DECRETO N. 8.868, DE 27 DE DEZEMBRO DE 1937

O DOUTOR JOSÉ JOAQUIM CARDOZO DE MELLO NETO, Interventor Federal no Estado de São Paulo, usando das suas attribuições e 
Considerando que pelo art. 178 da Constituição Federal foram dissolvidas as Camaras Municipaes;
Considerando que, em consequencia, ficaram os municipios privados do seu orgão deliberativo e impossibilitados de prover a propria administração;
Considerando que a situação actual precisa ser regularizada até que os Municipios se organizem definitivamente na fórma estabelecida pela Carta Política de 10 de novembro;
Considerando que competia á Assembléa Legislativa, tambem dissolvida, decretar leis organicas para a completa execução da Constituição Federal (art. 18, n. 1), inclusivé legislar sobre a organização dos Municipios;
Considerando que as funcções dessa Assembléa passaram a ser exercidas pelos Governos dos Estados, consoante o disposto no art. 181 da Constituição em vigor,
Decreta: 

Art. 1.º
- Emquanto os Municipios não forem organizados de accordo com a Constituição Federal de 10 de novembro ultimo, o Governo Municipal será exercido pelos Prefeitos, na fórma estabelecida neste decreto.

Art. 2.º - Haverá em cada Município um Conselho Consultivo composto de tres membros no minimo, nomeados pelo Interventor Federal dentre os cidadãos brasileiros de notória idoneidade e illibada reputação, residentes no Municipio.
Paragrapho unico - Será gratuito o desempenho das funcções de membro do Conselho.
Art. 3.º - Não poderão ser membros do Conselho Consultivo:
a) - os parentes até 3.º grau inclusivé do Prefeito ou de outros membros do mesmo Conselho;
b) - os funccionarios publicos estaduaes ou municipaes em actividade;
c) - os credores do Municipio por emprestimo e os devedores a qualquer titulo, excepção feita dos contribuintes de taxas ou impostos que ainda não hajam incorrido em móra;
d) - os concessionarios e os contractantes de quaesquer obras ou serviços municipaes, e respectivos auxiliares ou empregados.
Artigo 4.º - Os membros do Conselho Consultivo poderão ser demittidos:
a) - a pedido, com declaração do motivo determinante;
b) - mediante representação fundamentada de qualquer municipe, ou do respectivo Prefeito, instruida com pro. bastante dos motivos arguidos;
c) - por acto do Interventor Federal, quando, a seu criterio, occorra motivo de interesse publico.
Art. 5.º - Os membros do Conselho Consultivo, ao tomarem posse dos seus cargos, prestarão o compromisso legal, perante o respectivo Prefeito, e, na falta deste, perante o juiz de direito da comarca.
Artigo 6.º - O Conselho Consultivo reunir-se-á ordinariamente duas vezes por mez e extraordinariamente quando convocado pelo Prefeito ou pela maioria de seus membros.
Artigo 7.º - As sessões do Conselho Consultivo se realizarão no edificio da Camara e serão publicas, salvo resolução fundamentada em contrario.
§ 1.º - O Conselho será presidido por um de seus membros escolhido por maioria de fotos e secretariado por um funccionario municipal designado pelo Presidente.
§ 2.º - De tudo quanto se passar nas reuniões lavrarse-á uma acta, subscripta pelo secretario e assignada por todos os membros do Conselho, da qual constarão, na íntegra, as informações e pareceres emittidos.
§ 3.º - Os Conselhos Consultivos emittirão parecer dentro do prazo de 8 dias contados da data em que for solicitado o seu pronunciamento, tendo sempre preferencia os papeis que lhe forem submettidos com a nota de "urgente". Esse prazo, porem, poderá ser dilatado até 30 dias, si forem necessarias diligencias ou investigações demoradas.
§ 4.º - Decorridos os prazos do paragrapho anterior sem que o Conselho respectivo se tenha manifestado, o Prefeito levará o caso ao conhecimento do Interventor Federal, que autorizará ou não a pratica do acto .
Art. 8.º - Compete ao Conselho Consultivo:
a) - emittir parecer, por escripto, sobre os recursos de actos do Prefeito e as consultas que este lhe submetta;
b) - suggerir ao Prefeito a execução de melhoramentos e outras medidas convenientes á administração municipal:
c) - zelar pela fiel observancia das leis de organização municipal, levando as infracções ao conhecimento do Interventor Federal;
d) - exercer as outras attribuições constantes deste decreto.
Art. 9.º - É vedado aos Prefeitos Municipaes, sem prévia audiencia do respectivo Conselho Consultivo:
a) - crear, augmentar ou diminuir impostos ou taxas, ou conceder isenções;
b) - crear, cargo ou emprego, ou augmentar vencimentos, desde que acarrete augmento de despesa total de pessoal na repartição ou serviço respectivo;
c) - augmentar o proprio subsidio;
d) - celebrar contracto de concessão de serviço publico, ou renovar, innovar ou modificar os existentes:
e) - conceder subvenções ou auxilios pecuniarios que não tenham sido fixados na lei orçamentaria;
f) - promulgar a lei orçamentaria;
g) - celebrar accordos e convenios com outros Municipios;
h) - transigir em juizo ou fóra delle;
i) - alienar, hypothecar ou permutar bens immoveis;
j) - adquirir immoveis, excepto os que anteriormente hajam sido declarados de utilidade publica;
k) - decretar desapropriações por necessidade ou utilidade publica;
l) - dar bens em locação;
m) - acceitar doações com encargos;
n) - executar obras ou serviços ou celebrar contractos, que impliquem despesa, para a qual não exista dotação orçamentaria.
§ 1.º - Independerão de concorrencia publica:
a) - as permutas;
b) - a alienação de areas resultantes de modificações de alinhamento e que devam ser incorporadas a propriedades particulares contiguas.
§ 2.º - Nos casos do paragrapho anterior, a alienação será sempre precedida de avaliação do immovel.
§ 3.º - Os bens immoveis dos Municipios não poderão ser objecto de doação ou cessão gratuita, salvo em favor do Estado ou da União precedendo nesses casos, parecer favoravel do Conselho Consultivo.
Art. 10 - Sem parecer favoravel da maioria absoluta dos membros do Conselho Consultivo e prévia autorização do Interventor Federal, os Prefeitos Municipaes não podem:
a) - emittir apolices ou titulos de divida ou contrahir emprestimos de qualquer natureza;
b) - outorgar privilegios;
c) - celebrar accordos e convenios com outros Municipios.     

