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08 DE DEZEMBRO DE 2016

090ª SESSÃO SOLENE EM COMEMORAÇÃO AO LANÇAMENTO DO LIVRO MOBILIDADE URBANA NO BRASIL

 

Presidente: JOSÉ ZICO PRADO

 

RESUMO

 

1 - JOSÉ ZICO PRADO

Assume a Presidência e abre a sessão. Anuncia a composição da Mesa. Informa que a Presidência Efetiva convocara a presente sessão solene, a requerimento do deputado José Zico Prado, na direção dos trabalhos, com a finalidade de realizar "Lançamento do Livro Mobilidade Urbana no Brasil". Convida o público a ouvir, de pé, o "Hino Nacional Brasileiro". Nomeia as demais autoridades presentes. Descreve seu envolvimento com as políticas de mobilidade urbana. Afirma que o livro, hoje aqui lançado, servirá para a melhoria do setor.

 

2 - EVARISTO ALMEIDA

Economista e organizador do livro "Mobilidade Urbana no Brasil", comenta o processo de elaboração da obra. Discorre sobre a mobilidade urbana no Brasil.

 

3 - KARINA OLIVEIRA LEITÃO

Professora doutora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, discorre sobre o direito à cidade, tema de seu artigo no livro. Afirma que a luta pela questão da mobilidade é central neste assunto.

 

4 - EDUARDO FAGNANI

Professor doutor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, debate os problemas estruturais brasileiros relacionados a mobilidade urbana. Afirma que a política econômica atual é prejudicial ao desenvolvimento social do País.

 

5 - UBIRATAN DE PAULA SANTOS

Médico da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, critica a opção pelo transporte individual durante quase toda a história da cidade de São Paulo.

 

6 - CYRA MALTA

Engenheira agrônoma, ambientalista e cicloativista, discorre sobre o cicloativismo dentro do contexto da mobilidade urbana em São Paulo. Elogia as políticas públicas da gestão de Fernando Haddad frente a Prefeitura de São Paulo em relação a ciclovias.

 

7 - ANA CAROLINA ALMEIDA SANTOS NUNES

Pesquisadora e pedativista, tece comentários sobre o pedativismo, movimento pela mobilidade a pé, na cidade de São Paulo. Traça relação entre a mobilidade peatonal e a desigualdade econômica e social.

 

8 - EDUARDO PACHECO

Analista de Desenvolvimento e Gestão da Companhia do Metropolitano de São Paulo, comenta sua participação no livro com artigo sobre a rede de transporte sobre trilhos na Região Metropolitana de São Paulo. Discorre sobre os problemas desse sistema, tecendo críticas as últimas gestões frente ao Governo do Estado.

 

9 - MARLENE FURINO

Assistente administrativa da Companhia do Metropolitano de São Paulo, elogia a criação dos corredores de ônibus da gestão Haddad na Prefeitura de São Paulo.

 

10 - JUAREZ MATEUS

Sindicalista e diretor da CNTTL-CUT, cita que a melhoria da mobilidade urbana é fundamental para qualidade de vida dos trabalhadores. Afirma que se vive no Brasil um período no qual há riscos de retrocessos em políticas de mobilidade.

 

11 - MEIRE QUADROS

Metalúrgica aposentada e usuária do transporte público, discorre sobre questão da tarifa dos transportes públicos. Comenta seu histórico de ativismo a favor da tarifa zero e pela melhoria da mobilidade urbana.

 

12 - GERSON BITTENCOURT

Engenheiro agrônomo e ex-deputado estadual, debate a bilhetagem eletrônica, tema de seu artigo no livro ora lançado neste evento. Lista as melhorias que essa tecnologia permite a mobilidade urbana.

 

13 - ROMULO ORRICO

Professor titular do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe-Ufrj, discorre sobre as relações entre a Academia e o estudo da mobilidade urbana. Comenta exemplos de projetos do setor na cidade do Rio de Janeiro. Afirma que o usuário do transporte público financia, injustamente, as melhorias urbanas para o transporte individual.

 

14 - JILMAR TATTO

Secretário Municipal de Transportes de São Paulo, considera que debater mobilidade urbana é tratar da democratização do espaço público. Critica as políticas públicas que investem grandes somas orçamentárias em obras que beneficiam somente o transporte individual. Considera a reconquista do espaço público um desafio aos administradores e moradores das cidades para a melhoria da qualidade de vida.

 

15 - PRESIDENTE JOSÉ ZICO PRADO

Faz agradecimentos gerais. Encerra a sessão.

 

* * *

 

- Assume a Presidência e abre a sessão o Sr. José Zico Prado.

 

* * *

 

O SR. PRESIDENTE - JOSÉ ZICO PRADO - PT - Havendo número legal, declaro aberta a sessão. Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos.

Com base nos termos da XIV Consolidação do Regimento Interno, e com a aquiescência dos líderes de bancadas presentes em plenário, está dispensada a leitura da Ata.

Companheiros e companheiras, vamos dar início à nossa sessão solene. Primeiramente, boa noite a todos, sejam bem-vindos. Quero agradecer a presença de todos. Para formar a Mesa queremos convidar os companheiros e companheiras que estão aqui. Gostaríamos de anunciar o Jilmar Tatto, secretário municipal de Transportes de São Paulo; Romulo Orrico, professor titular do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ; Evaristo de Almeida, organizador do livro; nosso companheiro e sempre deputado, Gerson Bittencourt; Karina Leitão, professora da FAU/USP; Simone Scifoni, professora da FFLCH/USP.

Comunicamos aos presentes que esta sessão solene está sendo transmitida ao vivo pela TV Web, e será transmitida pela TV Assembleia no próximo domingo, dia 11, às 20 horas pela NET, canal 7; TV Vivo, canal 9; e pela TV Digital Aberta, canal 61.2.

Convidamos todos os presentes para, em posição de respeito, ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro.

 

* * *

 

- É executado o Hino Nacional Brasileiro.

 

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O SR. PRESIDENTE - JOSÉ ZICO PRADO - PT - Queremos citar a presença do professor Ubiratan de Paula Santos, da Escola de Medicina da USP; Eduardo Dias, representante do deputado estadual Marcos Martins; Isabel dos Anjos, representante da Fundação Perseu Abramo; Eduardo Fagnani, professor da Unicamp; Carlos Murilo, diretor da CUT de São Paulo; Meire Quadros, usuária do transporte público; Eduardo Pacheco, metroviário; Juarez Mateus, sindicalista; Marlene Furino, metroviária; Ana Odila de Paiva Souza, diretora de Planejamento de Transportes da SPTrans; Rosana Pires, da Superintendência de Especificação dos Serviços da SPTtrans; Rozane Sena, vice-presidente do Diretório Estadual do PT de São Paulo; Eduardo Guterra, presidente da Federação Nacional de Portuários e diretor executivo da CUT nacional.

Queremos agradecer também a todos que se fazem presente nesta sessão solene que tem a finalidade de lançar um livro de trabalho e de experiências, principalmente as que foram exitosas, de todas as políticas públicas no transporte público. Sou testemunha disso porque, há 26 anos, quando cheguei à Assembleia Legislativa, já tínhamos membros trabalhando e lutando pela melhoria do transporte público - o que naquela época não era nada fácil. Hoje, o Jilmar já colocou até ônibus com wi-fi e ar condicionado. No nosso tempo, íamos para o lado de fora pendurados na porta.

Graças a todas essas lutas chegamos até aqui. Quero dizer que é com muita satisfação que agradecemos à Fundação Perseu Abramo, junto com a liderança do PT e todos os companheiros e companheiras que elaboraram esse livro, que provavelmente vai servir de experiência para todos nós, que lutamos para que, cada vez mais, o povo brasileiro tenha condições melhores para viajar com o transporte público. Para fazer uso da palavra, quero chamar o organizador do livro, Evaristo Almeida.

 

O SR. EVARISTO ALMEIDA - Boa noite a todos que nos dão a honra de participar do lançamento do livro “Mobilidade Urbana no Brasil”. Quero agradecer a presença de todos - entre os quais se encontram minha mãe, meu pai, meu filho, meus irmãos, meus sobrinhos e sobrinhas, meus amigos, e todos que militam por um mundo melhor. Esse livro foi iniciativa do Setorial Nacional de Transportes do PT, em reunião organizada em Fortaleza, em 2014. Ele foi escrito em um ambiente muito difícil para o povo brasileiro, que sofreu um golpe de Estado e enfrenta um regime de exceção, em que os três poderes se mostram conduzidos por pessoas medíocres e levianas, conforme classifica Eugênio de Freitas.

O casuísmo é a marca registrada desses tempos sombrios. Rasgaram a Constituição de 1988 para retirar os direitos sociais e trabalhistas do povo brasileiro e os recursos naturais - principalmente para que o petróleo e pré-sal passem para empresas estrangeiras -, para que um projeto de nação soberana fosse enterrado junto com o futuro do povo brasileiro.

Temos muita luta pela frente para barrar esse processo que nos empurra em direção ao século 19, que compromete nosso presente e nos torna escravos do futuro. O fato da estreia do livro ser nesta Casa política é por dois motivos. Para prestar homenagem aos trinta e três autores e três autoras que deram o melhor de si para produzir os artigos, que são inéditos e merecem ser cumprimentados nesta sessão solene. O segundo é para lembrar que a mobilidade urbana, assim como todos os demais direitos sociais, é uma luta política - a grande política, para que todos os cidadãos e cidadãs lutem por seus futuros.

Agradeço todos os autores e autoras pela confiança que depositaram no projeto, alguns nem conheço pessoalmente. Vou ler textualmente o nome de todos. Adauto Farias; Afonso Carneiro; Ailton Brasiliense Pires; Altair Neri Bezerra; Ana Carolina Nunes; Andrew Oliveira; Bruno Elias; Eduardo Dias; Eduardo Fagnani; Eduardo Pacheco; Daniel Telles; Fernando Henrique Guimarães Barcellos; Gabriela Callejas; Gerson Luís Bittencourt; Gilberto de Carvalho; Jânio Ayres; Jilmar Augustinho Tatto; João Sette Whitaker Ferreira; José de Filippi Júnior; Juarez Bispo Mateus; Karina Leitão; Keiji Kanashiro; Letícia Leda Sabino; Lúcia Maria Mendonça Santos; Luiz Antonio Cosenza; Luiz Carlos Mantovani Néspoli - o Branco; Luiza Gomide de Faria; Marcos Bicalho; Maria Ermelina Brosch Malatesta; Marlene Furino; Meire Quadros; Mila Guedes; Nazareno Sposito Neto Stanislau Affonso; Rafaella Basile; Raimundo Bonfim; Ramiro Levy; Renato Boareto; Roberto Douglas; Ronaldo Tonobohn; Silvia Stuchi Cruz; Simone Scifoni; Tadeu Leite Duarte; Washington Quaquá e Ubiratan de Paula Santos.

