LEI N. 34, DE 16 DE MARÇO DE 1846.
Manoel da Fonseca Lima e Silva, Presidente etc.
TITULO 1.º
Do objecto da instrucção primaria, e estabelecimento das
escolas.
Art.
1.º - A instrucção
primaria comprehende a leitura, escripta, theoria e practica da
arithimetica até proporções inclusivè, as
noções mais geraes de
geometria pratica, grammatica da lingua nacional, e principios da moral
christã, e da doutrina da religião do estado.
Art. 2. º - A instrucção primaria para o
sexo feminino constará
das mesmas materias do artigo antecedente, com exclusão da
geometria; e
limitada a arithimetica á theoria e pratica das quatro
operações; e
tambem das prendas que servem á economia domestica.
Art. 3. º - O governo estabelece á escolas publicas
de
instrucção primaria em todas as cidades e villas, e nas
outras
povoações que, attento o numero da
população reunida, julgar em
circunstancias appropriadas, sujeitando á
approvação da assembléa.
Art. 4.º - Nas povoações em que as escolas
do sexo masculino
forem frequentadas por mais de sessenta alumnos, poderá haver
mais de
uma escola, e n'este caso serão addicionadas á
instrucção primaria
designada no artigo primeiro na segunda aula as seguintes materias:
noções geraes de historia e geographia, especialmente da
historia e
geographia do Brasil; noções das sciencias phisicas
applicaveis aos
uzos da vida. N'aquellas em que as do sexo feminino forem frequentadas
por mais de quarenta, tambem poderá haver mais de uma,
addicionando-se
noções geraes de historia, e geographia, e musica.
Art. 5.º - As commissões inspectoras, havendo-as, e
na falta
d`ellas as camaras municipaes, permittirão a abertura de escolas
primarias particulares, em que se ensinem as materias, dos artigos
primeiro, segundo, e quarto, ou mais, apresentando o impetrante
documento legal, com que comprove ter bons costumes. Este documento
será havido no logar em que o impetrante tenha residido pelo
menos tres
annos antes, e conterá essa declaração; sendo o
impetrante estrangeiro
deverá pronunciar correctamente a lingua nacional, e provar que
tem
conhecimentos da grammatica da mesma.
Art. 6.º - Não poderáõ obter
permissão para estabelecer escolas
particulares os que estiverem comprehendidos nos casos do artigo vinte
e um, paragraphos segundo, terceiro, quarto, e quinto.
Art. 7.º - Nos logares, á cujas cadeiras, depois de
postas
regularmente á concurso, não se apresentem concurrentes,
e não havendo
tambem pertendentes que queirão estabelecer escolas
particulares, em
conformidade com o artigo quinto, poder-se-ha facultar o
estabelecimento de escolas particulares, em que se ensinem
sómente a
leitura, escripta, practica das quatro operações
arithmecticas, e os
principios da moral christã, e da doutrina da religião do
estado.
Art. 8.º - A frequencia promiscua de ambos os sexos em uma
escola, só é permittida nos logares, onde não
existão escolas diversas
para ambos.
Art. 9.º - As escolas particulares ficam sujeitas á
inspecção na conformidade do titulo quinto no que lhes
fôr applicavel.
TITULO 2.°
Da habilitação e provimento dos professores
Art. 10. - Podem ser professores publicos os cidadãos
brasileiros, que mostrem ter as habilitações seguintes:
§ 1.° - Mais de dezoito annos de idade.
§ 2. ° - Bom procedimento provada na conformidade do
artigo quinto.
§ 3.° - Conhecimento das materias exigidas na presente
lei.
§ 4.° - Instrucção practica do ensino.
Art. 11. - O provimento far-se-ha por meio de exame em concurso
publico, salva a disposição do artigo trinta e cinco,
feito perante o
presidente da provincia, e por uma commissão fixa de tres
membros por
elle nomeados, que votaráõ em escrutinio secreto; e no
caso de
approvação poderá o governo prover ou não o
candidato, como julgar
util.
A épocha dos exames será regularmente nos mezes de
Janeiro e Junho de
cada anno: dous mezes antes publicar-se-ha pela imprensa, e por editaes
nos logares das escolas, quaes as que se achão vagas, e á
concurso.
Art. 12. - Quando, depois de postas a concurso as cadeiras,
não
appareção concorrentes á ellas, o governo
poderá admittir á concurso, e
proverá estrangeiros, que tenhão as habilitacões
do artigo decimo; e
estes, além dos ditos quesitos, deveráõ pronuciar
perfeitamente a
lingua nacional, e soffrerão mais rigoroso exames de grammatica.