Art. 11 - Nas concessões de serviços publicos será sempre ouvida, sobre os respectivos contractos, a Inspectoria de Serviços Publicos da Secretaria da Viação.
Art. 12 - As leis, resoluções ou actos poderão ser annullados pelo Interventor Federal ex-officio ou mediante recurso, interposto por qualquer cidadão, municipe ou não, depois de ouvido o Conselho Consultivo local:
a) - quando contrarios á Constituição e ás leis federaes, ou á Constituição ou ás leis do Estado;
b) - quando offendam direitos de outros Municipios;
c) - quando forem contrarios ao bem publico, ao interesse do proprio Municipio ou ás boas normas da admi nistração.
Paragrapho unico - O recurso deverá ser interposto por petição dirigida ao Prefeito, dentro em um mez, contado da data da publicação ou da notificação do acto o encaminhado pelo Prefeito ao Governo do Estado com a sua informação no prazo de 15 dias.
Art. 13 - Emquanto não se organizarem os Conselhos Consultivos ou quando por qualquer motivo não se reunirem, os actos que dependem da sua audiencia prévia deverão ser submettidos á approvação do Interventor Federal.
Art. 14 - Todos os actos promulgados pelos Prefeitos Municipaes serão submettidos ao Departamento das Municipalidades, que os examinará e os devolverá aos Prefeitos, para que os rectifiquem, caso incidam nas disposições das alineas "a", "b" e "c" do artigo 12. Quando o Prefeito tiver motivos especiaes para manter o acto sem alteração, o Departamento das Municipalidades encaminhará o respectivo processo á decisão do Interventor Federal, por intermedio da Secretaria da Justiça.
Artigo 15 - O Departamento das Municipalidades continuará a exercer as funcções que lhe sáo outorgadas pelo artigo 48 da lei n.º 2.484, de 16 de dezembro de 1935.
Artigo 16 - Todos os entendimentos das Prefeituras como Governo do Estado serão feitos atravez do Departamento das Municipalidades, por intermedio do qual serão tambem expedidas as instrucções necesserias ao bom cumprimento deste decreto-lei e demais leis referentes á administração municipal.
Paragrapho unico - Fica excluida desta disposição e das mencionadas nos artigos 11, 14 e 18 a Prefeitura da Capital.
Artigo 17 - A pedido do Prefeito ou da maioria do Conselho Consultivo, ou por determinação do Governo do Estado, poderá o Departamento das Municipalidades inspeccionar a escripta das Prefeituras.
Artigo 18 - Até o dia 31 do corrente mez os Prefeitos Municipaes submetterão ao Departamento das Municipalidades os orçamentos para o proximo exercicio, organizados de accordo com as instrucções já expedidas pela referida repartição. Emquanto não for promulgada a nova lei orçamentaria, vigorará o orçamento decretado para 1937, com as modificações resultantes da actual discriminação de rendas.
Artigo 19 - Continuam em vigor as disposições especiaes referentes ás Prefeituras Sanitarias e Estancias Hydro-mineraes e Climatericas, o Codigo de Contabilidade Municipal promulgado pelo decreto n.º 5.296, de 18 de dezembro de 1931, e demais leis e decretos concernentes á organização dos municipios em tudo o que implicita ou explicitamente, não contrariem a Constituição Federal, o presente decreto e a lei n.º 2.484, de 16 de dezembro de 1935, na parte em que esta não contravenha ás disposições constitucionaes.
Artigo 20 - Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrario. 

Palacio do Governo do Estado de São Paulo, aos 27 de dezembro de 1937.

J. J. CARDOZO DE MELLO NETO
Alarico Franco Caiuby

Publicado na Secretaria da Justiça e Negocios do Interior, aos 27 de dezembro de 1937.
Fabio Egydio de O. Carvalho,  Director Geral.