DECRETO N. 266, DE 31 DE OUTUBRO DE 1894

Dá regulamento para os Hospitaes de Isolamento

O Presidente do Estado, para boa execução do art. 11, lettra f da Lei n. 240, de 4 de Setembro, que reorganiza o serviço sanitario do Estado de São Paulo, manda que se observe o seguinte Regulamento para o serviço dos Hospitaes de Isolamento.

REGULAMENTO DOS HOSPITAES DE ISOLAMENTO

CAPITULO I

Artigo 1.º - Os Hospitaes de Isolamento destinados ao tratamento das molestias epidemicas ficam a cargo da Directoria do Serviço Sanitario, e funccionarão sempre que se manifestarem casos dessas molestias, capituladas no art. 30 do Regulamento do Serviço Geral de Desinfecção.
Artigo 2.º - O pessoal dos hospitaes se dividirá em duas categorias : pessoal movel e pessoal permanente. O primeiro só será chamado a serviço, quando em virtude de apparecimento de qualquer das referidas molestias, fôr resolvida a abertura dos Hospitaes, e funccionará até que, com a sua extincção, sejam elles encerrados.
O segundo funccionará sempre, no intuito de zelar pelo asseio e conservação desses estabelecimentos.
Artigo 3.º - O pessoal permanente constará de um almoxarife, um porteiro (fiel) e os serventes que se fizerem precisos.
Artigo 4.º - O pessoal movel constará de um medico director, auxiliado, quando se fizer necessario por um ou mais assistentes, um pharmaceutico, enfermeiros, enfermeiras, um machinista, um foguista, um cosinheiro, lavadeiras e serventes, de accôrdo com as exigencias do serviço.

CAPITULO II

DO PESSOAL DOS HOSPITAES

Do medico Director

Artigo 5.º - O medico Director será nomeado pelo Director do Serviço Sanitario, d'entre os inspectores sanitarios.
§ unico. - No caso de nomeação effectiva será esta feita pelo Governo, ouvido o Director do Serviço Sanitario.
Artigo 6.º - Todos os serviços dos Hospitaes de Isolamento serão executados sob a direcção e responsabilidade do medico Director a quem cumpre.
§ 1.º - Manter e fazer executar o presente regulamento ;
§ 2.º - Corresponder-se com o Director Geral do Serviço Sanitario, communicando-lhe as occorrencias importantes, e solicitando as medidas que julgar necessarias a bem do serviço.
§ 3.º - Remetter diariamente á Directoria do Serviço Sanitario o boletim do movimento hospitalar.
§ 4.º - Fiscalizar todos os serviços, bem como os empregados sob sua direcção.
§ 5.º - Reprehender, multar e propor a demissão dos empregados que faltarem aos seus deveres. A multa se fará por dias de serviços, por suspensão de trabalho.
§ 6.º - Requisitar da Directoria do Serviço Sanitario o material necessario para os diversos serviços do hospital.
§ 7.º - Remetter á Directoria do Serviço Sanitario no ultimo dia de cada mez, devidamente visadas e rubricadas, as folhas de pagamento do pessoal e a conta das despesas feitas.

DO MEDICO ASSISTENTE

Artigo 7.º - Conforme as necessidades do serviço haverá um ou mais medicos assistentes encarregados especialmente do serviço clinico dos Hospitaes sob a direcção do medico Director.
Artigo 8.º - Ao medico assistente cumpre :
§ 1.º - Examinar os doentes no acto de admissão no hospital, verificando os boletins e notificações, e determinando a enfermaria a que devem ser os mesmos recolhidos.
§ 2.º - Fiscalizar a rigorosa observancia do cordão hospitalar e o serviço de desinfecções.
§ 3.º - Visitar a enfermaria a seu cargo todas as vezes que o serviço o exigir.
§ 4.º - Tomar a observação detalhada de todos os doentes, fazendo o historico circumstanciado de cada caso, já ácerca da marcha da molestia e dos symptomas observados, já em relação ao effeito das medicações empregadas.
§ 5.º - Substituir o medico Director em sua falta ou ausencia.

