DECRETO N. 1.732, DE 4 DE MAIO DE 1909

Concede ao sr. engenheiro Francisco Homem de Mello, ou empresa que o mesmo organizar, licença para construcção, uso e goso de uma estrada de ferro que, iniciando-se na cidade de Bebedouro, vá terminar na sede do districto de paz de Monte Azul.

O dr. presidente do Estado de S. Paulo,
Usando da attribuição que lhe confere o art. 2.º da lei n. 30, de 13 de Junho de 1892, e attendendo ao requerido pelo sr. engenheiro Francisco Homem de Mello, nos termos dos paragraphos 2.° e 3.º do artigo lei citados,
Decreta:
Artigo 1.° - Fica concedida ao sr. engenheiro Francisco Homem de Mello ou empresa que o mesmo organizar licença para construcção, uso e goso de uma estrada de ferro que, iniciandose na cidade de Bebedouro, vá terminar na séde do districto de paz de Monte Azul, de conformidade com as clausulas que com este baixam, assignadas pelo sr. dr. secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas.
Palacio do Governo do Estado de S. Paulo, 4 de Maio de 1909.

M. J. DE ALBUQUERQUE LINS
A. Candido Rodrigues

Clausulas a que se refere o decreto n. 1732, desta data


I

O Governo do Estado concede ao sr. engenheiro Francisco Homem de Mello ou empresa que o mesmo organizar, licença para construcção, uso e goso de uma estrada de ferro que, iniciando-se na cidade de Bebedouro, vá terminar na séde do districto de paz de Monte Azul.

II

Esta estrada de ferro gosará de uma zona garantida, de cem metros de cada lado, reduzida a 50 metros nas gargantas e declives de serras, limitada por duas linhas paralellas ao eixo da via permanente, dentro da qual nenhuma outra estrada de ferro poderá receber generos ou passageiros, salvo: 1.° o caso de outra ou mais estradas terem o mesmo ponto inicial ou terminal; 2.° - o caso em que o ponto inicial ou terminal de outra estrada esteja dentro da zona desta; 3.° o caso de entroncamento referido nesta clausula.
Comtanto que dentro da zona garantida desta estrada de ferro não receba generos nem passageiros, poderá qualquer outra atravessar a mesma zona, cruzando a linha desta, sujeita, porém, aos onus provenientes do cruzamento.
Qualquer outra estrada de ferro poderá ter simultaneamente os mesmos pontos inicial e terminal desta, respeitada a zona garantida por esta clausula, bem como poderá entroncar na linha desta, resolvendo o Governo definitivamente, em caso de desaccôrdo, para regular as relações provenientes de entroncamento.
Considerar-se-á entroncamento, não só o caso de ligação por meio da via permanente, como por meio de estação commum.

III

Gosará mais a estrada de ferro do direito de desapropriação, nos termos da legislação do Estado, para os terrenos necessarios á construcção da linha, estações, armazens e mais dependencias.
Quando fôr necessario iniciar uma acção de desapropriação, deverá ser apresentada ao Governo a respectiva planta, sómente da parte a desapropriar.
O Governo, dentro do prazo de trinta dias da data da apresentação da planta, deverá conceder ou negar a licença, dando os motivos da recusa, no caso de negativa, e indicando as modificações do traçado, de modo a permittir a continuação da obra.
Si, dentro do prazo de trinta dias, o Governo não se manifestar, fica entendido que está concedida a mesma licença.

IV

O Governo prestará a esta estrada de ferro toda a proteção compativel com as leis, afim de que possa ella realizar a arrecadação das taxas estabelecidas, para que sejam respeitadas as disposições de seus regulamentos e mantida a sua policia, devendo todo o empregado na arrecadação das taxas e na policia da linha, ser cidadão da Republica.

