Revolução Constitucionalista de 1932 " 80 anos de uma epopeia

Apesar da derrota, paulistas viram em 1934 a promulgação de nova Constituição
05/07/2012 17:53 | Antônio Sérgio Ribeiro*

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 trincheira constitucionalista<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-07-2012/fg116108.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>  manifestacao ruas de sp<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-07-2012/fg116109.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> rev 32c - os herois do MMDC<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-07-2012/fg116110.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>  comicio em 23mai32<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-07-2012/fg116111.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>  Pedro de Toledo(centro) e secretariado<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-07-2012/fg116112.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>  cartazes MMDC<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-07-2012/fg116113.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O antagonismo surgido entre as forças políticas de São Paulo que haviam apoiado Getúlio Vargas na vitoriosa Revolução de 1930, que destituiu o presidente Washington Luís e acabou com a chamada República Velha, foi o estopim inicial que culminou com o 9 de julho.

O poder em São Paulo inicialmente deveria estar nas mãos dos integrantes do Partido Democrático (PD), que desde 1926, quando foi criado, era ferrenha oposição ao Partido Republicano Paulista (PRP). O PRP era representante da velha oligarquia, que congregava os grandes latifundiários paulistas e estava no comando dos destinos do Estado bandeirante desde a proclamação da República, através da chamada eleição de bico de pena, na qual só os candidatos perrepistas saíam vitoriosos.

A grave crise do café a partir de 1929, quando do crack da bolsa de valores de Nova York, atingiu a economia brasileira e em especial a paulista, que vivia essencialmente da produção cafeeira. O governo federal nada fez de concreto em defesa dos produtores, e muitos passaram a aderir à oposição, que apoiava a candidatura de Getúlio Vargas à presidência da República contra a do presidente do Estado de São Paulo, Júlio Prestes, que tinha o aval de Washington Luís e de todo o Partido Republicano em quase todo o país.

Com a deposição de Washington Luís em 24/10/1930, Getúlio Vargas assumiu o poder como chefe do governo provisório, e prometeu eleições limpas e uma nova Constituição para o país. Em São Paulo, com a queda do PRP, deveria assumir o governo paulista o professor Francisco Morato, mas ele resolveu aguardar a chegada de Getúlio, que vinha com suas forças militares do sul do Brasil, em direção ao Rio de Janeiro.

Mas, por divergências, assumiu o banqueiro José Maria Whitaker, que permaneceria no posto por apenas duas semanas, deixando-o por ter sido nomeado ministro da Fazenda. Em seu lugar ficou o jornalista Plínio Barreto, diretor de O Estado de S. Paulo, que permaneceria por pouco tempo no cargo, somente 20 dias.



Descontentamentos na vida paulista

Com as discórdias políticas surgidas e com o apoio dos integrantes da Legião de Outubro, entidade que congregava a corrente tenentista - fundada pelo general Miguel Costa, famoso por integrar a coluna que levou seu nome e a de Luís Carlos Prestes nos anos 1920 -, Getúlio acabou nomeando o capitão João Alberto Lins de Barros, natural de Pernambuco e pessoa totalmente estranha à política paulista.

Sua atuação à frente do governo de São Paulo causou sérios problemas e descontentamentos na vida paulista. Ele aguentou no cargo por exatos nove meses, quando foi exonerado por Vargas, que nomeou para o seu lugar o desembargador do Tribunal de Justiça paulista Laudo Ferreira de Camargo, que não tinha nenhuma experiência política. Mas a intromissão indevida do governo federal na escolha de nomes de seu secretariado o levou à renúncia do posto três meses e meio depois de ter assumido.

Para o seu lugar o indicado foi o coronel positivista Manuel Rabelo, que contava com o apoio do comandante da 2ª Região Militar, sediada em São Paulo, general Pedro Aurélio de Góes Monteiro, e do próprio Miguel Costa, que comandava a milícia paulista. Rabelo permaneceria também menos de quatro meses no cargo.

Finalmente, em 7/3/1932, Getúlio Vargas resolveu nomear um novo interventor federal em São Paulo. O escolhido foi o ex-ministro da Agricultura do governo Hermes da Fonseca e embaixador aposentado, o paulista Pedro de Toledo, de 71 anos de idade, que se encontrava afastado de qualquer atividade política e administrativa há vários anos.