Obrigado à Fundação Perseu Abramo, por ter abraçado o livro nas pessoas do Hamilton, Fátima, Rogério, Joaquim, Marcio, e de todos os diretores e funcionários que se esforçaram para que o livro se concretizasse. Também à bancada do Partido dos Trabalhadores, de todos os deputados que passaram nessa Casa. Ao deputado José Zico Prado e seu chefe de gabinete, Antonio Mentor, que possibilitaram a realização desse evento.

O que é o livro Mobilidade Urbana? É um livro constituído por 35 artigos abrangendo, de forma sistêmica, o tema dentro de uma concepção global. Não dá para discutirmos mobilidade sem falar das cidades. Algumas perguntas se fazem. Que cidades queremos? Qual sociedade construiremos? Nossas cidades serão inclusivas e sustentáveis - social e ambientalmente? Conseguiremos barrar a especulação imobiliária? Deixarão de expulsar os pobres das áreas centrais? Nossa sociedade será constituída por iguais? Todos terão empregos, salários decentes, escola e saúde? Ou continuaremos com cidades poluídas, em que apenas o valor de troca é levado em conta, beneficiando os poucos? Cidades com periferias sem serviços públicos de qualidade, em que os jovens negros são exterminados? A primeira cidade que citei é uma cidade biófila, com vida e futuro; a segunda, é uma cidade necrófila, com morte e sem futuro - como são muitas cidades brasileiras.

A escolha desse modelo de cidade é política - como na Ágora, em que os cidadãos atenienses definiam seus futuros. Lembrando um pequeno trecho de “Invocação à Mariama”, de Dom Hélder Câmara, que diz: “O mundo precisa fabricar é paz. Basta de injustiças! Basta de uns sem saber o que fazer com tanta terra e milhões sem um palmo de terra onde morar. Basta de uns tendo que vomitar para comer mais e 50 milhões morrendo de fome num só ano. Basta de uns com empresas se derramando pelo mundo todo e milhões sem um canto onde ganhar o pão de cada dia.”

Escrevemos o livro Mobilidade Urbana dentro do primeiro modelo de cidade, a biófila - a cidade cidadã para pessoas. Foram convidados metroviários, ferroviários, sindicalistas, usuários, cicloativistas, médicos, engenheiros e professores universitários do movimento popular para escreverem os artigos, que falam muito sobre o direito e a sustentabilidade das cidades. Não dá para falar sobre mobilidade sem conversar com a Habitação, Saúde, Segurança, Educação, planejamento urbano, ambiental e econômico. É um tema muito setorial. As cidades devem ter calçadas adequadas, ciclovias, transportes públicos de qualidade com redes metroferroviárias nas grandes cidades, sistemas de BRT, faixas exclusivas de ônibus, entre outras infraestruturas urbanas de transportes públicos, que devem ser feitas sem superfaturamento, formação de cartéis e aditivos a perder de vista.

As obras também não podem ser empurradas com a barriga, demorando além do tempo previsto inicialmente, como ocorre normalmente no País. É preciso controle social e transparência em sua execução e operação. Para construir tudo isso, é preciso ter recursos financeiros. O Brasil não pode continuar pagando 500 bilhões de juros para as famílias mais ricas. Não podemos mais tolerar que mais de 60 bilhões sejam sonegados pela parcela mais rica do País, que impostos sob juros e dividendos não sejam cobrados. Esses recursos seriam mais do que suficiente para implantarmos redes de transportes públicos de qualidade, com modicidade tarifária. Sem estancar essa sangria, o Brasil é inviável.

Devemos continuar reduzindo a velocidade nas cidades brasileiras. O caso de São Paulo é exemplar da quantidade de vidas que foram poupadas. Mudar isso apenas por convicção é insano. No Brasil, morrem mais de 40 mil pessoas vítimas do trânsito anualmente - enquanto no mundo são mais de 1,3 milhões. O uso do automóvel deve ser desestimulado, principalmente para ida ao trabalho e escola, como ocorre na Europa Ocidental, em que a população usa o transporte coletivo, apesar da taxa de motorização deles ser maior do que a nossa. Não podemos mais continuar jogando gás de efeito estufa no meio ambiente, como material particular, e outros gases que causam câncer, doenças cardiovasculares e até o Mal de Alzheimer - poluição essa causada principalmente pelos automóveis, que vitimam cerca de oito milhões de pessoas anualmente.

As mortes são tragédias urbanas. Até quando jovens - principalmente negros da periferia - vão continuar ficando deficientes ou morrendo por causa delas? As tarifas dos transportes públicos precisam caber no bolso do trabalhador, precisamos de fundos para custeá-las. É dentro do espírito libertário que escrevemos esse livro, dedicado ao nosso companheiro Wagner Francisco da Silva, coordenador do Setorial de Transportes de Pernambuco, e membro do Coletivo Nacional, que, infelizmente, não se encontra mais conosco. O Setorial Nacional de Transportes do PT também homenageia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Vana Rousseff pelo muito que fizeram pelo povo brasileiro. Poderíamos considerar os últimos 13 anos como época de ouro da nossa história.

Seguiremos o exemplo de Galileu Galilei que, mesmo em uma situação desfavorável, em um gesto de resistência, murmurou entre os dentes: “E pur si muove!”. A Terra se move em torno do Sol, e não o contrário.

Enfim, para terminar, nossa utopia é a mesma de Rosa Luxemburgo, “por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”. Obrigado.

 

O SR. PRESIDENTE - JOSÉ ZICO PRADO - PT - Obrigado, Evaristo. Queremos anunciar as presenças do Nilton Del Valle, representando a deputada estadual Marcia Lia; nosso chefe de gabinete da liderança do PT, Antonio Mentor; deputado Hamilton Pereira; Arnaldo da Silva, e Carlos Vieira, representantes da S/A - Espaço Sociedade e Ação de Tiradentes.

Queremos agora conceder a palavra a Sra. Karina Oliveira Leitão, professora da FAU/USP, que falará sobre o direito à cidade.

 

A SRA. KARINA OLIVEIRA LEITÃO - Boa noite, eu tinha feito uma fala escrita, mas acho que eventualmente falarei de improviso, por termos tornado esse ambiente tão cerimonioso em uma fala de luta, que reconhece os conflitos nas cidades. Esse foi o tom do artigo que o Evaristo encomendou para nós do Laboratório de Habitação. Estou aqui representando o João Sette Whitaker, secretário de Habitação e também membro do nosso laboratório.

Achei importante mencionar que, em muitos momentos, senti-me meio constrangida por pensar no que diria sobre mobilidade em meio a tantos especialistas, pessoas que são, para nós, urbanistas e planejadores urbanos, referência. Estou vendo vários deles aqui na plateia e na Mesa, mas em alguma medida achei que seria muito importante. O Evaristo teve uma super paciência, esperando o texto dos acadêmicos. Sempre somos os mais enrolados no meio desses militantes, divididos em muitas tarefas. Mas foi importantíssimo, e agora, vendo o resultado do livro e a fala do Evaristo, reitero aquilo que nós, que trabalhamos com o urbano e lutamos pelo urbano, entendemos.

Tudo está junto. Habitação, cidade, Saúde e Educação não podem ser vistos separadamente. É o que se fala em um livro que está evidentemente pensado na crise da mobilidade urbana, pensado no que é essa crise nas metrópoles brasileiras. Para mim, sempre fica o registro do que é a minha memória na vivência das cidades amazônicas, onde, em muitos casos, ainda lutamos para termos ônibus. Enquanto a luta em São Paulo e nas metrópoles onde vivemos a maior crise de mobilidade urbana é pelo transporte de massa de maior qualidade, completamente integrado, com alcance metropolitano, não podemos esquecer que no resto do Brasil há cidades que ainda lutam por condições muito diferentes - o buraco é muito mais embaixo.

Gostaria de ressaltar isso para vocês. Acho que esse livro está pensado por especialistas que pensam a metrópole, mas as cidades médias e pequenas no Brasil ainda têm problemas que não são menores do que aqueles que temos vivido nas metrópoles. A encomenda do Evaristo era para tratar da mobilidade no campo, daquilo que entendemos como o tal direito à cidade, que é um conjunto de palavras muito esgarçado no meio acadêmico, na militância e na própria pauta política. Infelizmente, conquistamos muito pouco nesses anos, apesar de termos feito e lutado muito.

O que queríamos, como urbanistas progressistas, que lutam pelo direito à cidade, é aquele direito inspirado por vários teóricos marxistas, que falavam da utopia de uma cidade democrática e humanizada. Cabe a nós pensar o que tem a ver entre mobilidade no campo e direito à cidade. Talvez dos setores que compõem a luta pelo urbano, a mobilidade seja o setor mais central - é nela que há uma disputa muito importante pela organização das cidades. Essa disputa, como nos ensina o professor Whitaker, não é só pelo espaço, mas, sobretudo, pelos tempos de deslocamento.

Nessa disputa, quem ganha são as elites, e não a população trabalhadora, que se desloca muito mal, perdendo muito tempo no trânsito, gastando muito dinheiro para se deslocar. Foi esse o tom do artigo que eu gostaria de convidá-los a ler. Vocês verão que é um tom um pouco diferente dos outros artigos, porque é acadêmico. Permitimo-nos sonhar e falar das quimeras, de nossas utopias e a vontade que temos de que essa pauta do direito à cidade seja radicalizada, que comecemos a lutar por cidades mais justas de fato, para muito mais daquilo que sonhamos. Por condições melhores de acesso ao solo e pelo entendimento daquilo que alguns teóricos urbanistas da minha faculdade defendem - que entendem muito mais do setor de transporte. O professor Whitaker, e todos os orientandos dele, diriam que não podemos aceitar a construção de um mito em torno da falta de recursos para transportes - isso tem sido uma tradição no Brasil. São reiteradas as desculpas esfarrapadas, para que não invistamos com o montante e permanência necessária, que não recursos homogêneos de nosso território.

Nós, militantes, em cada uma de nossas áreas, precisamos entender que esse mito é favorável àqueles que ganham dentro dos deslocamentos nas cidades, e não à população como um todo. Acho que vale a pena recuperar um pouco dessa ideia porque, talvez, esse livro esteja no meio de tantos especialistas. Assim como vários urbanistas de outros setores, sou uma pessoa mais especializada na área de habitação - por mais que eu entenda a questão no Brasil e no mundo periférico dentro do capitalismo, as pessoas conseguem se virar para morar.

No Brasil, sabemos como o trabalhador faz - ele constrói sua própria casa, se vira, dá um jeito. A questão da mobilidade não é assim, é o Estado capitalista moderno que deve prover. Falamos de uma infraestrutura, e temos que lutar para que o Estado continue provendo recursos com a qualidade de homogeneização e segurança que desejamos. É nesse sentido que quero que todos nós saiamos daqui entendendo que, talvez, das direções da luta urbana, a questão da mobilidade é uma das mais centrais da importância da construção de cidades mais democráticas e humanas, como sonhamos.

