinar a criança o que ela tem direito: a linguagem. (Palmas.) A linguagem.
Então, eu tenho cadernos... É um negócio seríssimo, porque eu tenho meus
cadernos de primário ainda.
Estou juntando cadernos daqui da escola
pública de São Paulo - já vou acabar, acho que está na hora - de 70, 71, tinha
até trazido aqui para mostrar. Cadernos daquela época, porque fico pensando,
eram 42 alunos, só tinham professor na sala de aula, diretor e vice-diretor,
não existiam os outros cargos.
E todo mundo, no dia 15 de outubro,
recebia o livro, a festa do livro, vai ganhar o livro, porque está todo mundo
lendo, todo mundo escrevendo. Por quê? Porque havia uma docência explícita,
porque essas professoras eram formadas na escola normal, que ensinava a
professora a ser professora.
Então, a questão é a seguinte, nós
temos um contínuo, porque lá, agora, nos países nórdicos, eles têm matéria
mesmo do currículo de trabalhar com os alunos a compreensão do fake news.
Então, para mim, estou saindo daqui iluminada
hoje, porque há a solução para tudo isso. É a própria escola. E se é a própria
escola, são vocês, professores. (Palmas.) Já está...
Assim, se eu tenho neurônios de espelho
com essa função de entrar na comunicação com o outro, se eu tenho essa área
especializada em perceber o rosto humano, a criança, quanto menor ela for, mais
ela usa.
Se eu tenho um sistema emocional que
pega o cérebro todo, e essa emoção não é que nem falava na psicologia, a emoção
está presente em tudo. Ela modula a memória, ela está na atenção executiva que
eu preciso...
E fico falando para o professor ensinar
atenção executiva para os alunos. Façam atividades que envolvam emoção, desde a
criança pequena até a juventude: teatro, música, literatura, poesia. Gente, não
tem nada que pegue mais todas as áreas do cérebro do que a poesia, sabia disso?
A metáfora é uma dessas coisas mais
sofisticadas que nós fazemos. E a metáfora, para a minha grande surpresa, antes
de entrar - estou há quase 50 anos na neurociência - não é uma questão só da
poesia e da literatura, ela está presente na escultura, ela está presente na
ciência.
A gente tem muito... O mundo de estudo
do cérebro, embora muito inicial ainda, 50 anos, é uma coisa fantástica. Nós
descobrimos que temos a potencialidade para ser esse sujeito mais cidadão, mais
tolerante, porque também nós temos tanta pesquisa mostrando que a criança não é
racista, que ela é solidária, que ela divide as coisas até quatro anos.
Muitas coisas, nós que estamos
ensinando. Nós temos que entender que o avanço tecnológico é um ganho da humanidade.
Aprender a usar direito também é uma responsabilidade nossa.
E onde é que se forma a coisa tão
importante da escola, é o seguinte. É Yasmin o seu nome? (Manifestação nas
galerias.) Ela falou que ficou 12 anos dentro da escola. Doze anos, você fica
dentro da escola. O cérebro de vocês está amadurecendo, não acabou ainda. Até
os 20 anos ele está amadurecendo. A sua vivência na escola faz parte da sua
pessoa, a gente queira ou não.
Nós somos a escola, porque os dois
primeiros anos, se você for para a creche, aquela vivência que você teve lá, as
pessoas que tem, a música que cantou, o afago, tudo vai fazer parte da sua vida,
porque esse cérebro, você falou que sai transformado. Professor, coitado, tem
um cérebro...
Por isso que em outubro vocês não
aguentam mais nada. Você entra na sala de aula, seu cérebro muda até a hora que
você sai. Porque o nosso cérebro não é parado. Os neurônios estão ali, para o
bem ou para o mal. Sabe quando você vai para aquele dia da aula - às vezes acontece
- e você fala “hoje não vai dar”?
Quando você entra e começa aquela coisa
humana, você esquece tudo, porque é uma atividade extremamente humana, que
merece ter uma formação adequada. E nós trazemos, dentro de nós, os anos todos
que nós passamos na escola.
Agora, eu sempre falo, que falta de
criatividade! Porque passa 12 anos para fazer o ensino fundamental, o ensino
médio, depois não sei quantos na universidade, depois faz não sei o quê. Se
formou profissional, para onde vai? Para a escola. Aí vai ficar até a
aposentadoria.