DO PHARMACEUTICO

Artigo 9.º - O pharmaceutico tem a seu cargo os trabalhos da pharmacia dos Hospitaes, cumprindo-lhe :
§ 1.º - Aviar diariamente as receitas que lhe forem remettidas das enfermarias.
§ 2.º - Reclamar do medico Director os recursos de que carecer para o bom desempenho do serviço.
§ 3.º - Apresentar mensalmente ao medico Director um quadro demonstrativo do movimento da pharmacia.

DOS ENFERMEIROS

Artigo 10. - Haverá cada enfermaria o numero de enfermeiros ou enfermeiras que o serviço exigir sob a direcção immediata de um chefe 
enfermeiro.

Artigo 11.
- Ao chefe enfermeiro cumpre : 
§ 1.º - Dirigir e fiscalizar o serviço das enfermarias.
§ 2.º - Requisitar a presença do medico do serviço sempre que o estado dos doentes o exigir.
§ 3.º - Requisitar do medico Director, ou do seu assistente, o material de que carecer para o serviço das enfermarias.
§ 4.º - Arrecadar a roupa suja, arrolal-a e expedil-a, acompanhada do respectivo ról, para desinfecção e lavagem.
§ 5.º - Zelar pela conservação e asseio das enfermarias.
§ 6.º - Assistir e fiscalizar a administração regular dos remedios e a distribuição das dietas aos doentes, e attender-lhes as reclamações.
§ 7.º - Acompanhar as pessoas extranhas ao serviço que forem admittidas á visita nas enfermarias.
§ 8.º - Fiscalizar a sahida dos doentes que tiverem alta.
§ 9.º - Inspeccionar os doentes em convalescença.
§ 10. - Fazer o rol da roupa e mais objectos pertencentes aos doentes no acto da entrada, remettendo-o ao almoxarife.
§ 11. - Passar recibo do material que receber de qualquer das secções dos Hospitaes.
§ 12. - Cumprir as ordens do medico do serviço e fazer observar pelos seus subordinados as prescripções regulamentares.
Artigo 12. - Os enfermeiros cumprirão as ordens que lhes forem dadas pelo medico do serviço ou pelo chefe enfermeiro.

DO ALMOXARIFE

Artigo 13. - O almoxarife é o responsavel por todo o material existente nos Hospitaes e incumbe-lhe :
§ 1.º - Requisitar do medico Director os utensilios, apparelhos, roupa, generos alimenticios e mais material necessario para o serviço dos Hospitaes, providenciando em tempo para que nunca haja falta.
§ 2.º - Registrar a entrada e sahida do material, escripturando em livro  especial para isso destinado.
§ 3.º - Regular o serviço da dispensa e dieta, de conformidade com as tabellas approvadas.
§ 4.º - Attender ás requisições dos chefes do serviço.
§ 5.º - Superintender o trabalho da lavanderia e da rouparia.
§ 6.º - Verificar o material fornecido aos Hospitaes.
§ 7.º - Receber a roupa lavada mediante o ról fornecido pelas enfermeiras e arrecadar as sobras do material.
§ 8.º - Zelar pela conservação do material do serviço, arrecadando o que fòr inutilizado e susceptivel de reparo.
§ 9.º - Zelar do jardim, para o que contractará pessoal idoneo com auctorizaçào do Director do Serviço Sanitario.
§ 10. - Conferir todas as contas de fornecimento, remettendo-as ao Director.
§ 11. - Residir no estabelecimento.

DO PORTEIRO

Artigo 14. - E' da competencia do porteiro :
§ 1.º - Abrir e fechar os Hospitaes á hora regulamentar.
§ 2.º - Proceder ao policiamento das dependencias do Hospital.
§ 3.º - Escripturar o livro da porta e providenciar para que a correspondencia official siga o competente destino.
§ 4.º - Attender ás requisições do serviço urgente e extraordinario depois das horas regulamentares.
§ 5.º - Protocolizar ou registrar toda a correspondencia official.
§ 6.º - Fazer toda a escripturação e lançamentos relativos ao movimento dos doentes.
§ 7.º - Organizar e conservar o archivo em boa ordem.
§ 8.º - Residir no estabelecimento.

