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19 DE MAIO DE 2014

020ª SESSÃO SOLENE EM COMEMORAÇÃO AO “DIA DA LUTA ANTIMANICOMIAL”

 

Presidente: TELMA DE SOUZA

 

RESUMO

 

1 - TELMA DE SOUZA

Assume a Presidência e abre a sessão. Nomeia as autoridades presentes. Informa que presidente Samuel Moreira convocara a presente sessão solene, a requerimento da deputada Telma de Souza, na direção dos trabalhos, para comemorar o "Dia Da Luta Antimanicomial", que transcorre no dia 18/05. Convida o público a ouvir, de pé, o "Hino Nacional Brasileiro". Dá conhecimento de mensagens alusivas à efeméride, encaminhadas por diversas autoridades. Justifica as homenagens que seriam feitas. Lembra o trabalho pioneiro do psiquiatra Franco Rotelli, que libertou os pacientes mentais do modelo antigo de tratamento, em Trieste, na Itália. Argumenta que estamos longe de ter modelo ideal de sanidade psíquica, especialmente em comunidades carentes. Dá conhecimento de corrida, ocorrida em 18/05, na cidade de Santos. Lamenta que não se tenha abordado a luta antimanicomial na ocasião. Recorda o seu mandato como prefeita de Santos. Faz referências a Congresso dos Trabalhadores de Saúde Mental, em 1987. Faz reflexão sobre o termo "pessoas normais". Recorda que a loucura disputa conosco o equilíbrio. Lembra mudanças na Casa de Saúde Anchieta, em Santos. Informa que os pacientes mentais são a "lata do lixo" da pobreza humana, assim com os negros, mulatos, habitantes da periferia, jovens dependentes de drogas e anciãos desprezados pela família. Cita projeto, do deputado federal Paulo Delgado, de Minas Gerais, sobre novo modelo para saúde mental. Trata do desenvolvimento de medicamentos e da neurociência. Enfatiza o trabalho dos "loucutores", no projeto da Rádio Tan Tan, fato que repercutiu no "New York Times". Presta homenagem, com a entrega de placa, ao Sr. Roberto Tykanori, coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde.

 

2 - ROBERTO TYKANORI

Coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, rememora os fatos ocorridos em 1989, quando da intervenção na Casa de Saúde Anchieta. Elogia a atividade de David Capistrano, secretário de Saúde da então prefeita Telma de Souza, a quem sucedeu. Lembra seu caráter polêmico, transformador e corajoso, que criaram bases para mudanças no tratamento de pacientes mentais. Discorre sobre o entendimento da sociedade psiquiátrica de então. Lembra que a sociedade e a imprensa apoiaram o movimento. Cita a criação de comissão, na Câmara Municipal de Santos, para investigar a Casa de Saúde Anchieta. Destaca o reconhecimento do Brasil no cenário internacional quanto à reforma psiquiátrica, especialmente em países da América Latina. Lembra o apoio do Brasil quanto à reconstrução do Haiti, sendo a saúde mental um dos temas.

 

3 - ANTONIO LANCETTI

Psicólogo, faz citações do livro "Os Dez Dias que Abalaram o Mundo", que trata do poder, com prefácio de Lenin. Comunica que Santos foi a primeira cidade brasileira sem manicômios. Argumenta que a reforma psiquiátrica brasileira é exemplo para o mundo. Trata de questões da miséria associada ao consumo de crack. Louva o trabalho do sanitarista David Capistrano. Enfatiza a coragem da deputada Telma de Souza como prefeita de Santos, que definiu questão do conselho político que ficara divido sobre a intervenção na Casa de Saúde Anchieta.

 

4 - PRESIDENTE TELMA DE SOUZA

Presta homenagem à Associação Franco Rotelli, na pessoa de sua diretora, Sra. Aurélia Rios.

 

5 - AURÉLIA RIOS

Diretora da Associação Franco Rotelli, cita suas atividades profissionais. Relata como ingressara no movimento, ainda quando estudante de Psicologia. Elogia e destaca especialistas da área. Enfatiza sua gratidão pelo seu trabalho. Louva a persistência na luta antimanicomial. Agradece a todos. Lamenta que a loucura esteja associada à pobreza.

 

6 - PRESIDENTE TELMA DE SOUZA

Recorda a sua eleição como prefeita de Santos e como deputada federal. Lembra a visita que fizera à convite da ONU, em Nova Iorque e na Tailândia, sobre a reforma mental e questão da Aids. Comenta o programa "De Braços Abertos", do prefeito Fernando Haddad. Recorda caso de primo internado, morto por choque elétrico. Faz questionamento sobre o termo "loucura". Reitera a "Carta de Bauru", de 1987, resultante do 2º Congresso dos Trabalhadores em Saúde Mental, pelo fim dos hospitais psiquiátricos. Comenta a intervenção na Casa de Saúde Anchieta, em 03/05/89. Destaca atividades da Associação Franco Rotelli. Elogia a aprovação da Lei 10.216, de 2001, do deputado Federal Paulo Delgado, sobre a reforma psiquiátrica, com visão humanista do tratamento. Dá conhecimento de programas do Ministério da Saúde. Faz agradecimentos gerais. Encerra a sessão.

 

* * *

 

- Assume a Presidência e abre a sessão a Sra. Deputada Telma de Souza.

 

* * *

 

A SRA. PRESIDENTE - TELMA DE SOUZA - PT - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.

Com base nos termos da XIV Consolidação do Regimento Interno, e com a aquiescência dos líderes de bancadas presentes em plenário, está dispensada a leitura da Ata.

Chamo para compor a Mesa, Dr. Roberto Tykanori, coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde. (Palmas.)

Em seguida, psicóloga Aurélia Rios, diretora da Associação Franco Rotelli. (Palmas.)

E à minha esquerda, como bom argentino, o Dr. Antonio Lancetti, psicólogo e psicanalista. (Palmas.)

Senhoras deputadas, senhores deputados. Minhas senhoras e meus senhores, esta sessão solene foi convocada pelo presidente efetivo desta casa atendendo solicitação desta deputada com a finalidade de comemorar o Dia da Luta Antimanicomial, 18 de maio.

Convido a todos os presentes para de pé ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro.

 

* * *

 

- É feita a execução do Hino Nacional Brasileiro.

 

* * *

 

A SRA. PRESIDENTE - TELMA DE SOUZA - PT -  Quebrando o protocolo, só para não deixar de ser professora, viu, Lancetti, viu, Aurélia, viu, Tykanori?