Por não ter vínculos políticos com nenhuma das facções, sua escolha também não agradou as várias correntes partidárias paulistas. Antes de sua posse, no dia do aniversário da cidade de São Paulo, em 25/1/1932, houve na praça da Sé um gigantesco comício no qual uma multidão, com inúmeras faixas, clamava por uma Constituinte e a volta da democracia no Brasil.



23 de maio e o MMDC

As divergências políticas em São Paulo continuaram no mês de maio. Quando da mudança do secretariado estadual, o ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, foi enviado a São Paulo como emissário de Vargas, e sua presença na capital foi tida como ingerência no governo paulista.

Um comício de protesto foi organizado na praça do Patriarca, em 23/51932, que foi seguido por uma passeata pelas ruas de São Paulo. Um grave incidente ocorrido na porta do comando da Força Pública, no qual saíram feridos vários manifestantes, provocou uma revolta entre os participantes, que passaram a atacar jornais governistas.

Não satisfeitos, os populares resolveram atacar a sede do Partido Popular Paulista (PPP), a antiga Legião Revolucionária de São Paulo, que apoiava o governo de Getúlio Vargas, localizada perto da praça da República. Em altos brados, os manifestantes, alguns armados, tentaram invadir o prédio, inclusive ateando fogo no hall do edifício. O Corpo de Bombeiros, chamado para debelar as chamas, foi recebido com hostilidade e obrigado a retornar ao quartel. Os que se encontravam no prédio, sentindo-se ameaçados, reagiram a bala.

O confronto na praça da República, além de feridos, resultou também na morte a tiros de Mário Martins de Almeida (fazendeiro na cidade de Sertãozinho, 31 anos), Euclydes Bueno Miragaia (auxiliar de cartório em São Paulo, 21 anos), Dráuzio Marcondes de Souza (ajudante de farmácia na capital, de apenas 14 anos) e Antônio Américo de Camargo Andrade (comerciário em São Paulo, 30 anos).

Com as siglas de seus nomes formou-se o MMDC, uma sociedade secreta, organizada no dia 24/5. Em 10/8/1932, pelo Decreto 5627-A, foi oficializada pelo governo estadual. Posteriormente, esse tiroteio faria mais uma vítima: Orlando Oliveira Alvarenga (escrevente, 32 anos), também baleado em 23/5 e que em consequência dos ferimentos morreria no dia 12/8.

Vargas, preocupado com a grave crise em São Paulo, nomeou como comandante da 2ª Região Militar o coronel Manoel Rabelo, e determinou o envio de tropas do Exército para a capital paulista.



A epopeia do 9 de julho

O 9 de julho de 1932, um sábado, foi uma noite fria de inverno. A capital paulista ainda não tinha completado o seu primeiro milhão de habitantes " o que iria ocorrer alguns meses depois, quando da virada para 1933. A cidade vivia uma noite calma; a movimentação era, como sempre, nos cinemas, teatros e cafés.

Depois das dez horas da noite, grupos de homens se dirigiram para a região do bairro da Luz, onde se localiza o quartel da então Força Pública do Estado (hoje Polícia Militar). Na Faculdade de Direito do largo de São Francisco, apesar de ser um fim de semana, se concentravam vários estudantes.

Por volta das 23 horas, três caminhões da prefeitura de São Paulo chegavam ao prédio da velha academia, com uma carga inusitada " armamento, que foi distribuído rapidamente entre os jovens acadêmicos e populares que lá estavam, que logo após começaram a circular pelas ruas do centro.

Uma das primeiras atitudes desses civis foi ocupar os prédios das três emissoras de rádio existentes na capital, a Educadora Paulista (PRA-E), a Cruzeiro do Sul (PRA-O) e a Record (PRA-R). Pelo microfone da rádio Record, a voz vibrante do locutor César Ladeira se fez ouvir em todo o país, e a marcha "Paris Belfort", do francês Antonin-Xavier Farigaud, tornou-se o hino oficial da Revolução.

Concomitantemente, tropas regulares armadas com fuzis eram vistas sendo transportadas por caminhões por diversas vias da cidade. Aqueles que retornavam para suas residências se assustavam com aquela movimentação militar. Por volta da meia-noite a milícia paulista ocupou o imponente edifício dos Correios e Telégrafos, localizado na esquina da avenida São João com o vale do Anhangabaú, e logo depois a sede da Companhia Telefônica.

A maior movimentação era na sede da 2ª Região Militar, localizada na chácara do Carvalho, antiga propriedade da família Silva Prado, afastada do centro da cidade. O comandante da 2ª RM, general José Luís Pereira de Vasconcellos, recém-nomeado para o posto, estava a caminho de São Paulo, vindo de trem do Rio de Janeiro, e tomou conhecimento das ocorrências na capital quando se encontrava na cidade de Lorena, no vale do Paraíba.