DO MACHINISTA E FOGUISTA

Artigo 15. - Compete ao machinista :
§ 1.º - Fazer o trabalho de desinfecção na estufa com o auxilio do pessoal que fôr pelo medico Director designado.
§ 2.º - Zelar pelo asseio e boa ordem dos machinismos sob sua guarda.
§ 3.º - Requisitar do almoxarife o material necessario á conservação desses machinismos.
§ 4.º - Observar nos serviços de desinfecções as prescripções do medico do serviço.
Artigo 16. - O foguista trabalhará sob as ordens do machinista e executará o serviço que lhe fôr determinado.

DO COZINHEIRO E AJUDANTES

Artigo 17. - O cozinheiro dirigirá todo o trabalho da cozinha e é o responsavel pelo seu regular funccionamento, bem como pelo material sob sua guarda, cumprindo-lhe :
§ 1.º - Requisitar do almoxarife o material de que carecer para o serviço da cozinha.
§ 2.º - Preparar á hora regulamentar a alimentação e dieta dos doentes, bem como o almoço e jantar dos empregados que residirem no hospital.
§ 3.º - Attender com promptidão ás requisições do chefe enfermeiro.
§ 4.º - Dirigir e fiscalizar o trabalho dos ajudantes e serventes.
Artigo 18. - O cozinheiro será auxiliado pelo pessoal de ajudantes e serventes que o serviço exigir.

DAS LAVANDEIRAS

Artigo 19. - As lavandeiras têm por obrigação lavar e branquear a roupa do serviço dos Hospitaes, que lhe será entregue depois de desinfectada, seccal-a, passal-a a ferro e dobral-a convenientemente.
Artigo 20. - O numero de lavandeiras será determinado conforme a necessidade do serviço.

DOS SERVENTES

Artigo 21. - Os serventes auxiliarão todos os serviços e cumprirão as ordens dos superiores, em cuja secção trabalharem.

CAPITULO III

DO CORDÃO HOSPITALAR

Artigo 22. - O cordão hospitalar tem por fim isolar dentro do recinto do estabelecimento os enfermos e os empregados que directamente se encarregam do seu tratamento. O cordão hospitalar divide, portanto, o serviço interno dos hospitaes em duas secções : a de infeccionados e a de desinfectados.
Artigo 23. - O pessoal e material empregado n'uma secção não têm o menor contacto com os da outra.
Artigo 24. - O empregado que imprudentemente romper o cordão hospitalar será passivel de censura, multa ou demissão ao criterio do medico Director.
Artigo 25. - Quando por necessidade do serviço, ou por qualquer motivo poderoso, o empregado tiver de sahir do cordão hospitalar, fal-o-á mediante licença do medico e após rigorosa desinfecção, banho e mudança de vestuario.
Artigo 26. - O empregado que, a serviço, houver de penetrar no cordão hospitalar, fal-o-á com aviso do medico ao chefe dos enfermeiros, e se prevenirá com vestuario apropriado, que jamais será de lã, flanella ou casemira.
Artigo 27. - O medico ou seu ajudante, nas visitas que fizer ás enfermarias, se prevenirá tambem com vestuario adequado, e que ficará á sua disposição em um gabinete especial com o mais que fôr de mister para as abluções, asseio, etc.
Artigo 28. - O ingresso no cordão hospitalar de pessoas extranhas ao serviço só terá logar com previa licença do medico Director e com a observancia rigorosa das prescripções dos arts. 26 e 27.
Artigo 29. - Será permittido permanecer no Hospital, e até dentro do cordão hospitalar, aquellas pessoas que, por laços de familia, quizerem acompanhar o tratamento de um enfermo, mas após licença do Medico Diretor e submettendo-se ao regimen interno do estabelecimento.
Artigo 30. - Para facilitar o serviço entre as duas secções, isoladas pelo cordão hospitalar, todos os edificios se ligarão com o da administração por meio de apparelhos telephonicos.
Os mesmos apparelhos poderão ligar as diversas alas de um mesmo edificio.

