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27 DE SETEMBRO DE 2019

36ª SESSÃO SOLENE EM HOMENAGEM À SENHORA NEIDE SANTOS PELO TRABALHO ESPORTIVO REALIZADO NO CAPÃO REDONDO

 

Presidência: MONICA DA BANCADA ATIVISTA

 

RESUMO

 

1 - MONICA DA BANCADA ATIVISTA

Assume a Presidência e abre a sessão. Anuncia a composição da Mesa. Informa que a Presidência efetiva convocara a presente sessão solene para prestar "Homenagem à Senhora Neide Santos, pelo Trabalho Esportivo realizado no Capão Redondo", por solicitação desta deputada.

 

2 - FERNANDO FERRARI

Codeputado da Bancada Ativista, saúda os presentes. Justifica a ideia de homenagear a Sra. Neide Santos, a representar, inclusive, mães que perderam filhos. Defende a manutenção da esperança, em resistência à falta de acesso a serviços, pelas populações periféricas. Lembra que o Capão Redondo fora considerado o bairro mais perigoso do mundo, entre 1995 e 1997. Afirma que é importante não silenciar a dor. Informa que fora voluntário no Hospital das Clínicas, por dois anos. Declama poesia, de sua autoria.

 

3 - PRESIDENTE MONICA DA BANCADA ATIVISTA

Manifesta apreço pela história de Fernando Ferrari.

 

4 - SAMUEL GODOY

Saúda os presentes. Discorre acerca da falta de atenção à periferia, pelo estado. Parabeniza a Sra. Neide Santos pela homenagem.

 

5 - PRESIDENTE MONICA DA BANCADA ATIVISTA

Anuncia a exibição de vídeo sobre a trajetória da Sra. Neide Santos e do projeto Vida Corrida.

 

6 - NEIDE SANTOS

Homenageada, saúda os presentes. Manifesta gratidão por fazer uso da palavra, nesta Casa. Defende a realização de sonhos. Tece considerações sobre encarceramento em sua infância. Afirma que o corpo nascera para o movimento. Clama por Segurança Pública. Cita e comenta fala de Jesus Cristo sobre o amor ao próximo. Destaca sua vontade de transformar vidas. Lembra criança, portadora de necessidade especial, que treina para tornar-se atleta paralímpico.

 

7 - LEILA

Saúda os presentes. Mostra-se privilegiada por ter dois filhos no projeto Vida Corrida. Afirma que percebe a socialização, a autonomia e a organização das crianças. Cita trecho de canção do grupo Racionais MC's. Agradece à Sra. Neide Santos pela iniciativa do projeto esportivo.

 

8 - PRESIDENTE MONICA DA BANCADA ATIVISTA

Destaca que cerca de cinco mil crianças já passaram pelo projeto Vida Corrida.

 

9 - FERNANDO FERRARI

Codeputado da Bancada Ativista, afirma que a periferia vem tornando-se protagonista em ações que valorizam a vida. Ratifica o valor da esperança. Cita mapeamento em que foram constatados mais de 15 mil coletivos culturais na cidade de São Paulo. Informa recursos financeiros advindos da lei de Fomento à Periferia. Avalia que o estado comete violência quando nega o acesso a serviços públicos. Aduz que homenagear a Sra. Neide Santos simboliza a vitória da população da periferia. Anuncia que o CIEJA Campo Limpo fora considerada a melhor escola de inclusão do país. Clama pelo fim de desigualdades e de privilégios. Comenta homenagem ao Fórum em Defesa da Vida, em encontro nacional. Discorre acerca da “Caminhada Pela Vida e Pela Paz”, em homenagem a mortos. Informa que dia 02/11 deve ser realizada a “Caminhada pela Vida”, em âmbito nacional. Convida a população para ato a ser realizado no dia 02/10, às 19 horas e 30 minutos, na Praça da Sé, em lembrança aos mortos no Carandiru. Conclui que a Sra. Neide Santos é uma inspiração.

 

10 - PRESIDENTE MONICA DA BANCADA ATIVISTA

Faz agradecimentos gerais. Encerra a sessão.

 

* * *

 

- Assume a Presidência e abre a sessão a Sra. Monica da Bancada Ativista.