Disseram-me quando eu era prefeita, que quando toca o Hino Nacional uma vez só, a gente não canta. Mas quando toca duas vezes a gente canta. Mas eu nunca sei no início se vai tocar uma ou duas vezes. Então, a gente se põe a cantar e depois vê que é só uma vez. Então, isso é o protocolo, a gente não precisa obedecer, mas de qualquer maneira eu passo adiante essa informação, eu não sei o tamanho da utilidade dela, não é, professora Regina? Mas assim está colocada.

Brincadeiras, à parte, nós registramos a presença das autoridades que estão em nossa sessão.

Senhor Carlos Eduardo Duarte Santana, nosso querido Cadu, presidente do Rotary Clube de Santos, Gonzaga, gestão 2013/2014.

Senhor Moacyr Miniussi Bertolino Neto, representando o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. Muito obrigada pela presença.

Senhor William de Jesus Silva, estudante, representando os alunos da Escola Técnica Estadual CEPAM, fundador do projeto Turma do Voto, obrigada pela presença, querido.

Recebemos também os seguintes ofícios; senhora Elisa Zaneratto Rosa, conselheira presidente do CRP, Conselho Regional de Psicologia, 6ª região.

Diz ela que: “Acusamos o recebimento do convite para participar da sessão solene comemorando o Dia da Luta Antimanicomial, que será realizado em 19 de maio de 2014 às 20 horas, no Palácio Nove de Julho, situado na Avenida Pedro Álvares Cabral, 201, Ibirapuera, São Paulo.

Resposta, confirmamos a presença do conselheiro Moacyr Miniussi Bertolino Neto, enquanto representante nessa importante atividade referida. Felicitamos pela iniciativa e despedimo-nos com votos de estima e consideração.

Mais uma vez, atenciosamente,

Elisa Zaneratto Rosa, conselheira presidente do CRP 6ª região”.

Outra, do vereador Murilo Barletta de Santos: “É com imensa alegria, honra e gratidão que recebi o convite para participar da Sessão Solene com a finalidade de comemorar o Dia da Luta Antimanicomial que será realizada hoje. Infelizmente estou impossibilitado de comparecer em virtude de no mesmo participar de Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Santos.

Mas quero congratular-me com nossa atuante e combativa parlamentar, parabenizando-a pela nobre atitude, enviando a todos os meus efusivos votos de sucesso para esse evento que, sem dúvida, será coroado de grande êxito.

Um grande abraço. Murilo Barletta, vereador, Câmara Municipal de Santos”.

Deputada Federal Maria Lúcia Prandi, minha querida, que já foi deputada estadual aqui, hoje deputada federal, para nossa alegria. “Registro aqui”, diz ela, “minha justificativa por não participar de um evento de tamanha importância comemorado nesse dia 18 de maio, dia da Luta Antimanicomial.

Um dos marcos dessa importante causa, foi a intervenção da prefeitura de Santos na Casa de Saúde Anchieta que amontoava e torturava pacientes com choques elétricos e outras práticas nefastas.

Parabenizo a deputada estadual Telma de Souza pela iniciativa de organizar uma homenagem para comemorar o Dia da Luta Antimanicomial. São atos assim que fazem toda a diferença e ressaltam datas e casos importantes da nossa história.

Professora Maria Lúcia Prandi, deputada federal PT - São Paulo”.

Outro: “O Exmo. Sr. Herman Voorwald, secretário de Estado e Educação, agradece o convite para participar da Sessão Solene, com a finalidade de comemorar o Dia da Luta Antimanicomial e lamentando não poder comparecer, envia seus cordiais cumprimentos”.

Outra: “Com os nossos cordiais cumprimentos, agradeço a gentileza do convite para participar da Sessão Solene com a finalidade de comemorar o Dia da Luta Antimanicomial que ocorrerá no dia 19 de maio de 2014 às 20 horas.

Impossibilitado de comparecer em razão de compromissos de ordem funcional assumidos anteriormente, externo meu sincero desejo de que o evento seja coroado de êxito e sucesso. Aproveito a oportunidade para apresentar os protestos de elevado estimo e distinta consideração, coronel PM José Roberto Rodrigues de Oliveira, secretário de Estado chefe da Casa Militar”.

Outra: “Agradecemos a gentileza do convite em referência, ao tempo em que informamos que em razão de agenda oficial do cargo, não será possível a presença do Senhor Prefeito Fernando Haddad, na oportunidade da comemoração do Dia da Luta Antimanicomial.

Com nossos cumprimentos,

Cerimonial do Gabinete do prefeito”.

Finalmente: “A Subseção de Santos da Ordem dos Advogados do Brasil vem acusar o recebimento do convite para a Sessão Solene comemorativa ao Dia da Luta Antimanicomial a realizar-se nesta data.

Agradecendo a gentileza do gesto, enviamos escusas pela impossibilidade de comparecimento face a compromisso previamente agendado para a mesma data. Com cumprimentos a Vossa Excelência, ele está se dirigindo ao presidente da Casa, extensivas à deputada Telma de Souza e votos de sucesso ao aludido evento.

Ao ensejo, manifestando protestos de estima e consideração.

Atenciosamente, Tania Machado de Sá, diretora secretária geral da OAB - São Paulo, subseção de Santos”.

Eu falei que era finalmente, mas não era. Existe um outro.

“Prezada deputada, acuso o recebimento do honroso convite para participar da Sessão Solene de comemoração ao Dia da Luta Antimanicomial. E lamentavelmente não poderei comparecer devido a estar presidindo a Sessão Legislativa na Câmara Municipal de Santos.

Na oportunidade, agradeço ao convite formulado, desejando êxito ao evento.

Atenciosamente, presidente Sadao Nakai.

Isso colocado, senhoras e senhores, eu quero comunicar, antes de mais nada, que essa sessão está sendo transmitida ao vivo pela TV Web, e será transmitida pela TV Assembleia neste sábado, dia 23 de maio às 23 horas, pela Net no canal 07, pela TV Vivo, canal 66 analógico e 185 digital e TV Digital Aberta, canal 61.2.

Ao final da nossa sessão, eu novamente repetirei esses dados para que a gente possa seguir o acompanhamento da sessão.

Hoje, aqui no regimento interno da nossa solenidade, nós temos uma prática que é a seguinte; entrega-se a placa, o homenageado fala.

Nós temos hoje três pessoas para serem homenageadas.

