
23 DE OUTUBRO DE 2025
63ª SESSÃO SOLENE PARA OUTORGA DE COLAR DE HONRA AO MÉRITO LEGISLATIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO A VLADIMIR HERZOG (IN MEMORIAM)
Presidência: EDUARDO SUPLICY
RESUMO
1 - EDUARDO SUPLICY
Assume a Presidência e abre a sessão às 19h36min.
2 - MESTRE DE CERIMÔNIAS
Nomeia a composição da Mesa e demais autoridades presentes. Convida o público a ouvir, de pé, o "Hino Nacional Brasileiro".
3 - PRESIDENTE EDUARDO SUPLICY
Informa que a Presidência efetiva convocou a presente sessão solene, para realizar a "Outorga de Colar de Honra ao Mérito Legislativo do Estado de São Paulo a Vladimir Herzog (in memoriam)", por solicitação deste deputado, na direção dos trabalhos. Considera Vladimir Herzog, assassinado pelo regime militar, um símbolo da luta pela liberdade e pelos direitos humanos. Destaca a justeza desta homenagem, que afirma ser um ato de reparação desta Casa.
4 - MESTRE DE CERIMÔNIAS
Faz pronunciamento.
5 - ROSE NOGUEIRA
Jornalista, faz pronunciamento.
6 - JUCA KFOURI
Jornalista, faz pronunciamento.
7 - LORRANE RODRIGUES
Historiadora, faz pronunciamento.
8 - ADRIANO DIOGO
Ex-deputado estadual, faz pronunciamento.
9 - ROGÉRIO SOTTILI
Diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog, faz pronunciamento.
10 - JOSÉ GENOINO
Ex-deputado federal, faz pronunciamento.
11 - DONATO
Deputado estadual, faz pronunciamento.
12 - CARLOS GIANNAZI
Deputado estadual, faz pronunciamento.
13 - LUNA ZARATTINI
Vereadora na Câmara Municipal de São Paulo, faz pronunciamento.
14 - MESTRE DE CERIMÔNIAS
Anuncia exibição de vídeo sobre a trajetória de Vladimir Herzog. Lê currículo do homenageado. Anuncia a prestação de homenagem in memoriam a Vladimir Herzog, com a outorga do Colar de Honra ao Mérito Legislativo do Estado de São Paulo, recebido pelos seus filhos Ivo e André Herzog.
15 - IVO HERZOG
Presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Vladimir Herzog e filho do homenageado, faz pronunciamento.
16 - ANDRÉ HERZOG
Filho do homenageado, faz pronunciamento.
17 - PRESIDENTE EDUARDO SUPLICY
Faz agradecimentos gerais. Encerra a sessão às 21h08min.
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ÍNTEGRA
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- Assume a Presidência e abre a sessão
o Sr. Eduardo Suplicy.
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A
SRA. ORADORA - Senhoras e senhores, boa noite.
Sejam todos bem-vindos à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
Convido a Tatiana Merlino para ser a
mestre de cerimônias deste importante evento, a “Outorga do Colar de Honra ao
Mérito ao Vladimir Herzog ‘in memoriam’”. Tatiana Merlino é jornalista há 25
anos, com a sua carreira dedicada ao tema dos Direitos Humanos. Editou e
organizou livros sobre a ditadura militar e trabalhou na Comissão da Verdade do
Estado de São Paulo. É sobrinha de Luiz Eduardo Merlino, jornalista e militante
assassinado em 1971, na Operação Bandeirantes.
Seja muito bem-vinda. (Palmas.)
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Senhoras e senhores,
boa noite. Esta sessão solene tem a finalidade Outorgar o Colar de Honra ao
Mérito Legislativo do Estado de São Paulo a Vladimir Herzog, jornalista,
professor e dramaturgo brasileiro, in memoriam. Comunicamos aos presentes que
esta sessão solene está sendo transmitida ao vivo pela TV Alesp e pelo canal da
Alesp no Youtube.
Convido para que componha a Mesa Diretora
o deputado estadual Eduardo Suplicy, proponente e presidente desta solenidade.
(Palmas.) Ivo Herzog, engenheiro, presidente do conselho deliberativo do
Instituto Vladimir Herzog e filho de Vladimir e Clarice Herzog, nesta ocasião
representando o homenageado. (Palmas.)
Rogério Sottili já chegou? Rose
Nogueira, jornalista durante o regime militar brasileiro, militou na ação
libertadora nacional e foi presa no dia 4 de novembro de 1969, mesmo dia em que
foi assassinado o líder revolucionário Carlos Marighella. Permaneceu presa por
nove meses e foi companheira de cela da ex-presidenta Dilma Rousseff. (Palmas.)
Lorrane Rodrigues, historiadora e
mestre em História Cultural pela Unifesp, atuou por oito anos com formação
educacional em museus e espaços culturais. Pesquisa e trabalha temas ligados a
direitos humanos, estado, movimentos de mães e familiares e gestão da violência
na América Latina. Atualmente integra a Coordenação de Memória, Verdade e
Justiça do Instituto Vladimir Herzog. (Palmas.)
Adriano Diogo, sempre deputado e
ex-presidente da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva. Geólogo
sanitarista, iniciou a sua militância política em 1963, participou da
resistência à ditadura militar, da luta pela anistia e pelos direitos humanos.
Foi preso pela operação bandeirante em
1973, passando pelo DOI-Codi São Paulo até ser transferido para o Deops e
depois para o presídio do Hipódromo. Após a restituição da democracia, foi eleito
quatro vezes vereador de São Paulo e três vezes deputado estadual. (Palmas.)
Juca Kfouri, é jornalista, sociólogo e
escritor com uma longa carreira que começou em 1970. Ele é conhecido por sua
atuação em diversos veículos de comunicação, como “UOL”, “Folha de S. Paulo”, “TV
Globo”, “ESPN” e “Rádio CBN”. É autor de vários livros, incluindo sua biografia
"Confesso Que Perdi". (Palmas.)
Estamos aguardando a chegado do Rogério
Sottili, que é diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog desde 2017. É historiador,
mestre em História pela PUC e foi secretário de Direitos Humanos da Presidência
da República. (Palmas.) Bem a tempo, não é?
Convido todos os presentes para, em
posição de respeito, ouvirmos o Hino Nacional Brasileiro.
*
* *
- É executado
o Hino Nacional Brasileiro.
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* *
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Vamos registrar a
presença de algumas autoridades e personalidades: José Genoino, sempre deputado
estadual. (Palmas.) Bruno Lazzari de Lima, presidente do Sindicato dos Peritos
Criminais do Estado de São Paulo. (Palmas.) Denilson Mirim, diretor do
Instituto Federal de São Paulo, unidade de Sorocaba. (Palmas.) Marcos Secco,
presidente da Associação Brasileira de Criminalística. (Palmas.)
Então passo a palavra ao deputado
Eduardo Suplicy, para que proceda à abertura desta sessão solene.
O
SR. PRESIDENTE - EDUARDO SUPLICY - PT - Minhas
queridas, meus queridos, esta sessão solene foi convocada pelo presidente desta
Casa de Leis, deputado André do Prado, atendendo a minha solicitação, com a
finalidade de outorgar o Colar de Honra ao Mérito Legislativo do Estado de São
Paulo ao jornalista Vladimir Herzog, em memória.
É com profunda emoção que dou início a
esta sessão solene da Assembleia Legislativa de São Paulo, dedicada à entrega
do Colar de Honra ao Mérito a Vladimir Herzog, símbolo da luta pela verdade,
pela liberdade, pela dignidade humana em nosso País.
Tive a honra de
no começo de 1975 trabalhar com o Vlado na revista “Visão”, editor Roberto
Muylaert e ele tinha designado Vlado como editor de Cultura e eu era um novo
editor de Economia. Ali interagimos um pouco e percebi nele um homem que
acreditava profundamente na força da palavra, na ética do jornalismo e no poder
da informação.
Há exatos 50
anos, após se apresentar espontaneamente para depor, Vlado foi torturado e
assassinado nas dependências do DOI-Codi. O regime tentou forjar o crime como
suicídio, apresentou uma foto de Vlado se enforcando, o que foi uma deslavada
mentira e, infelizmente, Vlado foi torturado, assassinado nas dependências do
DOI-Codi.