Na ausência do comandante, assumiu as tropas federais em São Paulo, designado pelo general Isidoro Dias Lopes, o coronel Euclydes Figueiredo (pai do ex-presidente da República João Baptista Figueiredo).

Um comunicado do comando da 2ª Região Militar foi transmitindo por intermédio das estações de rádio: "De acordo com a frente única paulista e com a unânime aspiração do povo de São Paulo e por determinação do general Isidoro Dias Lopes, o coronel Euclydes Figueiredo acaba de assumir o comando da 2ª Região Militar, tendo como chefe do Estado-Maior o coronel Palimércio de Rezende. A oficialidade da região assistiu incorporada, no quartel general, a posse do coronel, nada havendo ocorrido de anormal. Reina em toda a cidade intenso júbilo popular e o povo se dirige em massa aos quartéis, pedindo armas para a defesa de São Paulo".



Proclamação de Quitaúna

A adesão das guarnições militares do Exército, inclusive do 4º Regimento de Infantaria, sediado no quartel de Quitaúna, no então distante bairro de Osasco, com seu poderoso armamento pesado de canhões, foi total na madrugada do dia 10/7. Ainda na noite do dia 9/7 foi divulgada uma proclamação, assinada pelo general Isidoro Dias Lopes e pelo coronel Euclydes Figueiredo.

"Ao povo paulista: Neste momento, assumimos as supremas responsabilidades do comando das forças revolucionárias, empenhadas na luta pela imediata constitucionalização do país. Para que nos seja dado desempenhar, com eficiência, a delicada missão de que nos investiu o ilustre governo paulista, lançamos um veemente apelo ao povo de São Paulo, para que nos secunde na ação primacial de manter a mais perfeita ordem e disciplina em todo o Estado, abstendo-se e impedindo a prática de qualquer ato atentatório dos direitos dos cidadãos, seja qual for o crédito político que professem. No decurso dos acontecimentos que se seguirão, não encontrará a população melhor maneira de colaborar para a grande causa que nos congrega do que dando na delicada hora que o país atravessa mais um exemplo de ordem, serenidade e disciplina características fundamentais da nobre gente de São Paulo."

Reunido no palácio dos Campos Elíseos desde a noite anterior com seu secretariado, o interventor federal Pedro de Toledo encaminhou telegrama ao chefe do governo provisório, presidente Getúlio Vargas, apresentando seu pedido de renúncia do cargo. Com o apoio do Exército, da Força Pública e do povo, ficou decidido aclamar Pedro de Toledo como governador do Estado, em manifestação marcada para o dia 10/7, em frente ao largo do Palácio (Pátio do Colégio), onde se localizava a sede do governo do Estado desde o tempo do Império.



Reação federal

No Rio de Janeiro, as notícias chegaram ao amanhecer do domingo, dia 10/7. Getúlio Vargas, informado da verdadeira rebelião paulista, convocou uma reunião de emergência com todo o ministério no Palácio do Catete, sede do governo federal. O general Pedro Aurélio de Góes Monteiro foi então nomeado comandante das tropas governamentais que iriam combater os revoltosos.

Dentro do governo da República a situação era confusa, com problemas em várias áreas. Getúlio tinha sido informado de que havia apenas 4.700 carabinas, mas no dia seguinte, para alívio dos governistas, chegou nova informação dando conta de que as tropas federais dispunham de fato de 180 mil armas. Em seu diário, Getúlio Vargas lamentou a atitude e as traições, inclusive do interventor Pedro de Toledo, ao qual, indignado, o presidente qualificou de "a velha múmia que exumei do esquecimento".

A data marcada para o início do movimento seria o dia 14/7, data máxima da Revolução Francesa. Mas a atitude do general Bertholdo Klinger, comandante da circunscrição militar do Mato Grosso, ao enviar uma carta desaforada ao ministro da Guerra, general de divisão Augusto Ignácio Espírito Santo Cardoso (tio-avô do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso), precipitou os acontecimentos. Ao tomar conhecimento do teor da missiva, Klinger foi exonerado do comando e reformado administrativamente pelo governo.