 

* * *

 

A SRA. PRESIDENTE - MONICA DA BANCADA ATIVISTA - PSOL - Bom dia a todos e a todas. É com muita alegria que recebemos vocês aqui, o nosso mandato coletivo da Bancada Ativista. Este evento é uma homenagem mais especificamente oferecida pelo codeputado Fernando Ferrari, amigo de longa data, e também morador do Capão Redondo.

Iniciamos agora os nossos trabalhos. Nos termos regimentais, esta Presidência dispensa a leitura da ata. Comunicamos aos presentes que a sessão solene está sendo transmitida pela TV Alesp e por toda a rede de comunicação da Alesp. No sábado, 28 de setembro, às 21 horas, também será reproduzida pelo canal 7; pela Vivo, no canal 8; e pela TV Digital, no canal 61.2

Senhoras e senhores, esta sessão solene foi convocada pelo presidente efetivo da Casa, deputado Cauê Macris, atendendo à nossa solicitação, com a finalidade de homenagear a Sra. Neide Santos, do Capão Redondo, pelo Projeto Vida Corrida que, através do esporte, contribuiu para melhorar as condições de vida da sua região.

Aqui comigo estão o Dr. Samuel, Fernando Ferrari e a Neide. Fernando.

 

O SR. FERNANDO FERRARI - Olá, gente. Bom dia a todas e todos. É uma honra estar aqui hoje, homenageando a Neide Santos, uma grande amiga, uma grande mulher, uma grande mãe, uma grande inspiração para um território tão hostil, em que a gente viveu e sobreviveu.

A nossa decisão de fazer homenagem à Neide, a decisão da “mandata” Bancada Ativista veio no sentido de homenagear não só a Neide Santos, mas as mães que tiveram seus filhos assassinados, que tiveram seus filhos violados. A Neide está aqui representando diversas mães, as mães quilombolas, as mães indígenas, as mães da zona leste, as mães de Mogi, as mães de Osasco, as Mães de Maio, a minha mãe, inclusive, que também perdeu um filho.

Homenagear a Neide é homenagear as nossas mães. Para além de homenagear as nossas mães, é ter esperança que as nossas mães também tenham voz para resistir a tanta falta de acesso que as periferias do Brasil têm. Então, a homenagem à Neide é uma homenagem que faz muito sentido no momento em que o Capão Redondo foi considerado o bairro mais violento do mundo, de 94 a 97.

E quando eu soube do projeto da Neide... Ela iniciou esse trabalho lá atrás, e eu já era usuário do parque onde ela atua, um parque chamado Santo Dias, em homenagem ao operário cuja morte faz 40 anos esse ano. É o Santo Dias da Silva, um operário que foi assassinado na frente da fábrica da Sylvania.

Quando eu soube desse projeto, eu fiquei muito feliz. E eu tive contato com outras mães também; eu falava para outras mães que era importante a gente não silenciar nossa dor. Fazer com que a nossa dor tivesse um salto de qualidade, que é a prática. Eu fui, durante muitos anos também, voluntário de ações em trabalho social. Trabalhei no Hospital das Clínicas por dois anos, no Instituto da Criança. E lá eu fazia mediação de leitura com as crianças. Depois, eu fui fazer sarau para curar nossas dores.

Eu trouxe aqui uma poesia que eu fiz um bom tempo atrás. Eu vou ler um trecho dessa poesia. É uma poesia que está na antologia “Brasil Periférico”, antologia da literatura marginal de São Paulo. Uma antologia que foi feita na Argentina. A gente tem quatro livros lançados. Assim como a Neide é internacional, a poesia de São Paulo também é internacional. Aqui é uma antologia da Argentina, mas nós também temos livros no México, no Chile.

E eu vou ler um trecho de uma poesia que se chama “La Luna Latina de Luz” - “Lua Latino-americana de Luz”. Fala um pouco da nossa lua:

