LEI N. 30, DE 13 DE JUNHO DE 1892

 Regula a concessão de estradas de ferro no territorio do Estado

O dr. José Alves de Cerqueira Cesar, Vice-Presidente do Estado de São Paulo ;
Faço saber que o Congresso Legislativo do Estado decretou e eu promulgo a lei seguinte : 

Artigo 1.º - E' livre a qualquer particular, companhia ou empresa, o direito de construir e explorar estradas de ferro dentro do territorio do Estado de S. Paulo, precedendo licença do poder competente, observadas as disposições da presente lei.
Artigo 2.º - Ao Governo do Estado compete conceder licença para construcção e exploração de vias ferreas, mediante as seguintes condições :
§ 1.º - Serão respeitados os direitos adquiridos em virtude de contracto ou concessões legalmente feitas, até á data desta lei, ou pelo Governo do Estado, ou pelo da União Federal, ou pelas municipalidades.
§ 2.º - O requerente deverá apresentar a administração estudos geraes da zona que a estrada de ferro projectada vai atravessar.
Estes estudos comprehendem :
a) Exame da região por onde tiver de construir a linha, tendo por fim especial determinar explicitamente os pontos inicial o terminal e os de passagem obrigada.
Este exame deve fornecer dados e informações sobre os valles que tem de percorrer a ferrovia requerida.
b) O traçado de uma linha de ensaio tão approximado quanto possivel da directriz definitiva, sendo as distancias medidas com podometro, os angulos, com bussulla e as differenças do nivel, com aneroide ou outro qualquer hypsometro.
c) Uma memoria descriptiva e justificativa do projecto, contendo noticia das localidades e povoações que tiverem de ser atravessadas ou servidas pela estrada, acompanhadas de dados sobre sua riqueza, população e producções.
d) Notas sobre a importancia, confluencia, secção, volume de agua, navegabilidade e cheias dos rios cortados pela linha.
e) Informações a respeito das vias de communicação já existentes e sobre as projectadas na mesma região da linha requerida.
f) Orçamento approximativo das obras a fazer-se com a linha ferrea planejada, inclusive material rodante.
§ 3.º - O pretendente, no acto de apresentar o pedido de licença, depositará, como caução, no Thesouro do Estado, em moeda corrente ou apolices da divida publica do Estado ou da União, 2 % da importancia total do ornamento approximativo a que se refere o § 2.º, lettra f. Esta caução póde ser retirada, desde que se tenha despendido em construcção 3 % da importancia total do referido orçamento.
§ 4.º - A requerimento do concessionario do caminho de ferro, o Governo mandará um engenheiro de obras publicas verificar si a quantidade de obras feitas corresponde a 3 % da importancia do orçamento approximativo.
Este exame não póde durar mais de dous mezes.
Os vencimentos do engenheiro, durante o tempo do exame das obras, correm por conta do concessionario do caminho de ferro e serão deduzidos da importancia pelo mesmo caucionada.
Si, no fim de um mez, a contar da data do pedido de exame de obras, não tiver o Governo encarregado a engenheiro algum desse serviço, será considerado o exame como feito e o total da quantia caucionada póde ser retirado, independentemente da verificação da obra feita.
Artigo 3.º - Na licença ficarão declarados os prazos para iniciar e terminar os trabalhos de construcção da estrada de ferro ; si, exgottado o primeiro prazo para inicio, não houver começado as obras da linha, o requerente perde a importancia da caução em proveito do Estado, salvo caso de força maior, a juizo do Governo, que poderá conceder mais uma só prorogação de metade daquelle prazo.
Artigo 4.º - O Governo poderá negar a licença requerida para construcção de vias férreas, sómente nos seguintes casos :
a) Quando a linha projectada offender direitos adquiridos em virtude de contractos e concessões do Estado ou da União ou das municipalidades.
b) Si pelos agentes da administração forem reconhecidos como falsos os documentos exigidos pelo art. 2.°, § 5.°-letras a e b.
c) Quando a estrada requerida modificar plano estrategico, anteriormente adoptado pelo Estado ou pela União Federal.
d) Si a linha, por si ou por entroncamento com outras linhas, transportar cargas para porto de outros Estados.
§ unico. - Sendo a licença negada pelo Poder Executivo, poderá então o pretendente dirigir seu pedido ao Congresso, que resolverá definitivamente a respeito.
Artigo 5.º - As linhas ferreas poderão gosar de favores do Estado, taes como: garantia de juros, subvenção kilometrica, concessão de terras marginaes da linha, dispensa de pagamentos de impostos, etc.
§ unico. - Estes favores, porém, só podem ser concedidos pelo Poder Legislativo.
