DECRETO N. 310, DE 17 DE SETEMBRO DE 1895

Concede a Guilherme Lebeis e Lara, Magalhães & Foz, licença para construcção e exploração de uma estrada de ferro, ligando a cidade de Araraquara á villa de Ribeirãozinho

O Presidente do Estado do São Paulo,
Tendo em consideração o que lhe foi requerido nos termos dos §§ 2.° e 3.° do artigo 2.° da lei n. 30, de 13 de Junho de 1892, visto a declaração constante do officio de 12 de Agosto ultimo da Companhia Paulista de Vias Ferreas e Fluviaes de que, na qualidade de cessionaria do contracto de 10 de Janeiro de 1890, consente na construcção por terceiros da linha de Araraquara a Ribeirãozinho.
Usando da auctorização do artigo 2.° da mencionada lei n. 30 de 13 de Junho de 1892.
Decreta:

Artigo unico. - E' concedida licença a Guilherme Lebeis e Lara, Magalhães & Foz, por si ou companhia que organizarem, para construcção e exploração de uma estrada de ferro de bitola de um metro entre trilhos, ligando a cidade de Araraquara á villa do Ribeirãozinho, de conformidade com as clausulas que com este baixam, assignadas pelo Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas.

Palacio do Governo do Estado de São Paulo, aos 17 de Setembro de 1895.

BERNARDINO DE CAMPOS.
Theodoro Dias de Carvalho Junior.

Clausulas a que se refere o Decreto n. 310, desta data

I

E' concedida a Guilherme Lebeis e Lara, Magalhães & Foz, licença para construcção e exploração, por si ou companhia que organizarem, de uma estrada de ferro de bitola de um metro entre trilhos, ligando a cidade de Araraquara á villa do Ribeirãosinho, observando a declividade maxima de dous por cento (2%) e o raio minimo de cento e vinte (120) metros.

II

Esta estrada de ferro gosará de uma zona garantida de cem metros de cada lado, limitado por duas linhas parallelas ao eixo da linha permanente, dentro da qual nenhuma outra estrada de ferro poderá receber generos ou passageiros, salvo: 1.°) o caso de outra ou mais estradas terem o mesmo ponto inicial ou terminal ; 2.°) o caso em que o ponto inicial ou o ponto terminal de outra estrada esteja dentro da zona desta ; 3.°) o caso de entroncamento referido nesta clausula.
Comtanto que dentro da zona garantida desta estrada de ferro não receba generos nem passageiros, poderá qualquer outra atravessar a mesma zona, cruzando a linha desta, sujeita, porém, aos onus provenientes do cruzamento.
Qualquer outra estrada de ferro poderá ter simultaneamente, os mesmos pontos inicial e terminal desta, respeitada a zona garantida por esta clausula, bem como poderá entroncar na linha desta, resolvendo o Governo definitivamente, em caso de desaccôrdo, para regular as relações provenientes do entroncamento.

Considerar-se-á entroncamento, não só o caso de ligação, por meio da via permanente, como por meio de estação commum.


III

Gosará mais esta estrada de ferro do direito de desapropriação nos termos da legislação do Estado para os terrenos necessarios á construcção da linha, estações, armazens e mais dependencias.
Quando for necessario iniciar uma acção de desapropriação, deverá ser apresentada ao Governo a respectiva planta, sómente da parte a desapropriar.
O Governo dentro do prazo de trinta dias da data da apresentação da planta, deverá conceder ou negar a licença, dando os motivos da recusa, no caso de negativa, e indicando as modificações do traçado, de modo a permittir a continuação da obra. Si dentro do prazo de trinta dias o Governo não manifestar-se, fica entendido que está concedida a mesma licença.

IV

O Governo prestará a esta estrada de ferro toda a protecção compativel com as Leis, afim de que possa ella realizar a arrecadação das taxas estabelecidas, para que sejam respeitadas as disposições de seus regulamentos e mantida a sua policia, devendo todo o empregado na arrecadação das taxas, e na policia da linha ser cidadão da Republica.

