DECRETO N.1.278, DE 23 DE MARÇO DE 1905

Approva as instrucções para o levantamento geographico do extremo sertão do Estado

O dr. Presidente do Estado de São Paulo,
Em execução da lei n. 545, de 2 de Agosto de 1895, e de accôrdo com os artigos 5.° e 28. da° lei n. 936, de 17 de Agosto do anno findo,
Decreta :
Artigo unico. - Ficam approvadas as instrucções que com este baixam, assignadas pelo dr. secretário dos Negócios da Agricultura, Commércio e Obras Públicas, para execução dos trabalhos do levantamento geographico do extremo sertão do Estado.
Palácio do Governo do Estado do São Paulo, aos 23 de Março de 1905.

JORGE TIBIRIÇA'
DR. CARLOS J. BOTELHO

Publicado a 26 de Março de 1905. Secretaria da Agricultura, Commércio e Obras Públicas.-Eugenio Lefèvre, director geral.

Instruções para execução dos trabalhos do levantamento geographico do extremo sertão do Estado, a que se refere o decreto n.1278, desta data

Artigo 1.º - Para execução dos trabalhos do levantamento geographico do extremo sertão do Estado serão organizadas duas expedições, compostas do pessoal téchnico da Commissão Geographica e Geológica do Estado-uma para o levantamento dos rios Tieté e Paraná, entre os pontos adeante indicados ; -outra para a exploração dos valles dos rios Feio e do Peixe.
Artigo 2.º - A expedição para os trabalhos de levantamento dos rios Tietê e Paraná se dividirá em duas turmas.

§ 1.º - A turma do Tietê será assim composta : - Um chefe, que será o chefe desta expedição ; um 1.° ajudante e dois segundos ajudantes, topographos, e um geólogo, devendo o serviço a seu cargo obedecer ás seguintes determinações : 
a) Os trabalhos terão o seu começo na barra do rio Jacaré Grande, no ponto terminal dos estudos executados pela Commissão Geographica e Geologica, e descerão pelo Tieté até sua barra com o Paraná. Este ponto incicial será fixado astronomicamente ;
b) Serão levantadas as duas margens do rio simultaneamente e as barras dos affluentes em ambas as margens, anno tendo-se tambem a posição de todas as ilhas e suas dimensões principaes ;
c) Os levantamentos das duas margens serão am u a las vezes ligados entre si, afim de obter se a largura do rio ;
d) Deverão ser tomadas as secções transversaes do rio nos pontos mais convenientes, sendo também medida a correnteza das águas em geral ;
e) O comprimento das corredeiras será medido com a trena pela margem, e a sua altura determidada com o aneróide ;
f) Os saltos maiores, como o Avanhandava, o Itapura e o Urubúpunga, no Paraná, serão levantados com cuidado especial e minuciosamente, determinando-se tambem as respectivas posições geographicas, volume do agua, etc.;
g) A turma deverá levar um capataz conhecedor do Tieté, e que possa oriental-a sobre o nome dos affluentes, ilhas, corredeiras, etc., e também sobre as maiores enchentes .
h) Serão feitas observações de declinação magnética e diariamente de temperatura, três vezes, às 7 da manhan, á 1 e ás 7 da tarde, e bem assim de aneroide, annotando-se o estado do tempo o os ventos ;
i) Todas as operações serão lançadas em cadernetas especiaes e, além disso, o chefe da turma fará um diário de viagem, relatando os trabalhos executados cada dia, as peripécias, logares dos pousos, vegetação marginal e tudo mais que possa interessar ;
j) Deverá ser organizado um serviço de estafetas, para as communicações com o escriptório central da Commissão Geographica e Geológica, nesta capital ;
k) Em seu regresso, si houver tempo, a turma virà determinando o curso dos affluentes da margem esquerda, com as respectivas larguras, volumes de agua, etc.