Artigo 6.º - Os agentes da administração são competentes para intervir em qualquer tempo em tudo o que se refere á solidez das obras, resistencia do material e segurança do publico.
§ 1.º - Antes de iniciar os trabalhos de construcção, deverá o concessionario do caminho de ferro apresentar á approvação do Governo os projectos de todos esses trabalhos, que comprehenderão :
a) Planta geral da linha concedida, com indicação dos pontos obrigados de passagem, configuração do terreno, representada por meio de curvas de nivel equivalentes a 5 metros no maximo, e, bem assim, em uma zona de 50 metros, pelo menos, para cada lado, os campos, mattas, terrenos pedregosos e brejos, sempre que fôr possível ; a divisa das propriedades particulares, minas e terras devolutas.
Nessa planta, em escala de um para quatro mil ( 1:4.000 ) serão indicadas todas as distancias kilometricas, contadas a partir do ponto inicial da estrada de ferro ; a extensão dos alinhamentos rectos e curvos ; os graus e raios das curvas empregadas.
b) Perfil longitudinal, na escala de 1:400 para as alturas e de 1 por 4.000 para as distancias horizontaes, mostrando por meio de convenções o terreno natural, as plataformas dos cortes e aterros e as obras de arte.
c) O perfil longitudinal deverá ser acompanhado de perfis transversaes, intervallados de 50 metros no maximo.
d) Projectos completos e especificados de todas as obras de arte necessarias para o estabelecimento da estrada, pontes, tunneis, viaductos, pontilhões, boeiros, estações e dependencias, bem como plantas de todas as propriedades, na parte cuja desapropriação fôr indispensavel.
e) O desenho dos trilhos e accessorios em grandeza de execução.
f) Relaçao do material rodante, contendo o typo das locomotivas, wagões, gondolas e carros de passageiros, na escala de 1:50 ou em catalogos das fabricas.
§ 2.º - Estes dados podem ser apresentados por secções, comtanto que estas não sejam menores de 5 kilometros.
Os projectos das pontes, estações e outras obras importantes poderão ser apresentados, á medida que tiverem de ser executados.
§ 3.º - O Governo poderá rejeitar os projectos das estradas de ferro, quando não offerecerem garantias de solidez ; mas terá então de apresentar as modificações que julgar convenientes.
Si os concessionarios não se sujeitarem a ellas, poderão recorrer á arbitragem, como vai determinado no artigo 11.
Artigo 7.º - O Governo prestará ao concessionario de linhas ferreas toda a protecção compativel com as leis, afim de que possam ellas realizar a arrecadação das taxas estabelecidas, para que sejam respeitadas as disposições de seus regulamentos e mantida a policia da estrada de ferro.
§ unico. - Todo o empregado na arrecadação das taxas e na policia da linha deverá ser cidadão da Republica.
Artigo 8.º - O governo organizará os regulamentos e a policia das linhas.
Artigo 9.º - Todas as estradas de ferro gosarão de uma zona garantida de 100 m,00 de cada lado da linha, contados do eixo do leito.
Nas gargantas e declives de serras essa zona fica reduzida a 50m,0.
§ 1.º - As zonas garantidas são limitadas por duas linhas parallelas ao eixo da linha permanente.
§ 2.º - Dentro das zonas privilegiadas das estradas existentes e das que se forem construindo, não póde outra linha receber generos ou passageiros.
Execptuam-se: 1.° o caso de duas ou mais linhas terem o mesmo ponto inicial ou terminal ; 2.º o caso em que o ponto inicial ou o ponto terminal de uma estrada esteja dentro da zona de outra ; 3.° o caso de entroncamento a que se refere o artigo 24 desta lei.
§ 3.º - Qualquer estrada de ferro pôde atravessar a zona privilegiada de outra, cruzando a linha desta, comtanto que dentro da referida zona não se recebam generos nem passageiros.
§ 4.º - As estradas de ferro a construirem-se de óra avante podem ter simultaneamente os mesmos pontos inicial e terminal, respeitados os direitos adquiridos, em virtude de contractos anteriores.
§ 5.º - Os ramaes das linhas existentes e das que de futuro forem abertas ao transito publico não poderão gosar de zona privilegiada mais larga do que 400 metros de cada lado de sua linha.
Artigo 10. - As obras de construcção de linhas ferreas não poderão impedir :-o escoamento das aguas das propriedades particulares ; a passagem das galerias do exgottos urbanos, de aguas utilizadas para abastecimento ou para fins industriaes e agrícolas e a navegabilidade dos rios e canaes, e o livre transito das vias publicas.
Ficam a cargo dos concessionarios das vias ferreas as despesas com as obras necessarias para o cruzamento das ruas, estradas publicas e caminhos particulares existentes ao tempo da construcção da linha, ficando tambem a seu cargo as despesas com signaes e guardas, quando se tornarem precisos nesses cruzamentos.