Art. 13. - Os titulos de provimento dos professores publicos,
nomeados em virtude da presente lei, seráõ passados pelo
governo, e
sómente perder-se-hão nos casos declarados n`ella.
Art. 14. - Não poderáõ obter provimento,
apezar das habilitações
do artigo decimo; primeiro, os que tiverem sido demittidos em
observancia do artigo vinte e um, paragraphos segundo, terceiro,
quarto, e quinto; segundo, os que tiverem
soffrido condemnação
por furto, roubo, juramento falso, oa falsidade.
TITULO 3.°
Vencimentos,
e aposentadorias dos professores publico.
Art. 15. - O ordenado fixo dos professores publicos será
nas cidades de quatrocentos á quinhentos mil réis, nas
villas de trezentos a
quatrocentos mil réis e nas outras povoações de
duzentos e cincoenta a
trezentos mil réis. Na fixação dos ordenados o
governo attenderá as
circunstancias peculiares das localidades, e a concorrencia certa ou
provavel de alumnos: depois de uma vez fixados só poderão
ser alterados
pela assembléa provincial.
Art. 16. - Os professores das escolas creadas na conformidade
do
artigo quarto, teráõ a quarta parte mais do ordenado
marcado no artigo
antecedente; e as camaras municipaes, a cujo municipio pertencerem,
concorreráõ com essa quantia, e forneceráõ
aos professores local
appropriado para a escola.
Art. 17. - Além do ordenado fixo venceráõ
os professores, cujas
escolas forem frequentadas por mais de vinte alumnos effectivamente,
uma gratificação annual de quatro mil réis por
cada alumno que
exceder o dito numero; para as escolas do sexo feminino, o numero
será
de quinze. Os professores provisorios só
perceberáõ tres mil réis.
Art. 18. - Os professores que, tendo exercido o magisterio por
vinte e cinco annos, se impossibilitarem para continuar, serão
aposentados com todo o ordenado que vencerem ao tempo da aposentadoria,
caso tenhão servido mais cinco annos além dos vinte e
cinco: e
quando depois d'esses annos não se dê impossibilidade,
perceberáõ mais a
decima parte do ordenado, sendo á final aposentados com todo o
ordenado
que estiverem vencendo ao tempo da aposentadoria. Os que tendo servido
por mais de dez annos se impossibilitarem para continuar, serão
aposentados com a parte do ordenado, que corresponder ao tempo que
tiverem servido, contribuindo por vinte e cinco annos.
TITULO 4.°
Da suspenção, remoção, e demissão
dos professores publicos.
Art. 19. - Os professores publicos poderáõ ser
suspensos pelo governo:
§ 1.° - No caso de pronuncia por crime
inafiançavel em quanto durarem os seus effeitos.
§ 2.° - Quando o governo lhes mande instaurar
processos por crime de responsabilidade.
A suspensão em todo o caso priva ao professor de todo, ou de
parte do
ordenado, durante o tempo d'ella, como determinar o governo.
Art. 20. - Poderáõ os professores ser
removidos de uma para outra escola.
§ 1.° - Á requerimento seu, não havendo
inconveniente, para escola de igual ou menor ordenado.
§ 2.° - Por accesso para escola de maior ordenado,
quando
setornarem distinctos pelo exacto cumprimento de seus deveres, pelo
numero e progresso dos alumnos que frequentarem effectivamente a escola
; o que só poderá ter logar depois de sete annos de
exercicio do
magisterio.
Art. 21. - Os professores serão demittidos pelo governo.
§ 1 ° - Quando o requeirão, não havendo
inconveniente, não tendo então logar a aposentadoria.
§ 2. ° - Quando razões fundadas de moralidade
assim o exijão á
requerimento de qualquer auctoridade, ou chefes de familia, ouvidos o
professor inculpado, e a commissão inspectora.
§ 3. ° - Quando depois de advertidos ou multados por
tres vezes
se mostrem incorrigiveis, ou quando desobedeção
formalmente ás ordens
do governo, dependendo n'este ultimo caso de approvação
da assembléa
provincial.
§ 4. ° - Quando forem condemnados por furto, roubo,
juramento falso, ou falsidade.
§ 5. ° - Quando por motivo de enfermidades tornem-se
inhabeis, salva a disposição do artigo dezoito.
§ 6. ° - Quando por culpa sua forem as escolas
frequentadas por menos de doze alumnos effectivos.
Art. 22. - Os professores que abandonarem o exercicio do
emprego
sem prévia auctorisação, serão multados no
dobro do vencimento, que
deveriaõ ter, durante o tempo do abandono, além de outras
penas em que
por esse facto possam incorrer.
Art. 23. - Quando obtiverem licença por mais de um mez,
saõ
obrigados á deixar substitutos pagos á sua custa, e
approvados pela
commissaõ inspectora, em exame.