O regime tentou
forjar o crime como suicídio, mas a verdade que prevaleceu em sua morte
escancarou os horrores da ditadura. Sua missa de 7º dia, realizada na Catedral
da Sé, reuniu milhares de pessoas e contou com a participação de líderes
religiosos como o cardial Dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o
pastor Jaime Wright, desafiando abertamente a versão oficial do suicídio e a
repressão do regime.
E Vlado tornou-se um símbolo da luta
pela liberdade. Eu estive presente naquela missa e pude perceber a energia
formidável que daquele ato surgiu, para que nós todos viéssemos a expressar
ainda com maior vontade a nossa luta pela democratização, por eleições livres e
diretas, campanha das Diretas Já, e pelos Direitos Humanos.
A história de Vlado expressa como a
coragem resiste à opressão, nos lembra de como a democracia é algo que demanda
construção permanente para a plena garantia e efetivação dos direitos humanos.
Hoje, ao lembrarmos de Vlado Herzog,
não olhamos apenas para o passado: olhamos para o presente, para um País que
ainda convive com gravíssimas violações de direitos, com violência do Estado,
especialmente contra a população jovem, negra, moradora nas periferias.
Ao conceder o Colar de Honra ao Mérito
a Vladimir Herzog, reafirmamos que não há presente sem memória e que a
democracia se enfraquece quando a violência estatal é naturalizada, quando o
autoritarismo se insinua no discurso público, quando a verdade é relativizada.
A entrega deste colar é uma reparação
devida por esta Casa Legislativa, e uma reafirmação de que o Brasil precisa
continuar a trilhar o caminho da justiça de transição. É importante que
tenhamos aqui o relato dos que perceberam que deputados desta Casa é que
tiveram aquela iniciativa para levar o Vlado à prisão.
Então o caminho de justiça de transição
passa pelo reconhecimento dos crimes da ditadura, pela reparação às vítimas e
pelo fortalecimento das instituições democráticas para que não se permita mais
que o Estado torture, mate ou minta.
Quero expressar o meu profundo respeito
à família de Vladimir Herzog, especialmente à Clarice, que não mediu esforços
para provar a verdade, ao Ivo, ao André, ao Instituto Vladimir Herzog, e ao
Rogério Sottili, que preside o Instituto e fez tudo, ajudou-nos a organizar
esta noite, e a todos e todas que lutam para manter viva a memória e o
compromisso com a democracia.
Que esta homenagem inspire cada um de
nós a continuar a lutar por um Estado garantidor dos Direitos Humanos, e por
uma sociedade mais ética, justa, solidária e livre, onde cada ser humano poderá
viver com efetiva liberdade e dignidade.
Parabéns a todos vocês. (Palmas.)
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Nós gostaríamos de
chamar José Genoino para a Mesa. Tem certeza?
O
SR. PRESIDENTE - EDUARDO SUPLICY - PT - Mas você
falará uma palavra aqui para nós.
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Muito obrigada,
deputado Eduardo Suplicy.
E agora nós vamos ouvir os membros da
Mesa. Mas antes, eu queria fazer um comentário, deputado. Queria dizer que eu
acho que faz todo o sentido ter sido o senhor a propor esta homenagem,
considerando a sua trajetória de luta por memória, verdade e justiça desde a
ditadura e durante a democracia, no período da redemocratização.
O
SR. PRESIDENTE - EDUARDO SUPLICY - PT - Obrigado.
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Eu queria falar, o
senhor está sempre presente nas lutas sociais. Nas últimas décadas, eu consigo
me lembrar de algumas.
Vou mencionar duas que eu considero
muito importantes, que foi a sua participação, a sua atuação na denúncia das
violências cometidas durante a reintegração do Pinheirinho, em 2012. Eu me
lembro muito disso como repórter. O Adriano Diogo também atuou nessa época.
E também em uma ação contra um despejo
em 2016, quando o senhor chegou a ser detido. Então eu acho que faz todo o
sentido ter sido o senhor, que tem uma coerência de trajetória durante a
ditadura militar e neste período democrático. Então, só reforçar isso.
(Palmas.)
O
SR. PRESIDENTE - EDUARDO SUPLICY - PT - Muito
obrigado. Obrigado. Estamos juntos.
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Queria passar a
palavra para Rose Nogueira, por favor.
A
SRA. ROSE NOGUEIRA - Boa noite a todos.
Quando o Eduardo me convidou para este ato,
eu falei para ele: “Eduardo, que honra. Que honra”. Eu fui muito amiga do
Vlado, um dos melhores jornalistas que eu já conheci. E trabalhávamos juntos na
TV Cultura. Ele era o redator-chefe e eu era editora de internacional. Primeiro
repórter, depois editora de internacional.
E o Vlado, quando eu cheguei na TV
Cultura, naquele tempo, ainda não era nem videotape, era filme, moviola, para
editar. Então, eu falei, “Vlado, eu não entendo nada disso aqui. Eu venho da
‘Ed. Abril’, da ‘Folha’, eu entendo de gráfica um pouquinho, mas de TV, não”.
Olha, ele foi o melhor professor que
alguém poderia ter. Ele já dava aula de cinema em uma faculdade, depois na ECA.
E ele tinha uma paciência com a gente, porque não era só eu que não entendia
muito.
Ele ensinava tudo, ele sentava na
moviola, Nossa Senhora, parecia uma coisa do outro mundo. Então, ele me ensinou
até a respeitar a respiração do entrevistado. Então, na edição, foi uma coisa
maravilhosa.
E aí, em seguida, ele foi para a
direção de redação, onde nós, antes, tínhamos um grande diretor, que era Fernando
Pacheco Jordão e, depois, o Vlado como diretor. Nesse período todo, a censura
não dava trégua para a gente. Toda hora, era um telex que chegava da censura. E
a gente até dava risada, porque tinha coisa que a gente nem sabia que tinha
acontecido, a censura avisava.
E uma das coisas que causou muito...
como é que se chama? Um certo rebuliço, foi que um desses telex proibia de
citar Dom Hélder Câmara. E, então, alguém escreveu a matéria assim: “O
arcebispo de Olinda, em Recife, esteve...”, não sei onde, naquela viagem que
ele fez pelo Brasil todo.
E aí, o pessoal da censura caiu em
cima, “pô, onde já se viu o arcebispo... não pode citar o nome dele”. Não
citamos. Então ele driblava a censura com essas coisas. Ao mesmo tempo, o
Vlado, ele era um pai de todos na redação, porque ele ensinava a todo mundo.
E eu me lembro de uma repórter que
chegou e ficou confusa com matéria, falou: “Vlado, pelo amor de Deus, vem
salvar minha matéria”. Ele salvava todas as matérias, era impressionante. E um
grande, grande, grande amigo.
E, quando assassinaram ele, naquele
dia, em um sábado, chegou em casa a chefe do arquivo da TV Cultura, Regina
Passos. Ela nunca tinha vindo na minha casa, aí, bateu lá.
Falei, “oi, Regina, tudo bem? O que
houve?”, ela falou: “Rose, você não sabe. O Vlado se suicidou”. Falei, “como?”.
Eu caí sentada. Eu caí sentada na porta da minha casa. E aí, eu falei, “não,
não é possível. Isso não aconteceu”. Porque, um dia antes, o Vlado tinha
avisado a gente que - naquele tempo, não tinha celular, quase ninguém tinha
telefone -, a Clarice tinha ido lá procurar ele e dito que a polícia esteve
procurando ele.
E aí, ele falou: “eu vou me apresentar
amanhã”, ele falou isso para nós na redação, “agora, vamos fechar o jornal”. E
foi assim. E a Regina chegou no dia seguinte com essa notícia que me derrubou
no chão mesmo.
E aí, eu falei, “não é possível, não
acredito”. Não acredito que uma pessoa que ama tanto a vida como o Vlado possa
se suicidar de um dia para o outro. Não. E fiquei pensando tudo isso.