O Dr. Roberto Tykanori, representa, junto com o Dr. Antonio Lancetti, portanto, duas pessoas, a Luta Antimanicomial que teve seu dado mais forte no dia 18 de maio de 1989, quando tive a honra de ser prefeita de Santos.

Por outro lado, a Associação Franco Rotelli, representada aqui pela querida Aurélia Rios, que é diretora da Associação Franco Rotelli, para quem não sabe, foi um psiquiatra que libertou de alguma maneira, o jugo de um modelo antigo em relação aos cuidados das pessoas com sofrimento psíquico na cidade de Trieste, onde nosso querido Tykanori fez estágio e, possivelmente, tenha bebido da fonte as suas questões mais básicas para a revolução que foi feita em Santos.

Eu entendo também que ao fazer esta, esta homenagem, ela é singela, mas muito forte, ela foi aprovada pelos 94 deputados desta Casa, suprapartidariamente. Eu fico a pensar, quão longe nós estamos ainda de ter a sanidade psíquica, afetiva nas nossas comunidades.

Ontem, eu dizia informalmente para o Tykanori e para o Lancetti, nós tivemos uma corrida lá em Santos, umas 10 mil pessoas. Quantas compulsões, quantas dependências de anabolizantes e por aí. E não se falou da luta antimanicomial nesse evento. Houve uma reportagem de jornal, mas aquém daquilo que significa.

Os senhores e senhoras que aqui estão, para nós, que fizemos parte desta luta inicial, que teve a primeira carta e referência à questão da saúde mental em Bauru, em 1987, feita pelos trabalhadores de saúde mental. Isso significa, antes de mais nada, que nós somos o apoio e a resistência.

Num momento em que tanto falam da questão de leitos para a questão da sanidade mental, eu digo que leito é uma parte, quem sou eu para falar sobre isso, com a Aurélia, o Tyka, aqui entre nós, e o Lancetti? Porque a questão da saúde mental significa, antes de mais nada, o apreço por todas as relações que são estabelecidas.

Dizem os sábios que a pessoa chamada normal, se é que a gente sabe o que é isso, não é Tykanori? Ela fica louca umas 15 vezes por dia, as mais abaladas umas 150 e as que já estão perigando, umas 200.

Porque a loucura, brincadeiras à parte, é uma convidada todo tempo ao nosso lado. Todo tempo, ela disputa conosco o equilíbrio e principalmente as razões de estarmos aqui fazendo, principalmente, a retaguarda para aqueles que têm sofrimento psíquico.

Eu penso que mais do que eu, Tyka, Aurélia e Lancetti, saberão falar mais do que isso, muito melhor na intervenção que nós decidimos fazer, que começou no dia 3 de maio, após duas mortes, uma morte, aliás, na Casa de Saúde Anchieta.

Eu digo e repetirei sempre, os hospícios são a lata do lixo da pobreza humana. A lata do lixo onde estão os negros, os mulatos, a periferia, os jovens dependentes de drogas, os anciãos e idosos, desprezados pela família, enfim, toda sorte de maus tratos. E se nós não estivermos atentos para sabermos o que significa realmente esse Dia de Luta Antimanicomial, que daria subsídios práticos para o, então deputado federal Paulo Delgado, do PT de Minas Gerais, apresentar na Câmara o arcabouço de um novo modelo para a questão da saúde mental, nós ainda estaríamos em outras épocas.

Eu sei que temos psicotrópicos e remédios avançados. Eu sei que a neurociência também evoluiu bastante, mas eu temo, viu Tyka, Aurélia e Lancetti, que aquilo que vem do coração simbolicamente do afeto, das dificuldades das relações, não estejam contemplados nessas questões tão frias que nós estamos falando.

Lógico que tivemos o Projeto Tan Tan, nós tivemos a Rádio Tan Tan, onde os famosos “loucutores” usavam seu tempo para alegrar a vida da cidade de Santos. E foi um projeto tão arrojado junto à questão do Anchieta, e junto à Associação Franco Rotelli, que nós acabamos saindo como notícia no “New York Times”, o que não é pouca coisa, não é, Lancetti?

Eu paro de falar aqui. Vamos fazer a entrega. Espero que aquilo que eu tenha que fazer já esteja aqui do meu lado e o primeiro a ser agraciado será o Dr. Tykanori por ter sido o interventor, junto com o Lancetti, junto, principalmente com o secretário de Saúde, Dr. David Capistrano e esta deputada que à época, ao olhar o seu exército, um japonês, um argentino, um pernambucano e uma mulher medrosa para fazer esse ato, pensou: “Onde me meti?”.

Mas eu acho que fizemos um bom trabalho. Foi o trabalho coração, foi o trabalho da experiência de aconchegar e receber as pessoas e que hoje completa um quarto de século.

Muito obrigada e vamos à parte formal. Obrigada. (Palmas.)

 

* * *

 

- É feita a entrega da placa.

 

* * *

 

A SRA. PRESIDENTE - TELMA DE SOUZA - PT -  Proíbe o Regimento dessa Casa que nós possamos fazer uma placa para alguém que tenha cargo público e o caso do Tykanori é esse. Ele está no Ministério da Saúde, para nossa alegria. Portanto, os dizeres da placa que atingem todos os que fizeram esse ato há 25 anos dizem o seguinte:

“A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, por iniciativa da deputada Telma de Souza, celebra o Dia da Luta Antimanicomial e saúda usuários, trabalhadores e gestores pelas ações em prol da saúde mental paulista e brasileira.

19 de maio de 2014.

Telma de Souza, deputada estadual do PT, presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa”.

Isso colocado, passo a palavra imediatamente para o Dr. Roberto Tykanori, um dos interventores da Casa de Saúde Anchieta, seguido pelas palavras de Dr. Antonio Lancetti e depois, fechando o trio, Aurélia Rios.

 

O SR. ROBERTO TYKANORI - Bem, boa noite a todos, boa noite a todas. Queria cumprimentar aqui a deputada Telma de Souza, agradecer e parabenizá-la por essa sessão solene. Não vou me estender muito aqui, mas queria rememorar algumas passagens.

Na verdade, 3 de maio de 1989 foi o dia da intervenção. Mas nós começamos essa intervenção no dia 29 de abril, dia do aniversário do Antonio Lancetti.

Sábado muito cedo, o David convocou uma reunião na casa do Lancetti às 8 horas do sábado.

 

A SRA. PRESIDENTE - TELMA DE SOUZA - PT - Não às 8, às 9 horas, diz o Lancetti, que ele estava dormindo.

 

O SR. ROBERTO TYKANORI - Bom, depois de 25 anos, 9 horas ou 8 horas.