O conhecimento, não tem outro jeito.
Sempre estou defendendo isso. Conhecimento, lá no MEC... eles ficavam falando
que eu vivia defendendo professor. O conhecimento pedagógico que tem um
professor, porque muito professor fala assim para mim: “eu fui pela intuição”.
A intuição é cientifica.
Você juntou um monte de elementos que
fazem você tomar a decisão. Agora, quando tiram a decisão do professor, aí o
negócio é sério. É muito sério. (Manifestação nas galerias.) É sério para ele,
é sério para a criança que ele está formando, para o jovem que ele está
formando.
Porque tira exatamente o poder de
decisão, a questão de decidir as coisas, que então eu vou ler ali. Não só filosofia,
mas eu sou muito adepta de ler literatura. Porque literatura é que nem a Cate
Blanchett falou quando ela ganhou o prêmio. Vocês viram? Ela falou: “nós
estamos vivendo tempos problemáticos, tenebrosos. Eu busco a minha coragem com
Clarice Lispector”.
Esse é o maior recado que nós temos
para nós. Ou nós entendemos que o desenvolvimento do cérebro é biológico e
cultural, e que nós temos uma pedagogia brasileira que foi interrompida...
Nós tínhamos um caminho pedagógico.
Tinha ou não tinha, gente? Constituindo até... Depois nós tivemos uma ruptura. Aí
fica pegando coisa daqui, avaliação de um país daqui, pega a alfabetização não
sei de onde. E nós tiramos a identidade nacional da nossa pedagogia. Esse é o
grande desafio, porque o próprio desenvolvimento de cérebro é função da
cultura.
Agora vou terminar dizendo uma das
tristezas da minha vida. É ver que, cada vez mais, nossa cultura brasileira é
currículo nos outros países, e não é no Brasil. Se você for para a China hoje,
as criancinhas de cinco anos - está no currículo - estão aprendendo piano, não
sei o que, têm que tocar “Tico-Tico no Fubá”. Alguém aqui sabe tocar? Tem que
fazer assim como a mão, e ainda saem dançando. Elas saem dançando.
Você vai no Japão, os jovens do Japão
têm que aprender... Não é que têm que aprender, faz parte do currículo deles a
música popular brasileira. Aí você vai para os Estados Unidos, os alunos estão
lendo Malba Tahan.
Ninguém nem sabe que Malba Tahan é
brasileiro. Clarice Lispector, eu tive alunos... nos Estados Unidos, tive uma
aluna que falou: “eu aprendi Clarice Lispector, porque eu queria ler no
original”.
E a gente, eu inclusive, fala mal dos
americanos. Aí você vai para a Dinamarca, para o raio que o parta, no fundo de
não sei o quê, entra na casa de um físico, ele tem uma prateleira de Clarice
Lispector.
As crianças, na França, leem Machado de
Assis no quinto ano. Nem falo quantos autores indígenas hoje são currículo
obrigatório. “Meu Pé de Laranja Lima” vendeu 400 mil exemplares na China, e faz
parte do currículo obrigatório de leitura. Monteiro Lobato, Rubem Fonseca,
Clarice Lispector, “Meu Pé de Laranja Lima”, tudo hit na China.
Então, ou nós entendemos que a escola é
um espaço de cultura... Porque ela é. Nós tiramos antropologia, nós tiramos
tudo isso. A gente nunca teve uma entrada da antropologia para colaborar, porque
nós tivemos a ruptura de 64, saiu todo mundo. Foram embora, desenvolver essas
coisas lá fora. Faz uma falta enorme.
Nós somos seres de cultura. É a cultura
que esculpe o nosso cérebro, e nós fazemos a opção. Então, quando eu dou isso
aqui para uma criança e deixo ela ficar cinco horas...
Porque os pais estão deixando. “Ai, meu
filho não, mas ele gosta de joguinho”. Ele não tem genética para jogar. Gosta
porque construiu o comportamento. Agora, o que está acontecendo na Europa?
Não tem mais televisão em creche, não
tem mais nada, não tem iPad, não tem celular, não sei o quê. Sabe o que tem?
Livro. Finlândia, todo mundo adora falar da Finlândia. Vai ver o que a
Finlândia está fazendo.
Todo mundo escrevendo no papel, fazendo
raiz quadrada de novo na mão. Por que as pessoas estão fazendo isso? Não é ser
reacionário. É para poder explicar o funcionamento, poder explicar a
funcionalidade que isso tem no cérebro.