“Lua latino-americana de luz

Que a lua que nasce na ponta dos Andes

Ilumine Valparaíso e Valo Velho

Que a lua que nasce em Havana

Ilumine Santa Marta e Vila Menk

Que a lua que nasce em Sierra Maestra

Ilumine Cusco e Parque Santo Antônio

Que a lua que nasce em Cochabamba

Ilumine Honório Gurgel e Jardim São Luís

Que a lua que nasce em Montevidéu

Ilumine Pelourinho e Chácara Santana

E a que nasce em Chiapas

Ilumine Pinheirinho e Moinho

Que a lua que nasce em Caracas

Ilumine Piedade e Campo Limpo

Que a lua que nasce em Bogotá

Ilumine Dourados e Parelheiros

E que a lua que nasce em Buenos Aires

Ilumine Eugênio Pereira e São Luís

Que a lua que nasce em Manágua

Ilumine São Remo e Vila Socialista

Que a lua que nasce em Santiago

Ilumine São Vicente e Capão Redondo

Que cesse o genocídio da juventude

E a limpeza étnica praticada pela ausência de luz

Que a lua seja sempre presente

Nessa grande e vasta América Latina

Essa aqui é sua homenagem.”

 

A SRA. PRESIDENTE - MONICA DA BANCADA ATIVISTA - PSOL - Eu fiquei bastante emocionada quando o Fernando trouxe a sua história para apresentar para todo o gabinete. Ele sempre fala da senhora com essa mesma alegria, emoção e disposição, por conta da interferência que você tem para a comunidade como um todo, mas também pelo seu carinho por todas as crianças e a pauta da maternidade.                   

Agora passo a palavra para o Sr. Samuel Godoy.

 

O SR. SAMUEL GODOY – Cumprimento a Mesa, cumprimento os presentes. Digo que é uma honra estar aqui. Era para a gente ter atividades como esta todos os dias. As ações que são feitas na periferia são ações onde o Estado tem dificuldade em chegar, o Estado tem dificuldade em atuar, e pessoas como a Neide, que é a homenageada de hoje, quando têm perdas, entregam presentes não só para a comunidade, mas para todos nós.

É uma alegria. Esta é mais uma, das suas muitas, muitas premiações ou referências, ou condecorações, ou um pouquinho do reconhecimento do que você tem feito pela nossa comunidade.

Parabéns. Com certeza, se nós estamos aqui com quase 40 pessoas, é porque, no mínimo, você já impactou muito mais. Temos lá crianças, temos lá famílias, temos lá trabalhadores. E nesta Casa do povo a gente tem o reconhecimento - pequeno, singelo - do seu trabalho que é grande.

Parabéns. Deus abençoe. (Palmas.)

 

A SRA. NEIDE SANTOS - Obrigada.

 

A SRA. PRESIDENTE - MONICA DA BANCADA ATIVISTA – PSOL -Nós separamos também um vídeo que conta um pouco da trajetória da dona Neide.

 

* * *

 

        - É apresentado o vídeo.

 

* * *

 

A SRA. PRESIDENTE - MONICA DA BANCADA ATIVISTA - PSOL - Protagonista da sua história, ela que se apaixonou pelo esporte aos 14 anos, que enfrentou uma comunidade que, segundo o depoimento dela mesma, só tinha homem jogando futebol - as mulheres ficavam em casa cuidando dos serviços domésticos -, que ousou sonhar e tem trazido até aqui uma vida de sonhos, acreditando que outro futuro é possível.

 Agora eu passo a palavra para a nossa homenageada, dona Neide.

 

A SRA. NEIDE SANTOS - Obrigada. Bom dia a todas e a todos. Gratidão imensa por esta Casa, por estar aqui hoje. Estar aqui falando para vocês de um impacto comunitário em uma comunidade tida como a mais violenta do Brasil é grandioso. Isso nos impacta, isso nos faz acreditar que podemos chegar aonde nós chegamos.

Eu digo para vocês: não mudem seus sonhos, mudem o mundo. Eu, sem nenhum poder aquisitivo, sem nenhuma formação acadêmica, consegui fazer tudo isso em uma comunidade. Imaginem vocês que estão aqui hoje assistindo a esta cerimônia. E falar: o que eu estou fazendo para mudar o mundo de alguém?

Quando vocês viram o início desse filme, com a música “Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar”, é um sonho de uma criança que, aos seis anos, ficou presa até os 12 anos dentro de uma oficina de costura. Uma criança que não pôde ir para a rua brincar, e ela só sonhava em um dia ir para a rua brincar. Cinquenta anos depois, esse sonho se realizou.

Hoje, eu tenho a rua de brincar para os meus amores passarem. Meus amores são as crianças do meu entorno. Portanto, não tirem as crianças da rua, levem as crianças para a rua, para elas brincarem, para elas reviverem tudo que quem viveu há muitos anos atrás viveu.