Art. 24. - O governo obrigará aos actuaes professores
particulares a fecharem as escolas, quando por meio da
inspecçaõ das
commissões reconheça que naõ ensinaõ
utilmente as materias exigidas por
esta lei, ou quando estejaõ em algum dos casos do artigo
vinte e um,
impondo-lhes administrativamente multa até cem mil réis;
e no caso de
renitencia ficam sujeitos ás penas do artigo cento e vinte oito
do
codigo criminal.
TITULO 5.°
Da inspecção das escolas, e exame dos alumnos.
Art. 25. - Haverá em cada povoaçaõ, onde
houver escola publica
ou particular, uma commissaõ composta de tres cidadaõs
residentes no
logar, um nomeado pelo governo, e dous pela camara municipal, sendo um
sacerdote, o qual poderá ser o parocho.
Art. 26. - A esta commissão compete:
§ 1.° - Inspeccionar as escolas publicas e
particulares
estabelecidas nas povoações de sua residencia, fazendo ao
menos uma visita
mensal.
§ 2. ° - Verificar o numero dos alumnos que
frequentão effectitamente a escola.
§ 3. ° - Examinar a salubridade do local das escolas,
e se
n'ellas se ensinão regularmente as materias conforme a presente
lei, e
se os professores cumprem tudo quanto fôr determinado nos
regulamentos
e instrucções.
§ 4. ° - Enviar trimensalmenle ao governo uma
informação
circunstanciada do estado das escolas, do progresso dos alumnos, das
causas da falta de concorrencia, quando se realise, e de todas as
necessidades que ocorrerem.
§ 5.° - Assistir aos exames annuaes dos alumnos na
épocha determinada.
§ 6. ° - Fazer aos professores advertencias sobre
ommissões
leves no cumprimento de seus deveres, participando ao governo quando se
mostrem incorrigiveis, communicando tambem todas as faltas que
encontrarem.
§ 7. ° - Exigir dos professores nas visitas que
fizerem, todos
os esclarecimentos que julgarem precisos, para basearem suas
informoções; e na épocha marcada um mappa dos
alumnos segundo as
instrucções do governo.
§ 8.° - Dar attestados aos professores para cobrarem
seus
vencimentos; declarando n'elles o numero de alumnos que effectivamente
frequentão as escolas.
Art. 27. - Quando os professores abandonarem o exercicio do
emprego, e estiverem impedidos, havendo probabilidade de durar o
impedimento por mais de um mez, as commissões inspectoras (caso
não haja
substituto approvado) poderáõ contractar quem seja as
escolas
provisoriamente, percebendo dous terços dos vencimentos.
Art. 28. - As commissões inspectoras
poderáõ deliberar, reunidos
dous membros, quando o terceiro esteja impedido, e o que for nomeado
pelo governo terá á seu cargo todos os papeis relativos
á incumbencia
d'ellas, e era seu nome dirigirá a correspondencia.
Art. 29. - O governo, mostrando-se as commissões
inspectoras
negligentes ou ommissas, poderá multal-as, ou a seus membros
individualmente em dez a trinta mil réis; e tambem dissolvel-as
organisando novas, excluindo alguns ou todos os membros das que
dissolver.
Art. 30. - Haverá annualmente pelo menos um exame
publico geral
dos alumnos, tanto publicos como particulares; do resultado d'estes
exames daráõ as commissões parte circunstanciada
ao governo.
TITULO 6.°
Da escola normal.
Art. 31. - O governo estabelecerá na capital da
provincia uma
escola normal de instrucção primaria, em que se
ensinaráõ as seguintes
materias em um curso de dous annos: - logica, grammatica geral e da
lingua nacional, theoria e pratica arithimetica até
proporções
inclusivè, noções geraes de geometria pratica, e
suas applicações
usuaes; calligraphia, principios e doutrina da religião do
estado; os
diversos methodos e processo de ensino, sua applicação e
vantagens
comparativas.
Art. 32. - O professor da escola normal será nomeado
pelo
governo; e perceberá uma gratificação, não
excedente á um conto
quinhentos mil réis. A escola estará sob a immediata
inspecção do
governo, que fornecerá ao professor local appropriado, e todos
os
instrumentos, livros, modelos, e mais objectos, que forem precisos para
os exercicios. A classificação das materias será
feita pelo professor
com approvação do governo.
Art. 33. - Não achando o governo pessoa competentemente
habilitada para o ensino da escola normal, poderá engajar quem
vá
instruir-se na Europa nas materias exigidas, ministrando-Ihe o auxilio
annual de oitocentos mil réis moeda forte, e tomará
cautellas para
obviar a defraudação da fazenda publica.