O que eu acho importante é que isso marcou o início de um trabalho extremamente envolvente. Eu lembro que naquele período, eu ainda tinha minhas atividades em Bauru. Depois daquele sábado, eu nunca mais voltei a Bauru. Eu demorei 20 anos para voltar a Bauru.

Nos primeiros 40 dias, eu tinha uma muda de roupa, porque eu tinha vindo passar o fim de semana e depois as coisas foram acontecendo...

 

A SRA. PRESIDENTE - TELMA DE SOUZA - PT - E ficou no Anchieta.

 

O SR. ROBERTO TYKANORI - E fiquei.

Mas acho que é fundamental, queria me permitir aqui rememorar, homenagear a figura do David Capistrano, que foi o elo que nos ligou à própria deputada, porque a Telma, naquele momento como prefeita, convidou-o para ser secretário da Saúde, pode-se dizer um ato insano, porque trouxe para ser secretário da Saúde uma das pessoas mais polêmicas, transformadoras, corajosas, que enfrentou inúmeras questões institucionais, legais e políticas para levar, junto com a prefeita, acho que oito anos da cidade de Santos de governo do PT que criaram as bases econômicas, as bases políticas de uma cidade que hoje as pessoas vão e falam; “Olha que cidade interessante”, ninguém se lembra que até 1989, Santos estava apagada do mapa da história.

Uma cidade decadente, sem economia, um porto decadente, as pessoas evitavam ir a Santos, preferiam ir para o litoral norte, coisa assim. Os jovens saindo da cidade e essa reconstrução da cidade, essa dupla semeou isso de uma forma extremamente incisiva, combateu preconceitos. Por exemplo, a questão da praia, uma luta enorme, porque todo mundo dizia que o problema da praia era o porto e os navios.

Telma e o David mostraram, demonstraram, na verdade, que era um problema de esgoto. Problema que os edifícios não tinham esgotamento na cidade, era falta de serviço público mesmo, que a Sabesp não construía esgoto na cidade de Santos, e o esgoto ia todo para os canais.

Quando isso começou a ser demonstrado efetivamente, o tratamento dos canais, tratamento das águas, e foi muito bonito. Porque, em poucos meses, começou aparecer peixe na água. Isso foi muito emocionante, as pessoas não acreditavam. Depois de anos, depois de anos sem ter vida na praia de Santos, começaram a voltar os peixes. Lembro disso muito claramente.

Então, a intervenção na Anchieta foi feita com pessoas dessa estirpe, Telma e David. Isso enfrentou na verdade todo um “staff”, um “establishment”, todo o entendimento que a sociedade psiquiátrica no Brasil tinha sobre como tratar, como lidar com as coisas, com os pacientes psiquiátricos.

E uma das coisas mais interessantes é que nós tínhamos receio, eu lembro na madrugada de terça para a quarta-feira, uma das preocupações tanto da Telma, quanto do David era a reação da sociedade santista. Como será que a sociedade santista vai reagir a uma intervenção do Poder Público em uma entidade privada. Primeiro porque era o segundo governo do PT na história, tinha antecedência de Diadema uma vez. O país estava iniciando uma caminhada nova e obviamente assim, a cidade tinha muitos problemas com o governo do PT, a gente tinha muita pressão da imprensa.

Mas no caso da intervenção, a imprensa compareceu no dia da intervenção, esteve presente e apoiou. E esse apoio também reverberou na própria sociedade. A sociedade santista apoiou a intervenção. Nós temos isso registrado em vários, fizemos abaixo-assinado quando houve a cassação, fizemos muita coisa e a sociedade apoiava.

Isso foi muito interessante porque mostrava que, desde um ponto de vista do cuidado das pessoas, a sociedade santista tinha conhecimento de que as pessoas não estavam bem tratadas, mas não tinha alternativa.

Quando o gestor público, quando a prefeita toma a iniciativa de tomar para si a responsabilidade pela saúde, pela dignidade dos cidadãos, a sociedade apoiou.

Eu acho que isso é muito forte, porque uma sociedade reconhece seu gestor quando ele assume realmente a ideia do cidadão, a ideia do direito que é para todos. E particularmente para aqueles que são mais vulneráveis. Isso foi um efeito extremamente positivo para nós.

E óbvio, lembro que um dia, nessa pressão política, houve uma comissão, instaurou-se uma comissão na Câmara para investigar o problema do Anchieta. E eu lembro que recebi essa comissão, acho que o Mantovani presidia a comissão. Vieram seis vereadores, se não me engano, a gente conversou, explicou, eles foram entrar lá dentro um pouquinho, voltaram e falaram assim, o Mantovani falou isso. “Pessoal, aqui não dá para a gente ficar fazendo política não, deixa eles trabalharem, porque estão fazendo muito bem, vamos embora daqui”.

Ou seja, a oposição naquele momento, que era muito acirrada no campo, em várias frentes, na questão da Anchieta falou; “Aqui não é correto a gente ficar polemizando porque o que ele está fazendo é certo, é justo, é correto”.

Esses 25 anos da intervenção na Casa de Saúde Anchieta quando a gente para e pensa parece um longo tempo, mas ao mesmo tempo parece que foi ontem. E nesses 25 anos, o país se transformou de forma impressionante, o Brasil hoje é um país reconhecido no mundo pela Organização Mundial de Saúde. Muitos lugares do país, do mundo sabem que o Brasil operou uma mudança radical na forma de atender os pacientes, os pacientes psiquiátricos e frequentemente nós somos chamados, enquanto governo federal, a comparecer nos fóruns internacionais para testemunhar, para apresentar, para colocar a reforma psiquiátrica brasileira para ajudar outros países.

É essa mesma onda segue hoje a Argentina, o Uruguai também faz um processo de reforma bastante importante. Os países do norte do continente sul-americano, Peru, Bolívia, buscam caminhos agora, o Brasil faz muitas relações bilaterais de cooperação e eles procuram a questão de saúde mental no país. Nós temos solicitações das embaixadas de Costa Rica e Honduras para que a gente apoie reformas de saúde mental nesses países.

O Brasil apoia a reconstrução do Haiti e um dos temas fundamentais diz respeito à questão da saúde mental.

