DECRETO N. 1.851, DE 31 DE MARÇO DE 1910

Regula o modo pelo qual devem se perdoadas ou commutadas as penas impostas aos réus de crimes communs sujeitos á jurisdicção do Estado.

O presidente do Estado,
Considerando ser indispensavel regular o preceito constitucional que estabelece o recurso de graça,
Considerando que o modo de interpôr esse recurso em delictos communs sujeitos á jurisdicção do Estado, na fórma do artigo 36, § 5.° da Constituição politica do Estado é da competencia do Poder Executivo,
Resolve que se observe o seguinte 

Regulamento para a interposição dos recursos de graça ao presidente do Estado


Artigo 1.º - Ao presidente do Estado compete privativamente perdoar ou commutar as penas impostas aos réus da crimes commums sujeitos á jurisdicção estadual. 
Artigo 2.º - O exercicio desta attribuição comprehende as graças collectivas.
§ 1.º - As graças individuaes serão concedidas por provocação do sentenciado ou membro de sua familia, por tres cidadãos no goso de seus direitos politicos ou pelo representante do ministerio publico.
§ 2.º - As graças collectivas serão concedidas por acto espontaneo do presidente do Estado nos dias de festa nacional, ou sob proposta das auctoridades administrativas.
Artigo 3.º - O representante do Ministerio Publico só promoverá o recurso da graça, com prova de estar reparado o mal causado pelo crime, ou serviços meritorios prestados pelo sentenciado, que mostrem seu arrependimento e emenda.
§ 1.º - A prova da reparação do mal será produzida por qualquer meio em direito permittido.
§ 2.º - A prova de arrependimento e emenda será constituida por attestados dos promotores publicos, delegados de policia, camaras municipaes e carcereiros, informando sobre os antecedentes do réu, sua familia, o seu procedimento na prisão, os actos meritorios praticados, as faltas commettidas e os castigos em que houver incorrido, e todas as condições que o favorecem.
Artigo 4.º - O recurso de graça só deve ser interposto pelo réu que estiver condemnado por sentença passada em julgado, não sendo, entretanto, motivo para obstar a interposição e seguimento legal de tal recurso a falta de prisão do réu ou de começo do cumprimento da pena.
Artigo 5.º - Nenhuma petição de graça dará entrada na Secretaria da Justiça e da Segurança Publica, sem estar instruida com o translado de todo o processo, devidamente concertado.
Artigo 6.º - Quando os peticionarios, por sua notoria pobreza, não possam juntar ás petições de graça o traslado de todo o processo, o secretario da Justiça e da Segurança Publica, mediante requerimento dos mesmos, ou do representante do Ministerio Publico, ordenará aos respectivos escrivães que forneçam cópia do inteiro teôr das seguintes peças do processo:
a) queixa ou denuncia.
b) auto de corpo de delicto.
c) exames periciaes.
d) depoimento das testemunhas no summario de culpa;
e) todas as provas da accusação e da defesa;
f) despacho de pronuncia;
g) auto de prisão;
h) razões de recurso, no caso de haver interposição;
i) libello;
j) contrariedade;
k) interrogatorio do réu;
l) quesitos propostos ao jury e consequentes respostas;
m) sentença proferida em virtude das respostas do jury;
n) allegações das partes, apresentadas ao Tribunal de Justiça no caso de appellação;
o) parecer do procurador-geral do Estado;
p) accórdams proferidos pelo Tribunal de Justiça.
Estas cópias serão fornecidas gratuitamente.
Artigo 7.º- No caso de crimes que não tenham sido julgados pelo jury, em hypothese alguma será dispensada a exigencia do artigo 4.°, devendo ser fornecida gratuitamente a cópia do processo, quando o réu fôr notoriamente pobre.
Artigo 8.º - Os escrivães que tiverem em seu cartorio os originaes dos processos, deverão, sob pena de responsabilidade, fornecer ao réu a cópia do processo ou cumprir a ordem do secretario da Justiça e da Segurança Publica, dentro do prazo da sessenta dias, certificando nos autos a data da entrega da cópia, ou juntando certificado do registro da remessa pelo Correio, por intermedio do juiz da comarca onde se achar o impetrante.
Artigo 9.º - As petições de graça dos réus pobres são isentas do sello do Estado.
Artigo 10.º - As petições de graça, devidamente instruidas, serão apresentadas á Secretaria da Justiça e da Segurança Publica, e serão sempre acompanhadas do relatorio do juiz respectivo, contendo:
a) narração do facto e suas circumstancias;
b) exame das provas constantes dos autos;
c) declaração das formalidades substanciaes que foram guardadas ou preteridas;
d) a exposição da conducta e vida passada do réu e suas circumstancias pessoaes.
Artigo 11.º - Quando o relatorio fôr feito pelo juiz de direito que presidiu ao jury, deverá indicar as provas produzidas e não escriptas, assim como os pontos principaes do debate se não constarem dos autos.