 

O SR. PRESIDENTE - JOSÉ ZICO PRADO - PT - Obrigado, Karina. Com a palavra, o Sr. Eduardo Fagnani, professor da Unicamp, que falará sobre problemas estruturais brasileiros.

 

O SR. EDUARDO FAGNANI - Boa noite a todos, quero saudar a iniciativa e dizer da importância da participação do Evaristo, que foi nosso maestro nesse processo todo. Dos 34 participantes do livro, certamente sou o que menos entende de transporte público e mobilidade. Sou um economista que procura tratar das questões sociais, e o que procuro destacar nessa minha contribuição para o livro é que a questão do transporte público hoje guarda relações mais amplas com o subdesenvolvimento do País.

O Brasil tem 500 anos de história, sendo 350 de escravidão. Nesse período todo, talvez tenhamos apenas 50 anos de democracia, interrompida em dois períodos. A ideia de cidadania e de direitos, como, por exemplo, na Inglaterra - lá os direitos civis surgiram no século 18, os políticos no 19 e os sociais no vinte. No Brasil, a escravidão é a própria negação dos direitos civis, porque o escravo não tem direito sequer à própria vida. Se pensarmos o Brasil cem anos atrás, éramos um país onde mais de 90% de sua população era analfabeta e morava no campo, vivendo ainda sob resquícios da escravidão. Somos um país de industrialização tardia - industrializamo-nos cem anos depois da Inglaterra - e sobre nossa transição demográfica, outros países levaram cem anos para fazê-la, e nós fizemos em 30 anos. Em 1950, 70% da população brasileira morava no campo, em 70 e 80, essa porcentagem passou para moradores de cidades. Somos um dos poucos países capitalistas que não fez reforma agrária - que não é coisa de bolivariano, mas uma reforma capitalista, porque procura segurar as pessoas no campo para não inchar as cidades, ao mesmo tempo em que produzem alimentos.

Temos que pensar a questão do transporte público nessa perspectiva histórica e estrutural mais ampla. A conclusão que destaco nesse artigo é que, dado esse contexto todo, o Brasil nunca contou com políticas de estado, transporte público e mobilidade que fossem compatíveis com nosso passado e as demandas que foram crescendo na urbanização e democracia.

Até 1973/74, prevalecia os condicionantes da indústria automobilística, não só para o transporte de passageiros de carga, mas nas cidades. O setor automobilístico continua até hoje ditando as regras para as cidades. O único período em que o país teve algum arremedo de uma política nacional de mobilidade foi na ditadura militar, porque em função do descaso, a população começou a quebrar os trens, o que fez com que os militares tivessem que intervir. Naquele momento, foi feita pela primeira vez uma política nacional de transportes públicos, mas isso só durou até 82, com a crise internacional.

Depois, nos anos 90, tivemos o neoliberalismo - o mercado manda com as privatizações e concessões. São poucos os metrôs no mundo que são privatizados - alguns até privatizaram, mas reestatizaram, como na Argentina. No entanto, vemos, aqui, o Rio de Janeiro com metrôs e trens privatizados, e onde não é são concessões do setor privado.

No último período, a partir de 2003,2005, houve uma tentativa de reorganização desse processo. O Ministério das Cidades fez uma série de medidas que, em 2011 ou 12, desaguou no Plano Nacional de Mobilidade, uma medida importante e, pela primeira vez, a partir disso, com o PAC - Plano Nacional de Aceleração do Crescimento - o governo federal voltou a investir em transporte público.

Infelizmente, esse processo em curso foi interrompido, e hoje o que assistimos é um golpe parlamentar que representa uma oportunidade para que os detentores da riqueza financeira façam de chofre o que eles tentam fazer há mais de 40 anos, e não conseguiram por vias eleitorais. Um projeto desse tipo foi derrotado nas últimas quatro eleições. O que está em curso hoje, no Brasil, é uma tentativa de implantar um projeto ultraliberal e conservador. Nesse contexto, um dos objetivos é fazer com que o gasto público no Brasil - que hoje é em torno de 19% do PIB - vá para 12%, o que nos levará à comparação com um conjunto de 20 países africanos.

Há um processo de desmonte do Estado social em favor do Estado mínimo liberal, e, nesse contexto, todos os instrumentos necessários para o desenvolvimento e superação do nosso subdesenvolvimento histórico estão sendo destruídos. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, que sequer enfrentou suas desigualdades no século 19. Morrem dez jovens assassinados por dia no Brasil, sete sendo negros. No Maranhão, morrem 13 jovens, sendo dez negros. Não resolvemos sequer nossas desigualdades históricas do século 19 e 20, e agora temos as demandas do século 21, que tem a ver com o envelhecimento da população. O que o Congresso Nacional fez anteontem foi mandar uma PEC da Previdência Social, que tornará o Brasil um dos países campeões do mundo em regras de exigências para aposentadoria. Isso é absolutamente descabido num país que detém os piores índices de distribuição de renda do mundo.

Essa foi um pouco da minha perspectiva e análise. Quero dizer que o pêndulo da história foi para um lado, mas nossa história não termina. Acho que a elite brasileira não é inteligente, porque nunca vi, no capitalismo, ela sequer sendo capaz de aproveitar o crescimento da renda e emprego, e isso implicou no ponto de vista de lucros de grandes financeiros. Eles querem um país para 10% ou 20% das pessoas. O que vai acontecer é que eles querem um capitalismo sem consumidores - as medidas em curso gerarão um aumento da desigualdade. Usarei uma expressão forte, mas daqui três ou quatro anos faltará esparadrapo em postos de saúde, as tensões vão se acirrar, e quando esse pêndulo voltar, será com muita força. Muito obrigado.

 

O SR. PRESIDENTE - JOSÉ ZICO PRADO - PT - Obrigado, professor Eduardo. Com a palavra o Sr. Ubiratan de Paula Santos.

 

O SR. UBIRATAN DE PAULA SANTOS - Obrigado pelo convite. Quero agradecer a paciência do Evaristo para coordenar a produção do livro. Não sei se sou menos entendido de mobilidade que o Fagnani, porque sou médico pneumologista, mas estou aqui porque me chamaram para escrever um artigo sobre a poluição do ar.

Vocês sabem que, depois da Segunda Guerra Mundial, o principal componente poluente no mundo tem origem nos veículos automotivos - é mais do que a indústria e as queimadas agrárias. No mundo, a poluição do ar mata de três a quatro milhões de pessoas por ano - sendo, no Brasil, de 25 a 30 mil pessoas, e metade das mortes por acidentes, como foi relatado por aqui.

A espécie humana morreu até 1930 de guerras e infecções - os antibióticos começaram a ser introduzidos no mundo, em escala maior, depois da Segunda Guerra Mundial. A penicilina foi testada nesse momento, então nossos pais e avós - os mais velhos como eu - viveram sem antibióticos. Nosso corpo desenvolveu, desde o homo sapiens, um bom mecanismo de combater infecções.

O contato com poluição começou da Revolução Industrial para cá, uns 250 anos, fazendo com que não desse tempo para nosso organismo se adaptar a isso de maneira adequada. Quando inalamos um poluente, respondemos da mesma maneira que combatemos uma bactéria e um vírus. Como é um produto químico, ele não consegue combater, e se autoagride com doenças no coração, pulmão e cérebro.

O mais grave é que, no Brasil, as opções de carro, em São Paulo particularmente, foram muito estimuladas pelo prefeito Prestes Maia. Ele foi um dos principais organizadores da prioridade do transporte individual na capital.

Nosso atual rapaz eleito pode reviver isso de maneira mais moderna, propondo ampliação das velocidades nas marginais, criticando ciclovias, na contramão da história e do que se quer. A questão do estímulo para escrever esse livro é que somos grandes defensores das pessoas andarem a pé, de bicicleta e de transporte público. Andar a pé não por falta de transporte, mas como estímulo para fazer exercício físico, importante para a saúde. A poluição mata de três a quatro milhões, e a falta de atividade mata mais outros três milhões, então a combinação de exercício com baixar a poluição tem um impacto muito grande para a população. Daí a razão de tratar um pouco sobre isso no livro.

É inadmissível que uma cidade desse tamanho tenha uma rede de metrô parecida com Santiago, no Chile, que tem um quarto da população. É um desgoverno que começou com Prestes Maia, depois os governos da ditadura militar e, infelizmente, não conseguimos reverter essa situação até hoje. É claro que houve políticas e várias medidas durante os governos progressistas, mas foram insuficientes. Principalmente o do Aloysio e o da Marta, em épocas de grandes crises. E, atualmente, a partir de 2012 especialmente com a situação. Mas acho que fomos tímidos, nacionalmente, nos 12 anos de governo, para enfrentar essa questão com medidas mais ousadas.

Concordo com o Fagnani, estamos numa situação difícil, de predomínio de uma direita que apeou um governo eleito pelo povo. A democracia tem dois pilares, a burguesa, no mundo ocidental. A justiça é igual para todos, mas mais para um que para outro. O povo pode, de vez em quando, reparar as injustiças do sistema, através do voto. Ele repara uma parte do que o capitalismo provoca de desigualdade, e agora eliminaram essa questão. É um dos pilares de uma democracia liberal. Eles apearam o governo sem nenhum projeto - é algo irresponsável, porque nem conseguiram construir uma hegemonia, com apoio da mídia, Congresso, da classe empresarial e da Justiça. Nem assim conseguem ter um projeto, deixando o País descer ladeira a baixo na economia, nos valores sociais e desanimando toda a população brasileira.

Teremos que lutar contra isso com paciência, contra a maré. Espero que consigamos ter unidade e aglutinar forças para resistir e conseguir encantar a Nação com algum projeto político, para sair da entrelaçada que o golpe nos meteu. Muito obrigado.

 

O SR. PRESIDENTE - JOSÉ ZICO PRADO - PT - Obrigado, Ubira. Agora convido para fazer uso da palavra a Sra. Cyra Malta, que falará sobre o cicloativismo.

 

A SRA. CYRA MALTA - Boa noite a todos, quero agradecer ao Evaristo pela ousadia, ele insistiu muito para algumas coisas e fez um convite irresistível. Vejo que seu convite é ainda mais importante pela composição da Mesa e pela presença massiva de mulheres. Não posso deixar de falar sobre isso. O Evaristo me passou uma missão, o secretário Tatto nos conhece bem, e sabe como funcionamos.