Então, esse reconhecimento internacional da saúde mental brasileira teve início 25 anos atrás com a intervenção da Casa de Saúde Anchieta. Durante anos, durante os oito anos em que a prefeita Telma, a deputada Telma e o David estiverem à frente, comandando esse processo, recebemos milhares, eu posso dizer, milhares de trabalhadores do país todo que foram ver com seus próprios olhos para dizer; mas será que é possível uma outra forma de trabalhar, porque ninguém acreditava. Frequentemente havia caravanas de trabalhadores que iam lá para conhecer e ver e se inspiravam com a boa nova, é possível mudar, é possível criar condições dignas que incluam as pessoas das mais diversas, das mais variadas, sem preconceitos e com todas as dificuldades desde que, como diz sempre a Telma, que toque no coração e na mente das pessoas.

Então, a homenagem é mais do que correta, justa, mas também tem os seus atores históricos que não podem deixar de ser marcados aqui. E a prefeita Telma, sempre prefeita.

Obrigado. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - TELMA DE SOUZA - PT - Bom, não vou comentar. Eu queria dar a palavra para o Dr. Antonio Lancetti, psicólogo e psicanalista.

Por favor, doutor.

 

O SR. ANTONIO LANCETTI - Boa noite a todas e todos. Eu realmente vim por acaso, não estava preparado para falar, mas sou obrigado a fazer algumas correções.

A primeira era que a reunião era às 9 horas de sábado e que o David Capistrano, na verdade, chegou uma hora antes. E quando ele chegou, eu não tinha acordado ainda e disse; “Veja David, eu não acordei direito”, ele disse; “Não se preocupe”. “E também não comprei o jornal”, ele disse; “Não se preocupe, eu já li os jornais”.

Então ele chegou uma hora antes do tempo com os jornais lidos. Ele disse; “Não se preocupe, eu vou ficar aqui procurando alguma coisa na sua biblioteca”. Quando eram 9 horas em ponto, sentados estamos todos à mesa, além do Tykanori, estavam a Cenise Monte Vicente, o Willians Valentini, o David Capistrano e eu.

E ele tinha encontrado o livro do John Reed, na versão espanhola que estava em casa, em espanhol era: “Os Dez Dias que Comoveram o Mundo” e abriu na página, que eu estive revisando, na página 73 do livro, onde o John Reed citava Lênin, que dizia que a insurreição deveria ser lançada no dia 7 de novembro, porque o dia 6 era cedo, porque era preciso, interessante, que ela tivesse apoio de toda a Rússia, e que o dia 8 era tarde. Então, ele diz: “Para a gente poder dizer; eis o poder, o que vais fazer com ele?”. E fechou o livro e falou: “Quando é o nosso 7 de novembro?”.

Foi assim que a gente teve várias ideias, muitas delas como a criação do Centro de Valorização da Criança. Muitas das ideias foram discutidas naquela ocasião.

E enfim, o Tykanori já falou o que era mais importante, porque realmente foi demonstrativo o fato de existir uma cidade no Brasil sem manicômio. Foi a primeira cidade brasileira sem manicômio.

Mas não é só isso. Foi uma metodologia que se aprendeu, nós aprendemos muito nessa experiência, e por isso tantos leitos foram desativados, foram substituídos, e por isso a reforma psiquiátrica brasileira é um exemplo para o mundo. 

Quando um filósofo que nós levamos, Felício (Ininteligível.) esteve em Santos, ele disse que lá tinha sido gestada a 4ª revolução psiquiátrica e que era algo muito importante. E enfim, eu acredito que isso aconteceu, porque isso nos inspira até o dia de hoje, inclusive na hora de lidar com o problema mais difícil, que é o problema da miséria associada ao crack e ao uso demagógico que fazem muitos políticos e principalmente muitos meios de comunicação.

Então, hoje nosso embate é muito difícil, mas mesmo nessas horas, a gente se inspira por aquelas experiências.

Mas eu acho que se nós devemos, eu particularmente, render homenagens a todas as pessoas que por lá passaram e já foi feito de maneira muito justa pelo Tykanori, a lembrança do David, que foi o nosso grande inspirador. O David tinha estado preso com 14 anos em um reformatório, então ele odiava as cadeias e amava desmedidamente a liberdade. Tudo isso foi muito importante.

Eu acho que queria focalizar a minha homenagem à deputada Telma, pela coragem que ela teve. Nós preparamos tudo no dia 29, mas nós levamos nossa proposta ao Conselho Político do governo e o Conselho se dividiu, porque havia pessoas que tinham medo, e ficou o voto de minerva com a prefeita Telma de Souza.

Nós, eu estava em São Paulo, me lembro, cheguei lá umas 22 horas, e em determinado momento, não vou contar os detalhes, ela disse como iria ser feita a intervenção e eu peguei um papel e falei: “Olha, vai ser desenvolvida em cinco passos” e numa hora ela chamou o David e falou: “Gostei do gringo, vamos embora”.

E essa coragem são poucos os políticos que têm. Poucas pessoas têm um compromisso, como a Telma tem, com a liberdade e a cidadania.

Nós saímos às 2 horas. Ah, ela chegou às 2 horas e no dia seguinte às 8 horas, a gente estava lá na porta do hospício.

Então, e a grande homenagem foi feita pelas pacientes naquele dia quando ela entrou no pátio e elas gritaram para a Telma: “Telma, você veio nos libertar”.

Obrigado. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - TELMA DE SOUZA - PT - Eu sabia que eu tinha que apostar no gringo e no japonês, vocês entendem? Tirando a Copa do Mundo, não vamos comentar isso, entendeu? 

A gente agora vai fazer a entrega para a Associação Franco Rotelli, nas mãos da psicóloga Aurélia Rios, por favor, Aurélia.

 

* * *

 

- É feita a entrega da placa.

 

* * *

 

A SRA. PRESIDENTE - TELMA DE SOUZA - PT - Antes de a Aurélia usar a palavra, eu leio os dizeres da placa. É o seguinte:

“A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, por iniciativa da deputada Telma de Souza, homenageia a Associação Franco Rotelli de Santos pelo trabalho desenvolvido em prol da Luta Antimanicomial.

Maio de 2014, Telma de Souza, deputada estadual do PT - presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa”. (Palmas.)

 

A SRA. AURÉLIA RIOS - Boa noite a todos, a todas. Agradeço à Telma pela homenagem. Não vim preparada, não esperava que a gente fosse receber essa homenagem. Eu sou Aurélia Rios, sou psicóloga, sou militante da Luta Antimanicomial e diretora da Associação Franco Rotelli.