Não podemos ficar com as nossas crianças encarceradas dentro de casa. Não podemos ter nossas crianças conectadas o tempo todo a uma mídia social e perdendo seus anos de vida, porque, quanto mais uma criança fica presa dentro de casa, mais ela perde oportunidade de viver. Ela perde a oportunidade de brincar, porque o corpo nasceu para o movimento, o corpo não nasceu para ficar estático. E eu só peço aos governantes que nos deem segurança, suporte para que nossas crianças possam ir à rua e brincar livremente, porque é um direito que nos cabe. Não podemos viver com nossas crianças trancadas.

E hoje eu só tenho que agradecer a Bancada Ativista por poder estar aqui. E gratidão é uma carta de amor que eu envio a vocês.

Meu muito obrigada. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - MONICA DA BANCADA ATIVISTA - PSOL -O nosso muito obrigada, Neide. Nosso muito obrigada pela inspiração que você é, pela sua postura e por compartilhar os seus sonhos com tantas outras famílias e crianças.

Fernando.

 

O SR. FERNANDO FERRARI - Ah, já estão encerrando, é isso? Quer falar uma palavra agora?

 

A SRA. NEIDE SANTOS - Uma das frases mais lindas que eu carrego na minha vida é “amar ao próximo como a ti mesmo”. Só que, para muitas pessoas, essa palavra só é bonita da boca para fora, mas ela tem que ser vivida diariamente, porque, quando você chega ao ponto de amar quem puxou o gatilho, você fala “eu, realmente, sou um ser humano”. Não importa quem puxou o gatilho, retribua fazendo o bem.

Todas as mães amam seu filho e eu tenho a plena certeza que a mãe do menino que puxou o gatilho o ama tanto quanto eu amo a minha cria. E não espere perder o seu bem mais precioso para poder amar os filhos dos outros. Mark não está mais aqui, mas o Mark veio ao mundo para me ensinar isso, o Mark veio ao mundo para me ensinar a amar o próximo e a viver isso diariamente, porque, na vida, nada tem sentido se não mudarmos a vida de alguém.

Hoje eu vivo para mudar a vida de alguém. Com o esporte em que eu acredito, com meus pés e com o meu coração, porque isso é a única coisa que eu tenho para oferecer para a minha comunidade. Meus pés, que aprenderam a correr a vida inteira, e um coração cheio de amor, de perdão e a vontade imensa de mudar o mundo de alguém. Quero aqui agradecer vocês, mães, pelo voto de confiança, por entregar seus filhos, por algumas horas do dia, para que eu, com o esporte, consiga oferecer esporte e educar essas crianças, conscientes do seu papel na sociedade.

Obrigado, Tiago, por você estar aqui. Tiago, que nasceu de cinco meses, de paralisia cerebral, e foi para mim em uma cadeira de rodas, e, com todos os trabalhos dos educadores e professores, Tiago saiu de uma cadeira de rodas e Tiago hoje treina para ser um atleta paralímpico.

Esses são os meus melhores presentes, e essa comunidade, que tirou o meu filho, me deu centenas e centenas de filhos. Portanto, eu não tenho nenhum motivo para criticar e nem reclamar. Eu só tenho que agradecer, sempre, porque eu sou uma privilegiada de poder fazer o que eu faço. Portanto, esse é o meu simples depoimento e simples agradecimento que eu tenho para todos vocês.

Meu muitíssimo obrigado. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - MONICA DA BANCADA ATIVISTA - PSOL - Antes de encerrar, a gente está abrindo aqui também para quem quiser participar e falar algumas palavras para a dona Neide. A Marcela está ali no canto. Ela pode ajudar. Então, estão convidados. Quem quiser participar, falar um pouquinho, fiquem à vontade.

 

A SRA. NEIDE SANTOS - Leila, você, venha aqui. Dê seu depoimento. Seus filhos já estão, eu acredito, que há sete anos, você tem dois filhos no projeto Vida Corrida. Será uma honra ouvir você falar um pouco sobre isso.

