DECRETO N. 1.156, DE 27 DE AGOSTO DE 1903

Concede ao engenheiro Henrique Boccolini, por si ou empresa que organizar, licença para construcção de uma estrada de ferro de tracção electrica, desta capital á freguezia de M Boy.

O Presidente do Estado de São Paulo,
Usando da attribuição qne lhe confere o artigo 2.° da lei n. 30, de 13 de Junho de 1892, e attendendo ao que lhe representou o engenheiro Henrique Boccolini, nos termos dos §§ 2.° e 3.° do artigo e da lei citados.
Decreta:
Artigo único. - Fica concedida ao engenheiro Henrique Boccolini, por si ou empreza que organizar, licença para construcção de uma estrada de ferro de tracção electrica que, partindo desta capital, vá á freguezia de M. Boy, passando pelo bairro dos Pinheiros, de conformidade com as clausulas que com este baixam, assignadas pelo secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas.
Palacio do Governo do Estado de São Paulo, 27 de Agosto de 1903. 

BERNARDINO DE CAMPOS
Luiz de Toledo Piza e Almeida 

Publicado a 30 de Agosto de 1903. - Eugenio Lefèvre, director-geral.

Clausulas a que se refere o decreto n. 1.156, desta data

I

O Governo do Estado concede ao engenheiro Henrique Boccolini licença para construcção de uma estrada de ferro de tracção electrica, de bitola de sessenta centimetros entre trilhos, que, partindo desta capital, vá á freguezia de M. Boy, passando pelo bairro dos Pinheiros. 

II

Esta estrada de ferro gosará de uma zona garantida de cem metros de cada lado, reduzida a 50 metros nas gargantas e declives de serras, limitada por duas linhas parallelas ao eixo da linha permanente, dentro da qual nenhuma outra estrada de ferro poderá receber generos ou passageiros, salvo: 1.°) o caso de outra ou mais estradas terem o mesmo ponto inicial ou terminal; 2.°) o caso em que ponto inicial ou o ponto terminal de outra estrada esteja dentro da zona desta; 3°) o caso de entroncamento referido nesta clausula. 
Comtanto que dentro da zona garantida desta estrada de ferro não receba generos nem passageiros, poderá qualquer outra atravessar a mesma zona, cruzando a linha desta, sujeita, porêm, aos onus provenientes do cruzamento.

Qualquer outra estrada de ferro poderá ter simultaneamente os mesmos pontos inicial e terminal desta, respeitada a zona garantida por esta clausula, bem como poderá entroncar na linha desta, resolvendo o Governo definitivamente, em caso de desaccôrdo, para regular as relações provenientes do entroncamento.

Considerar-se á entroncamento, não só o caso de ligação por meio da via permanente, como por meio de estação commum. 

III 

Gosará mais esta estrada de ferro do direito de desapropriação, nos termos da legislação do Estado, para os terrenos necessarios á construcção da linha, estação, armazens e mais dependencias.
Quando fôr necessario iniciar uma acção de desapropriação, deverá ser apresentada ao Governo a respectiva planta, sómente da parte a desapropriar.
O Governo, dentro do prazo de trinta dias da data da apresentação da planta, deverá conceder ou negar a licença, dando os motivos da recusa, no caso do negativa, e indicando as modificações do traçado, de modo a permittir a continuação da obra. Si dentro do prazo de trinta dias o Governo não se manifestar, fica entendido que está concedida a mesma licença. 

IV

O Governo prestará a esta estrada de ferro toda a protecção compativel com as leis, afim de que possa ella realizar a arrecadação das taxas estabelecidas, para que sejam respeitadas as disposições de seus regulamentos e mantida a sua policia, devendo todo o empregado na arrecadação das taxas e na policia da linha ser cidadão da Republica. 

Antes de iniciarem-se os trabalhos da construcção desta estrada de ferro, deverão ser submettidos á approvação do Governo os projectos de todos esses trabalhos, que comprehenderão :
a) Planta geral da linha concedida, com a indicação dos pontos obrigatorios de passagem, configuração do terreno, representada por meio de curvas de nivel, equivalentes a cinco metros no maximo, e, bem assim, em uma zona de cincoenta metros pelo menos para cada lado, os campos, mattas, terrenos pedregosos e brejos, sempre que fôr possivel, divisa das propriedades particulares, minas e terras devolutas.
Nessa planta, em escala de um para quatro mil, serão indicadas todas as distancias kilometricas, contadas a partir do ponto inicial da estrada, a extensão, os alinhamentos rectos e curvos, os graus e raios das curvas empregadas.
b) Perfil longitudinal, na escala de um para quatrocentos para as alturas, e de um para quatro mil para as distancias horizontaes mostrando, por meio de convenção, o terreno natural, as plataformas dos cortes e aterros e as obras de arte.
c) O perfil longitudinal deverá ser acompanhado de perfis transversaes, intervallados de cincoenta metros, no maximo.
d) Projectos completos e especificados de todas as obras de arte necessarias para o estabelecimento da estrada, pontes, tunneis, viaductos, pontilhões, bueiros, estações e dependenias, bem como plantas de todas as propriedades da parte cuja desapropriação for indispensavel.
e) O desenho dos trilhos e accessorios, em grandeza de execução.
f) Relação do material rodante, contendo o typo das locomotivas, vagões, gondolas e carros de passageiros, na escala de um para cincoenta, ou em catalogo das fabricas.
Esses dados poderão ser apresentados por secções, comtanto que. estas não sejam menores de cinco kilometros.
Os projectos das pontes, estações e outras obras importantes poderão ser apresentados á medida que tiverem de ser executados.
O Governo poderá rejeitar os projectos, quando não offerecerem garantia de solidez; mas terá então de apresentar as modificações que julgar convenientes. Não se sujeitando o concessionario a ellas, poderá recorrer á arbitragem, como vai determinado na clausula XVIII. 