Vou fazer um pequeno relato de como eu acabei ingressando no Movimento da Luta Antimanicomial. Eu estava no meu 3º ano de faculdade de psicologia em Santos e tive uma familiar que acabou entrando numa crise e durante as aulas de psicopatologia, meu professor Haroldo Sato, disse para mim: “Aurélia, por que você não vai estudar sobre a intervenção da Casa de Saúde Anchieta? Porque você faz uma problematização sobre a loucura que é de suma importância você conhecer essa história”.

Eu acabei escolhendo esse tema da intervenção no meu TCC, que é o trabalho de conclusão de curso.

E as primeiras pessoas que eu fui buscar para a pesquisa foram a Telma de Souza, que acabou nos recebendo e contando a história sobre a intervenção e logo em seguida, eu procurei o Roberto Tykanori.

E eu coloco que essas duas pessoas foram muito importantes para poder sinalizar o que de fato é o Movimento da Luta Antimanicomial, o que de fato representou essa história da intervenção da Casa de Saúde Anchieta.

O que me chamou a atenção é que a Telma disse: “Aurélia, no momento que eu tinha o poder da caneta, ouvindo a possibilidade de uma transformação naquela época, não pensei duas vezes, eu fiz”.

E o Roberto, na época, acabou me indicando duas linhas de pesquisa, ele sugeriu que eu pesquisasse um pouco da reforma psiquiátrica e pessoas da Psiquiatria que eram contra a reforma. No final do meu TCC eu já estava envolvida no Movimento da Luta, um ano depois eu já estava assumindo a Associação Franco Rotelli.

Eu tenho que ter muito cuidado hoje de estar falando em nome dessa instituição porque é falar de uma instituição que representa a história da reforma psiquiátrica.

A associação foi criada dois anos depois da intervenção por pessoas históricas do movimento, Suzana Robortella, Fernanda Nicácio, Wellington da Silva, enfim, uma série de pessoas que ainda persistem nesse trabalho digno, árduo, difícil. Porque você dizer para a sociedade o que é você cuidar daquele que sofre, de forma mais humanizada, com uma escuta diferenciada e acreditando na sua ressocialização, não é um processo fácil.

Eu estou aqui, mais uma vez, Telma, agradeço estar ao lado do Roberto Tyakanori, Lancetti, eu me sinto gratificada e a cada dia saio oxigenada, acreditando que temos que insistir nesse processo, temos que insistir na luta, nessa representação de associação de usuários, familiares e técnicos da saúde mental e do Movimento da Luta Antimanicomial.

Eu só tenho que agradecer a todos, não vou estender minha fala porque o que foi dito já foi o necessário. Mais uma vez muito obrigada e parabéns por vocês terem marcado a história da humanidade, porque falar da loucura associada com a pobreza, e ao mesmo tempo transformá-la de uma outra forma, não é para poucos e os marcadores estão aqui no nosso lado.

Muito obrigada. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - TELMA DE SOUZA - PT - Nós estamos nos encaminhando para o final, mas eu preciso declinar algumas informações até porque, tanto o Tyka, como o Lancetti me deixaram à vontade, também o que a Aurélia falou para poder, de alguma maneira, registrar o que aconteceu naqueles idos de 25 anos atrás.

Eu sempre tive muita consciência, falando em nome pessoal, Tykanori, das limitações dos meus equilíbrios pessoais. Eu ando numa fase terrível, meus assessores é que o digam. Mas eu tenho a grande sanidade de saber que eu entro nesses processos. O que eu acho que já é alguma vantagem.

Quando eu ganhei a prefeitura de Santos em nome de um grupo, de uma visão política, eu jamais pensei como seria fantástico um projeto generoso, estar tomando conta de uma cidade que é referência de nove outras cidades na Baixada Santista. De tal maneira que, quando eu me tornei deputada federal, você sabe que naquela época não tinha reeleição, David Capistrano, nosso secretário de Saúde foi o sucessor na Prefeitura. Eu fui três vezes convidada para ir à ONU, duas em Nova Iorque e uma na Tailândia, para falar da saúde mental, para falar do Programa de Redução de Danos, do Fábio Mesquita na questão da Aids, e para falar daquilo que nós tínhamos feito nos oito anos de mandato, de PT, na nossa cidade e que acabou exorbitando e saindo extramuros para o mundo inteiro, como outros já disseram. 

Eu me lembro que Kofi Annan, que era o presidente da ONU, falou de Santos na questão da Aids, na questão da saúde mental, do embricamento com essas questões e eu me lembro, viu Lancetti, que eu fazia assim:  “Seu Kofinho, fui eu aqui”, mas ele nem me deu bola, quem era aquela lá que estava falando.

Ter ido para a ONU não é um ato aqui de soberba não, falar para outras pessoas no mundo o que nós tínhamos feito e a revolução que foi feita inicialmente em quatro anos, depois ela continuou em mais quatro, foi uma das coisas mais audaciosas que este grupo, do qual eu era a representante, simbolizou, e que a gente acabou fazendo.

Eu fico muito triste, e fico mesmo, não por não ser prefeita mais, mas por não ter a possibilidade do uso do poder, como disse o Lancetti. Eu acho que poucas equipes passam tão bem pelo poder como a nossa passou. Claro que temos erros, mas nunca percebi nas pessoas, com raras exceções ou um momento aqui outro ali, alguma situação basicamente maior, pessoalmente falando, do que interesse coletivo. Eu acho que isso foi o grande resultado daquele grupo.

Muitos de vocês que aqui estão são remanescentes e vêm daquela época. Eu fico, às vezes, muito órfã desse grupo político, com todas as brigas que eu tinha com o David, não se iludam, eu sou geniosa e ele também era, a falta que ele faz, a falta das pessoas que nós aglomeramos no nosso entorno, me faz dizer que outro momento seria interessante para nós cuidarmos da cidade e dos seus arredores.

Eu vejo algumas pobrezas na minha cidade, na cultura, na própria saúde, mas vejo a falta da centelha que realmente é a própria revolução. É a centelha, Lancetti, ou a gente tem, ou a gente não tem.

Quando vejo que os NAPS, na época era NAPS e não CAPS, um deles está confinado na zona noroeste junto com a Maternidade, junto com a Ginecologia, Obstetrícia e junto com a Pediatria, num lugar que era um hospital. Tem gente da zona noroeste aqui. Eu fico a pensar: “O  que é isso, que pessoas são essas que acham que só porque o nome “policlínica”, que foi o nome dado lá atrás pelo secretário e prontamente atendido pela então prefeita, que no caso era eu, que um conceito político, um conceito de ações para a comunidade esteja resumido no nome de um frasco, é mais que isso, é muito mais que isso.”