Artigo 12.º - As petições de graça devem ser acompanhadas de informações do director da Penitenciaria ou do carcereiro da cadeia publica em que o réu estiver, sobre o procedimento do preso e sobretudo que lhes pareça conveniente esclarecer, nos termos do art. 3.° § 2.
Artigo 13.º - Dando entrada a petição de graça na Secretaria da Justiça Publica, instruida com os documentos e informações mencionados nos arts. 4.°, 5.°, 9.°, 10.° e 11.° sobre ella será ouvido o Procurador Geral do Estado, que dirá sobre a justiça do perdão e si o impetrante merece o favor que solicita.
Artigo 14.º - As petições de graça, serão processadas na Secretaria da Justiça e da Segurança Publica e apresentadas a despacho do Presidente do Estado com um memorial contendo:
a) o nome do peticionario e do sentenciado;
b) o crime que este commetteu e em que tempo;
c) a pena que lhe foi imposta, quando, porque jury, juiz, ou Tribunal;
d) si está condemnado a outras penas;
e)
si está preso ou solto:
f) desde quando começou a cumprir a pena;
g) qual a informação do director da Penitenciaria ou do carcereiro da cadeia em que estiver preso;
h) qual a informação do procurador geral do Estado.
Artigo 15.º - O Presidente do Estado póde tomar conhecimento dos recursos de graça e conceder perdão independentemente das estatuidas formalidades neste Regulamento, ouvido préviamente o procurador geral do Estado.
§ 1.º - No caso de estar plenamente provado que o sentenciado soffre de enfermidade mortal.
§ 2.º - Quando se der urgencia provada, ou reclamar o bem publico, e neste caso, o juiz, a quem couber julgar a conformidade do perdão, fará as representações que entender justas.
Artigo 16.º - Da mesma sorte procederá o presidente do Estado, quando o perdão fôr solicitado pelo procurador geral de Estado, nos termos do artigo 135, § 13 do decreto n. 123, de 10 de Novembro de 1892, tratando-se de processo evidentemente nullo, ou de condemnação fundada em falsa prova ou em falsa causa.
§ unico. - Sendo o perdão requerido pelos promotores publicos nas comarcas, deverá sempre ser ouvido o procurador geral do Estado.
Artigo 17.º - O decreto de perdão ou de commutação de pena será publicado no Diario Official e communicado com a respectiva cópia ao juiz competente para os devidos fins, por aviso da Secretaria da Justiça e da Segurança Publica.
Artigo 18.º - O perdão ou a commutação de pena, para produzir effeito, deve ser previamente julgada conforme a culpa.
Artigo 19.º - Esse julgamento compete:
1.° - Ao tribunal ou juizo em o qual pender o processo;
2.° - Ao juiz executor, quando a sentença já estiver em execução.
Artigo 20.º  - A conformidade consiste na identidade de causa e pessoa.
Todavia, no caso de perdão ou commutação de pena, verificando o tribunal ou o juiz que houve ob ou subrepção de alguma circumstancia essencial, que poderia influir para denegação da clemencia, devolverá á Secretaria da Justiça e da Segurança Publica, o decreto, mencionando a circumstancia.
Artigo 21.º - A forma do julgamento será a mesma dos recursos crimes e se haverá sempre como negocio urgente.
Artigo 22.º - Nos casos de ob ou subrepção de que trata o artigo antecedente, decidida pelo presidente do Estado a duvida proposta pelo tribunal ou juiz, serão o perdão ou a commutação da pena julgados conformes pelos mesmos juizes que suscitaram a duvida.
Artigo 23.º- O recurso da sentença que julga o perdão é de appellação e não recurso no sentido restricto.
Artigo 24.º - No caso de nova interposição de recurso não deferido, serão dispensados os documentos exigidos por este regulamento; mas, no processo porque passar o novo recurso se fará referencia aos documentos archivados.
Na hypothese de novos recursos cessará a providencia de os dar ex-officio por indigencia dos peticionarios.
Artigo 25.º - A interposição do recurso de graça não suspende em caso algum a execução da sentença.
Artigo 26.º - Quando houver commutação de pena para outra especie diversa, poderá o réu recusar a graça, se entender que se aggravará a sua sorte com a substituição.
Artigo 27.º  - A commutação só se refere ás penas previstas no Codigo Penal.
Artigo 28.º - A demora na satisfacção de qualquer emolumento nunca produzirá detenção aos que de seus crimes alcançarem perdão nem pela não exigencia do processo.
Artigo 29.º - Na Secretaria dos Negocios da Justiça e da Segurança Publica, haverá um livro destinado ao extracto e averbação de todos os recursos de graça que deverão ficar archivados, qualquer que seja sua decisão.
Artigo 30 - Revogam-se as disposições em contrario.
Palacio do Governo do Estado de São Paulo, 31 de Março de 1910.

FERNANDO PRESTES DE ALBUQUERQUE
Washington Luis P. de Sousa.