V

Antes de iniciarem-se os trabalhos da construcção desta estrada de ferro, deverão ser submettidos á approvação do Governo os projectos de todos esses trabalhos, que comprehenderão:
a) Planta geral da linha concedida, com a indicação dos portos de passagens obrigatorios, configuração do terreno, representada por meio de curvas de nivel equidistantes de cinco metros no maximo, e, bem assim, em uma zona de cincoenta metros, pelo menos, para cada lado, os campos, mattas, terrenos pedregosos e brejos, e, sempre que fôr possivel, a divisa das propriedades particulares, minas e terras devolutas.
Nessa planta, em escala de um para quatro mil, serão indicadas todas as distancias kilometricas, contadas a partir do ponto inicial da estrada; a extensão dos alinhamentos rectos e curvos; os gráus e raios das curvas empregadas.
b) Perfil longitudinal, na escala de um para quatrocentos, para as alturas e de um para quatro mil para as distancias horisontaes, mostrando, por meio de convenção, o terreno natural, as plataformas dos córtes e aterros e as obras de arte.
c) O perfil longitudinal deverá ser acompanhado de perfis transversaes intervallados de cincoenta metros, no maximo.
d) Projectos completos e especificados de todas as obras de arte necessarias para o estabelecimento da estrada, pontes, tunneis, viaductos, pontilhões, boeiros, estações e dependencias, bem como, plantas de todas as propriedades, na parte cuja desapropriação fôr indispensavel.
e) O desenho dos trilhos e accessorios, em grandeza de execução.
f) Relação do material rodante, contendo o typo das locomotivas, vagões, gondolas e carros de passageiros, na escala de um para cincoenta, ou em catalogos das fabricas.
Esses dados poderão ser apresentados por secções, comtanto que estas não sejam menores a cinco kilometros. 
Os projectos das pontes, estações e outras obras importantes poderão ser apresentados á medida que tiverem de ser executados.
O Governo poderá rejeitar os projectos, quando não offerecerem garantia de solidez; mas terá então de apresentar as modificações que julgar convenientes. Não se sujeitando o concessionario a ellas, poderá recorrer, á arbitragem, como vae determinado na clausula XIX.

VI

Dentro de seis mezes, a contar da data da publicação do decreto de concessão da licença, deverão ser iniciados os trabalhos de construcção desta estrada da ferro, os quaes deverão estar concluidos dentro de dois annos, a contar da data da approvação dos projectos a que se refere a clausula antecedente.
Si, exgottado o prazo marcado para inicio, não houver começado as obras da linha, o concessionaria perderá a importancia da caução, em proveito do Estado, salvo caso de força maior, a juizo do Governo, que concederá mais uma só prorogação, de metade daqualle prazo.

VII

A caução feita pelo concessionaria poderá ser levantada desde que tenham sido despendidas em construcção tres por cento da importancia total de 550:000$000, do orçamento approximativo.
A requerimento do concessionario, o Governo mandará um engenheiro da repartição competente examinar si a quantidade de obras feitas corresponde a tres por cento da importancia referida.
Esse exame não poderá durar mais de dois mezes. Os vencimentos do engenheiro durante o tempo do exame das obras correrão por conta do concessionario e serão deduzidos da importancia pelo mesmo caucionada.
Si, no fim de um mez, a contar da data do pedido de exame das obras, não tiver o Governo encarregado engenheiro algum desse serviço, será considerado o exame como feito e o total da quantia caucionada poderá ser retirado independentemente da verificação da obra feita.

VIII

O Governo por seus agentes, poderá intervir, era qualquer tempo, em tudo o que se referir á solidez das obras, resistencia do material e segurança do publico nesta estrada de ferro.

IX

As obras de construcção desta estrada de ferro, não poderão impedir: o escoamento das aguas das propriedades particulares, a passagem das galerias de exgottos urbanos, de aguas utilizadas para abastecimento ou para fins industriaes e agricolas, a navegabilidade dos rios e canaes e o livre transito das vias pubicas. Ficam a cargo desta estrada de ferro as despesas com as obras necessarias para o cruzamento das ruas, estradas publicas e caminhos particulares existentes ao tempo da construcção da linha, ficando tambem a seu cargo as despesas com signaes e guardas, quando se tornarem precisos nesses cruzamentos. Os onus provenientes dos cruzamentos das vias publicas que se abrirem depois da construcção desta estrada de ferro não correrão por conta della.

X

Os preços de transporte nesta estrada da ferro serão fixados em tarifas previamente approvadas pela administração publica.
Dessas tarifas deverá constar a indicação do logar de partida e de chegada, a determinação dos fretes pelas distancias a percorrer e a classificação dos generos.
Não poderão esses preços exceder os minimos adoptados para as linhas ferreas de egual bitola.
E' vedado a esta estrada adoptar tarifas de favor para prejudicar ou favorecer pessoas ou empresas determinadas, assim como cobrar preços diferentes pelo transporte de passageiros e generos feitos em condições identicas, desde que percorram distancias eguaes, salvo o caso de tarifas differenciaes.
Depois de approvadas pelo Governo, serão as tarifas impressas em caracteres legiveis e collocadas em todas as estações, para conhecimento do publico.

XI

Quando houver necessidade de se elevarem os preços das tarifas, solicitará esta estrada licença do Governo, apresentando as razões do acerescimo. No prazo maximo de um mez, resolverá o Governo sobre a questão. Si não o fizer, fica entendido que o acerescimo de preço está approvado. Nenhuma elevação de preços nas tarifas poderá ter força obrigatoria, mesmo approvada pelo Governo, sinão depois da publicação na imprensa, durante dez dias, annunciando a modificação feita.
Essa modificação será feita nos jornaes de maior circulação na Capital do Estado, e, quando possivel, em um de cada localidade servida por esta estrada.
A reducção dos preços das tarifas poderá ter logar, independentemente de publicação prévia.
Uma vez, porem, adoptada, a publicação será obrigatoria.