CAPITULO IV

DA RECEPÇÃO DOS DOENTES

Artigo 31. - Nenhum doente será recebido no Hospital, sem guia da auctoridade sanitaria, onde serão consignados, além do diagnostico da molestia, o nome, edade, naturalidade, estado, profissão, domicilio e tempo de residencia no logar.
Artigo 32. - Sempre que a molestia não estiver devidamente caracterizada, e houver duvidas acerca do diagnostico, a auctoridade sanitaria fará na guia a precisa declaração de caso suspeito.
Artigo 33. - Ao chegar o doente ao portão do Hospital, o conductor entregará ao porteiro a guia da auctoridade sanitaria, pela qual serão feitos os respectivos lançamentos, sendo em seguida dada entrada ao doente, acompanhado de uma nota do medico do serviço ao enfermeiro chefe, na qual serão indicados a enfermaria e o numero do leito que o doente deve occupar.
Artigo 34. - O doente, cuja molestia, aliás suspeita, não estiver devidamente caracterizada, será recolhido ao pavilhão de observação até completa verificação do diagnostico.
Artigo 35. - Recolhido o doente á respectiva enfermaria, o enfermeiro mudar-lhe-á o vestuario que será recolhido para ser lavado e desinfectado.
Artigo 36. - Ao doente, que preferir tratar-se em commodo reservado ser-lhes-á facultado, pagando o preço estatuído na tabella approvada pelo Governo.

CAPITULO V

DO REGIMEN INTERNO NAS ENFERMARIAS

Artigo 37. - As enfermarias serão servidas por enfermeiros ou enfermeiras sob a direcção de um enfermeiro chefe, com quem se entenderá o medico de serviço.
Artigo 38. - O pessoal de enfermeiros pernoitará em edificio separado da corpo do Hospital, permanecendo nas enfermarias ou compartimentos annexos apenas o pessoal do quarto.
Artigo 39. - O medico do serviço fará ás enfermarias uma ou mais visitas, conforme reclamar o estado dos doentes, examinando-os attentamente e determinando as medidas que julgar convenientes em bem dos enfermos, e no intuito de conserval-as nas melhores condições hygienicas.
Artigo 40. - Depois das visitas dos medicos o enfermeiro chefe remetterá ao pharmaceutico o receituario do dia para ser immediatamante aviado.
Artigo 41. - A roupa servida será devidamente arrolada e recebida com as precauções estatuidas no Regulamento para o serviço geral de desinfecções, e conduzida para a estufa por um servente do enfermeiro, sendo depois de desinfectada entregue mediante recibo ao encarregado da lavanderia.
Artigo 42. - A roupa limpa, a cargo do almoxarife, que a receberá da lavanderia, após conferencia do ról assignado pelo enfermeiro chefe e recibo do encarregado da mesma lavanderia, será fornecida ás enfermarias mediante requisição do enfermeiro chefe.
Artigo 43. - No edificio da cozinha haverá um compartimento isolado, communicando com o cordão hospitalar por um guichet, pelo qual se fará a distribuição das dietas dos doentes.
Artigo 44. - O material do serviço da cozinha não poderá atravessar o guichet, devendo a comida passar de um prato para outro no acto da entrega.
Artigo 45. - Os doentes em convalescença serão recolhidos em um salão separado da enfermaria, e poderão descer ao jardim na parte comprehendida no cordão hospitalar.
Artigo 46. - O doente que tiver alta só atravessará o cordão hospitalar depois do banho e troca do vestuario. Ao encaminhar-se para o banheiro deixará no gabinete annexo á roupa de uso na enfermaria, vestindo depois do banho uma outra do hospital, lavada e desinfectada, com a qual se encaminhará para a sala de espera, fóra do cordão hospitalar, onde achará o seu proprio vestuario preparado e desinfectado e com o qual deixará o hospital.
Artigo 47. - Revogam-se as disposições em contrario.

Palacio do Governo do Estado de S. Paulo, 31 de Outubro de 1894.

BERNARDINO DE CAMPOS.
Dr. Cesario Motta Junior.