VI

Dentro do prazo de um anno, a contar da data da publicação do decreto de concessão da licença, deverão ser iniciados os trabalhos de construcção desta estrada de ferro, os quaes deverão estar concluidos dentro de tres annos a contar da data da approvação dos projectos a que refere a clausula antecedente. Si, exgottado o primeiro prazo para o inicio, não houverem começado as obras da linha, o concessionario perderá a importancia da caução feita, em proveito do Estado, salvo caso de força maior, a juizo do Governo, que concederá mais uma só prorogação, de metade daquelle prazo. 

VII 

A caução feita pelo concessionario poderá ser levantada desde que tenham sido despendidos em construcção tres por cento da importancia total de 742:488$560, do orçamento approximativo.
A requerimento do concessionario, o Governo mandará um engenheiro de obras publicas verificar si a quantidade de obras feitas corresponde a tres por cento da importancia referida.
Esse exame não poderá durar mais de dous mezes. Os vencimentos do engenheiro, durante o tempo do exame das obras, correrão por conta do concessionario e serão deduzidos da importancia pelo mesmo caucionada. Si no fim de um mez, a contar da data do pedido de exame das obras, não tiver o Governo encarregado a engenheiro algum desse serviço, será considerado o exame como feito e o total da quantia caucionada pode ser retirado independentemente da verificação da obra feita. 

VIII

O Governo, por seus agentes, poderá intervir, em qualquer tempo, em tudo o que se referir á solidez das obras, resistencia do material e segurança do publico nesta estrada de ferro. 

IX 

As obras de construcção desta estrada de ferro não poderão impedir: o escoamento das aguas das propriedades particulares, a passagem das galerias de exgottos urbanas, de aguas utilizadas para o abastecimento ou para fins industriaes e agricolas e a navegabilidade dos rios e canaes e o livre transito das vias publicas. Ficam a cargo desta estrada de ferro as despesas com as obras necessarias para o cruzamento das ruas, estradas publicas e caminhos particulares existentes ao tempo da contrucção da linha, ficando tambem a seu cargo as despesas com signaes e guardas, quando se tornarem precisos nesses cruzamentos. Os onus provenientes do cruzamento das vias publicas que se abrirem depois da construcção desta estrada de ferro, não correrão por conta della. 

X

Os preços de transportes nesta estrada de ferro serão fixados em tarifas previamente submettidas á approvação do Governo.
Nessas tarifas deverá constar a indicação do logar de partida e da chegada, a determinação dos fretes pelas distancias a pecorrer e a classificação dos generos.
Não poderão esses preços exceder dos minimos adoptadas para as linhas ferreas de egual bitóla.
E' vedado a esta estrada de ferro adoptar tarifas de favor para prejudicar ou favorecer pessoas ou empresas determinadas, assim como cobrar preços differentes pelo transporte de passageiros e generos, feito em condições identicas, desde que percorram distancias eguaes, salvo o caso de tarifas differenciaes.
Depois de approvadas pelo Governo, serão as tarifas impressas em caracteres legiveis e collocadas em todas as estações, para conhecimento do publico. 

XI

Quando houver necessidade de se elevarem os preços das tarifas, solicitará esta estrada licença do Governo, apresentando as razões do accrescimo. No prazo maximo de um mez, resolverá o Governo sobre a questão. Si não o fizer, fica entendido que o accrescimo do preço está approvado. Nenhuma elevação de preços nas tarifas poderá ter força obrigatoria, mesmo approvada pelo Governo, sinão depois da publicação na imprensa, durante dez dias, annunciando a modificação feita.
Essa publicação será feita nos jornaes de maior circulação da capital do Estado, e, quando fôr possivel, em um de cada localidade servida por esta estrada. A reducção dos preços das tarifas poderá ter logar independente da publicação prévia.
Uma vez, porém, adoptada, a publicação será obrigatoria. 

XII 

As combinações que fizer esta estrada de ferro com outras, a respeito de tarifas, só terão força obrigatoria depois de approvadas pelo Governo. 