V

Antes de iniciarem-se os trabalhos da construcção desta estrada de ferro deverão ser submettidos á approvação do Governo os projectos de todos esses trabalhos, que comprehenderão :
a) Planta geral da linha concedida com indicação dos pontos obrigados de passagem, configuração do terreno, representada por meio de curvas de nivel equivalentes a cinco metros no maximo, e, bem assim, em uma zona de cincoenta metros, pelo menos, para cada lado, os campos, mattas, terrenos pedregosos e brejos, sempre que fôr possivel, a divisa das propriedades particulares, minas e terras devolutas.
Nessa planta, em escala de um para quatro mil, serão indicadadas todas as distancias kilometricas, contadas a partir do ponto inicial da estrada ; a extensão dos alinhamentos rectos e curvos; os gráus e raios das curvas empregadas.
b) Perfil longitudinal, na escala de um para quatrocentos para as alturas e de um para quatro mil para as distancias horizontaes, mostrando por meio de convenções o terreno natural, as platafórmas dos córtes e aterros e as obras de arte.
c) O perfil longitudinal deverá ser acompanhado de perfis transversaes, intervallados de cincoenta metros, no maximo.
d) Projectos completos e especificados de todas as obras de arte necessarias para o estabelecimento da estrada, pontes, tunneis, viaductos, pontilhões, boeiros, estações e dependencias, bem como planta de todas as propriedades, na parte cuja desapropriação fôr indispensavel.
e) O desenho dos trilhos accessorios em grandeza de execução.
f) Relação do material rodante contendo o typo das locomotivas, vagões, gondolas e carros de passageiros, na escala de um para cincoenta ou em catalogo das fabricas.
Estes dados poderão ser apresentados por secções, comtanto que estas não sejam menores de cinco kilometros.
Os projectos das pontes, estações e outras obras importantes poderão ser apresentados, á medida que tiverem de ser executados.
O Governo poderá rejeitar os projectos, quando não offerecerem garantias de solidez; mas terá então de apresentar as modificações que julgar convenientes. Não se sujeitando os concessionarios a ellas poderão recorrer a arbitragem, como vai determinado na clausula XVIII.

VI

Dentro de um anno, a contar da data da publicação do decreto de concessão da licença, deverão ser iniciados os trabalhos de construcção desta estrada de ferro, os quaes deverão estar concluidos dentro de dous annos, a contar da data da approvação dos projectos a que se refere a clausula antecedente. Si exgottado o primeiro prazo para inicio, não houverem começado as obras da linha, os concessionarios perderão a importancia da caução feita, em proveito do Estado, salvo o caso de força maior, a juizo do Governo, que concederá mais uma só prorogação de metade daquelle prazo.

VII

A caução feita pelos concessionarios poderá ser levantada, desde que tenham sido despendidos em construcção tres por cento da importancia total de rs. 3.059:584$000 do orçamento approximativo.
A requerimento dos concessionarios, o Governo mandará um engenheiro de obras publicas verificar si a quantidade de obras feitas corresponde a tres por cento da importancia referida. Este exame não poderá durar mais de dous mezes.
Os vencimentos do engenheiro, durante o tempo do exame das obras, correrão por conta dos concessionarios e serão deduzidos da importancia pelos mesmos caucionada, Si no fim de um mez a contar da data do pedido de exame das obras, não tiver o Governo encarregado a engenheiro algum desse serviço, será considerado o exame como feito e o total da quantia caucionada póde ser retirado, independentemente da verificação da obra feita.

VIII

O Governo por seus agentes poderá intervir em qualquer tempo em tudo o que se referir a solidez das obras, resistencia do material e segurança do publico nesta estrada de ferro.

IX

As obras de construcção desta estrada de ferro não poderão impedir: - o escoamecto das aguas das propriedades particulares, a passagem das galerias de exgottos urbanos, de aguas utilisadas para o abastecimento ou para fins industriaes e agricolas e a navegabilidade dos rios e canaes e o livre transito das vias publicas. Ficam a cargo desta estrada de ferro as despesas com as obras necessarias para o cruzamento das ruas, estradas publicas e caminhos particulares existentes ao tempo da construcção da linha, ficando tambem a seu cargo as despesas com signaes e guardas, quando se tornarem precisos nesses cruzamentos.
Os onus provenientes dos cruzamentos das vias publicas, que se abrirem depois da construcção desta estrada de ferro, não correrão por conta della.

X

Os preços de transportes nesta estrada de ferro serão fixados em tarifas previamente submettidas á appreciação do Governo.
Nessas tarifas deverá constar a indicação do logar da partida e da chegada, a determinação dos fretes pelas distancias a percorrer e classificação dos generos.
Não poderão esses preços exceder aos mimimos adoptados para as linhas ferreas de egual bitola.
E' vedado a esta estrada de ferro adoptar tarifas de favor para prejudicar ou favorecer pessoas ou emprezas determinadas, assim como cobrar preços differentes pelo transporte de passageiros e generos, feito em condições identicas, desde que percorram distancias eguaes, salvo o caso de tarifas differenciaes.
Depois de approvadas pelo Governo, serão as tarifas impressas em caracteres legiveis e collocadas em todas as estações para conhecimento do publico.