Os onus provenientes dos cruzamentos das vias publicas, que se abrirem depois da construcção de uma estrada de ferro, não correm por conta dos empresarios desta.
§ unico. - Si o cruzamento fôr de duas estradas de ferro, a de mais moderna construcção ficará sujeita aos ônus que dahi provenham.
Artigo 11. - Quando suscitarem-se questões entre as linhas ferreas e o governo, serão ellas decididas por um juizo arbitral, o qual se formará do modo seguinte :
Cada uma das partes nomeará para juiz um arbitro. Si os dois assim nomeados divergirem em seus laudos, um terceiro será escolhido por ambas as partes ; si não houver accòrdo nesta escolha, cada parte nomeará o seu e dentre os dois aquelle que fôr indicado pela sorte decidirá a questão.
Artigo 12. - As estradas de ferro de que trata esta lei gosarão do direito de desapropriação, nos termos da legislação do Estado, para os terrenos necessarios á construcção da linha, estações, armazens e mais dependencias.
§ unico. - Quando um concessionario quizer iniciar uma acção de desapropriação por utilidade publica, deverá apresentar ao Governo planta da necessaria desapropriação, somente da parte a desapropriar.
O Governo, dentro do prazo de trinta dias da data de apresentação da planta, deverá conceder ou negar essa licença, apresentando os motivos da recusa, no caso da negativa, e indicando as modificações do traçado, de modo a permittir a continuação da obra.
Si, dentro do prazo de trinta dias, o governo não manifestar-se, fica entendido que está concedido o direito de desapropriação, requerida por utilidade publica.
Artigo 13. - Os particulares, companhias ou empresas, que construirem ou explorarem linhas ferreas, ficarão sujeitos ás justiças do Estado de São Paulo, perante as quaes responderão.
Artigo 14. - Os preços de transportes serão fixados em tarifas approvadas pela administração, não podendo exceder nas linhas ferreas de uma determinada bitola aos mínimos adoptados actualmente para as linhas ferreas da mesma bitola.
Artigo 15. - E' vedado ás companhias adoptarem tarifas de favor para prejudicar ou favorecer pessoas ou empresas determinadas.
Artigo 16. - Em uma mesma estrada de ferro, pelo transporte dos passageiros e generos, feitos em condições identicas, se pagarão os mesmos preços, desde que percorram distancias eguaes, salvo o caso de tarifas differenciaes.
Artigo 17. - Todas as administrações dos caminhos de ferro são obrigadas a submetter á approvação do Governo suas tabellas de preço de transportes, com indicação do logar da partida e do da chegada, determinação dos fretes pelas distancias a percorrer e classificação dos generos.
Paragrapho unico. - Depois de approvadas pelo Governo, serão ellas impressas em caracteres legiveis e collocadas em todas as estações, para o conhecimento do publico.
Artigo 18. - Quando algum concessionario de caminho de ferro tiver necessidade de elevar o preço das tarifas, solicitará licença do Governo, apresentando as razões desse accrescimo.
Paragrapho unico. - O governo resolverá sobre a questão, no prazo maximo de um mez. Si não o fizer, fica entendido que o accrescimo de preço está approvado.
Artigo 19. - Nenhuma elevação de preço nas tarifas poderá ter força obrigatoria, mesmo approvada pelo Governo, sinão depois de publicação na imprensa, durante 10 dias, annunciando a modificação feita.
§ 1.º - Esta publicação será feita nos jornaes de maior circulação da capital do Estado, e, quando fôr possivel, em um de cada localidade, servida pela linha.
§ 2.º - A reducção póde ter logar independente de publicação previa.
Uma vez, porém, adoptada a publicação, torna-se obrigatoria.
Artigo 20. - As combinações entre os diversos concessionarios de linhas ferreas a respeito de tarifa só poderão ter força obrigatoria depois de approvadas pelo governo.
Artigo 21. - No acto de conceder licença para a construcção de cada linha ferrea, o Governo estabelecerá, segundo a bitola da eslrada, os maximos dos prazos permittidos no transporte de encommendas e de cargas, relativos aos percursos kilometricos.
§ 1.º - Esses prazos serão contados da data dos despachos das mercadorias.
§ 2.º - Os concessionarios de linhas ferreas são responsaveis pelos prejuizos causados aos particulares com a demora no transporte de cargas e encommendas, depois de realizado o seu despacho.
§ 3.º - A importancia do prejuizo causado pela demora das mercadorias em transito, deve ser determinada, quando o Governo regulamentar esta lei, em tabellas baseadas no custo dos respectivos fretes pagos.