Nós lutamos, com certeza, o poder de deputado é muito menor, mas a gente tem a capacidade de contar, recontar, para que não se esqueçam de uma história que modificou a vida de muita gente e aí eu preciso contar isso para vocês.

Primeiro já me comprometi com o Tyka e o Lancetti de ir ver o Programa de Braços Abertos, que o prefeito Fernando Haddad está fazendo aqui em São Paulo. Não é fácil cuidar de dependente de droga, particularmente do crack.

Os consultórios de rua ainda não foram ativados como merecem no estado, que tem outra visão. Não quero aqui entrar no mérito de quem está certo ou não, mas tem outra visão completamente diferente das situações de tratamento, de aconchego e principalmente de solidariedade.

Então, eu gostaria até que a minha assessoria se comprometesse em já ver um dia para eu poder fazer esse movimento.

Por outro lado, eu quero dizer a vocês que o dia que resolvi entrar no Anchieta, foi um dia duro. Eu pessoalmente tenho um caso familiar, do jeito que a Aurélia contou. Eu tive um primo dez meses mais velho que eu, primo mesmo, filho de um irmão de meu pai, que ficou no Anchieta. O carimbo era esquizofrenia, acho que eles nem sabem disso. Esse meu primo, por razões que nem sabemos, um dia a família foi avisada que ele estava em Santo André da Borda do Campo, que era do mesmo grupo privado que tinha essas casas de horrores. E meu primo morreu, por erro de choque elétrico.

Eu e minha mãe fomos buscar o corpo, e eu digo a vocês que ali, com certeza, além daquilo que eu acredito sobre a vida, sobre a generosidade, as possibilidades dentro da minha própria limitação como ser humano, minha pequenez, de que aquilo não ficaria assim. O apelido dele era Caco, e eu acho que o Caco não poderia morrer aos 28 anos de idade por um erro médico de choque elétrico.

Eu penso que todos os Cacos do mundo têm que ser reverenciados numa luta que hoje nós estamos garantindo que não morra. Há muitos perigos, há gente que é anti à Luta Antimanicomial e nós duelamos o tempo todo para dizer que o tratamento, o cuidado é amplo. Ele traz a família, como a gente fez. As pessoas dependentes de álcool foram contratadas pela prefeitura para fazer a separação do lixo limpo. As pessoas que eram dependentes de droga, especialmente os mais jovens, a gente dava outro tipo de tratamento.

Ontem saiu no jornal de Santos, que uma senhora que fazia muita bijuteria, e que ela acabou tendo a entrada, antes de nós termos feito a intervenção e depois de a gente ter feito a intervenção e a diferença que isso foi.

Passamos um mal bocado. Cada vez que a gente perdia uma liminar, isso aconteceu umas quatro ou cinco vezes, a gente, o grupo que tomava conta e aqueles, ditos enfermeiros, estavam tão adoecidos quanto aqueles que estavam lá, pela ausência de liberdade de expressão, de aconchego e principalmente de tratamento veraz e eficaz. Eles, cada vez que eles voltavam, abalava-se o conjunto dos internos, cada vez que entrávamos, modificava. Isso foi umas quatro ou cinco vezes, não é Lancetti? E foi desesperador. Mas a gente conseguiu chegar lá.

Nós estamos hoje aqui porque é de uma importância fantástica uma política que acabou indo mundo afora.

Nós somos poucos para fazer essa boa nova chegar mais uma vez às pessoas, mas somos suficientes para não deixarmos essa luta diminuir.

E aí eu quero contar a vocês como foi a minha entrada no dia 3 de maio no hospital.

Eu entrei, já falei isso na televisão esses dias, e o que aconteceu? Vocês sabem quando passa Qboa, desinfetante, mas aquela crosta que fica no rejunte dos ladrilhos, tem aquela gordura característica, que não tem limpeza? Foi assim que o Anchieta nos recebeu. Um misto de limpeza absolutamente tardia e uma ausência de limpeza absolutamente boa e correta.

Quando eu entrei, estava lá eu de prefeita, temos vídeos disso, quem quiser ter mais informação é só entrar no nosso site, é o meu nome, Rede Telma, entra lá, tem alguns homens jogando futebol, alguns nus. Sem nenhum pudor, não tinha roupa para todo mundo. Era um lugar para 240 pessoas, tinha quase 600. Gente com câncer em nariz, eu lembro um senhor muito particular. Dormir, quem saísse correndo na hora que batia o sino, pegava um colchonete, quem não pegasse, ficava ao relento.

Eu cheguei nesse campo de futebol lá dentro. Um dos jogadores fez assim para mim: “Quem é você?”. Eu disse; “Eu sou a prefeita.” Ele fez assim: “Prefeita, não é médica?” Eu disse: “Não.” Ele disse: “Então não interessa”. Ali eu compreendi muito rapidamente que eu não tinha autoridade nenhuma, que era um médico, em tese, quem tratava deles.

E isso está gravado, viu pessoal?

Eu saí dali e fui para o setor das mulheres, e aí foi dramático. Porque por alguma razão, não é só por eu ser mulher, a questão com as mulheres mendigas é muito mais dolorosa que mendigo. Eu sempre fico pensando como é o corpo da mulher, percebe? O tipo de tecido que faz a vagina, que faz outras partes do corpo tão diferentes do homem. Então, eu tenho a impressão que em algumas situações elas são muito mais dolorosas na mulher e lá não foi diferente.

Eu cheguei, ficaram em volta de mim, todas muito, muito decadentes de feias pelo mau trato, vocês entendem a feiura do mau trato, vocês entendem o que quer dizer isso? Não é necessariamente que a pessoa seja feia, é que ela se torna, porque disseram a ela que ela não tem valor, quem é ela?

Uma senhorinha, toda tortinha, toda pequenininha, com dente quebrado faz assim para mim: “Mamãe não quis eu, você quer eu?” Está gravado, Tyka.

Pessoal, eu digo a vocês que a única resposta que eu tive foi chorar, eu fiz: “Eu quero” e abracei. Está gravado isso, se isso não tivesse gravado, sabe Lancetti, eu achava que tinha tido um delíriozinho, mas foi verdade.

Como também foi verdade a gente abrir 30 chiqueirinhos onde homens, eram homens, não tinha mulher, nus, defecavam e comiam em latões de óleo de 50 litros, isso nós encontramos. Isso nós encontramos, e a isso nós dissemos “Não.” e continuamos dizendo “Não.”. Porque a vida é outra coisa, a vida é, antes de mais nada, solidariedade pura, generosidade e principalmente a capacidade de estarmos juntos quando o terror da loucura se aproxima da gente. Eu tenho certeza que no dia que nós dissermos à nossa cidade: “Não seremos mais doentes juntos, nós vamos fazer um corte”, todos nós nos tornamos mais sadios. Eu não tenho dúvida disso.