XI

Quando houver necessidade de elevar-se os preços das tarifas, solicitará esta estrada licença do Governo, apresentando as razões do accrescimo.
No prazo maximo de um mez resolverá o Governo sobre a questão. Si não o fizer fica entendido que o accrescimo de preço está approvado.
Nenhuma elevação de preços nas tarifas poderá ter força obrigatoria, mesmo approvado pelo Governo, senão depois de publicação na imprensa, durante dez dias, annunciando a modifiticação feita.
Esta publicação será feita nos jornaes de maior circulação da Capital do Estado, e, quando fôr possivel, em um de cada localidade, servida por esta estrada.
A reducção dos preços das tarifas poderá ter logar independente de publicação previa.
Uma vez, porém, adoptada a publicação, será obrigatoria.

XII

As combinações que fizer esta estrada de ferro com outras a respeito de tarifas, só terão força obrigatoria depois de approvadas pelo Governo.

XIII

Serão observadas nesta estrada de ferro, emquanto o Governo não expedir o regulamento da Lei n. 30 de 13 de Junho de 1892, as bases geraes para o transporte de bagagens, encommendas e mercadorias estabelecidas pelo Decreto geral n. 10237 de 2 de Maio de 1889.

XIV

Para todos os effeitos legaes ou resultantes de contractos, os lucros distribuidos entre os accionistas desta estrada de ferro, quer a titulo de bonus, quer sob a fórma de acções benificiarias ou por qualquer outro meio, serão computadas conjuctamente com os pagos, sob denominação de dividendo.
Para todos os effeitos resultantes de contractos, esta estrada deverá apresentar ao Governo a conta do seu capital empregado, na construcção primitiva, nos melhoramentos da linha e suas dependencias.
Essa conta de capital poderá ser augmentada por esta estrada, mediante exame e approvação do Governo, sempre que for necessario melhorar, extender ou ramificar as suas linhas ou augmentar material, sendo, porém, sómente incluidas na conta do capital as importancias das obras, depois de realisadas.

XV

Nenhuma modificação nas obras de construcção desta estrada será executada sem previo consetimento do Governo, que procederá então como está determinado para a construcção primitiva.

XVI

Esta estrada de ferro será obrigada a transportar, sob requisição do Governo, com o abatimento de cincoenta por cento (50%) :
1.º) As autoridades, escoltas militares e policiaes, quando forem em diligencia ;
2.°) Munições e bagagens das referidas escoltas ;
3.º) Os colonos e immigrantes, suas bagagens, ferramentas e utensilios de trabalho, quando em viagem para o logar de seu estabelecimento ;
4.°) As sementes e plantas enviadas pelo Governo, para serem gratuitamente distribuidas aos lavradores;
5.°) Todo os generos de qualquer natureza enviados como soccorros publicos.
Serão transportadas gratuitamente as malas do correio e seus conductores, bem como os escholares para as escholas publicas.
Os demais passageiros e cargas não especificadas, serão transportados nas condições estabelecidas na clausula XXVIII do Decreto geral n. 7959, de 29 de Dezembro de 1880.

XVII

Sempre que o Governo exigir, em circumstancias extraordinarias, esta estrada de ferro obriga-se á pôr á sua disposição todo o pessoal e material de transporte.

XVIII

As questões que se suscitarem entre o Governo e esta estrada de ferro serão decididas por um juizo arbitral, o qual se formará do modo seguinte :
Cada uma das partes nomeará para juiz um arbitro. Si os dous assim nomeados divergirem em seus laudos, um terceiro será escolhido por ambas as partes ; sinão houver accôrdo nesta escolha cada parte nomeará o seu e dentre os dous aquelle que fôr indicado pela sorte decidirá a questão.

XIX

Esta estrada de ferro, qualquer que seja a sede da empreza que a explore, ficará sempre sujeita ás justiças do Estado de S. Paulo, perante as quaes responderá.

XX

Annualmente deverá esta estrada de ferro remetter ao Governo um relatorio contendo dados completos sobre o seu trafego, movimento de trens, estado do material e da via permanente, etc.

XXI 

Terá pleno vigor nesta estrada de ferro o Regulamento que o Governo opportunamente expedirá para bôa e fiel execução da lei n. 30, de 13 de Junho de 1892, policia das linhas ferreas e transportes.
Emquanto não for expedido esse Regulamento, além das bases geraes para o transporte de bagagens, encommendas e mercadorias, a que se refere a clausula XIII, vigorarão as disposições vigentes para as outras estradas, notadamente as clausulas do Decreto geral n. 7.959, de 29 de Dezembro de 1880, que não forem contrarias á referida lei de Junho de 1892, e as seguintes penas, com recurso para a arbitragem de que trata a clausula XVIII :
Caducidade desta licença si dentro do prazo marcado na clausula VI não estiverem concluidas as obras de construcção desta estrada de ferro;
Suspensão do trafego e multas de duzentos mil réis a cinco contos de réis e o dobro nas reincidencias, por inobservancia de outras clausulas.

Secretaria dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, São Paulo, em 17 de Setembro de 1895.-

Theodoro Dias de Carvalho Junior.