XIII

Serão observadas nesta estrada de ferro, emquanto o Governo não expedir o regulamento da lei n. 30, de 13 de Junho de 1892, as bases geraes, para o transporte de bagagens, encommendas e mercadorias, estabelecidas pelo decreto geral n. 10.237, de 2 de Maio de 1889. 

XIV 

Para todos os effeitos legaes ou resultantes de contractos, os lucros distribuidos entre os accionistas desta estrada de ferro, quer a titulo de bonus, quer sob a fórma de acções beneficiarias, ou por qualquer outro meio, serão computados conjunctamente com os pagos sob a denominação de dividendo. Para todos os effeitos resultantes de contractos, esta estrada deverá apresentar ao Governo a conta do seu capital empregado na construcção primitiva, nos melhoramentos da linha e suas dependencias.
Essa conta de capital poderá ser augmentada por esta estrada, mediante exame e approvação do Governo, sempre que fôr necessario melhorar, extender ou ramificar as suas linhas ou augmentar material, sendo, porém, sómente incluidas na conta de capital as importancias das obras depois de realizadas. 

XV

Nenhuma modificação nas obras de construcção desta estrada será executada sem prévio consentimento do Governo, que procederá então como está determinado para a construcção primitiva. 

XVI 

Esta estrada de ferro será obrigada a transportar,sob requisição. do Governo.em abatimento de cinquenta por cento( 50% ):
1.º As auctoridades, escoltas, militares e policiaes, quanto forem em diligencias;  
2.º Munições e bagagens das referidas escoltas;
3.º Os colonos e immigrantes, suas bagagens, ferramentas e utensilios de trabalho, quando em viagem para o logar de seu estabelecimento;
4.º As plantas e sementes enviadas pelo Governo, para serem gratuitamente distribuidas aos lavradores;
5.º Todos os generos, de qualquer natureza, enviados como soccorros publicos. Serão transportados gratuitamente as malas do correio e seus conductores, bem como os escholares para as escholas publicas.
Os demais passageiros e cargas, não especificados, serão transportados nas condições estabelecidas na clausula XXVIII do decreto geral n. 7.959, de 29 de Dezembro de 1880. 

XVII

Sempre que o Governo exigir, em circumstancias extraordinarias, esta estrada de ferro obriga-se a pôr á sua disposição todo o pessoal e material de transporte. 

XVIII

As questões que se suscitarem entre o Governo e esta estrada de ferro, serão decididas por um juizo arbitrai, o qual se formará do modo seguinte:
Cada uma das partes nomeará para juiz um arbitro. Si os dous assim nomeados divergirem em seus laudos, um terceiro será escolhido por ambas as partes;
Si não houver accôrdo nessa escolha, cada parte nomeará o seu, e, dentre os dous, aquelle que fôr indicado pela sorte decidirá a questão. 

XIX

Esta estrada de ferro, qualquer que seja a séde da empresa que a explore, ficará sempre sujeita ás justiças do Estado de São Paulo perante as quaes responderá. 

XX 

Annualmente, deverá esta estrada de ferro remetter ao Governo um relatorio contendo dados completes sobre o seu trafego, movimento dos trens, estado do material e da via permanente, etc. 

XXI

Terá pleno vigor nesta estrada de ferro o regulamento que o Governo opportunamente expedir para a boa e fiel execução da lei n. 30, de 13 de Junho do 1892, policia das linhas ferreas e transportes.
Emquanto não fôr expedido esse regulamento, além das bases geraes para o transporte de bagagens, encommendas e mercadorias, a que se refere a clausula XIII, vigorarão as disposições vigentes para as outras estradas, notadamente - as clausulas do decreto geral n. 7.959, de 20 de Dezembro de 1880, que não forem contrarias á referida lei de Junho de 1892, e as seguintes penas, com recurso para a arbitragem de que trata a clausula XVIII:
Caducidade desta licença, com referencia á parte que não estiver totalmente construida, si, dentro do prazo marcado na clausula VI, não estiverem concluidas as obras de construcção desta estrada da ferro;
Suspensão do trafego e multas de duzentos mil réis a cinco contos de réis, e o dobro nas reincidencias, por inobservancia de outras clausulas. 

XXII

Vigorarão em todas as linhas do concessionario desta estrada do ferro, bem como nos prolongamentos e ramaes que houver de construir, as disposições dos artigos 15, 16 e 17, § unico, 18, § unico, 19 e §§ 1º, 2 .º, 20 e 21 e seus paragraphos, da citada lei n. 30, de 13 de Junho de 1892.
O concessionario, para o estabelecimento desta linha ferrea, deverá solicitar do Governo uma licença especial para a utilização do leito ou de obras de arte da estrada de rodagem desta capital a M Moy, apresentando os esclarecimentos que forem exigidos pelo Governo, que estabelecerá as respectivas condições dessa licença. 

Secretaria dos Negocios da Agricutura, Commercio e Obras Publicas, aos 27 de Agosto de 1903. - Luiz de Toledo Piza e Almeida.