E aí, em seguida, todo mundo foi
procurar o Sindicato de Jornalistas, que era presidido por uma figura exemplar,
maravilhosa, que era o Audálio Dantas. E o Audálio fez um escândalo por São
Paulo todo, publicou em todo lugar que ele pôde e conseguiu.
E aí, uma semana depois, teve o culto
ecumênico. Acho que é uma semana depois, não tenho certeza. Aí, depois, teve o
culto ecumênico celebrado pelo Dom Paulo Evaristo Arns, e que todas as
religiões estiveram presentes.
E, por incrível que pareça, eu estava
lá, você não conseguia andar na Praça da Sé, ela estava inteirinha tomada de
gente. E eu tenho a impressão que isso aí é que mudou bastante a história do
Brasil, que eu acho que a ditadura ficou com medo. Ainda depois, mataram um
operário, Manoel Fiel Filho, em janeiro de 76, metalúrgico.
E segundo o que a gente tem de
pesquisa, o Geisel, que era o ditador de plantão, teria dito: “Vamos acabar com
essas mortes”. Então, nunca mais ninguém foi morto no DOI-Codi ou no Dops. E o
Vlado tem essa representação incrível para o Brasil e para o jornalismo nem se
diz. Para o jornalismo, ele foi um herói e para o Brasil, também.
Então é assim que eu vejo o Vlado e me
lembro dele. (Palmas.)
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Obrigada, Rose. Muito
importante a sua fala, eu acho que tem uma importância enorme, porque quando a
gente fala de memória, verdade e justiça, muitas vezes, a gente foca nas
circunstâncias em que as pessoas foram assassinadas e na luta por memória,
verdade e por justiça.
E tem uma parte muito importante, que é a gente
lembrar quem foram as pessoas, quem são os nossos mortos, não é? Para a
sociedade e também para os familiares. Em uma entrevista recente, o Ivo disse
que ele tem poucas memórias.
Então, uma das coisas que a ditadura fez também foi
privar os familiares de terem memórias, de terem memórias com eles, como o meu
caso, por exemplo, que também nem conheci meu tio, que foi assassinado.
A SRA. ROSE
NOGUEIRA - Queria lembrar, a Tatiana é sobrinha do Luiz
Eduardo Merlino. Nós trabalhamos juntos também na “Folha da Tarde” e ela sempre
foi uma militante por memória, verdade e justiça, pela procura da verdade, pela
procura da justiça. E eu que te conheci, menina, estou achando uma beleza
sempre te encontrar.
Parabéns. (Palmas.)
A SRA.
MESTRE DE CERIMÔNIAS - Eu queria registrar a presença
dos deputados estaduais Donato e Carlos Giannazi e da vereadora Luna Zarattini.
(Palmas.)
E agora eu passo a
palavra para o também jornalista Juca Kfouri.
O SR. JUCA
KFOURI - Muito boa noite. Eu queria primeiro agradecer ao
meu amigo Eduardo Suplicy, por me dar a honra de estar aqui nesta Mesa e
homenageando essa figura que mudou a história do Brasil, cuja morte mudou a
história do Brasil, porque, sem dúvida nenhuma, o assassinato do Vlado foi um
marco que registrou o começo da redemocratização do Brasil, por mais que tenha
ainda demorado uma década para que a gente conseguisse de fato exterminar a
ditadura.
Eu não posso falar do Vlado sem me lembrar sempre
da Clarice, uma heroína brasileira chamada Clarice Herzog. (Palmas.) Não posso
falar do Vlado sem lamentar que dois meninos bem meninos, o Ivo e o André, não
puderam conviver com o pai durante a vida deles. E que os netos, um menino e
três meninas, não possam desfrutar do avô Vlado, que deveria, eu imagino, poder
ser um avô fabuloso.
Mas o que eu quero mesmo registrar aqui hoje, em
nome da verdade, é o seguinte, esta Casa, e nesta Casa, dois deputados
iniciaram o processo que culminou com a prisão, tortura e morte de Vladimir
Herzog. Um se chamava Wadih Helu - foi até presidente do Corinthians -, o outro
se chamava José Maria Marin - foi presidente da CBF.
Esta Casa, durante muito tempo, teve uma sala, que
era a sala dos setoristas, chamada Vladimir Herzog. Os setoristas desapareceram
em função dos avanços tecnológicos e a sala desapareceu junto. Eu queria pedir
aos deputados aqui presentes que se lembrassem disso e se não existem mais os
setoristas, há de haver uma sala em homenagem a um democrata que morreu por
todos nós, chamado Vladimir Herzog.
Não faz sentido que nós não tenhamos uma sala na
Assembleia que representa o povo de São Paulo sem ter o nome de Vladimir
Herzog, até como reparação aos dois deputados da Arena, do partido da ditadura,
que colaboraram fortemente para que o Vlado não tivesse mais aqui conosco.
Era isso que eu tinha a dizer e queria também já,
antecipadamente, pedir desculpa a todos. Não me tenham na conta de uma pessoa
mal-educada, mas, infelizmente, daqui a pouquinho, tem um jogo de futebol da
Libertadores da América e eu tenho que ir cobrir. Além do mais, é o time do
Equador contra o Palmeiras e como todos vocês sabem, eu sou equatoriano desde
criancinha.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR.
PRESIDENTE - EDUARDO SUPLICY - PT - A sua sugestão, Juca Kfouri,
está aceita, de propormos que uma das salas dessa Assembleia Legislativa se
torne Vlado Herzog, está bem? Vamos providenciar isso.
Obrigado.
A SRA.
MESTRE DE CERIMÔNIAS - Obrigada, Juca.
Eu queria registrar a presença do Carlos Eduardo
Duarte, representante do Instituto Telma de Souza. (Palmas.) Antes de passar a
palavra para a Lorrane, eu queria ressaltar a
importância desse evento de homenagem ao Vlado estar acontecendo em um momento
político em que o nosso tema de memória e verdade, depois de anos de trevas, em
que se exaltavam torturadores, o governo federal retomou algumas políticas de
memória e verdade.
No começo deste mês, foram entregues
atestados de óbito retificados aos familiares, está em processo disso, embora
tenhamos muito ainda pela frente, mas acontece em um momento importante também
com o filme “Ainda Estou Aqui”, em que nosso tema de memória e verdade voltou à
pauta.
Passo a palavra para a Lorrane.
A
SRA. LORRANE RODRIGUES - Boa noite a todas as
pessoas presentes. Eu quero começar agradecendo pelo convite. É uma honra para
mim estar aqui nesta Mesa, sobretudo para falar de uma temática que é tão cara
ao instituto, que é sobre o tema “Memória, Verdade e Justiça”, essa palavra que
já foi dita aqui tantas vezes, e também para falar um pouquinho, na medida do
que posso e conheço, sobre o Vlado e sobre a sua história.
Eu não sei se todos aqui sabem, mas
existem pouquíssimos registros da voz do Vlado. É comum as pessoas se
perguntarem sobre os seus movimentos e ações no passado, e sobretudo tentarem
entender o que ele acharia sobre hoje, principalmente quando a gente fala sobre
as questões de violência de estado.
Essas são perguntas a que a gente não
vai obter respostas, porque a história nos ensina que não é possível especular
sobre o passado e uma pessoa só pode falar sobre si a partir do tempo que ela
viveu. A professora Sara Gonzalo diz que mesmo quando as pessoas morrem, elas
não são meras coisas com as quais os outros podem fazer o que quiserem.
Isso significa, por exemplo, as nossas
sociedades considerarem tão errado profanar ou desrespeitar a memória dos
mortos. Em outras palavras, nós temos certas obrigações morais com os mortos,
na medida em que a morte não implica necessariamente que as pessoas deixam de
existir de forma moralmente relevante.
Então, mais do que ver o Vlado como um
personagem, a gente precisa entendê-lo dentro do seu contexto e pensar um pouco
o que significa o seu legado. O Vlado era um homem profundamente ligado às
manifestações culturais e artísticas. Foi jornalista, ator, fotógrafo,
cineasta. Há pouquíssimo tempo, a gente também descobriu que ele gostava de
cantar. O Ivo contou isso para a gente em uma conversa informal.