Em nome do movimento cicloativista, é importante reconhecermos que há um movimento bastante antigo, de muita gente, que reivindica a democratização e o convívio viário, a partir da mobilidade por bicicletas. Na cidade de São Paulo, há uma disputa muito grande, não é uma realidade. Em várias cidades, a bicicleta é o meio de transporte - tanto que uma das políticas federais mais importantes foi justamente o programa desenvolvido por nosso prefeito, Fernando Haddad, como ministro da Educação na época, de incentivo à bicicleta como meio de transporte das crianças no meio rural. Quando você vai para Ubatuba, vê que todos caminham, mas aqui em São Paulo, vamos para a rua brigar e exigir, e desenvolvemos um diálogo com o Estado.

É um processo. Temos a Massa Crítica, um movimento de bicicletas na rua em períodos noturnos. Temos muita gente que viaja de bicicleta, uma infinidade de motivos para que esse veículo faça parte. Temos um movimento de ciclistas que vai para a Avenida Paulista toda última sexta do mês e fala: “Mais amor, menos motor” ou “Menos carro, mais bicicleta” - e nós fazemos esse movimento. Tivemos mortes terríveis com ciclistas, conflitos destes com veículos, alguns mais focados pela mídia, o caso da Márcia Prado, por exemplo.

Inclusive, temos uma rota de cicloturismo, que vai até Santos, batizada com o nome dela. Só não conseguimos avançar direito com essa ciclo-rota. Todas as cidades querem, menos a rodovia. Um dia desses ainda faremos. Última vez tinham dez mil pessoas. Temos todo um potencial de desenvolvimento econômico, turístico e sustentável na região sul de São Paulo, democratizando e possibilitando.

O Evaristo me passou uma tarefa difícil, mas somos bastante combativos. Essa administração levou adiante. Na cidade tem o Pró-Ciclista e mais um monte de políticas públicas que aconteceram, para tirar o projeto do papel. Tem até a ciclovia do Maluf, que é na Faria Lima. Mas tirar a ciclovia do papel - porque planejar todo mundo quer - é a crítica que veio para essa gestão Haddad, que propôs tirar do papel e montar a malha cicloviária, foi algo que nos deixou de bocas abertas.

Inclusive, uma manifestação que fizemos foi depois do acidente do Davi, que perdeu um braço. Fomos para a porta do Haddad gritar, que até virou um vídeo do filme “Bike versus Cars”. Essa manifestação aparece no filme. Pela primeira vez, fomos recebidos por alguém na porta - não foi o Haddad, mas o filho dele.

Isso foi interessante, porque a partir daí tivemos o primeiro encontro com o prefeito - mas que pediu que fosse na Prefeitura, e não na porta de casa. Fomos lá, apresentamos uma pauta e desenvolvemos todo um trabalho conjunto, que se não fosse a pré-disposição da administração em constituir espaços participativos, em dialogar, tirar os projetos do papel e investir, talvez não tivéssemos a malha cicloviária que temos hoje. Esse é um reconhecimento de quem vai para a rua. Não é que os ciclistas não têm críticas, mas é a primeira vez que conseguimos enxergar um espaço. Quem é ciclista de antes da infraestrutura cicloviária sabe diferenciar o que acontece no trânsito.

Na manifestação que fizemos depois da eleição, já que o futuro prefeito declarou que vai aumentar a velocidade e retirar ciclovias, fomos para a porta da casa dele. Eu não fui, mas teve uma boa galera que foi, e falaram que teve muita gente que não fazia parte do movimento, tudo gente nova. Eu, que não sou muito favorável à malha cicloviária, jogo-me no trânsito - mas reconheço. A partir da fala desses novos ciclistas, reconheço a importância que tem a estrutura cicloviária. Antes de 2009, não havia nenhuma estrutura. As pessoas que foram no dia 5 na porta do Doria são ciclistas, em sua grande maioria, da infraestrutura cicloviária, que querem que a mantenham.

Mas é isso, ir para a rua é uma tarefa. Talvez nem todo ciclista concorde com todas as propostas de governo do PT, mas a grande maioria concorda com a infraestrutura, até quem não é ciclista. Vou trazer um dado interessante para refletirmos. A política Serra-Kassab, através de uma política do Eduardo Jorge e do Walter Feldman, reforçava a característica da bicicleta como elemento de lazer, e não como veículo de transporte. Era o que dava para fazer, inventaram a ciclofaixa de lazer, que foi um sucesso, igual à rua aberta. Essas ações entregam uma parte da cidade para uso mais compartilhado. A ciclofaixa de lazer não é suficiente, mesmo quando você olha os dados de aprovação. E também foi naquele período que teve uma atividade no Parlamento da Câmara Municipal, que tirava ideias de o que as pessoas gostariam. A mobilidade era central na demanda da população.

Você olha os dados de aprovação de planos, se a pessoa quer ou não quer bicicleta, e você tem 80% de aprovação de uma política voltada para isso. As pessoas apoiam a bicicleta. Mas a mídia fez o que fez com a proposta cicloviária e o índice caiu para 54 por cento. Tínhamos 80% de aprovação e caiu tudo isso. Com toda a campanha contrária, é possível verificar o quanto a mobilização dos ciclistas é importante.

Uma das mobilizações muito significativas para nós foi o ataque do Ministério Público, pedindo a suspensão das obras de ciclovias da São João, que estava andando. E nós resolvemos ir para as ruas, com sete mil ciclistas. Nós queremos ciclovias, ciclovias ruins são as não conectadas. Nós também defendemos que não queremos um quilômetro a mais de velocidade.

Essa é nossa posição. Ciclista quer cidade para pessoas, cidade humana e compartilhada, cidade não desigual, de acesso. Cidade onde as pessoas possam conviver. Esse é nosso foco. Não é apenas a bicicleta, nós somos centro, periferia. As várias centralidades da cidade reconhecem as dificuldades e nos movimentamos para isso. Quem imagina que é apenas o pessoal da Vila Madalena que anda de bicicleta é porque não participou de nossas contagens de ciclistas, e nem percebe a importância que temos nas periferias e nos acessos. O secretário sabe bem nossa briga de resolver o problema das pontes. Aqui dentro até conseguimos andar bem, mas para atravessar ponte é preciso perna e correr muito.

 

O SR. PRESIDENTE - JOSÉ ZICO PRADO - PT - Obrigado Cyra, por sua participação. Convido a Sra. Ana Carolina Santos Nunes, que falará sobre os pedativistas, movimento das pessoas que andam a pé.

 

A SRA. ANA CAROLINA ALMEIDA SANTOS NUNES - Boa noite a todos e todas. Pedativismo ainda é uma palavra um pouco impronunciável, estamos buscando a melhor maneira de colocar, porque tentamos traduzir do espanhol. Mas vamos abrasileirar essa tradução da melhor forma possível. Primeiro, gostaria muito de agradecer o convite para escrever o artigo e falar aqui, junto com várias pessoas que participam de entidades do movimento pelos direitos da mobilidade a pé. Escrevemos um artigo sobre a história do ativismo pela mobilidade a pé, especialmente em São Paulo, mas que reverbera no Brasil inteiro.

Há uma pesquisa muito interessante chamada “Como Anda?” - recomendo a todos que procurem os resultados -, feita pelas ONGS Idade Ativa e Corrida Amiga, que fez um perfil de quais são os movimentos coletivos que trabalham com mobilidade a pé no Brasil. Verificou-se que houve um certo estouro desse movimento a partir de 2013, e que tem um pouco a ver com a pauta da mobilidade urbana nos protestos de 2013, mas também o quanto o movimento se espelha no cicloativismo, que conseguiu conquistar alguns avanços e colocar a pauta da mobilidade ativa, da cidade para as pessoas, no debate sobre mobilidade urbana. Vejo com bons olhos o fato de hoje ser dificilmente falado sobre mobilidade urbana sem considerar que, pelo menos, existe uma tendência em se falar sobre mobilidade ativa, ainda que a abordagem esteja um pouco crua.

Por que é tão importante colocarmos um movimento para defender a mobilidade a pé? Quando falamos de pedestres, somos aqueles que são lembrados pelos planejadores, normalmente quando geramos problemas - vulgo sermos atropelados e as providências terem que ser cobradas. Infelizmente, quando se pensa em um viaduto, uma ponte, uma nova avenida, estradas, dificilmente se pensa onde as pessoas se colocarão fora dos carros, e isso vale também para bicicletas.

O que acontece é que quando essas obras estão constituídas e as pessoas ocupam os espaços, começam a causar problemas, principalmente para os operadores de tráfego. Então, pensam em tirar as pessoas desses lugares. O debate sobre o limite de velocidade nas marginais mostra muito isso, porque tivemos o caso de uma entidade - a Ordem dos Advogados do Brasil - falando em pedestre suicida. Como se o problema das velocidades altas nas marginais fosse o fato de ter pessoas ocupando esses espaços, então, que se retirassem essas pessoas e resolvesse o problema. Enquanto isso, nos perguntamos por que as pessoas vão parar nesses espaços, ao invés de nos perguntarmos por que não estão em espaços adequados - pessoas não conseguem caminhar nesses espaços.

Por que em uma cidade como São Paulo, para eu ir de um lado para o outro de um rio, tenho que andar três ou quatro quilômetros para alcançar uma ponte, me arriscar nas alças de acesso? Por que existem pontos de ônibus em locais absolutamente inacessíveis? Por que temos travessias na cidade que são verdadeiras armadilhas? Nós desenhamos a cidade dessa maneira, criando a todo tempo condições muito precárias para as pessoas se deslocarem a pé. Essa é a visão que queremos colocar, a partir das pessoas que se deslocam com a energia do próprio corpo.

Nossa pauta abraça várias outras. Não se pode falar de cidade para as pessoas e mobilidade sem considerar a questão da acessibilidade universal, porque a cidade só é decente para todos e todas quando for acessível universalmente. E também entendendo que nosso diálogo com o movimento das bicicletas é muito importante, porque somos o elo mais frágil de toda essa estrutura. Inclusive, temos que combater essa pauta que a imprensa tenta colocar, que para enfraquecer seu adversário você tem que separar, mas precisamos unir forças entre pessoas que defendem o direito dos usuários das bicicletas e o direito das pessoas que andam a pé, para conseguirmos combater nosso inimigo que, bem delineado, é o rodoviarista. Pensar a cidade para os carros, tirar o espaço do transporte público, calçadas e ciclovias para dar mais espaço para os carros.

Há um aspecto bastante importante, que a professora Karina colocou, sobre como o direito à cidade também está pautado pelas questões da desigualdade socioeconômica. Quando falamos de pedestres, não é uma categoria homogênea. Todo mundo anda a pé em algum momento do dia, mesmo fazendo os deslocamentos majoritariamente de carro, então você encontra de todos os níveis econômicos. Mas quando falamos do porquê de os pedestres serem esquecidos, isso também é fruto de um marcador de classes.

As pessoas que mais andam a pé nas cidades são as que menos têm acesso a recursos e transporte público. Quando consideramos que nas cidades as mulheres das periferias, que enfrentam tripla jornada, as crianças e idosos são as pessoas que mais andam a pé, entendemos o quanto isso envolve uma questão das pessoas que não interessam tanto para o capital.