§ 2.º - A turma incumbida do levantamento do rio Paraná compor se á de : um sub-chefe, que receberá instrucções e ordens de serviço de detalhes do chefe da turma do rio Tietê, um 1.° ajudante e um 2.°, cumprindo-lhe observar as seguintes regras : 
a) A turma embarcará no logar mais conveniente do rio Tieté e descerá até á sua barra, determinando de passagem a latitude e longitude dos saltos Avanhandava e Itapura, para comparação com as observações que fizer a turma do Tieté ;
b) Os trabalhos começarão na barra do rio Tieté com o Paraná o se desenvolverão por este abaixo até ao rio Paranapanema.
c) Será levantada apenas a margem paulista, com a luneta Lugeol e bussola, abrangendo, porêm, o levantamento, também as barras dos grandes rios de Matto Grosso, como o Sucury, o Verde e o Pardo, e as ilhas principaes proximas á margem paulista, sendo as outras ilhas apenas annotadas na topographia do rio
d) Na margem paulista deverão ser levantadas todas as barras dos rios, ribeirões e corregos e medidas as larguras, profundidades e volumes dos principaes ;
e) Além das observações astronomicas já mencionadas, identicas serão feitas nas barras dos rios que se supponha serem os denominados Aguapehy (Feio) e do Peixe, bem como nas dos rios Santo Anastacio e Paranapanema ;
f) Todos os dias serão feitas observações dos thermometros e aneroides ás 7 horas da manhan e á 1 e ás 7 da tarde, assim como do tempo, dos ventos, etc. ;
g) A declinação magnetica será determinada em geral  nos logares de observações geraes e em outros que forem mais convenientes ;
h) Será annotada a vegetação marginal do lado paulista e do lado de Mato Grosso, tanto quanto possa ser  observada ;
i) Todas as observações serão lançadas em cadernetas especiaes, devendo, além disso, o sub-chefe encarregado da turma fazer um diario de viagem relatando os trabalhos executados em cada dia, as peripecias, 
logar dos pousos e tudo mais que possa interessar  ;
j)  Realizados os trabalhos até ao rio Paranapanema, a turma voltará rio acima até à primeira barra ao sul do Tieté, a qual se presume ser a do Aguapehy ou Feio, e por este rio subirá levantando-o até onde puder ;

Artigo 3.º - A expedição para explorar os valles dos rios Feio e do Peixe tambem será dividida em duas turmas.

§ 1.º -  A turma do rio Feio será composta de um chefe, que será o chefe da expedição, um 1.° ajudante, um 2.°, topographos e um botanico, cabendo-lhe observar as seguintes determinações :
a) Os trabalhos de exploração deverão começar no ponto em que se encontram os ultimos moradores das margens do rio Feio, no logar denominado - Corredeira - cerca de 80 kilometros da cabeceira do mesmo rio ;
b) A turma, para atravessar o sertão, irá abrindo um caminho que, servindo para o transito de cargueiros e seu abastecimento de viveres, constitúa o caminhamento da expedição para fins technicos ;
c) O caminho deverá, em regra, acompanhar o curso do rio que fôr  arteria principal, podendo, entretanto, delle afastar-se o respectivo traçado, nos trechos em que se tornar impraticavel o terreno marginal, ou onde convier, para melhor acompanhar a topographia da zona;
d) A' medida que fôr sendo aberto o caminho, ir-se-á procedendo o levantamento e nivelamento por meio de tacheometros, effectuando-se, assim, as duas operações simultaneamente ;
e) Serão levantadas todas as barras de ribeirões e corregos affluentes, fazendo-se um esboço cuidadoso do terreno proximo, com annotações sobre a vegetação, etc. ;
f) De distancia em distancia , serão tomados os perfis transversaes do leito do rio, medindo se a sua capacidade, assim como a dos seus principaes affluentes, ampliando-se tambem a topographia, si fôr possivel, por excursões lateraes, quer pelo curso dos affluentes, quer perpendiculares á direcção geral, sempre, porém,  que possam ter logar sem prejuizo do escopo principal, que será penetrar o mais possivel no sertão ;
g) O caminho ou picado deverão ter cerca de tres metros de largura, evitando-se quanto possível a construcção de pontes onde ellas sejam dispensaveis ;
h) Deverão ser feitas observações astronomicas de longitude e latitude em Agudos ou Baurú, Corredeira, no ponto final do picadão e nos pontos intermedios de importancia, sendo, nesses mesmos logares, ou onde fôr mais conveniente, determinada a declinação da agulha magnetica ;
i) Os thermometros e aneroides serão observados diariamente, ás 7 horas da manhan e á 1 e ás 7 da tarde, sendo tambem diariamente annotados o tempo, o aspecto do céu e a direcção do vento ;
j) Todas as observações serão lançadas em cadernetas especiaes, devendo além disso, ser redigido um diario de viagem, ao qual deverão constar os trabalhos executados em cada dia, as occorrencias principaes e a descripção dos logares que mais chamarem a attenção, contendo tambem esse livro notas sobre a fauna, a flora e a geologia da região atravessada ;