Além disso, ele tinha um profundo
respeito pelo audiovisual. Ele sabia a importância de se ter uma boa luz, um
bom ângulo. Era isso que ele passava também para os seus estudantes. Eu gosto
de dizer que o Vlado era um homem das imagens. Se vocês olharem as fotografias,
os filmes que ele produziu, vocês vão perceber que há um apreço estético dentro
delas, mas, mais do que isso, o Vlado sabia que a junção desses elementos
impacta a percepção daquilo que a gente vê. Então, do meu ponto de vista, esse
é o maior legado que o Vlado nos deixa: a importância de saber contar uma
história.
Mas quem é que pode contar a sua
história na sociedade em que a gente vive? A história do Vlado chega até nós
por conta de muitas mãos: as mãos dos familiares, dos amigos, da sociedade.
Esse legado não se fez e ele não se faz sozinho, mas quando a gente olha para
os dias de hoje, o que vemos é um profundo silenciamento de algumas mãos que
poderiam ajudar a contar as tantas histórias do período da ditadura militar e
do tempo presente de outras maneiras.
O que a gente nota quando observa um
movimento de familiar neste País, seja o movimento de familiar do passado, seja
do presente, é um exceder do caso individual. É uma espécie de percepção que
logo vira um entendimento: o meu familiar não volta mais, então eu não quero
que isso aconteça com outras mães ou com outros familiares.
É, percebam, como se essas pessoas
saíssem do espaço individual do sofrer e elas pensam esse sofrimento como algo
maior, como um substantivo. É algo que as une, inclusive as une àquelas que
ainda não passaram por isso, mas que elas sabem que, em algum momento, vão
passar. Esse é um ato muito bonito, mas, ao mesmo tempo, muito triste.
“Revanchistas” é um termo da ditadura
militar e, na maioria das vezes, é como essas mulheres e familiares são
chamados, porque querem punição, porque são rebeldes, porque são insubmissas.
No fundo, é porque essas pessoas
perceberam que, enquanto não houver uma mudança em como o estado e a polícia
lidam com territórios periféricos, com os ilegalismos urbanos populares -
porque nos espaços de elite não é assim que se age -, não tem como.
Cada jovem que se vai é como se esses
familiares revivessem esse momento. Essa
coletivização do luto é muito bonita de acompanhar e é muito difícil não se
envolver com isso, porque essa é uma luta absolutamente justa.
Por fim, eu queria fazer jus às
palavras do também historiador Lucas Pedretti e dizer que precisamos superar
uma certa necessidade de compreender o problema contemporâneo da violência de
estado como apenas uma “herança”, entre aspas, da ditadura, não só porque o
regime autoritário herdou estruturas coloniais e racistas de períodos prévios,
mas porque muitas dessas camadas são constantemente atualizadas mesmo sob o
manto da democracia.
Esse aprofundamento e militarização do
estado, que a gente tem visto nos últimos anos, mostram que o desafio de
adequar as Forças de Segurança ao Estado Democrático de Direito não tem a ver
com limpar os restos de um passado que não passou, mas de repensar
constantemente os termos e as lógicas a partir das quais a gente compreende a
nossa democracia no presente.
As falhas da Justiça existem desde
sempre, esses acordos quase nunca se resolvem nos tribunais e é, portanto, o
nosso dever moral e político abrir espaço para que essas pessoas contem as suas
histórias, estar ao lado das vítimas, da verdade e da memória.
Porque como muitos horrores no Brasil
sequer chegam aos tribunais, isso não significa que eles não existiram e, para
muitas dessas pessoas, a memória tem sido a única forma possível de justiça.
Neste País onde a impunidade encontra
refúgio, a gente não pode se dar ao luxo de se esquecer. Portanto, a memória é
o único antídoto para que a história não se repita. É pelo Vlado, pelas vítimas
do período da ditadura militar e pelas vítimas do período contemporâneo do
Estado brasileiro.
Muito obrigada.
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Obrigada, Lorrane. Eu
queria passar a palavra para o Adriano Diogo.
O
SR. JUCA KFOURI - Como eu não gosto dele, eu vou
embora, tá, gente?
O
SR. ADRIANO DIOGO - Ele não aguenta que
eu sou palmeirense, ele não se conforma. Que pena que o Juca vai embora. O
Juca, graças ao Juca Kfouri, que esse áudio, que o Carlão da Biblioteca, o
Carlão, guardou esse áudio em fita de rolo.
Graças ao Juca Kfouri, que durante a
Copa do Mundo pediu a transcrição do “Diário Oficial” e das fitas onde José
Maria Marin e Wadih Helu - não Wadih Mutran, como foi dito no programa “Roda
Viva”; coitado do Wadih Mutran, não fez mal a ninguém - como Wadih Helu, e um
outro personagem de Bragança, mas foi Juca Kfouri que colocou no mundo essa
gravação durante a Copa.
Muito obrigado, Juca Kfouri, por tudo
que você fez pelo povo brasileiro. Parabéns. Bom, o que eu queria falar é o
seguinte, já que nós estamos nessa rasgação de seda, durante a Comissão da
Verdade, aqui da Assembleia Legislativa, uma jornalista de nome Tatiana Merlino
coordenou a pesquisa das crianças que foram presas, sequestradas e maltratadas
durante a ditadura.
No fim da edição, ela já estava com uma
gravidez de risco e ela não conseguiu dar o fecho final, mas o presidente
Samuel Moreira, que foi muito correto conosco, garantiu a impressão desse
livro.
Eu queria até solicitar ao Suplicy, se
ele pudesse solicitar, fazer uma nova edição desse livro maravilhoso. Só não
posso dar de presente, porque é o primeiro que deve ter aqui na biblioteca e é
o último exemplar que eu tenho, todo o trabalho de Tatiana Merlino.
Além desse trabalho, Tatiana Merlino
coordenou a edição do chamado “Bagulhão”, que era o relato das torturas e dos
torturadores da ditadura. E ainda conseguiu coordenar uma publicação muito
importante, que era a sentença da Corte Interamericana, condenando o Brasil
pelas graves violações de Direitos Humanos e exigindo que fosse criada uma
Comissão da Verdade no Brasil. Bom, essa aqui, trabalho da Tati.
Todas essas edições... Da Tati não,
Tatiana Merlino. Bom, por que eu estou fazendo essa introdução? Eu sei que o
tempo é rápido. Primeiro, queria agradecer ao Suplicy e toda a sua assessoria,
porque falar Suplicy é sinônimo de Direitos Humanos.
Quem não se lembra do Suplicy, Teotônio
Vilela, Rose Nogueira e outras pessoas visitando todos os presídios
brasileiros, antes mesmo da campanha da anistia, mostrando a situação dos
presos políticos, trazendo à tona todas as torturas, enfim, tudo o que
aconteceu na ditadura. Muito obrigado, Suplicy, por você existir. Para
concluir, quero dizer o seguinte.
Paulo Vannuchi e Rogério Sottili,
quando estavam à frente do Ministério dos Direitos Humanos, produziram o
documento mais importante da história do Brasil sobre a ditadura, o Dossiê dos
Mortos e Desaparecidos Brasileiros. Foi a primeira vez na história do Brasil
que um órgão do Estado brasileiro reconheceu suas vítimas. Esse trabalho é um
trabalho que foi um marco no processo civilizatório brasileiro.
O Rogério Sottili está aqui hoje, numa
outra trincheira, executando esse trabalho pelo Instituto Vladimir Herzog. Por
que eu quis falar desse trabalho importantíssimo que foi o dossiê de mortos e
desaparecidos? Geisel, quando assumiu a Presidência da República, criou um triunvirato.
Dois pastores alemães - sem ofender os pastores alemães, evidente - Orlando
Geisel, Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo, eles acabaram com as mortes
declaradas.
Querida Luna Zarattini, você que é uma
descendente honrada do seu avô e de toda a sua família. Geisel acabou com os
mortos e desaparecidos, com os mortos. Ele transformou todos em mortos e
desaparecidos políticos. Ninguém podia mais dar publicidade, e todos os mortos
e desaparecidos tinham que ser invisíveis. Esse era o trabalho dos irmãos
Geisel.