Então, é na hora que você está
escrevendo que a sua mão, que é sua escrita, que ninguém imita, é um fator de
identidade. Quantas crianças que eu peguei: “não, eu já não sou bebê mais, eu
escrevo de cursiva”.
Eu tenho, nos trabalhos que eu faço, o
orgulho, porque você escreve a sua letra. Porque, de forma, é de qualquer um.
Quando você digita, é muito diferente para o cérebro. Escrever com a cursiva,
30 a 40% a mais você memoriza o que você escreveu.
Veja a sabedoria da dona Ida, a minha
professora de primeiro ano, para uma pessoa com traços de dislexia, que nem eu.
A gente tinha que escrever à mão, marcava o ponto, depois comparava.
A gente aprendia todas as atividades de
estudo no primeiro ou segundo ano. Hoje, a gente vai ensinar atividade de
estudo para quem chega no doutorado, porque não sabe fazer o livro, escrever.
Então nós temos não que ser saudosistas. Eu vou sair com um artigo sobre isso,
porque acho importantíssimo.
Eu pus a minha filha na escola pública
de São Paulo. Ela fez jornada única de dois anos, 88 e 89. O que ela fez na
jornada única, não tem mais nada de currículo hoje. Assim não é possível.
Esvaziou o currículo, esvaziou a
formação do professor. Nós temos que lutar por essa questão da dignidade. Vamos
seguir a antropologia, que diz que o professor é o ser humano adulto da espécie
que garante a continuidade da espécie.
O Vygotsky já dizia isso: “nós vamos
chegar ao final do século XX com um desenvolvimento jamais visto”. Ele estava
certo. Não foi isso, gente? Por que ele falou que vai acontecer isso? Porque
nós começamos o século XX ampliando a escola para todos.
Então, ter a dimensão do que significa
a escola, tem que ter um curso de história da Escola na Pedagogia, História da
Alfabetização. Eu fiz o maior sucesso em Nova York, porque eu dava História da
Escrita, porque os professores alfabetizadores não sabem de onde que vem. Tem
uma história. Tudo tem uma história.
Eu falava para o Celso Vasconcelos: “você
acha que está inventando grande coisa, falando que o professor é mediador, não
sei o quê? Eu tenho documento de 700 depois de Cristo, que já fala que o professor
tem que ser um mediador”.
Se a gente for olhar a história da
pedagogia, a gente vai ver que existe um acúmulo, e nesse momento que nós
estamos, ou a gente vai para o conhecimento, ou vamos ler mais, para a gente
ter mais vocabulário... nós também... mais pensamento, porque está difícil.
Porque o nosso
cérebro funciona assim, gente. Então, quem já passou dos 60, aconselho, leia
poesia todos os dias. Quem está entrando na menopausa, também. Mova-se. O
cérebro realmente precisa muito de movimento na primeira infância e vai
precisar muito de movimento a partir dos 60 anos.
Então, a
tecnologia tem um lado bom. Lógico que a gente tem usos indevidos, mas não
vamos esquecer que isso aqui é cultural. Isso é um objeto cultural. Do mesmo
jeito que a gente usa o copo, eu uso o celular. Certo?
A gente conhece
as histórias que você vai com o copo lá em uma tribo, em uma aldeia, vira o
copo de ponta-cabeça, põe uma vela, e eles vão achar que o copo... O objeto
cultural, nós damos o significado.
E aí tem a
juventude, que é uma idade que o cérebro, gente, é talvez... A gente se encanta
com criança, mas o que é o cérebro de um jovem, a possibilidade é uma coisa
fantástica. É o último período de maturação.
Então, é uma
benção poder ser professor de jovem, porque mantém a gente também... A
criatividade, a possibilidade de criação que está ali, dos 14 até os 20 anos, é
realmente muito grande.
Então, parabéns
a vocês todos.
Não vamos
desanimar, porque dá para desanimar, mas...
A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Aguardem,
por favor, que ainda... Nós temos um vídeo da nossa querida Leci Brandão. Ela
faz questão de dar uma fala para nós.
E, até que
ponha um vídeo, eu quero dizer que a capacidade também, a leitura nos dá a capacidade
de criação. O mesmo personagem que eu crio quando estou lendo não é o mesmo que
você, mas essa é a riqueza quando a gente faz uma leitura.