 

A SRA. LEILA - Bom dia a todos e a todas. É um privilégio poder estar aqui hoje, vendo essa mulher de caráter tão grande recebendo esta homenagem. Eu sou privilegiada pelos meus dois filhos poderem fazer parte do projeto Vida Corrida, haja vista que eles começaram bem pequenos, e, quando eles começaram, foi bem difícil em relação à toda parte de rotina, de organização, são dois meninos, mas, com o passar do tempo no projeto, eu percebi que eles pegaram autonomia, que eles começaram a se organizar, e tudo isso foi muito além do projeto.

Então houve um processo de socialização, um processo de cidadania, e eles são, sim, cidadãos de bem. Hoje, eles vão sozinhos para o projeto, porque eu trabalho o dia inteiro. Graças a Deus eu consegui essa folga hoje. Para mim está sendo um privilégio, na minha folga estar aqui, Neide, vendo você estar sendo homenageada.

Eles vão para o projeto sozinhos, eles voltam, eles organizam as coisas deles. Eles almoçam, eles vão para escola, e, assim, para mim é uma gratidão imensa saber que foi além do esporte. Eles são cidadãos, eles não se envolvem com as coisas erradas. Quando eles vêm que está acontecendo algo errado... Porque, assim, não é tudo mar de rosas... Como o Racionais MC’s fala: no lixão há flores.

Sabemos que lá há coisas erradas também. Mas, depois que eles saem do projeto, que eles veem alguma coisa errada acontecendo no entorno, eles vão embora. Porque eles sabem que é errado. Então, lá eles tiveram consciência do que é o bem, do que é o mal. E mesmo assim, eles estão indo, eles vão todos os dias, eles são motivados pelos professores, por todos.

Quando eles veem alguma coisa errada, eles falam: “Mãe, passamos pelo caminho, vimos algo errado. Mas, como o Racionais MC’s fala, do lixão nasce flores. E não seremos esses que estão fazendo o mal. Seremos esses que iremos plantar as flores. Para colhermos, para os outros colherem.” Então eles são cidadãos de bem.

Agradeço muito, muito, muito mesmo o projeto. Sou muito, muito, muito agradecida por tudo, por tudo. Aqui, como uma representada, deixo o meu “muito obrigada”, e minha gratidão, assim, imensa. Porque não há dinheiro que pague.

Não há nada que pague saber que, no futuro, que já é um futuro que acontece hoje, eles estão aí, cidadãos de bem. Podem não ser atletas futuramente, mas vão seguir as suas profissões, as suas carreiras, terão as suas famílias. E dar continuidade para os filhos deles. Deixo a minha gratidão, o meu “muito obrigada” a você e a todo o Projeto Vida Corrida. Muito obrigada. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - MÔNICA DA BANCADA ATIVISTA - PSOL - Quantas crianças já passaram pela senhora até hoje, dona Neide?

 

A SRA. NEIDE SANTOS - No Vida Corrida já passaram em torno de 5 mil crianças, nesses 20 anos.

 

A SRA. PRESIDENTE - MÔNICA DA BANCADA ATIVISTA - PSOL - Cinco mil vidas. Cinco mil vidas, um esforço e um trabalho que o estado não faz. Mas que, muitas vezes, heroínas como a senhora organizam a comunidade para garantir muito mais que sobrevivência: mais qualidade de vida e dignidade.

 

A SRA. NEIDE SANTOS - Não me vejo como uma heroína. Porque histórias como a minha, no Capão Redondo, tem muitas Marias que perderam os seus filhos assassinados ou encarcerados, ou que perderam os seus maridos, mas preferiram se vitimizar e ficar reclamando do sistema e do poder público. Resolvi ser diferente. Resolvi ser protagonista da minha própria história e mudar o entorno de uma realidade através do esporte, que acredito que ele transforma e que ele educa.

 

A SRA. PRESIDENTE - MÔNICA DA BANCADA ATIVISTA - PSOL - O Vida Corrida tem quantos anos?

 

A SRA. NEIDE SANTOS - Vinte anos. Em janeiro de 1999 iniciou essa grande transformação social.

 

A SRA. PRESIDENTE - MÔNICA DA BANCADA ATIVISTA - PSOL - Cinco mil crianças é muita gente. É muito mais gente, por exemplo, que uma escola atende. É muito mais gente do que passa aqui diariamente. É muito mais gente do que consegue ser atendido por um programa estruturado de esporte recorrente. Alguém quer usar a palavra, quer falar mais alguma coisa para a Neide?