Eles trouxeram para o Brasil um general
francês chamado Jean-Paul Aussaresses, que era o criador dos “kids pretos”, que
criou a Escola da Contra Insurgência de Manaus. Jean-Paul Aussaresses, que era
um general aposentado da França que havia passado pela Guerra da Argélia, e foi
responsável pela morte de três milhões de argelinos depois da Segunda Guerra
Mundial. É aquele general com tapa-olho que aparece no filme de Gillo
Pontecorvo, “A Batalha de Argel”.
Pois bem, esse senhor veio morar em Manaus,
e ele fez a escola da Operação Condor em Manaus. Ele preparou, a partir de
Manaus, a derrubada e o assassinato de Salvador Allende e todos os golpes que
teve na América Latina, entre os governos Geisel e Figueiredo. Então, Vladimir
Herzog e todos os companheiros do Partido Comunista foram assassinados, porque
não era uma operação isolada.
Eu vou concluir, minha senhora, só para
justificar minha participação. Era uma operação Jacarta. Operação Jacarta teve
na Indonésia, e foram mortos um milhão de indonésios. A operação Jacarta era
para matar todos os remanescentes da luta armada do Partido Comunista
Brasileiro.
Portanto, esses torturadores, esses
assassinos que foram anistiados, agora querem anistia de novo a todos os seus
crimes. Na ditadura, concluindo, mataram as crianças com a meningite, sem
providenciar vacinas. Agora, quando voltaram, mataram, intencionalmente, 750
mil brasileiros, negando direito à vacina e ao oxigênio.
Muito obrigado.
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Obrigada, Adriano.
É muito importante você lembrar o
trabalho que você coordenou aqui, à frente da Comissão Estadual da Verdade,
Rubens Paiva, e também o trabalho do Rogério Sottili, à frente da Secretaria de
Direitos Humanos durante o governo, quando o ministro era o Paulo Vannuchi.
Importantíssimos para registrar a amplitude da violência cometida durante a ditadura,
mas tem um aspecto que segue pendente, que é o pilar da Justiça.
Hoje, tem uma ADPF, a ADPF nº 320, que
é uma ação que pede ao Supremo Tribunal a revisão da Lei de Anistia. Essa ADPF
está parada há muitos anos no Supremo Tribunal Federal e é uma reivindicação
dos defensores de Direitos Humanos, dos familiares de mortos desaparecidos, da família
Herzog e de todos os familiares de mortos desaparecidos.
Passo a palavra ao Rogério Sottili.
O
SR. ROGÉRIO SOTTILI - Boa noite a todos, boa
noite a todas. Eu quero aqui cumprimentar primeiro o meu querido senador,
deputado Eduardo Suplicy, pela coragem, por toda a sua luta pelos Direitos
Humanos, que é uma luta que emociona, principalmente para quem vem aqui
acompanhando há tanto tempo.
Também quero cumprimentar aqui os
deputados aqui presentes, o deputado Donato, o deputado Genoino, a deputada Monica
Seixas, o Giannazi. Também quero cumprimentar a querida Luna Zarattini, nossa
vereadora.
E quero cumprimentar o Marcos, da
Associação Nacional dos Peritos, parceiro do Instituto Vladimir Herzog, para
construir um sistema de autonomia das perícias. Quero cumprimentar, enfim,
especialmente o meu querido Ivo Herzog, meu companheiro, meu amigo, meu irmão,
o André Herzog, aqui presente, Aline, da família Herzog. E dizer que é muito
importante esse momento que nós estamos vivendo, relembrando, memorizando a
história do Vlado e os 50 anos do seu assassinato.
Cinquenta anos depois do assassinato de
Vladimir Herzog, na dependência do DOI-Codi, estamos aqui não apenas para
lembrar uma tragédia, mas para reafirmar um compromisso.
E eu queria reforçar aqui o que o Juca
lembrou. Foi exatamente nessa Assembleia Legislativa, exatamente nesta sala,
neste plenário, e exatamente nesta tribuna que o deputado Marin criou as
condições para que o Vlado fosse assassinado pelo DOI-Codi, quando ele inflamou
o Estado brasileiro, chamando que na “TV Cultura” era um antro de comunistas e
que tinha que limpar o que estava acontecendo na TV Cultura.
E é muito emblemático a gente estar
hoje aqui nesta mesma sala, nesta mesma Assembleia, neste mesmo plenário,
fazendo essa homenagem ao Vladimir Herzog. E dizer que o assassinato do Vlado
foi um crime de Estado, um crime que simbolizou a violência de uma ditadura,
que perseguiu, censurou, torturou e matou centenas de cidadãos e cidadãs
brasileiros. Mas foi também o ponto de virada o momento em que a sociedade
brasileira começou a romper o medo e exigir o retorno da democracia.
E o Instituto
Vladimir Herzog nasceu justamente desse compromisso - assumido por Clarice, por
Ivo, por André - de garantir que a história e o legado de Vlado se mantenham
vivos como uma força transformadora da sociedade brasileira. Ao longo de mais
de 15 anos, o Instituto tem trabalhado, incansavelmente, para defender a
liberdade de expressão, os Direitos Humanos e a democracia.
Lembrar os 50
anos do assassinato de Herzog é, portanto, mais do que um ato de memória, é um
chamado à mobilização. Vivemos um tempo em que o autoritarismo tenta se
reorganizar. A mentira volta a disputar jornalistas e comunicadores, e os
comunicadores seguem ameaçados.
O discurso de
ódio se espalha e as instituições democráticas são postas à prova. Essas são
novas faces de violências e, por isso, a luta de Herzog travou pela verdade,
pela dignidade humana e pela liberdade. E ela permanece atual.
Quando o Instituto
Vladimir Herzog atua na proteção do jornalismo, na preservação da memória da
ditadura ou na formação de jovens comprometidos com os direitos humanos, o que
fazemos é manter viva a chama que Vlado acendeu.
A convicção de
que a verdade é inegociável e a democracia inadiável. Que este plenário hoje
seja um espaço de compromisso com essa história e que o nome de Vladimir Herzog
continue ecoando como símbolo de coragem e como um chamado permanente à defesa
da liberdade e da democracia no Brasil.
E eu quero
aproveitar aqui para fazer um convite a todos e a todas aqui presentes. Sábado
à noite, às 19 horas, na Catedral da Sé, nós vamos fazer um ato em homenagem a
Vladimir Herzog e em memória a toda a luta de Vlado, ao legado de Vlado, mas
uma homenagem a todos os familiares de mortos e desaparecidos políticos. E que
este ato tenha a mesma energia de 1975 para defender a nossa democracia e dizer
que autoritarismo nunca mais.
Obrigado.
(Palmas.)
O
SR. PRESIDENTE - EDUARDO SUPLICY - PT - Permita-me só
lembrar que era 2015, tinha acabado o meu mandato, 24 anos no Senado. No dia
seguinte, o Fernando Haddad me convidou para ser secretário de Direitos
Humanos, que eu aceitei, e você era o secretário. E daí nós trabalhamos juntos
naquele ano. E daí você acabou indo para o governo Dilma, não é?
E pouco depois você foi designado para
dirigir o Instituto Vlado Herzog. E eu quero lhe dizer que, nesses anos, nós
continuamos andando juntos com maior alegria por propósitos tão saudáveis
quanto os que você mencionou. Uma alegria para mim, está bem?
Muito obrigado. (Palmas.)
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Obrigada. Obrigada,
Rogério. Obrigada, deputado. Queria registrar a presença da jornalista Mônica
Dallari e chamar o José Genoino para fazer uso da palavra. (Palmas.)
O
SR. JOSÉ GENOINO - Bem, companheiros e companheiras,
eu estou aqui por duas causas. A primeira causa é a do Vlado. E a segunda é do
Suplicy. Uma pessoa que eu convivo há muitos anos e aprendi a respeitar e
admirar. Há 50 anos eu cumpri a pena no presídio Barro Branco.