XII

As combinações que fizer esta estrada de ferro com outras, a respeito de tarifas, só terão força obrigatoria depois de approvadas pelo Governo.

XIII

Serão observadas nesta estrada de ferro, emquanto o Governo não expedir o regulamento da lei n. 30, de 13 de Junho do 1892, as bases geraes para o transporte de bagagens, encommendas e mercadorias, estabelecidas pelo decreto geral n. 10237, de 2 de Maio de 1889.

XIV

Para todos os effeitos legaes ou resultantes de contractos, os lucros distribuidos entre os accionistas desta estrada de ferro, quer a titulo de bonus, quer sob fórma de acções beneficiarias, ou por qualquer outro meio, serão computados conjunctamente com os pagos sob a denominação de dividendo.
Para todos os effeitos resultantes de contractos esta estrada deverá apresentar ao Governo a conta do seu capital, empregado na construcção primitiva, nos melhoramentos da linha e suas dependencias.
Essa conta de capital poderá ser augmentada por esta estrada, mediante exame e approvação do Governo, sempre que fôr necessario melhorar, estender ou ramificar as suas linhas ou augmentar o material, sendo, porem, somente incluidos na conta de capital as importancias das obras depois de realizadas.

XV

Nenhuma modificação nas obras de construcção desta estrada será executada sem prévio consentimento do Governo, que precederá então como está determinado para a construcção primitiva.

XVI

Esta estrada de ferro será obrigada a transportar, sob requisição do Governo, com o abatimento de (50%):
1. - As auctoridades e escoltas militares ou policiaes, quando forem em diligencia;
2. - Munições e bagagens das referidas escoltas;
3. - Os colonos e immigrantes, suas bagagens, ferramentas e utensilios de trabalho, quando em viagem para o logar de seu estabelecimento;
4. - As plantas e sementes enviadas pelo Governo, para serem gratuitamente distribuidas aos lavradores;
5. - Todos os generos de qualquer natureza, enviados como soccorros publicos.
Serão transportados gratuitamente as malas do correio e seus conductores, bem como os escholares para as escholas publicas.
Os demais passageiros e cargas, não especificados, serão transportados nas condições estabelecidas na cláusula XXVIII do decreto geral n. 7959, de 29 de Dezembro de 1880.

XVII

Sempre que o Governo exigir, em circumstancias extraordinarias, esta estrada de ferro obriga-se a pôr á sua disposição todo o pessoal e material de transporte.

XVIII

Emquanto não fôr revogada a disposição do artigo XXXVI da lei n. 984, de 29 de Dezembro de 1905, o concessionaria será obrigado a conceder passagem gratuita aos membros do Poder Legislativo Estadual, em favor de cada um dos quaes emittirá passe livre, para ser utilizado em todo o tempo do respectivo exercicio.

XIX

As questões que se suscitarem entre o Governo e esta estrada de ferro serão decididas por um juizo arbitral, o qual se formará do modo seguinte:
Cada uma das partes nomeará para juiz um arbitro. Si os dois assim nomeados divergirem em seus laudos, um terceiro será escolhido por ambas as partes. Si não houver accôrdo nessa escolha, cada parte nomeará o seu, e, dentre os dois, aquelle que fôr indicado pela sorte, decidirá a questão.

XX

Esta estrada de ferro, qualquer que seja a séde da empresa que a explore, ficará sempre sujeita ás justiças do Estado de S. Paulo, perante as quaes responderá.

XXI

Annualmente, deverá esta estrada de ferro remetter ao Governo um relatorio contendo dados completos sob e o seu trafego, movimento de trens, estado do material e via permanante etc.

XXII

Terá pleno vigor nesta estrada de ferro o regulamento que o Governo opportunamente expedir para bôa e fiel execução da lei n. 30, de 13 de Junho de 1892, policia das linhas ferreas e transportes.
Emquanto não fôr expedido esse regulamento, alêm das bases geraes para o transporte de bagagens, encommendas e mercadorias, a que se refere a clausula XIII, vigorarão as disposições vigentes para as outras estradas, notadamente as clausulas do decreto geral n. 7959, da 29 de Dezembro de 1880, que não forem contrarias á referida lei de Junho de 1892 e as seguintes penas, com recurso para a arbitragem de que trata a clausula XIX:
Caducidade desta licença, si, dentro do prazo marcado na clausula VI, não estiverem concluidas as obras de construcção desta estrada de ferro;
Suspensão de trafego e multas de duzentos mil réis a cinco contos de réis, e o dobro, nas reincidencias, por inobservancias de outras clausulas.

XXIII

Vigorarão tambem nesta estrada de ferro o artigo 17 e respectivos paragraphos.

Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, 4 de Maio de 1909.

A. Candido Rodrigues