Mas o fato de estarmos todos aqui já simboliza, fisicamente, o nosso abraço, as nossas homenagens e o nosso carinho à dona Neide. Vou passar para o Fernando então, para o Fernando encerrar.

 

O SR. FERNANDO FERRARI - Bom, homenagear a Neide, homenagear a Neide...porque, assim, eu sempre falo que o padre Jaime, grande padre Jaime, ele fala: “Que a nossa cabeça pensa onde nossos pés pisam”.

E, a gente pisa no Capão Redondo. O nosso bairro, a zona sul, em si, ela vem sendo protagonista - deixando de ser protagonista das páginas de violência - e sendo protagonista de ações que valorizam a vida.

Então, a gente tem hoje, não só na zona sul, mas nas periferias da Capital e, em algumas cidades do interior, o protagonismo vindo de pessoas que são moradoras e moradores desses territórios e que cansaram de ser vítima, de se vitimizar, como disse a Neide, e resolveram praticar, atuar, serem protagonistas, serem as pessoas que fazem a diferença dos seus territórios.

O Capão Redondo, hoje, continua sendo um bairro onde a democracia não chega, onde os recursos para a Saúde, para a Educação, para o Esporte, para a Cultura, ainda são negados. Mas, o Capão Redondo, hoje... assim como a Neide, até posso me colocar, também, nesse protagonismo, nas ações de literatura. As periferias, hoje, são protagonistas de um novo tempo, que é o tempo de esperança, é o tempo dos fazeres.

Então, a gente tem lá. A gente andou mapeando as ações culturais da Capital paulista: a gente tem mais de 15 mil coletivos culturais nas periferias da cidade; quinze mil ações de música, literatura, artes plásticas, cinema, dança, esporte.

O que a gente tem hoje nas periferias de São Paulo é exemplo para o mundo, porque a gente também cria. Além de a gente criar os nossos fazeres do dia a dia, a gente também cria lei, a gente também criou uma lei: a Lei de Fomento à Cultura da Periferia, no município, que é a segunda lei de iniciativa popular da América Latina, já conseguiu contemplar mais de 120 coletivos culturais, com 315 mil cada coletivo.

Este ano, a gente conseguiu mais dez milhões com a Lei de Fomento à Periferia. Isso prova que nós, periféricos e periféricas, sabemos fazer conta, sabemos escrever lei, sabemos ser emancipadores das violências que todos os dias são causadas pelo estado.

Porque a gente fala que o estado é violento quando ele nega o acesso: quando ele nega o acesso a uma Educação pública, a uma escola pública de qualidade, quando ele nega acesso a uma Saúde pública de qualidade, quando ele nega acesso a uma biblioteca pública.  Que a gente, na verdade, lá no Capão temos mais de 100 anos e a gente não contabiliza uma biblioteca pública num território que tem mais de 400 mil habitantes.

Homenagear a Neide é homenagear essa vitória, que é a vitória da periferia. A periferia hoje tem outra cara, não é mais a mesma cara dos anos 90. A periferia hoje vive o século XXI. O século XXI de pessoas que se emanciparam, pessoas que voltaram a acreditar que é possível não mudar do bairro, mas mudar o bairro morando no bairro, que é o meu caso.

Pessoas que voltaram a estudar, que aplicam o seu conhecimento no território: nós temos lá mestres, nós temos doutores, nós temos pessoas de notório saber. No caso da Neide, que não tem faculdade, que voltou a estudar, está lá no CIEJA Campo Limpo com a grande Dona Eda. A Dona Eda está aposentada, mas Dona Eda deixou um grande legado.

O CIEJA Campo Limpo, a gente está falando de potências. O CIEJA Campo Limpo foi considerado a melhor escola de inclusão do Brasil. Então é isso, a gente tem um legado hoje do século XXI, que é o legado do encontro. E quando eu me encontro com a Neide aqui...

A gente esteve conversando no ônibus e ela falou: “Fernando, a gente precisa fazer um cinema. Temos que fazer um cinema lá na Rua de Lazer”. Eu falei: “Neide, tudo é muito possível quando a gente está aberto ao querer e ao fazer”. E eu vejo aqui várias mães e várias pessoas que colaboram e que podem colaborar mais, não é?