No dia que assassinaram o Vlado e teve
a repercussão... Vocês sabem que os presídios políticos, eles refletiam o que
acontecia aqui fora. Mesmo que a gente não tivesse repercussão nenhuma, a gente
tomava a decisão ou de fazer uma greve de fome ou de fazer um protesto.
E no sábado, quando se realizou a
missa, nós tomamos a decisão. Os 40 presos políticos faziam um protesto. Cada
um escolhia a maneira de protestar. E a minha maneira foi chutar uma porta de
ferro com ferro, com a botina que tinha sobrado do Araguaia. Causou um estrondo
no presídio Barro Branco.
E por essa razão, nós tivemos que fazer
uma greve de fome e eu fui transferido para o presídio Paulo Sarasate, em
Fortaleza, como punição. E no presídio, tanto do Barro Branco como do Paulo
Sarasate, nós começamos a gravar em madeira com o pirógrafo uma frase que foi
generalizada e virou uma frase histórica do Vlado. Que dizia o seguinte:
“Quando não nos indignamos com a barbárie, com a violência e com a humilhação,
nós perdemos a nossa condição de seres humanos civilizados”.
A gente escrevia com o pirógrafo dentro
do presídio e mandava como lembrança de fim de ano, das datas históricas.
Então, a morte do Vlado, o assassinato do Vlado marcou profundamente os
presídios, porque naquele momento havia uma luta de sobrevivência e a ditadura
se dividia, que depois aparece no relatório de Sylvio Frota.
E a gente comentava o seguinte: se o
Vlado foi assassinado da maneira que foi, e nós aqui podemos ser assassinados,
então é uma questão de sobrevivência. E nós travamos uma guerra de resistência
e de sobrevivência, seja no Paulo Sarasate, em Fortaleza, seja no Barro Branco,
aqui em São Paulo.
Portanto, eu queria deixar claro essa
celebração, que marcou muito a minha experiência no Barro Branco, depois de
greve de fome, depois de todo o processo que a gente viveu, juntamente com
alguns companheiros, como o Paulo Vannuchi, como o Jair Borin, como vários
companheiros que cumpriam pena no Barro Branco, quando eram visitados pelo Dom
Paulo.
Então, eu acho que é muito importante,
foi algo muito forte para os presos políticos naquele momento, porque
desencadeou um processo que foi, foi, foi até chegar na substituição da
ditadura pela democracia liberal. Claro que essa substituição se deu por cima,
e não por baixo; se mantiveram os instrumentos da própria anistia como crimes
conexos, e os torturadores não foram punidos.
Eu queria fazer esse depoimento aqui,
dizendo para vocês que eu fiz questão de vir aqui, Suplicy. Até porque hoje, coincidentemente,
eu disse para a minha família, que te admira tanto, que eu não podia deixar de
estar aqui, mesmo trazendo aqui vários fios, que eu estou fazendo exame de
coração, exame de controle, mas eu não podia deixar de estar aqui para
testemunhar para vocês o que eu vivi dentro do Barro Branco 50 anos atrás.
As famílias foram humilhadas,
revistadas, todos os advogados e advogadas, e a gente viu naquele Barro Branco
como se fosse uma fortaleza militar. É tanto que quando eles chegaram para me
tirar de madrugada, para Fortaleza, que disseram: “Você vai para Fortaleza”. Eu
disse: “Eu não vou”. Eu achava que era uma fortaleza militar.
E eu tive que sair do presídio, também
muito marcado pelo que tinha acontecido com o Vlado. Eu disse que negociava a
minha saída para tirar roupa, mas, na verdade, eu escrevi uma carta que está na
mão do Luiz Eduardo, dizendo: “Comunico à opinião pública que não vou me
suicidar. José Genoino”.
Muito obrigado, pessoal. (Palmas.)
Esse “Bagulhão” aqui era o retrato do
presídio Barro Branco. Esse “Bagulhão”, pessoal, saiu de dentro do Barro Branco
em maço de cigarro. A gente tirava o fumo, botava o conteúdo em papel seda e
tirava em carteira de cigarro as denúncias sobre torturas, torturadores e dos
companheiros que foram assassinados. Esse “Bagulhão” foi feito no Barro Branco,
foi o primeiro documento oficial. E a gente retirou dessa maneira, através de
cigarro, que a gente tirava o fumo e colocava os escritos em papel seda.
Muito obrigado. (Palmas.)
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Muito obrigada,
Genoino. Agora a gente vai ouvir os deputados aqui presentes. Queria chamar o
deputado Donato para vir fazer uso da palavra.
O
SR. DONATO - PT - Boa noite. Cumprimentar aqui o
Suplicy, a referência de militância para o povo brasileiro, pela sua dignidade,
através da luta pela renda básica da cidadania, e essa referência também na
luta pelos Direitos Humanos, que nos orgulha muito e nos inspira sempre.
Cumprimentar o Adriano Diogo, também uma outra grande referência na luta pelos Direitos
Humanos.
A Lorrane fez uma bela fala. Rose
Nogueira, também pelo seu depoimento. Rogério Sottili, também pela condução do
Instituto Vladimir Herzog. E o Herzog, em nome da família Herzog, que merece
todas as homenagens que estão sendo prestadas hoje. Mas, mais do que
homenagens, e é por isso que eu venho aqui, eu vou ser repetitivo, porque eu
acho que é importante ser repetitivo.
Já se falou que dessa tribuna, há 50
anos, dois deputados, repercutindo um pseudojornalista, que na verdade era um agente
dos porões da ditadura, o Cláudio Marques, que escrevia uma pequena coluna num
jornal que nem sei qual era, que não tinha nem muito... Shopping News. E ele
fazia essas denúncias.
Na verdade, era um pequeno... Um
pequeno... Talvez a expressão não seja boa, mas era o gabinete do ódio da
época. Fabricavam-se denúncias para serem repercutidas. E a denúncia é que a TV
Cultura estava infiltrada por comunistas.
Bom, Vladimir Herzog foi convidado para
dirigir a TV Cultura por ser um grande jornalista. foi convidado pelo
secretário de Cultura do governador Paulo Egydio, era o José Mindlin. Ele não
se infiltrou, ele foi convidado pela sua qualidade como jornalista. E fazia Jornalismo.
Mas Jornalismo, na época da ditadura,
era um perigo. Tanto que, nesse período anterior à prisão de Vlado e o seu
sacrifício, vários jornalistas haviam sido presos pela condição de ser
jornalista, de falar a verdade - e uma ditadura não tolera a verdade, não tolera
a verdade.
Então este ato
hoje aqui se reveste de muito simbolismo, mas muito mesmo, porque, desta
tribuna, a história da Alesp foi maculada como representação do povo de São
Paulo, foi manchada por um episódio que serviu... Foi a senha para que se prendesse
Vladimir Herzog.
Desta tribuna
foi atribuída a infiltração de elementos comunistas, que era a TV Vietnã
Cultura... (Vozes fora do microfone.) Como? Rose, me ajude. (Vozes fora do
microfone.) Viet Cultura, ou seja, como se ela estivesse na mão de subversivos
perigosos.
Vladimir Herzog
foi ao seu depoimento no dia seguinte - depois de intimado - sem advogado,
achando que simplesmente ia prestar um esclarecimento, e foi barbaramente
torturado, seviciado, e sua morte provocou - o que foi relatado aqui - o
primeiro grande momento de mobilização contra a ditadura militar, em 75. A
ditadura ainda demorou dez anos, mas foi a partir daí que foi a faísca que
começou a derrotar a ditadura.
Então, aqui, esta homenagem, Suplicy,
que você propôs tão bem, significa muito, porque significa reparar uma mancha
que, desta tribuna, foi cometida contra a democracia e contra o povo
brasileiro. Então, parabéns, Suplicy, pela homenagem.
Viva Vladimir Herzog, porque ele
continuará eternizado pela sua luta, pela sua história, celebrado em uma grande
escultura, ali, “Vlado Vitorioso”, na Praça Vladimir Herzog, enquanto esses
dois deputados merecem a lata de lixo da história - que é onde estão.
Obrigado. (Palmas.)
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Obrigada, deputado.
Agora eu vou chamar para fazer uso da fala o deputado Carlos Giannazi.