E eu, como prefeita, muito mais do que outro. E aí para terminar, que já me alonguei, eu quero fazer uma leitura de algo que vai para a Internet ou vai para o Facebook e agora é a parte formal para terminar, senão eu vou começar a chorar aqui.

Durante muito tempo convencionou-se tratar as pessoas com distúrbios psiquiátricos como verdadeiros criminosos. Privação da liberdade, ambientes superlotados e tortura, faziam parte da rotina de quem apenas não tinha um comportamento padrão ou mesmo comunicava-se com o mundo das formas tradicionalmente conhecidas. Por que, afinal, o que é ser louco? Quais os limites e os parâmetros da dita loucura? Isso ninguém nunca soube dizer.

 A luta antimanicomial no Brasil é relativamente recente. Em seu prefácio temos acontecimentos importantes como a Carta de Bauru, elaborada, onde o David foi secretário, é bom lembrar, elaborada em 1987, durante o 2º Congresso dos Trabalhadores em Saúde Mental. Ali, constitui-se um marco decisivo na luta pelo fim dos hospitais psiquiátricos e pelos gastos inócuos de verbas públicas numa forma de atenção ultrapassada, excludente e violenta.

O segundo ato dessa legítima epopeia deu-se na minha cidade, Santos.  Eu tenho enorme satisfação de ser uma das protagonistas dessa história.

O fechamento da Casa de Saúde Anchieta, um manicômio que além de torturar com choques elétricos e outras práticas horrendas, mantinha pessoas abandonadas à própria sorte, amontoadas em locais diminutos, sujos, sem energia elétrica e abandonadas à própria sorte. Isso se deu em 3 de maio de 1989.

Como prefeita, fui a responsável pela assinatura do decreto que iniciou a intervenção municipal no local, abrindo, de uma vez por todas, os portões que recolhiam centenas de pessoas todos os anos, em muitos casos, para sempre.

O acúmulo das experiências de vida, e na própria vida pública, confirmariam hoje o que há 25 anos eu já sentia, acabar com a rotina de injustiças e torturas no Anchieta foi uma das experiências mais corajosas e difíceis de serem tomadas em toda a minha vida.

Foi com o apoio de profissionais competentes e de muita sensibilidade que esse marco da luta antimanicomial no Brasil deu certo. O médico sanitarista David Capistrano, que mais tarde viria me substituir na Prefeitura de Santos, junto com o psiquiatra Roberto Tykanori, hoje coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, foram dois deles, acrescidos do psicólogo e psicanalista Antonio Lancetti.

Projetos pioneiros e de grande valia na reforma psiquiátrica que se iniciava há 25 anos prosperaram, como o Projeto Tan Tan, do arte-educador Renato di Renzo e a Associação Franco Rotelli, um movimento dos próprios portadores de sofrimento psíquico para construir políticas, discussões e legislações na área, batizado assim em nome do psiquiatra italiano que rompeu com o modelo tradicionalista e excludente dos manicômios.

O terceiro marco na luta antimanicomial brasileira, não menos impactante e importante, foi a Lei 10216, uma proposta do deputado Paulo Delgado que viria a ser sancionada em 2001. A chamada Lei da Reforma Psiquiátrica veio promover a regulação das internações psiquiátricas e promover mudanças estruturais no modelo assistencial oferecido aos usuários da saúde mental. Entre eles o processo de desospitalização, seguido da criação de serviços ambulatoriais. Tudo com o objetivo de humanizar o tratamento utilizando a internação apenas como o último recurso, e não mais como o primeiro.

Hoje, sob a batuta de profissionais muito conhecidos da maioria dos que estão aqui hoje, Roberto Tykanori e o ministro Arthur Chioro, o Ministério da Saúde mantém uma verdadeira rede de atenção que só cresce Brasil afora. São 2.128 CAPS, - CAPS são os Centros de Atenção Psicossocial, nascidos NAPS lá em Santos, o C de Centro, antes era N de Núcleo-, que em suas mais diversas modalidades realizam mais de 43 milhões de atendimentos por ano. E a previsão de atendimentos no setor em 2014 de 1 bilhão, indica que os serviços serão ainda mais ampliados.

Em conjunto com estados e municípios, o Ministério da Saúde também habilitou, quero frisar que não é só este o movimento, 800 leitos e enfermarias especializadas e outros 150 leitos receberam incentivo de implantação. De nada serve o leito, se os outros serviços não estiverem complementando essa situação, eu quero deixar bem claro isso.

A rede de atendimento a dependentes químicos, também é composta por 101 consultórios na rua que atendem os usuários nos locais de uso.

Sendo assim, hoje, quase 30 anos, exatamente um quarto de século após o início da mudança de mentalidade em relação aos conceitos de saúde mental no Brasil, é momento de festa, eu posso assim dizer.

Não só temos o que comemorar, como podemos vislumbrar no horizonte, maiores e ainda melhores oportunidades para trabalhadores, gestores e principalmente aos usuários de saúde mental.

Àqueles que nos verão pela televisão, aos senhores e senhoras que aqui estão, Tykanori, Aurélia e ao Lancetti, mas principalmente às centenas de pessoas, diria milhares, que com suas famílias constituíram uma libertação para o acesso à cidadania plena, eu ofereço esse dia, singelo, mas de muita emoção.

Obrigada a todos que aqui estão presentes e até uma próxima oportunidade continuando a luta antimanicomial.

Muito obrigada. (Palmas.)

Eu repito, obrigada Ezequiel, muito obrigada. Nós estaremos neste sábado dia 23, às 23 horas pela Net, canal 07, pela TV Vivo, canal 66 analógico e 185 digital. E também na TV Digital Aberta, canal 61.2.

Esgotado o objeto da presente sessão, a Presidência agradece às autoridades, à minha equipe, aos funcionários dos serviços de Som, da Taquigrafia, de Atas, ao Cerimonial, à Secretaria-Geral Parlamentar, à Imprensa da Casa, à TV Legislativa, às Assessorias Policiais Civil e Militar, bem como a todos que com as suas presenças colaboraram para o êxito desta sessão.

Está encerrada a sessão.

 

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- Encerra-se a sessão às 21 horas e 7 minutos.

 

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