Todo mundo aqui pode ser uma Neide, pode ser uma Mônica, pode ser um Fernando, pode ser um Samuel. Basta a gente acordar aquela luzinha que está dentro da gente, aquela luz do acreditar, de transformar a nova periferia do século XXI numa periferia potente e livre de violências. O que a gente tem que fazer realmente são três palavras que a gente vem usando, que são: o fim das desigualdades, o fim dos privilégios e o fim das violências.

E eu quero deixar aqui dois avisos: que o nosso território tem o Fórum em Defesa da Vida, que tem 24 anos, e este ano o Fórum em Defesa da Vida foi homenageado no Encontro Nacional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; a “Caminhada pela Vida e pela Paz”, que é a caminhada que a gente relembra os nossos mortos todos os anos, que sai do Jardim Ângela, sai do Nossa Senhora do Carmo e sai do CEU Casa Blanca, que vai até o cemitério e todo ano a gente planta nossas árvores pós-ato.

Essa ação que surgiu lá nos anos 90 com o padre Jaime e outras pessoas, hoje é experiência para o Brasil. E queria informar vocês que este ano a “Caminhada pela Vida e pela Paz”, vai mudar de nome, ela vai chamar “Caminhada pela Vida”. E a “Caminhada pela Vida” não vai acontecer somente lá no Ângela, ela vai ser do Brasil inteiro, porque o Brasil inteiro, nesse encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, identificou que a nossa experiência de 24 anos, como a sua experiência, ela é uma experiência para o Brasil.

Então, nesse 2 de novembro, nesses 24 anos de caminhada, vai ser uma caminhada que o Brasil inteiro vai fazer. Então, fico muito orgulhoso. Fica o convite para 2 de novembro, para a caminhada, que vai se chamar “Caminhada Nacional pela Vida”. Viva a “Caminhada Nacional pela Vida”. Viva as nossas mães. Viva os nossos mortos. Viva as pessoas que passaram por nós e que precisam ser lembradas.

Vou deixar aqui um último recado: vai acontecer agora, no dia 02/10, às 19:30h, na Praça da Sé, um ato em memória aos nossos mortos, para relembrar os mortos do Carandiru. Mas, também, não só para relembrar os mortos do Carandiru, suas mães - as mães que ficaram -, os familiares que ficaram após aquele ato pavoroso do estado, em que mais de 111 pessoas foram assassinadas, para lembrar também todas as pessoas que foram, de alguma forma, injustiçadas pela ausência das coisas que a gente já falou aqui, pela ausência dos acessos.

Então, é isso: a Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo, que é formada por grupos e coletivos de militantes que desejam discutir, entender, ajudar e apoiar pessoas presas e seus familiares, vai organizar esse ato no dia 02/10.

Fica feito o convite e fica feito o convite para o 2 de novembro. O 2 de novembro vai ser ressignificado agora. A gente quer ressignificar o 2 de novembro para um 2 de novembro mais reflexivo, e não só para a reflexão da caminhada, mas por uma caminhada unificada com proposições para políticas públicas, para trocas de experiências entre comunidades do Brasil.

Neide, você é uma inspiração. Vamos fazer muitas coisas juntos, vão surgir muitas novas “Neides” neste Brasil. A gente conta com o apoio de vocês para que esses projetos sigam adiante. Esses projetos não dependem só da Neide, mas dependem da luz de cada um.

Obrigado. (Palmas.)

 

A SRA. PRESIDENTE - MONICA DA BANCADA ATIVISTA - PSOL - Nós tivemos a honra de receber, conhecer melhor e homenagear Neide Santos, que é mãe, costureira, mulher, corredora, atleta, professora, líder comunitária, que beneficiou, com a sua vida, e ousou sonhar junto com outras cinco mil crianças.

Queria agradecer aqui e, esgotado então objeto da presente sessão, a Presidência agradece as autoridades, a minha equipe, os funcionários dos serviços de Som, da Taquigrafia, de Atas, do Cerimonial, da Secretaria Geral Parlamentar, da Imprensa da Casa, da TV Legislativa e das assessorias policiais Civil e Militar, bem como a todos que, com as suas presenças, colaboraram para o êxito da solenidade.

Mas, antes de mais nada, uma grande salva de palmas a Neide Santos. (Palmas.)

 

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- Encerra-se a sessão às 11 horas e 08 minutos.

 

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