(Palmas.)
O
SR. CARLOS GIANNAZI - PSOL - Boa noite a todos e a
todas. Quero parabenizar aqui e cumprimentar o deputado Eduardo Suplicy, por
esta importante homenagem, por esta homenagem ao Vladimir Herzog, através da
maior honraria que existe aqui na Assembleia Legislativa, que é justamente o
Colar de Honra ao Mérito. Quero saudar também toda a família do Herzog, na
pessoa do Ivo.
Adriano Diogo, que foi um grande
deputado estadual aqui, que dedicou o mandato dele à Comissão da Verdade
estadual. Eu me lembro de que ele ficou quatro anos aqui trabalhando, de uma
forma incessante, para recompor a verdade aqui - sobretudo no estado de São
Paulo - de tudo o que aconteceu em relação à ditadura empresarial militar.
Dizer, Suplicy, que é muito importante
este ato, porque a Assembleia Legislativa de São Paulo... Está ali: 190 anos de
existência. E são 190 anos a serviço das elites econômicas e políticas do nosso
Estado, das oligarquias e do autoritarismo. Então é muito importante que a
gente esteja aqui ocupando este espaço e fazendo justiça com o Herzog, ainda
mais por tudo o que aconteceu em relação a isso que foi dito.
A Assembleia Legislativa foi cúmplice
da morte do Herzog. Aqui da tribuna, deputados usaram a tribuna para acusá-lo e
ajudaram, contribuíram com a sua morte. Então esta homenagem é muito
importante.
Eu me lembro... Eu fiz mestrado e o meu
doutorado na USP, no início dos anos 90, estudei a ditadura militar, a ditadura
empresarial militar, mas, sobretudo, a doutrina de segurança nacional, a
ideologia de segurança nacional, e fiz várias entrevistas, enfim.
Em uma delas, eu consegui entrevistar o
Shibata, que era aquele médico legista, que fez o laudo, não só do Herzog, mas
de várias pessoas mortas pela ditadura militar. Parece-me que ele fez também
até o laudo da Elis Regina - falei até para o Ivo ali no Salão dos Espelhos. Na
entrevista, ele afirmou que o Herzog tinha tendências suicidas. Ele afirmou
isso. Eu rebati, é lógico.
Enfim, então o Herzog foi injustiçado,
foi uma vítima da ditadura militar. Nós tivemos uma ditadura sanguinária, que
matou, torturou, arrebentou, fez o Brasil retroceder em quase todas as áreas:
na Educação, na Cultura. E o Herzog... Nós temos que recompor a verdade,
recompor a justiça em relação ao Vladimir Herzog.
Então, Suplicy, parabéns por essa
grande iniciativa aqui na Assembleia Legislativa. Quem controla o passado,
controla o presente. Quem controla o presente, controla o futuro. O deputado
Suplicy está aqui recompondo a verdade histórica.
Viva o Herzog! Herzog vive!
Parabéns. (Palmas.)
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Obrigada, deputado
Carlos Giannazi. Agora chamo para fazer o uso da fala a vereadora Luna
Zarattini. (Palmas.)
A
SRA. LUNA ZARATTINI - Boa noite a todos e
todas. Queria dizer a importância desse dia, saudar o nobre deputado, sempre
senador, nossa inspiração, Eduardo Suplicy, que tanto me orgulha, e que a gente
pôde trabalhar em conjunto com a Comissão de Direitos Humanos aqui da Alesp, com
a Comissão de Direitos Humanos na Câmara.
Uma pessoa que tem sido muito generosa,
e que tem me ajudado muito nessa caminhada. Muito obrigada, Suplicy, por toda a
generosidade e toda a coragem que você tem, e toda a inspiração que você dá,
principalmente para as gerações que vieram depois de você.
Saudar também o nosso grande deputado e
liderança, Adriano Diogo, liderança nos Direitos Humanos. Dizer que esses dias,
faz, na verdade, algumas semanas, Adriano, eu revi uma parte da Comissão da
Verdade aqui, que você tanto lutou e instaurou aqui na Alesp, e eu revi
justamente o momento que meu avô estava prestando depoimento na sua comissão, e
eu queria te agradecer muito por todo esse trabalho. De verdade, você é um
grande lutador, e que você continue nos inspirando muito.
Agradecer também ao nosso querido e
inspirador militante, José Genoino, que também nos inspira muito. Agradecer
também aqui a essa jornalista fantástica, a Rose, a Lorrane. Agradecer ao
Sottili, que tem um trabalho muito grande à frente do Instituto Vladimir
Herzog, é um grande parceiro na luta também por Direitos Humanos. E saudar o
Ivo aqui também, presente em homenagem à família.
Saudar os deputados, em nome do Antonio
Donato, líder aqui da bancada do PT. E dizer que nós estamos aqui 50 anos
depois de um assassinato feito pela ditadura militar, de um grande militante
que foi Vladimir Herzog. Nós ainda estamos aqui na luta por memória, por
verdade, mas principalmente por justiça.
E não há democracia sem reparação
histórica. Não há democracia sem justiça. E um povo que não conhece a sua
história, que não encara a sua história, está fadado a termos opressão e
exploração.
Então é fundamental que nós, nos dias
de hoje, sigamos lutando para que tenhamos a reparação histórica da verdade, da
memória e da justiça. Até para que a gente não tenha mais golpes no nosso País.
E nós estamos vivendo uma ascensão do autoritarismo e tentativas de golpe ainda
nos dias atuais. Nós precisamos utilizar este momento de hoje para dizer em
alto e bom som, ditadura nunca mais.
Também é importante trazer a ocupação
dos espaços públicos, seja aqui da Alesp, seja na Câmara dos Vereadores. Aqui
foi muito bem trazido, que este espaço corroborou com a ditadura militar.
Pessoas e deputados que ocuparam essa tribuna corroboraram, ajudaram,
auxiliaram a ditadura militar. E a importância de ocupar esses espaços é dizer
que nós não compactuamos. E nós, quando ocupamos esses espaços, também estamos
disputando a história e também estamos trazendo a verdade à tona.
Na Câmara dos Vereadores, nós
conseguimos aprovar uma moção em homenagem aos 50 anos do assassinato de
Vladimir Herzog. E é fundamental que a gente tenha aprovado essa moção no
plenário da Câmara para mostrar que, hoje, a Câmara dos Vereadores não pode
compactuar com esse assassinato como foi, com essa barbárie que foi a ditadura
militar.
Nós conseguimos aprovar também que dia
25 de outubro, dia que marca o assassinato de Vladimir Herzog, hoje, no
calendário da cidade de São Paulo, seja lembrado como o dia da democracia, o
dia dos direitos, o dia dos Direitos Humanos, e que a gente tenha essa
inspiração. (Palmas.)
E dizer, por último, que nós ainda
estamos aqui lutando por justiça, por memória. Nós queremos o memorial da vala
clandestina de Perus. (Palmas.) Nós queremos a reparação daqueles que lutaram,
que foram os nossos lutadores. Nós queremos uma cidade que tenha a recuperação
da memória, mas que faça justiça e que seja comprometida com a verdade.
Vladimir Herzog, presente, hoje e
sempre. (Palmas.)
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Muito obrigada,
vereadora Luna Zarattini. E, neste momento, daremos início à outorga do colar
de honra ao mérito legislativo a Vladimir Herzog. Cometi um erro aqui, gente.
Agora vamos assistir a um vídeo sobre a vida e trabalho do nosso homenageado,
Vlado.
* * *
- É exibido o vídeo.
* * *
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Acho que esse vídeo
cumpre um pouco aquela função, não é, Ivo, de ver coisas de que você não se
lembra. Eu acho que é esse papel, o trabalho de memória que o instituto faz tão
bem, que é a gente homenagear os mortos por quem eles eram, não só focar na
luta por memória e verdade, na violência que eles sofreram.