Entendemos como as cidades foram desenvolvidas, devem ser pensadas para o fluxo dos capitais, fazendo as pessoas saírem de suas casas, trabalharem e voltarem, que era a visão dos planejadores, que também tem muito a ver com o gênero deles. Majoritariamente, os planejadores das cidades são homens, então, pensam na produção. Toda essa outra parte, de como as pessoas estudam, onde vão se encontrar, como elas convivem e sobrevivem nessas condições da cidade ficou totalmente de fora.

Hoje, vendo o caos que viraram as cidades e a verdadeira carnificina que temos no trânsito, se não voltarmos a olhar para esses fatores humanos, não conseguiremos reverter isso, e nem em pensar num contexto da cidade para todos e todas. Convido todos a conhecer os trabalhos desses coletivos e organizações, estamos bem descritos no artigo.

Destaco, mais uma vez, um apelo que gosto de fazer sempre que vamos nos apresentar, para que os tomadores de decisões na área de mobilidade urbana busquem cada vez mais colocar perspectivas dos usuários do sistema de mobilidade urbana. Mais do que o conhecimento técnico, precisamos trazer também as experiências dos usuários em todos os meios de transporte, para conseguirmos pensar esse sistema em cidades cada vez mais equânimes e justas.

Que não sigamos matando pessoas de maneira naturalizada, como fazemos hoje em nossas cidades. É isso, obrigada.

 

O SR. PRESIDENTE - JOSÉ ZICO PRADO - PT - Obrigado, Ana Carolina. Chamo agora para fazer uso da palavra o Sr. Eduardo Pacheco e a Sra. Marlene Furino.

 

O SR. EDUARDO PACHECO - Boa noite a todos e todas. Nós dividimos nossa vida, o texto e o espaço na fala da intervenção, também. Em nome do deputado Zico, quero agradecer aos deputados da Casa por ceder espaço. Já tivemos reuniões de mobilidade aqui, principalmente dentro do PT, com um desequilíbrio muito maior entre homens e mulheres. Karina, o que vemos aqui é muito mais equilíbrio e qualidade das intervenções e das mulheres aqui presentes.

Quero também agradecer ao Evaristo pelo carinho, atenção e seriedade com que ele levou esse trabalho por mais de um ano, desde a decisão até contatar as pessoas, foi um trabalho violento. Também quero agradecer à Fundação Perseu Abramo, por ter bancado um projeto que, no começo, era tão pequeno, e hoje sai maior. Há mais alguns companheiros históricos aqui, como o Jilmar, o Romulo, o Gerson, que já militam há bastante tempo.

Falei um pouco sobre a questão do transporte sobre trilhos nesse texto. Sabemos das dificuldades, porque hoje o transporte sobre trilhos em São Paulo é a bola da vez. Sabemos do papel do transporte, que é estruturador e participa do desenho da cidade. Mas a intervenção que o transporte sobre trilhos faz é definitiva em uma cidade. Onde se coloca um trilho, seja de trem ou metrô, interfere-se significativamente na vida e no desenho do município.

Eu estava lendo um livro do Boris Fausto em que ele fala sobre o crime do restaurante chinês. Ele lembra de uma história antiga na cidade de São Paulo, sobre o trem no Brás. O trem era uma segregação, ele criava uma barreira para que as pessoas que moravam do lado de lá do trilho não fossem para o lado de cá da cidade. Acho que esse desenho que ele deu foi muito feliz para falar da elitização que temos no espaço público. Saímos da discussão de transportes, passamos para uma de mobilidade urbana, e estamos avançando para uma discussão de democratização do espaço social. Esse é o objetivo do livro.

Nessa parte de trilhos nós temos deficiência. Eu estava fazendo cálculos. Algumas pessoas nascerão, se tiverem sorte vão estudar, com mais sorte ainda entrarão no mercado de trabalho, se forem muito felizes se aposentarão e, democraticamente, como todos, vão morrer sem ver a malha do metrô dobrar de tamanho. Essa é a perspectiva.

Nós vamos levar 180 anos para ter um metrô do tamanho que Londres tem hoje. Essa é a herança que os anos do governo do PSDB fizeram no transporte. É a degradação, o sucateamento de um setor que foi o ápice da tecnologia brasileira, formando mão de obra e especialistas, desenvolvendo empresas, produtos e métodos de engenharia que foram ímpares no mundo - e que hoje está complemente abandonado nesse desmonte que está sendo feito.

Para vocês terem uma ideia do metrô, quando falamos em concessões - que, felizmente, em última pesquisa parece que só quatro pessoas aprovaram - na Linha-4 a tarifa não é de R$ 3,80, é maior. Foi um contrato muito bem feito para alguns, então o Estado tem que arcar com essa diferença em favor do consórcio da CCR. Chegamos em 2014 com uma bagatela de R$ 340 milhões. O que o secretário e presidente do Metrô fazem? Repassam esse dinheiro para o metrô, e então colocam na conta como prejuízo. São R$ 60 milhões de gratuidade e não reembolsam, colocam como prejuízo. Quando se vê o estado que o metrô está hoje - não crescendo e avançando, faltando empregados, e cada vez faltarão mais. Hoje, na “Folha”, saiu a notícia do déficit de mais de 600 funcionários, e isso vai aumentar. Para onde vai tudo isso?

Uma reforma de três, onde a cada dois reformados, você faria uma aquisição de três trens novos. É como se você fosse reformar. Ao invés de comprar um carro novo, você reforma um carro com 20 anos de uso, sem colocar capa preta, lógico. Quem faz isso em sã consciência, hoje? Quem pega uma linha de trem e entrega para a iniciativa privada, para fazer manutenção? A empresa fala que está saindo do País e abraço. Hoje, temos o caso da Bombardier, que fornece o tão famigerado monotrilho, que não chegará a Tiradentes. Eu não sei se vai sair depois da oratória, do jeito que está não sei. Mas a Bombardier é uma empresa dessas. Por decisão, eles estão saindo do Brasil. Agora os trens, sistemas, material, peças de reposição, vamos conseguir onde tudo isso?

Esse é o desenho, é o estado de desmonte que está sendo colocado. É um desmonte que nem na época dos imperadores Fernando - o Collorido e o Henricado - conseguiram fazer. Agora, em São Paulo está sendo feito isso. Então, esse é o alerta que colocamos, é um pouco dessa discussão sobre os trilhos que fazemos no livro, para ver se, com pressão, conseguimos colocar o trilho nos trilhos. Obrigado, boa noite.

 

A SRA. MARLENE FURINO - Boa noite a todos e todas. Quero dizer em primeiro lugar que estou muito orgulhosa por participar desse grupo de pessoas, que discutiram o transporte por anos, de uma maneira tão encantadora. Muito orgulhosa de participar, muito orgulhosa do trabalho do Evaristo, que sempre foi um guerreiro. É muito difícil conseguir finalizar um trabalho como esse num mundo que não dá importância para questões de mobilidade, já que não rendem. Ainda mais porque lutamos para que ela seja pública - não rende muita coisa do ponto de vista do que os donos do poder entendem.

Primeiro retrato esse orgulho, e, depois, digo que, enquanto metroviária, vejo a transição para uma cidade menos humana, infelizmente. Nós vamos lutar muito para que as conquistas que tivemos nesse governo se mantenham. Falo de alguns detalhes que percebemos, que às vezes as pessoas não percebem - como, por exemplo, dos usuários de metrô terem diminuído nos últimos tempos. Por quê? Por uma série de acontecimentos, acidentes, etc? Mas tem algo que, para mim, foi um impacto muito grande, que, na maioria das vezes, as pessoas não percebem, que é a diminuição dos usuários e da arrecadação do metrô, em grande parcela, por conta dos corredores.

Aquela pessoa que começou a pegar o corredor e chegar mais rápido do que quando pegava os transtornos que tinha, isso é fato. Isso é algo que escutamos pouco, a mídia não fala, então nós, enquanto metroviários, temos que dizer, porque é o que sentimos quando eles chegam para nós e dizem que estão cortando verbas do Metrô porque a arrecadação diminuiu, ou tem problema. Na verdade, há outras questões que aconteceram e que tem a ver com o avanço na mobilidade do município, que reflete na falta de políticas de transportes do Estado.

Digo que, do ponto de vista da participação feminina, tudo bem, a Mesa pode ter só a professora Karina, mas no trabalho do livro, tivemos muitas. Durante a discussão do transporte, a mulher sempre foi prioritária. Para a maioria das pessoas, pode não fazer muito sentido, mas nós sempre tivemos a questão de cota presente no transporte. Sou uma pessoa que defende o feminismo o tempo inteiro, e optei por trabalhar nessa questão do transporte tanto por ser do transporte, como para cumprir cotas no setor e tratar de questões das mulheres, gêneros e minorias, tudo que não é tratado normalmente. Sempre tive uma acolhida dos companheiros e companheiras incomum, na maioria da sociedade.

Estou muito grata de participar desse momento. Espero que vocês façam uma boa leitura, muito obrigada.

 

O SR. PRESIDENTE - JOSÉ ZICO PRADO - PT - Obrigado Marlene e Edu. Não poderia deixar de mencionar dois companheiros metroviários que sempre estiveram junto conosco, que é o Ailton e o Marcão, além de tantos outros que nos ajudaram a debater sobre essa questão dos metroviários aqui na Assembleia Legislativa. Chamo agora o Sr. Juarez Mateus para falar sobre o sindicalismo e a questão do transporte.

 

O SR. JUAREZ MATEUS - Boa noite a todos, quero agradecer essa oportunidade, que talvez seja a primeira de muitas, porque é um desafio. Muitas vezes nós, trabalhadores do transporte, não somos incluídos no debate da mobilidade urbana e das políticas públicas de transportes. Nosso amigo Evaristo teve a capacidade de fazer esse livro pensando em envolver todos os segmentos que considera importante. Vi a companheira ciclista, a que trabalha com usuário, e todos os outros que se apresentaram aqui. Tudo isso é muito importante, porque não podemos pensar na mobilidade sem pensar nos atores do dia a dia. Nesse sentido, os trabalhadores do transporte são, muitas vezes, o maior problema, porque jogam sobre nossas costas quando não há transporte, e, na verdade, não nos dão condições para que os trabalhadores prestem como serviço o transporte de qualidade.

Assumimos responsabilidades que não são nossas, muitas vezes é do gestor, do operador, e muitas vezes é da falta de organização e mobilização da sociedade. Se não houver uma sociedade mobilizada, aquela linha continuará daquele jeito. Mas do contrário, fará com que os trabalhadores e a sociedade tenham uma melhoria do transporte, traz fatores positivos para todos.