§ 2.º - A turma encarregada de explorar o valle do rio do Peixe será composta de um sub-chefe, que receberá instrucções e ordens de serviço de detalhes do chefe da turma do rio Feio, e um 1.° ajudante e um 2.° dito, devendo ella cingir-se ás seguintes regras para execução dos trabalhos a seu cargo :
a) Os trabalhos terão principio em Campos Novos, podendo-se o levantamento do caminho até á fazenda Mirante, situada ao norte do espigão entre os rios Paranapanema e do Peixe ;
b) Da fazenda acima mencionada, começará a turma sua decida para o rio do Peixe, abrindo um  picadão, utilizando, comtudo, os caminhos que por ahi se encontrem, para o levantamento, que seguirá entre os ramos Norte e Norte 30º graus Oeste até á margem do 
rio ;
c) Deste ultimo ponto terá começo o levantamento do rio abaixo pelo picadão que a turma irá abrindo, com observancia do que ficou estabelecido para o serviço a cargo da turma do rio Feio ;
d) As primeiras observações astronomicas terão logar em Campos Novos, fazenda - Mirante - e no primeiro abarracamento na margem do rio ;

Artigo 4.º - Os chefes de turma, antes do inicio dos respectivos trabalhos, deverão providenciar sobre a acquisição dos instrumentos e material indispensaveis, alimentação o fornecimento de mantimentos para o pessoal, reunindo os auxiliares, camaradas e animaes precisos, bem assim cuidarão do estabelecimento de um serviço de communicações com o escriptorio central da Commissão Geographica e Geologia, nesta capital.
Artigo 5.º - Os chefes de turma requisitarão, por intermedio do chefe da Commissão Geographica e Geologica, as importancias precisas para occorrerem ás despesas com as respectivas turmas ; bem assim, pelo mesmo intermedio, prestarão suas contas e pedirão as auctorizações necessarias para admissão do pessoal auxiliar e camaradas e acquisições que tenham de fazer.
Artigo 6.º - As turmas que tenham de penetrar no sertão serão acompanhadas por destacamentos militares, fornecidos á requisição da Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, para guarda dos depositos de viveres e materiaes e para protecção dos trabalhos.

§ unico. - Esses destacamentos deverão ser postos á disposição dos chefes de turmas, a cujas determinações terão de cingir-se.

Artigo 7.º - Os chefes de turmas deverão providenciar no sentido de que, o quanto possivel, se estabeleçam relações amigaveis com os indios, si apparecerem ; e só em ultimo caso, si disto depender a segurança da expedição poderão ordenar o emprego das armas contra os mesmos.
Artigo 8.º - Além do pessoal technico e auxuliar, e dos camaradas necessarios para o serviço, poderão as turmas dispôr de um medico que, mediante requisição; por intermedio do chefe da Commissão Geographica e Geologica, será contractado pelo Governo, sómente pelo tempo que durarem os trabalhos de campo.
Artigo 9.º - Durante a execução dos trabalhos, e emquanto as turmas não forem dissolvidas, em seu regresso a esta capital todos deverão obedecer unicamente aos chefes de turmas que poderão, por medida disciplinar, dispensar os que se tornarem inconvenientes ou perturbadores da boa marcha dos trabalhos.
Artigo 10. - O pessoal technico da Commissão Geographica e Geologica, que for aproveitado para composição das turmas, vencerá, desde a data da sahida destas para o campo até seu regresso a esta capital, além dos vencimentos da tabella vigente, mais as seguintes gratificações, que incluem as diarias por serviço fóra da capital :
Chefes de turma, - oque faltar para perfazer 1:500$000 mensaes ;
Sub-chefes, - o que faltar para perfazer 1:300$000 mensaes ;
1.° ajudante, - o que faltar para perfazer 1:000$000 mensaes ;
2.° ajudante, - o que faltar para perfazer 900$000 mensaes ;
Artigo 11. - As despesas com o levantamento geographico do extremo sertão do Estado serão discriminadas em despesas ordinarias e despesas extraordinarias.

§ 1.º - As despesas ordinarias, que são as correspondentes aos vencimentos do pessoal technico, sem a gratificação a que se refere o artigo antecedente, deverão ser feitas por conta da verba do § 6.°, artigo 4.° do orçamento vigente.

§ 2.º - As despesas extraordinarias, que serão todas as outras além das acimas ditas, serão feitas por conta da verba da 2.ª parte do §  4.° do mesmo orçamento.
Logo que as turmas tenham regressado a esta capital depois de recolhido todo o material pertencente ao Estado, e feita a entraga das cardenetas de campo, notas, informações, relatorios e mais documentos resultantes dos trabalhos effectuados na campanha finda, serão as mesmas dissolvidas, dispensando-se todo o pessoal que não seja indispensavel para  os trabalhos de escriptorio.

Artigo 13. - Confórme os pontos em que tiverem ficando os trabalhos na primeira campanha, serão no anno vindouro expedidas novas instrucções para seu prosseguimento, de modo que, dentro do mais curto prazo possivel, possa ser levantada a topographia da região descomhecida do Estado.
Artigo14. - Revogadas as disposições em contrario.
Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, São Paulo, 23 de março de 1905.- DR.  CARLOS J. BOTELHO.