O Colar de Honra ao Mérito Legislativo
é a mais alta honraria conferida pela Assembleia Legislativa do Estado de São
Paulo. Foi criado em 2015 e é concedido a pessoas naturais ou jurídicas,
brasileiras ou estrangeiras, civis ou militares, que tenham atuado de maneira a
contribuir para o desenvolvimento social, cultural e econômico de nosso Estado,
como forma de prestar-lhes, pública e solenemente, uma justa homenagem. Esta
sessão solene homenageia, com a outorga do Colar de Honra ao Mérito Legislativo
do Estado de São Paulo, o jornalista Vladimir Herzog.
Vladimir Herzog nasceu em Osijek, então
parte da Iugoslávia, atualmente Croácia, em 27 de junho de 1937. Morou em Banja
Luka até 1941, quando o exército nazista ocupou a cidade. A família então
partiu para a Itália, onde morou até 1944 e, na sequência, foram para Bari, em
um campo de refugiados.
No fim de 1946, emigraram para o
Brasil, em São Paulo, onde Herzog se formou no curso clássico do Colégio
Estadual de São Paulo. Participou de grupos de teatro amadores e ingressou na
Faculdade de Filosofia, na Universidade de São Paulo, onde conheceu Clarice
Ribeiro Chaves, sua futura esposa.
Sua carreira como jornalista começou em
1959, como repórter em “O Estado de S. Paulo”. Vladimir passou pela TV
Excelsior, Rádio BBC de Londres, “Revista Visão”, Agência de Publicidade Walter
Thompson, TV Universitária da UFPE, jornal “Opinião” e foi professor de
jornalismo da FAAP e da ECA-USP. Pela TV Cultura, teve duas passagens: em 1973,
a convite do amigo Fernando Pacheco Jordão, para coordenar a redação do jornal
“Hora da Notícia”; e quando assumiu a direção de jornalismo, em setembro de 1975.
Em 24 de outubro, militares haviam
procurado Herzog na emissora. O próprio jornalista combinou que estaria
disponível na manhã do dia 25 para o interrogatório. Herzog compareceu
espontaneamente no DOI-Codi de São Paulo para depor. Ali, foi assassinado.
Além da tortura e violência, forjaram
uma falsa versão de suicídio que não se sustentou e levou uma multidão de mais
de 8.000 pessoas à Catedral da Sé, e de todo o entorno, para a missa de sétimo
dia do jornalista.
O ato ecumênico que se viu ali, com Dom
Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel, e o reverendo Jaime Nelson Wright,
foi um marco na luta pela democracia e na derrocada do regime ditatorial. Em
2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos publicou a condenação do Estado
brasileiro pela falta de investigação, julgamento e punição aos responsáveis
pela tortura e assassinato de Vlado, ocorrido em outubro de 1975, 50 anos
atrás.
O Tribunal Internacional também
considerou o Estado como responsável pela violação ao direito, à verdade e à
integridade pessoal, em prejuízo dos familiares de Herzog.
Agora, nós convidamos para vir à
frente, aqui, os membros da Mesa, juntamente com o representante do
homenageado, para a outorga do Colar de Honra ao Mérito Legislativo do Estado
de São Paulo.
O
SR. PRESIDENTE - EDUARDO SUPLICY - PT - Eu queria
convidar o André Herzog, também filho de Vladimir Herzog, para, junto com Ivo
Herzog, poderem receber essa honra ao mérito, o Colar de Honra ao Mérito.
Então, vamos nos reunir ali na frente. (Palmas.)
*
* *
- É entregue o Colar de Honra ao Mérito
Legislativo.
*
* *
O
SR. PRESIDENTE - EDUARDO SUPLICY - PT - Esse colar
tão significativo, sobre o qual tantos depoimentos foram feitos hoje, em
homenagem ao seu pai. E nós ficamos muito agradecidos de ter uma pessoa que
soube lutar tão bem pela democracia, pelos direitos humanos, por um Brasil
justo, civilizado, solidário e fraterno.
Então, parabéns a vocês. Eis aqui o
prêmio de honra ao mérito para seu pai. (Palmas.)
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Passamos agora a palavra
a Ivo Herzog, filho de Vladimir Herzog. Os demais, depois, podem voltar à Mesa.
O
SR. IVO HERZOG - Eu estava lendo o roteiro e eu
estava tão feliz que o meu nome não estava entre os que tinham que falar.
Brincadeira. Ao longo desses 50 anos, a gente vem recebendo e ficando muito
honrado com uma série de homenagens e lembranças de toda a sociedade.
Hoje é um dia especialmente especial,
porque essa homenagem à luta do meu pai, à luta dessa memória, é uma forma de
militância política. E a palavra política, ao longo desses 50 anos de
redemocratização, vem sendo tão violentada. As pessoas dizendo que político não
presta, político de todos os lados são ladrões, e não sei o quê, e tal. A prova
que isso é uma mentira está aqui na presença do Suplicy. (Palmas.)
Suplicy, você mostra a arte e a
importância da política numa sociedade verdadeiramente democrática. É um
orgulho imensurável receber essa homenagem de você essa noite. Em nome da
família, eu realmente gostaria de agradecer por você estar aqui, junto com a gente,
e se lembrar do meu pai.
Eu queria agradecer também todos que
vêm, ao longo desses dias, lembrando a história e a trajetória do meu pai.
Queria agradecer a um grupo de pessoas que a gente tem falado pouco. Até alguns
anos atrás, quando a gente falava sobre o meu pai, a gente falava sobre a morte
dele e se lembrava basicamente nesse mês de outubro. Sempre foi um processo
necessário, mas sofrido para a família falar sobre isso.
Porém, nos últimos anos, sob a
liderança do Rogério, essa equipe do Instituto Vladimir Herzog tem trazido, tem
construído e tem transformado o legado do meu pai numa agenda propositiva e que
permite que a gente, de alguma maneira, colabore com a sociedade brasileira,
para termos uma sociedade mais justa, com mais dignidade.
Então eu quero dedicar esta noite, este
prêmio, à equipe do Instituto Vladimir Herzog.
Muito obrigado. (Palmas.)
A
SRA. MESTRE DE CERIMÔNIAS - Agora eu vou chamar o
André Herzog para fazer uso da fala. (Palmas.)
O
SR. ANDRÉ HERZOG - Boa noite. Boa noite a todos. Eu
não tenho muitas palavras. Acho que o meu irmão já falou palavras tão bonitas.
Mas, claro, começar agradecendo ao deputado Eduardo Suplicy, a todos os
deputados que estão aqui, a todos os amigos do meu pai que estão aqui.
Como foi dito, a cada evento a que
somos convidados, a cada celebração, eu e o meu irmão acabamos conhecendo mais
sobre a vida do nosso pai. E, como o meu irmão falou, isso é muito duro, mas
também é muito bonito.
E agradecer muito a todos do instituto,
que, como o meu irmão falou, têm feito um trabalho muito bonito, em memória à
vida do Vlado. Eu fiquei pensando, durante o evento, que essa luta marcou o
início da redemocratização, 50 anos atrás, e os eventos como este, que acontece
hoje, continuam tendo a mesma importância.
A democracia se constrói, a democracia
cresce, se fortalece, mas a democracia, como a gente vê, continua sempre muito
frágil. É a luta de todos que vai garantir a democracia. Então muito obrigado a
todos, realmente, do fundo do meu coração.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE - EDUARDO SUPLICY - PT - Quero agradecer
a todos que tornaram possível este momento, cada servidor, cada autoridade
presente, parlamentares presentes, cada cidadão que prestigiou este momento tão
significativo em homenagem a uma pessoa que tanto contribuiu para que o Brasil
se torne cada vez melhor e respeitador dos direitos humanos de cada um de nós,
mulheres e homens.
Então agradeço a presença de todos
nesta cerimônia, que, sinceramente, foi muito especial para cada um de nós.
Acho que todos estamos percebendo o valor desta homenagem ao querido Vladimir
Herzog. Envio um abraço à Alice, contando tudo o que aconteceu aqui. Parabéns a
todos vocês. Felicidades. (Palmas.)
Declaro encerrada esta solenidade.
Só lembrando que muitas vezes aqui foi
mencionada a luta pela renda básica de cidadania que eu quero ver implantada
ainda durante a minha vida, está bom? (Palmas.)
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- Encerra-se a sessão às 21 horas e 8
minutos.
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