Uma coisa é trabalhar com ônibus em boas condições - do ponto de vista da tecnologia, e não apenas uma visão empresarial, a tecnologia, muitas vezes, coloca uma catraca e retira os cobradores. Nós defendemos a renovação tecnológica que venha com intuito de melhorar a qualidade do serviço, dando condições de trabalho.

Para vocês terem uma ideia, a jornada de trabalho de um motorista é de, em média, cinco a seis mil marchas por dia, isso trabalhando, normalmente, por sete ou oito horas. Se considerarmos que a maioria dos trabalhadores faz turnos de mais de dez horas, imaginem - muitas vezes dobram, porque chegam ao ponto final sem troca. A situação dos trabalhadores é muito ruim.

A nossa responsabilidade, em 89 - na construção de um Departamento Nacional dos Trabalhadores de Transportes - e em 92 - na Confederação Nacional - foi organizar os trabalhadores aéreos, metroviários, ferroviários e portuários, imaginem a responsabilidade. Eu tive o prazer de ser presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Transporte, então vivi essa experiência de organizar esses trabalhadores com essa diversidade.

Desde os anos 80, quando participamos do Setorial Nacional dos Trabalhadores de Transportes, entendemos a importância de fazer uma ação conjunta, envolvendo trabalhadores e sociedade na melhoria da política de transportes no Brasil. O que nos deixa muito tristes é chegarmos em 2016 com uma perspectiva de um retrocesso em toda essa luta. Vários companheiros estão aqui, companheiros de 27 anos. Conquistamos e avançamos, brigamos muito com gestores públicos, mas fomos responsáveis em nossas ações do ponto de vista de garantir o serviço e a política pública de mobilidade urbana.

Também tive o prazer de estar junto na construção do Ministério das Cidades, para pensarmos uma política de mobilidade envolvendo o transporte, habitação, saneamento e uma política mais integrada, e não apenas setorial. Acho que foi importante a criação desse ministério, e agora, infelizmente, caminhamos para um retrocesso. Tivemos o prazer de sermos uma referência na cidade, e quero parabenizar nosso secretário de Transportes pelas ações afirmativas de aplicar a maioria de nossas bandeiras, como defensor da política pública, dando prioridade para o transporte público e para a construção de ciclovias, por ter um olhar diferenciado para o pedestre e por pensar em nossa sociedade, que caminha para a terceira idade.

Temos 15% de população idosa no Brasil, sendo 25% de deficientes. Temos que pensar políticas públicas para incluir esses cidadãos. Vejo uma visão que não concordo, acho que podemos discutir qual é a função do segundo homem no ônibus. Se é cobrador, apenas com a função de cobrar a tarifa, está em extinção. Mas ele tem o papel importante do ponto de vista da qualidade do serviço, do acolhimento e atenção que ele tem que dar ao idoso e ao deficiente, e às pessoas que precisam de informações. Nós temos que pensar em um transporte público que possa trabalhar essa questão com o viés de pensar na qualidade. Nós, como trabalhadores, queremos ônibus com condições melhores, assim como os metroviários, os portuários e aeroviários.

Vive-se uma crise não apenas da mobilidade urbana, mas também no ar. Enquanto cai avião por falta de combustível, nós vivemos isso em nossas cidades. A pessoa sai, mas muitas vezes fica no meio do caminho porque falta combustível nos ônibus. Isso sobrecarrega a responsabilidade do motorista, porque a população cobra por ele ficar no meio do caminho. Temos que ter uma gestão pública com responsabilidade, para fazer com que os empresários cumpram seu papel. Sou um defensor das políticas de subsídios, mas elas precisam de uma finalidade, não apenas dar dinheiro para empresários, sem ter um controle da população, um conselho popular e uma ação conjunta à sociedade para fazer uma fiscalização efetiva. Não adianta só dar o dinheiro para o empresário e não ter a qualidade do serviço.

É nesse sentido que quero agradecer ao Evaristo pela oportunidade de trazer essa contribuição, para que possamos pensar na questão da mobilidade de uma forma mais ampla. Os trabalhadores, usuários e ciclistas são bem-vindos. A partir daí, vamos construir uma sociedade diferente da que temos. Infelizmente, o momento é muito difícil e de retrocesso, mas depende de nós. É preciso mobilização por parte da sociedade civil e dos trabalhadores, para trabalharmos a questão do transporte público, da Educação, da moradia e da cidadania, para termos uma sociedade mais justa e igualitária.

 

O SR. PRESIDENTE - JOSÉ ZICO PRADO - PT - Obrigado Juarez. Agora passo a palavra a Sra. Meire Quadros, que falará sobre a tarifa.

 

A SRA. MEIRE QUADROS - Boa noite a todos e todas. Primeiramente, fora, Temer!

Quero agradecer ao Evaristo por ter me convidado a participar desse livro, e a todos os demais. Eu abordo uma questão que sempre defendi, não só eu, mas vários companheiros. Já foi ponto de debate na época em que a Erundina era nossa prefeita, que é a questão da Tarifa Zero, não nos moldes em que foi discutido há tempos atrás. Eu acredito que temos condições. Nós perdemos o passo na gestão Lula/Dilma de colocar isso em pauta, que é criar um Sistema Único de Transportes com Tarifa Zero - o SUT, nos moldes do SUS e da Educação.

Está na Constituição que o transporte é dever do Estado e direito do cidadão. O direito de ir deve ser garantido, e ele não é garantido. O transporte no Brasil é segregador - anda quem tem dinheiro para pagar a tarifa. Essa pessoa com dinheiro se locomove, mas as mulheres pobres da periferia estão segregadas em seu direito de ir e vir para procurar emprego, levar o filho ao médico, para ir à escola, até mesmo para diversão. Nós, mulheres trabalhadoras da periferia, muitas vezes não temos direito à tarifa, então, como os cidadãos se locomoverão e terão direito de igualdade e oportunidade da mesma forma que a pessoa com dinheiro tem? Essa pessoa anda de carro.

Todo mundo que me antecedeu falou da questão dos carros, bicicletas e andar a pé. Nós, além de não termos o dinheiro da tarifa, vamos andar a pé em uma cidade que não é planejada para isso. Muitas mulheres sequer podem andar de bicicleta, porque ela tem dois, três filhos para carregar. Portanto, é uma discussão que viemos fazendo há muito tempo, defendi muito isso na tribuna popular e em outros espaços. Em algumas conferências conseguimos avançar e fazer ser aprovado no relatório final, a criação do Sistema Único de Transporte com tarifa zero, para garantir o direito de todos e todas andarem no transporte público.

Muitas vezes falam que há muita gente andando a pé. Tem o movimento de quem quer andar a pé e tem aqueles que são obrigados, principalmente idosos na periferia. O idoso tem passe livre? Nem todos. Tem aquela faixa etária que não está nos 60, mas em transição, e não consegue emprego por estar acima dos 40, não está no mercado de trabalho, não tem renda, aposentadoria - não tem nada. É uma faixa etária esquecida. Não é jovem, adolescente e nem idoso - essa é a faixa mais segregada ainda. Quando se trata de mobilidade urbana, é muito complicado não pensarmos nessas questões todas, e, então, vem a moradia e todos os outros itens, que passam pelo transporte. Sem ele não chegamos a lugar nenhum, e para ele ser universal, precisa ser gratuito - no mesmo sentido do SUS e da Educação, que hoje querem tirar com a “PEC da morte”. Temos que resistir e lutar muito.

Nessa luta, temos que incluir o Sistema Único de Transportes. Isso deve ser colocado aqui na Assembleia pelos deputados, e começarmos a discutir isso em nossas bases em Brasília. Temos que discutir com responsabilidade para que tenha um fundo específico para o transporte. Hoje já tem o subsídio, que já é pago para os empresários. Podemos discutir uma forma de gerar o Sistema Único de Transporte, com tarifa zero. Esse é o desafio que abordo no livro.

Quero dizer também que no transporte, como usuária de ônibus, trem, metrô, e que também anda bastante a pé, as mulheres, além do assédio, são violentadas em seus direitos. Fisicamente somos mais fracas, e para entrar em um ônibus, muitas vezes temos que disputar no tapa, porque os homens entram primeiro, empurram. Já vi coisas absurdas.

Eu era moradora de Embu-Guaçu, há três meses moro em São Paulo. Não tive tempo de votar no Haddad, porém na minha cidade eu discutia muito. O Evaristo lembra que debatia muito a questão da EMTU - o pior transporte do estado de São Paulo. É uma violência contra o usuário, desde seu valor até suas condições - são carroças em cima de rodas.

Quem depende do transporte da EMTU, quando anda em outro meio de transporte, acha que está andando em primeiro mundo. Porém, desafio qualquer um aqui que pegue um ônibus São Paulo - Embu-Guaçu, principalmente em horário de pico. Além da passagem ser mais cara, o povo sofre muito mais. Isso é em toda a região metropolitana.

Essa é minha contribuição, agradeço muito por ter a oportunidade de trazer esse tema para colocarmos em pauta e discutirmos. Nós precisamos discuti-lo com seriedade, e é viável, desde que haja vontade política para isso. O empresário ganha muito e o usuário sofre demais.

Mais uma vez, fora, Temer! E volta, querida!

 

O SR. PRESIDENTE - JOSÉ ZICO PRADO - PT - Obrigado, Meire. Quero convidar para fazer uso da palavra o nosso sempre deputado Gerson Bittencourt.

 

O SR. GERSON BITTENCOURT - Boa noite a todos e todas, quero cumprimentar todos os integrantes da Mesa em nome do Zico, até para que não percamos muito tempo nas apresentações. Quero cumprimentar, sobretudo, o Evaristo, pela insistência, ousadia, cobrança e capacidade de articular um conjunto de temas e pessoas que, certamente, dão conta dos grandes desafios, e apresentam, também, um pouco da história e dos avanços da mobilidade urbana e do transporte nessas últimas décadas. O Evaristo está de parabéns por essa iniciativa.

O tema que me delegaram para escrever foi sobre bilhetagem eletrônica. Então, a partir dessa demanda, eu falei para o Evaristo que participei, em São Paulo, junto com o Jilmar, do processo de implantação do Bilhete Único na gestão da Marta, em 2004, e depois, em 2006, na implantação do mesmo bilhete na cidade de Campinas.

Vivi duas experiências como gestor público que podem falar do tema proposto para eu trabalhar. Eu digo no artigo que, nesses últimos anos, houve avanços significativos na mobilidade urbana e no transporte público. O conceito dos corredores, as faixas exclusivas, a tecnologia veicular, a lei da mobilidade urbana, que de fato inverteu a lógica, pelo menos do ponto de vista da legislação, de pensarmos a mobilidade e colocarmos o pedestre, o ciclista e o transporte coletivo e de carga como prioridade, e, só abaixo, o transporte de carros e motos.