Art. 34. - Ninguem poderá matricular-se na escola
normal, não
sendo maior de dezeseis annos, e não mostrando-se em exame
instruido na
leitura e escripta. O governo poderá prestar mensalmente o
fornecimento
de trinta mil réis a dez cidadãos, que querendo
dedicar-se ao
magisterio, tiverem falta de meios para frequentar a escola normal,
apresentando elles documentos com que comprovem a
condição de
moralidade, segundo o artigo quinto, e estes indemnisarão ao
cofre
provincial, sendo providos, descontando-se quantia arrasoada dos seus
vencimentos sem premio, e não se realisando o provimento
indemnisarão
com o juro legal.
Art. 35. - A approvação obtida pelos alumnos na
escola normal no
fim do curso, habilita-os para o provimento sem dependencia de
concurso, excepto para as do artigo quarto, mas d'elle dependem,
apparecendo outros pretendentes, tendo sempre preferencia em igualdade
de circunstancias; mas passados tres annos depois da
approvação, não
poderaõ ser providos sem novo exame, na fórma do artigo
onze, provando
em todos os casos a sua moralidade por attestação do
professor da
escola normal, e da commissao inspectora.
TITULO 7.º
Disposições geraes.
Art. 36. - Em quanto não estabelecer-se a escola normal,
e não
houverem candidatos ás cadeiras, formados na mesma, só se
dará
provimento provisorio, e com dous terços do ordenado marcada na
presente
lei.
Art. 37. - O governo procederá á
indagações sobre os actuaes
professores, e reconhecendo em alguns inhabilidade para o magisterio
pela falta de progresso, e pela pouca concurrencia de alumnos, segundo
as circumstancias locaes, poderá aposental-os conforme a
legislação
vigente, ou constrangel-os á habilitarem-se na escola normal,
para o
que martar-lhes-ha um prazo rasoavel.
Art. 38. - Os que, segundo a determinação do
governo, ou
voluntariamente quizerem frequentar a escola normal, e poderão
fazer
percebendo os seus vencimentos, deixando substitutos approvados em
exame na forma do art. 11, e pagos á sua custa.
Art. 39. - Quando os professores, depois de advertidos pelo
governo, se não corrijam, poderão ser multados com o
não pagamento do
ordenado por um a tres mezes, conforme a gravidade da falta, precedendo
informação da commissão inspectora.
Art. 40. - As escolas que forem frequentadas por menos de doze
alumnos effectivos, serão supprimidas, quando seja isso devido
á falta
de população no lugar.
Art. 41. - Todas as disposições desta lei
relativas aos professores, são extensivas ás professoras
no que lhes forem applicaveis.
Art. 42 - No caso de não apparecerem concurrentes
ás cadeiras do
sexo feminino, para serem providas segundo as condições
do artigo onze,
poderá o governo auctorisar exames fóra da capital,
quando pela
distancia seja isso necessario, dando em tal caso provimento provisorio
unicamente, o com dous terços do ordenado.
O exame n'este caso será feito perante a commissão
inspectora,e por examinadores nomeados pelo governo.
Art. 43 - As ferias geraes serão desde Domingo de Ramos
até o
primeiro dia util depois da Paschoa, e desde oito de Dezembro
até seis
de Janeiro. Além d'estas são dias feriados as
quintas-feiras de todas
as semanas, quando não houver dias santo, ou feriado por
lei.
Art. 44. - O governo, no regulamento que organisar para
execução
da presente lei, determinará o programma dos exames tanto a
respeito da
escola normal, como das menores: a policia e economia das escolas, os
castigos, a duração diaria dos exercicios, que não
será menos de duas
horas e meia de manhã, e outro tanto de tarde;
estabelecerá o modo
pratico da inspecção pelas commissões e
especificadamente para a
verificação do numero de alumnos que frequentão
effectivamente as
escolas; e dará todas as mais providencias que forem uteis e
consentaneas com a presente lei, podendo cominar multas de vinte a
sessenta mil réis, que serão impostas
administrativamente, á todos os
que forem incumbidos de qualquer ramo de serviço de
instrucção
primaria, quando não cumprão a presente lei, e as
instrucções,e
regulamentos do governo.
Art. 45. - O governo procurará fornecer edificios
proprios para
n'elles se estabelecerem as escolas, havendo-os publicos; e não
os
havendo fará promover a promplificação d'elles por
meio de subscripções
nas localidades. Fornecerá aos professores os utensilios
precisos. Em
quanto o governo não puder fornecer edificios, e nem conseguir
por meio
das subscripções, continuarão as aulas a este
respeito como
actualmente.
Art. 46. - Ficão revogadas as leis e
disposições em contrario.