Artigo 22. - Nenhuma das estradas de ferro actualmente em trafego poderá obter dos Poderes do Estado qualquer favor, fóra do seu respectivo contracto sem sujeitar-se, tanto na parte já trafegada, como nos seus prolongamentos ou ramaes, que houver de construir, ás disposições dos arts. 15, 16, 17 e paragrapho unico, 18 e paragrapho unico, 19 e §§ 1.° e 2.°, 20, 21 e seus §§.
Artigo 23. - Para todos os effeitos legaes ou resultantes de contractos de estradas de ferro, os lucros distribuidos entre os accionistas, quer a titulo de bonus, quer sob a fórma de acções beneficiarias ou por qualquer outro meio, serão computados conjunctamente com os pagos, sob a denominação de dividendo.
§ 1.º - A disposição deste artigo abrange tanto as estradas em trafego como as que de ora em deante forem construidas.
§ 2.º - Para todos os effeitos resultantes de contractos, as companhias de estradas de ferro em trafego deverão apresentar ao Governo a respectiva conta do capital empregado na construcção primitiva, nos melhoramentos da linha e suas dependencias.
§ 3.º - Essa conta de capital poderá ser augmentada pelas estradas de ferro, mediante exame e approvação dos Poderes Publicos competentes, sempre que fôr necessario melhorar, extender ou ramificar as suas linhas ou augmentar material, sendo, porém, sómente incluidas na conta de capital as importancias das obras, depois de realizadas.
Artigo 24. - Nenhuma estrada de ferro poderá oppor-se á juncção de novas ferro-vias á sua linha.
Para regular as relações das estradas de ferro que se entroncam, em caso de desaccordo entre ellas, será ouvido o Governo, que resolverá definitivamente.
Artigo 25. - Todas as estradas de ferro serão obrigadas a enviar annualmente ao governo um relatorio contendo dados completos sobre seu trafego, movimento de trens, estado do material e da via permanente, etc.
Artigo 26. - Nenhuma modificação nas obras de construcção será executada sem previo consentimento do Governo, que procederá então como está determinado para a construcção primitiva.
Artigo 27. - As empresas de caminhos de ferro são obrigadas a transportar, sob requisição do governo, com abatimento de 50 % :
1.°) - As auctoridades, escoltas militares e policiaes, quando forem em diligencia ;
2.°) - Munições e bagagem das referidas escoltas ;
3.°) - Os colonos e immigrantes, suas bagagens, ferramentas e utensilios de trabalho, quando em viagem para o logar de seu estabelecimento ;
4.°) - As sementes e plantas enviadas pelo Governo, para serem gratuitamente distribuidas aos lavradores;
5.°) - Todos os generos de qualquer natureza, enviados como soccorros publicos.
§ 1.º - As malas do correio e seus conductores serão transportados gratuitamente, e bem assim os escolares para as escolas publicas.
§ 2.º - Sempre que o Governo exigir, em circumstancias extraordinarias, os empresarios de linhas ferreas serão obrigados á pôr á sua disposição todo pessoal e material de transporte.
Artigo 28. - Quando a via-ferrea servir a um só municipio, será considerada como linha de bondes, e cabe exclusivamente á municipalidade o direito de resolver a respeito.
Artigo 29. - Para que uma via-ferrea seja considerada estrada de ferro estadal, é necessario que sirva a dous ou mais municipios, tendo pelo menos em cada um tres Kilometros de via permanente.
Artigo 30. - Desde que ligarem-se duas ou mais linhas de bondes, situadas em municípios differentes, serão consideradas estradas de ferro estadaes.
Esta ligação não póde ser realizada sem prévia licença, concedida pela administração do Estado, que collocará a estrada sob o regimen da presente lei.
§ unico. - Qualquer linha de bondes que por entroncamento ligar-se a uma via-ferrea, será do mesmo modo considerada estrada de ferro estadal.
Considera-se entroncamento, não só o caso de ligação, por meio da via permanente, como por meio de estação commum.
Artigo 31. - Ficam revogadas todas as leis, de concessão de privilegio de estradas de ferro, para cuja construcção não fòr requerido o respectivo contracto, dentro do prazo de dous mezes da promulgação desta lei.
Artigo 32. - Por inobservancia das disposições da presente lei, incorrerão os empresarios de linhas-ferreas em penas de suspensão do trafego, e em outras que determinar o regulamento deste artigo, a juizo do Governo, com recurso para a arbitragem de que trata o art. 11.
Artigo 33. - Revogam-se as disposições em contrario.

O secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas assim o faça executar.
Palacio do Governo do Estado de S. Paulo, em 13 de Junho de 1892,

J. A. DE CERQUEIRA CESAR.
Alfredo Maia.

Publicada na Secretaria dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, nos 13 de Junho do 1892.- Miguel Monteiro de Godoy, director geral.