Não podemos falar do metrô, também concordo com o Eduardo, senão como um elemento fundamental e estruturante do transporte público e da mobilidade, e aqui não vemos avanços substanciais - são de somente dois quilômetros por ano, com as concessões feitas. Então, há várias maneiras de pensarmos o transporte de forma integrada e diferenciada, de termos uma visão de que o usuário tem que ser prioridade absoluta no transporte público, respeito com os operadores e assim por diante. Acho que de todos esses avanços, a bilhetagem eletrônica foi fundamental para a concretização desse modelo, e avanços de forma mais integrada.

Acho que ela é fundamental, porque permitiu ao poder público ter o controle do sistema de transportes, da arrecadação, da utilização, da venda, do pagamento e assim por diante. Permitiu, com isso, a transparência do sistema para os órgãos de controle, conselhos e assim por diante. A bilhetagem permitiu pensarmos um processo de integração da rede de transportes onde o usuário não é obrigado única e exclusivamente a utilizar essa ou aquela linha, ou ir até um determinado terminal de ônibus para fazer sua integração e não pagar mais tarifa. Permitiu que o usuário buscasse construir seu itinerário e, obviamente, o que ele julgava mais adequado - o que andava menos, mais, ou que ia sentado, ou que tivesse uma integração em local mais adequado e assim por diante.

Inverteu-se a lógica de pensar o transporte público, e a bilhetagem foi fundamental nesse processo. Foi fundamental no estabelecimento da possibilidade de executar tarifas diferenciadas no transporte público, com todos os usuários idosos, estudantes, o vale transporte comum, as pessoas com deficiência e assim por diante. Dar a possibilidade de buscar não só tarifas diferenciadas para horários, públicos e assim por diante. Deu, sobretudo, a condição. E, se não fosse o processo de bilhetagem eletrônica, não teríamos criado o Bilhete Único, no conceito que foi estabelecido aqui em São Paulo e na maioria das outras cidades brasileiras, com essa possibilidade. Algo fundamental foi dado ao sistema, que é a segurança.

Quando fizemos o sistema de bilhetagem derrubamos mais de 50% dos assaltos dentro de coletivos, não só do cobrador, mas também das pessoas que utilizavam o transporte. Os usuários eram roubados e atraiam uma quantidade maior de pessoas para fazer esse tipo de delito e roubo. Tudo isso possibilitou a nós pensarmos o transporte público e a mobilidade urbana como um processo diferenciado. Acho que possibilitou pensar um sistema de concessão pública e de arrecadação de formas diferentes, com características das cidades e correlação de forças, da determinação do prefeito.

Digo isso porque uma das possibilidades, como é exercido aqui em São Paulo, que a bilhetagem proporciona, é que o poder público controle todo o sistema de arrecadação e distribuição dos recursos, aqui comandados pela SPTrans. A grande maioria das cidades brasileiras, mesmo com a bilhetagem eletrônica, tem um sistema totalmente controlado pela iniciativa privada e concessionária. Muitas vezes o poder público sequer tem as informações sobre o que está circulando, não só de recursos, mas passageiros e assim por diante. Isso possibilita um sistema que não é totalmente público, a exemplo da capital, e que não é totalmente privado, como na grande maioria das cidades brasileiras.

Em Campinas, temos um sistema misto, em que o operador ou o concessionário faz a venda do sistema de bilhetagem eletrônica e recebe por esse trabalho e função. O poder público tem três elementos fundamentais que dão garantia desse controle e dessa informação, inclusive para fazer o pagamento, cobrança e planejamento. O primeiro deles é a possibilidade de ter, no poder público, toda e qualquer informação gerada no ônibus ou em garagens, isso obviamente em tempo real. A segunda questão é a possibilidade de, com o controle do sistema, pegar uma parte da arrecadação dos créditos vendidas pelos empresários. Por fim, dá ao poder público o controle da emissão primária dos créditos, a chave do cofre.

Cada um milhão, dez milhões, cem milhões de novos créditos que se coloca no mercado para os usuários comprarem, é autorizado e registrado pelo poder público. Esse sistema de bilhetagem trouxe tantos avanços para o transporte público e para a mobilidade, nos proporcionando pensar e ousar ainda mais a partir de uma ferramenta fundamental, que se desenvolve cada dia mais. É isso que tentei escrever no artigo, a partir dessa demanda. Muito obrigado e boa noite.

 

O SR. PRESIDENTE - JOSÉ ZICO PRADO - PT - Obrigado, Bittencourt. Chamo agora para fazer uso da palavra o Sr. Romulo Orrico.

 

O SR. ROMULO ORRICO - Boa noite a todos e todas, quero cumprimentar os membros da Mesa e, em nome do meu amigo Keiji Kanashiro, que tive a oportunidade de trabalhar junto no governo Lula em 2003, cumprimentar os senhores presentes. E em nome da minha querida amiga Luiza Gomide, cumprimentar as senhoras presentes. Fiquei muito feliz com esse livro, embora eu não faça parte dele, mas por culpa minha.

Fiz questão de vir do Rio para cá, porque o trabalho feito é fantástico. Cheguei aqui umas quatro e meia, dei uma folheada e já conhecia alguns, que passaram por minha mão, para dar uma examinada antes. Estou muito feliz, participei de um livro feito pelo PT há muito tempo, sobre cidades. Eu tinha notado alguns detalhes e pensei em três aspectos.

Vim falar muitas coisas maravilhosas. Para quem fala de pedestres, fiz uma conta de cabeça e no Rio de Janeiro são 200 mil viagens origem-destino a pé na área central, mas são mais de um milhão e 800 mil deslocamentos a pé dos trechos motorizados que vão para o centro. Então, viagem motorizada tem deslocamento a pé, e a enorme quantidade deles acima de 30 ou 60 minutos.

Tarifa zero. Uma das coisas que mais me dediquei na vida foi estudar custo e tarifa, já até me indicaram para ser queimado em fogueira pública. Mas estudei muito sobre a riqueza do que veio aqui. Mas o que pensei em contribuir é que, primeiro, sou acadêmico, passei minha vida profissional toda na academia, e qual é o papel da universidade nisso? A universidade usa os meios para promover o avanço do conhecimento, preservar a cultura e a identidade nacional, ajudar a resolver os problemas brasileiros e trabalhar numa formação crítica de mão de obra. Os objetivos são bem mais amplos, acho que uma universidade que não faz isso pode fechar, porque não faz falta nenhuma.

Foi esse ponto que sempre pautou minha vida. Quero trazer aqui a reflexão sobre o que tenho trabalhado nos últimos tempos, ligado à mobilidade. São dois pilares. Um é trabalhar em reduzir o tempo de viagem, mas olho agora para reduzirmos a distância de viagem. Imaginem o seguinte. Vamos fazer metrô, fazer com que São Paulo tenha a rede parisiense de metrô. A velocidade do metrô operacional é de 40 quilômetros por hora. Quer dizer, alguém que mora colado em uma estação, que trabalha perto de outra, vai gastar pelo menos uma hora entre casa e trabalho. Não podemos ficar com a cidade se expandindo cada vez mais, vamos aumentar a velocidade em geral para o automóvel.

Isso transforma a cidade para ser cada vez mais dependente. Temos que pegar esse paradigma, estamos em uma anomalia. Em Curitiba, por exemplo, vamos fazer um tronco alimentado. Acabou, esquece isso. É um instrumento importante, mas não é a única forma que devemos tratar a mobilidade.

Quem só tem martelo na mão acha que tudo tem cara de prego, então temos que pensar de outra forma. Isso ainda não tem resposta, devemos pensar. O setor urbano fica pensando. Alguém falou aqui de outros centros, é isso mesmo. As cidades não são mais monocêntricas. No entanto, toda linha de ônibus e trem funciona para levar o cidadão ao centro. Temos que repensar nossos conceitos básicos.

Os ônibus no Rio de Janeiro. Quem vem pela Avenida Brasil, 60% da demanda já saiu antes de chegar na rodoviária, que é o bordo do centro. Por que 100% desses veículos devem ir para o centro? Mudou, temos que repensar. A famosa Madureira tem duas linhas de trens, e mais um BRT. Alguém pode reclamar do transporte de lá? Pode e deve, porque para sair de lá é fácil, mas circular por lá é um inferno. Como uma cidade pode ajudar aquele centro a crescer se é difícil de chegar até ali, de todas as maneiras? Alguém falou pouco que precisa andar um quilômetro e meio e voltar, como vou ajudar a desenvolver aquele centro?

Todo um sistema que funcione somente para levar até o centro da cidade ou rapidamente para sair dela para o inferno só transformará a vida das pessoas. Vai desterritorializar. Nós temos que, junto com os urbanistas, pensar em como compactar. Mas nós temos que pensar em como podemos ajudar a resolver, que tipo de linha de ônibus precisamos. Integração não é transbordo, são duas coisas diferentes. Transbordo é esperar se o ônibus vem ou não, é subir e descer escadas. Integração é diferente, não devemos misturar. Nós, que mexemos com mobilidade, que pensamos e trabalhamos sofrendo, temos que começar a pensar.

Fiquei muito feliz quando vi o projeto de mobilidade aqui de São Paulo, porque começou a falar sobre uma linguagem. Eu estava discutindo isso em Manaus, em linhas estruturadoras e locais, não são linhas de alimentação. Tronco alimentar é importante, mas não é o único instrumento que temos.

Gostaria de falar de outro tema, nos dois pilares que imagino, hoje, como desafios da mobilidade, que é o financiamento. Falou-se em tarifa zero, tarifa alta. Certíssimo. Quem está financiando o bom deslocamento por automóvel são os usuários do transporte coletivo, mas financia mesmo, e sofre. É um ciclo vicioso que se persegue.

Quem se beneficia da existência do transporte público em uma cidade? Os usuários de transporte já sabemos, mas quem mais? Quem tem as ruas mais livres porque três quartos da população estão em transporte coletivo? Quem tem ruas mais fáceis para andar de carro e estacionar, possibilitado pelas pessoas que estão no transporte público liberando espaço viário? Qual é a contribuição que devemos esperar?

O Haddad começou essa discussão aqui logo no início de seu governo, levou porrada de tudo quanto é lado, mas foi adiante. Perfeito, é preciso discutir financiamento. Sair da lógica liberal e conservadora de paga quem usa, para a lógica de paga quem se beneficia dentro de sua capacidade de pagamento, e na altura do benefício recebido. Ninguém tem que focar em ninguém, temos que repensar quem mais se beneficia. Como diz Bussunda, tem que entrar com o faz-me rir.