Então, vocês
que estão aí em cima, não pensem que a gente está contra a tecnologia. Eu vi
que vocês aplaudiram quando... Não, a gente quer que vocês façam o bom uso da
tecnologia para que vocês possam, sim, se emancipar, ter o saber como soberania
para poder fazer...
A SRA. ELVIRA SOUZA LIMA - Deixe-me
só falar uma coisa. Na Copa de 1958 - eu que eu nasci em 1951 - a gente teve um
grande avanço tecnológico, que foi o radinho de pilha, porque a gente tinha que
pôr na tomada. Então, para nós jovens...
Foi o
acontecimento no bairro, porque a gente pôde trazer o rádio para a rua e todo
mundo ouvia junto o radinho de pilha. Então, é sempre o encantamento. O
encantamento hoje é esse.
Mas a gente
também tem que entender que tecnologia, gente... sempre houve a espécie... Ela
cria a tecnologia desde lá...
A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - E
nós temos que fazer o bom uso dela.
A SRA. ELVIRA SOUZA LIMA - Então,
eu acho fantástico poder usar a tecnologia. E, sem tecnologia, nada do que eu
falei aqui do cérebro nós saberíamos.
A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Muito
bom! Pessoal, nós vamos, então, ouvir a Leci. E aí cada um vai ler o cartaz,
porque aqui a gente está achando que está brigando com a gente. Está bom assim?
*
* *
- É exibido o vídeo.
*
* *
Agora é a vez
de vocês. Podem ler aí o cartaz. Quem que vai ler? O que está escrito? Não, eu
não consigo ler daqui. Não, sacanagem. Pode ler. Gente, o que custa dar um “up”
aí? Por favor, que eu não estou enxergando. Vamos lá.
O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS - “Professores,
obrigado por existir em nossas vidas”. “Você é o início de tudo”. “Parabéns, professores”.
“Escola Estadual República do Panamá”. “Feliz Dia dos Professores”. Tem mais? A
câmera consegue pegar mais? Acho que deu, não é? Já foi? Deu.
A SRA. PRESIDENTE - PROFESSORA BEBEL - PT - Bom,
eu quero agradecer a ilustre presença da professora Dra. Marilena Chauí, como
também da professora Dra. Elvira Souza Lima, que, para mim, foi um momento, um
encontro muito importante. Assim como você pode ver que os jovens perceberam,
os momentos deles deram feedback para nós.
E nós, que
somos professores, também entendemos a importância desse encontro, e
gostaríamos, Marilena, se assim posso chamá-la, e Elvira, de ter outra
oportunidade de a gente poder ficar um tempo, talvez, maior. Porque a gente
está necessitando fazer essa discussão com a profundidade que tem que ser
feita. Está muito “en passant”.
A gente percebe
que todo mundo está discutindo a tecnologia muito lá e também o uso ou não uso,
também muito “en passant”, e nós queremos nos apropriar desse conhecimento
exatamente para que a gente possa fazer o devido debate que tem que ser feito,
porque ficou uma tábula rasa.
Tipo, agora é
tudo tecnologia, agora corrige prova de professores ou concurso através da
inteligência artificial, e aí cria injustiças, como aconteceu no último
concurso aqui no estado de São Paulo, e a Apeoesp conseguiu, via ação judicial...
Nós conseguimos fazer com que os professores pudessem recorrer. Alguns casos
foram revistos, outros não. Então, há que se ter um aprofundamento nessa
discussão.
Então, eu
agradeço. Vamos combinar uma nova data, uma data em que a gente venha poder
fazer essa reflexão de forma mais profunda. Um seminário, essa é a ideia. Fica
aí o nosso pedido. Bom, eu vou agora ler o rito final. Eu tenho que fazer isso.
Primeiro eu
tenho que dizer, eu tenho que ser correta, que esta sessão solene foi convocada
pelo presidente desta Casa de Leis, deputado André do Prado, atendendo à minha
solicitação com a finalidade de homenagear o Dia dos Professores. E agora,
esgotado o objeto da presente sessão, eu agradeço a todos os envolvidos na
realização desta solenidade, assim como agradeço a presença de todos e todas. E
um beijo no coração de cada um.
Parabéns,
professores.
Parabéns,
professores.
Parabéns.
* * *
- Encerra-se a sessão às 21 horas 08 minutos.
* * *