Uma pergunta: Escada rolante de shopping, quem paga? Ou o sistema de transportes ali é importante para que todo o restante se beneficie? Então, se queremos tarifa zero ou acessível, vamos ter que rediscutir as bases desse financiamento. Costumo fazer uma piadinha meio sem graça, mas dizendo o seguinte: alguém que compra dois apartamentos em Copacabana, um tem vaga e o outro não. O que não tem vaga é mais barato, é ele que compro. Depois de um tempo, compro um carro, e aí passo a exigir que tenha vaga na rua para eu estacionar. Eu não compraria um piano de calda sem ter lugar na minha casa, ponto. Qual é o artigo que você usa para exigir? É o 171 do Código Penal, só pode ser esse.

Não faz sentido, temos que rediscutir as bases de financiamento. A população e as camadas mais pobres estão financiando com seu suor o melhor deslocamento das camadas mais ricas. E vou aprofundar um pouco mais, imaginem uma avenida importante em São Paulo, em que o sistema de transportes e todo mundo esteja circulando direitinho, sem congestionamento. Tem um sistema de ônibus ali, e vamos arredondar, são 50 para atender. Começa a vir o congestionamento, com mais carros, mais gente usando, não é só carro. Quanto o automobilista tem de custo a mais por causa do congestionamento que ele provocou? Mais tempo, dinheiro e combustível? O resto é irrisório.

Agora o usuário do transporte público, o que ele paga a mais? O tempo da viagem, o custo do combustível e mais uma coisa séria. Para o serviço funcionar, é preciso mais veículos, e a tarifa fica mais cara. Ou seja, ele não provoca congestionamento e paga por ele. Essa é uma discussão feita pelos americanos desde os anos 60, e temos que trazer ela para cá. Há várias formas, nós temos que discutir uma política de financiamento baseada em quem se beneficia. O sistema de transportes está aí para melhorar a vida das pessoas e da cidade. Esses são dois pontos que tenho me dedicado nesses últimos tempos, e fico feliz de partilhar com vocês essa preocupação.

O sistema de transporte público viabiliza a cidade, já que não dá para todos andarem de carro. Dá para andar de bicicleta, a pé e de coletivo. Temos que repensar, porque não dá para continuarmos insistindo em facilitar para que as pessoas morem mais longe, porque está sendo maldade com todas elas. A senhora que falou antes de mim toma ônibus - uma mulher para pegar ônibus precisa de uma mão segurar e a outra levar o filho ao médico, a terceira mão para pagar a passagem, a quarta mão para segurar o outro filho que não pode deixar em casa, e a quinta mão para limpar meleca do outro.

É difícil, você tem que criar a oportunidade e repensar a discussão. Não dá para manter essa obrigatoriedade de trazer lá de longe. Tem que criar um sistema de transporte que facilite o uso em cada um dos bairros da cidade. O sistema não pode ser alimentador do centro, mas facilitar a vida em cada um dos locais para que nos apropriemos da cidade. O sistema de transporte público deve ser a perna mais comprida do cidadão, aquela que leva ele para qualquer lugar.

Fico muito feliz e quero parabenizar o Evaristo por esse trabalho fantástico. Parabenizo todos os autores e essa oportunidade que temos aqui de interagir e intercambiar. Um abraço a todos.

 

O SR. PRESIDENTE - JOSÉ ZICO PRADO - PT - Obrigado Romulo. Nosso último orador e secretário de Transportes, Sr. Jilmar Tatto.

 

O SR. JILMAR TATTO - Quero cumprimentar a bancada do PT pela iniciativa e vocês todos, os parlamentares presentes e o Evaristo, que, junto com a Fundação Perseu Abramo, organizou esses trabalhos - o que se tem de melhor em inteligência na área de mobilidade e novos conceitos está aqui. A esquerda no Brasil, em várias áreas, avançou bastante, tem um conceito e já sabe o caminho a ser trilhado, isso vale para Habitação, Saúde, Educação. Mas na área de mobilidade, a militância de esquerda, do ponto de vista conceitual, ainda não se encontrou. Há um conflito entre a propriedade do carro ou a capacidade de ter a liberdade de tê-lo, e do uso do mesmo, e a questão da democratização do espaço público.

A grande questão, quando se fala em mobilidade, tem o problema da organização, que o professor falou que é organizar através de um plano diretor, fazer com que as pessoas possam morar, trabalhar e estudar próximo. Quanto menos as pessoas perderem tempo se deslocando, melhor. Esse é um debate mais global e estruturante. Mas, quando se fala em mobilidade, falamos da democratização do espaço público, e esse espaço viário não está à venda. Se estivesse, seria muito caro. O problema não é a pessoa ter o dinheiro para comprar um carro e andar pelas cidades. Ela pode ter o dinheiro que for, mas precisa ocupar o espaço dela como todos.

Quando falamos de transportes públicos e coletivos, devemos pensar nele para todos, independente de renda. Essa é a grande confusão da militância de esquerda, porque quem está dentro do carro pode estar no transporte coletivo, mas quem está no transporte público não pode estar naquele carro. O uso do viário não é democrático, os usuários de carros usam 80% do viário da cidade de São Paulo, e eles transportam, do ponto de vista de pessoas, nem 50%, por mais que se façam políticas públicas de defesa de faixas exclusivas, de corredores - o que é fundamental.

E aqui, em São Paulo, conseguimos aumentar a velocidade do ônibus de 13 para 22 quilômetros por hora, por mais ciclovias que fizermos. E, essa semana, somaram mais de 500 quilômetros. Por mais que façamos tudo isso, tem um problema de democratizar o espaço público e fazer com que as pessoas possam usar o transporte coletivo.

O que tem de errado, conceitualmente e do ponto de vista estrutural de políticas neoliberais, as pessoas que não pensam a cidade? É que se você faz uma nova avenida, um viaduto, ponte, um túnel para ônibus ou carros, induz-se as pessoas a usarem cada vez mais os carros. Aqueles que não usam, acabam querendo usar também. Quando o Serra e o Alckmin fizeram o alargamento das marginais, gastando mais de um bilhão e 700 milhões, e, depois de três meses, estava tudo igual - é a síntese disso. Toda política de cidade tem que parar com esse negócio de fazer túnel e viaduto. Pelo contrário, é preciso derrubar tudo isso, porque você induz a população a usar carros. Esse é o grande problema, a democratização do espaço público.

O segundo problema é quem financia o transporte público, a tarifa zero, o Sistema Único de Transportes. Veja, acho que deve haver uma transição nessa questão. Você tem um usuário individual, que usa sete vezes mais o espaço que ele mesmo, que é o do carro, e ele é o elemento que atrapalha a mobilidade, o responsável pelo trânsito e congestionamento. E as pessoas que estão priorizando o transporte coletivo têm que pagar uma parte para financiar o mesmo. É disso que se trata. Se a pessoa usa o espaço público de forma privada, também tem que pagar.

Tem-se uma situação em São Paulo em que a pessoa sai de manhã com seu carro e já sai atrapalhando a vida enquanto anda, porque ajuda no congestionamento. Depois, ela deixa o carro o dia todo em frente ao comércio, atrapalhando a situação de todos, e não paga por isso. Quando você tira o carro que está sendo usado de forma privada, para passar uma ciclovia, ou alargar uma calçada, ou passar uma faixa exclusiva de ônibus, essa pessoa reclama. Estou 30 anos fazendo isso e chega alguém para me atrapalhar, como se fosse dele o direito de ocupar o espaço público. De novo, a diferença é que se a pessoa tem um carro e ocupa espaço estacionado, só ele pode usar. O mais importante do uso do espaço público é que se ele deixa de usar esse espaço de forma privada - a hora que o poder público coloca alguém para fazer ciclovia, ele também pode usar.

A democratização do espaço público é para todos, inclusive para os que usam. Por isso acho importante fazermos esse debate e a organização desse livro, porque isso tenta trabalhar esses conceitos que fizemos na cidade de São Paulo, que não são fáceis. O que tem por trás disso, do ponto de vista conceitual e do ser humano, é que nós temos que nos apropriar cada vez mais da cidade e do espaço público. Quando você tem uma política de abrir as ruas, tirar os carros para que as pessoas possam circular de forma tranquila você está valorizando o espaço público.

Quando se faz Virada Cultural, as pessoas podem sair de casa e curtir a cidade, conversar com o outro. Assim quando se cria políticas para artistas de ruas, parques, food trucks. Quando você cria esses mecanismos, uma praça bem cuidada, é tudo no sentido de falar: “Vamos sair de nossas casas e apartamentos”. É isso que garante a segurança de uma cidade, quando as pessoas saem para as ruas e conseguem conversar. Quanto mais gente tem um olhando para o outro, mais se aumenta a segurança. Quando você aumenta o muro, quando não tem gente na rua, a sensação de insegurança é muito grande. Mas na Paulista, que tem tanta gente, sua sensação de segurança será maior.

Mais uma vez o vilão é o carro. Por isso, quando tem política de redução de velocidade, serve para diminuir acidentes e mortes - mas tem aquela política de não deixar a cidade estressada. Eu confesso para vocês que fazemos aqui a política no sentido de reduzir velocidade. Já fui, mesmo depois de reduzir a velocidade em São Paulo, em outras cidades. Já começo a ficar com medo da velocidade desses carros nas outras cidades, a diferença é muito grande.

Quero parabenizar todos que escreveram artigos, é um esforço muito grande que foi resolvido na cidade de São Paulo. Nós pautamos todos os dias esses debates, com apoio de todos vocês, eles têm que continuar. Democratizar o espaço público é uma tarefa que ainda temos que perseguir, fazer com que aquilo que é público seja de todos, e não daqueles que usam o espaço de forma privada, estacionando o carro ou colocando bancas de jornais, circulando na cidade. Nós temos que fazer esse debate, porque o espaço viário é de todos. Mobilidade significa fazer com que as pessoas se apropriem também das calçadas, faça uso de bicicletas. Fazer com que essas cidades tenham compartilhamento entre todos, e não de uma pequena parte. É isso que está em debate e eles estão tentando convencer a grande maioria das pessoas, para que a apropriação de poucos dê uma impressão de um todo.

Esse livro é uma grande resistência para continuarmos fazendo um debate da democratização do espaço público. Obrigado e um grande abraço.

 

O SR. EVARISTO ALMEIDA - Só para dizer que o livro será distribuído no Salão dos Espelhos. A Fundação Perseu Abramo distribuirá de forma gratuita, como doação. Ele estará disponível no site da fundação, de forma digital, para ser baixado de forma gratuita. Obrigado.

 

O SR. PRESIDENTE - JOSÉ ZICO PRADO - PT - Obrigado, Jilmar. Esgotado o objeto da presente sessão, a Presidência agradece às autoridades, à equipe de funcionários dos serviços de Som, da Taquigrafia, de Atas, do Cerimonial, da Secretaria Geral Parlamentar, da Imprensa da Casa, da TV Legislativa, das assessorias das policiais Militar e Civil, bem como a todos os presentes. Muito obrigado e boa noite a todos.

Está encerrada a sessão.

 

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- Encerra-se a sessão às 22 horas e 20 minutos.

 

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