Essa atabalhoada e intempestiva postura custaria muito caro para os revolucionários. O general Klinger se viu obrigado a deixar o comando e com isso não pôde contar com a adesão de sua tropa à causa paulista, para desapontamento de todos. De avião, chegou sozinho à capital de São Paulo, mas mesmo assim assumiu o comando das tropas constitucionalistas e passou a orientar as operações militares em direção ao Rio, abandonando outros setores.



Guerra civil

Uma das primeiras medidas tomadas pelo governo federal foi determinar o bloqueio de todos os portos paulistas, inclusive o de Santos, com navios da Marinha de Guerra. Apesar da precipitação da revolta, o governo federal teve tempo de organizar e receber adesão de outros estados da Federação, alguns inicialmente comprometidos com os paulistas.

No domingo, dia 17/7, em companhia do ministro da Guerra e auxiliares de governo, das Casas Civil e Militar, Getúlio Vargas foi até a zona de guerra na divisa dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, onde visitou as tropas em operações. Vargas também esteve no quartel general em Barra Mansa, onde o general Góes Monteiro e seu estado-maior informaram da situação e dos planos de ação.

No dia seguinte, as tropas mineiras tomaram a cidade de Passa Quatro e o túnel entre Rio de Janeiro e São Paulo, na linha da Estrada de Ferro Central do Brasil, abrindo um flanco para a cidade de Cruzeiro. No sul, as tropas legalistas gaúchas e paranaenses, sob o comando do general Waldomiro Lima, ocuparam Itararé e no dia 24/7, Faxina (hoje Itapeva).

Na capital de São Paulo e em diversas cidades do interior a mobilização foi total, com a adesão da população, que voluntariamente colaborou sem medir esforços. Nada menos que 200 mil homens se apresentaram para lutar, mas não havia armas para todos; somente perto de 30 mil puderam efetivamente ser aproveitados.



Maior movimentação militar

A mulher paulista participou ativamente, não só costurando uniformes, como também nas cozinhas, em enfermarias, e na confecção dos conhecidos capacetes de aço. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) também ajudou efetivamente com o Movimento Constitucionalista, elaborando e fabricando armamentos, como a criação de tanques lança-chamas e até do famoso trem blindado.

Este trem poderia ter tido um papel preponderante na Revolução se tivesse sido feito antes. Como elemento surpresa, poderia ter ido até a então capital federal levando tropas e depondo o governo federal, com apoio de militares que serviam em quartéis cariocas e eram solidários à causa paulista. Essa verdadeira guerra civil foi a maior movimentação militar havida em território brasileiro em toda a sua história.

No dia 23/7, em um quarto do Hotel La Plage, no Guarujá (então pertencente ao município de Santos), após ter conhecimento de que aviões estavam atacando posições em terra e no mar, o grande brasileiro Alberto Santos Dumont, deprimido, pôs termo a sua vida, deixando o país de luto. As autoridades policiais de São Paulo acobertaram que o inventor havia cometido suicídio; somente após o fim da Revolução Constitucionalista é que foi autorizada a divulgação dessa triste informação.

Mas a luta continuava. Os constitucionalistas invadiram nos primeiros dias do movimento as cidades mineiras de Guaxupé, Pouso Alegre e Três Corações, que foram retomadas pelas tropas de Minas Gerais no dia 24/7. Por causa da demora na mobilização e na ofensiva, as tropas revolucionárias acabaram sendo obrigadas a agir somente na defensiva, e em poucos dias o território paulista foi cercado em todas as suas divisas.

O governo federal, com o apoio e solidariedade dos interventores dos outros Estados, recebeu notadamente do norte do país milhares de soldados de tropas regulares, tanto do Exército como das polícias estaduais. Alguns estados, como o Rio Grande do Sul, mandaram voluntários para combater os revoltosos. A ofensiva das tropas federais conseguiu, em 27/7, atravessar o rio Paraíba e tomar a cidade de São José do Barreiro, apreendendo material militar e fazendo inúmeros prisioneiros, e também bateram os paulistas na serra da Mantiqueira e invadiram São Paulo pelo sul de Minas.



Aviação militar

Os paulistas possuíam uma aviação militar pertencente à Força Pública, baseada no Campo de Marte. Uma das proezas dos pilotos paulistas foi lançar sobre a cidade do Rio de Janeiro, para a surpresa da população carioca e do próprio governo, panfletos no qual explicavam a razão da Revolução Constitucionalista. Estudantes na capital federal, em conluio com outros interessados, resolveram praticar atentados; as autoridades policiais, em represália, realizaram várias prisões.

Ainda não existia o Ministério da Aeronáutica, e a aviação militar do governo central era constituída pela aviação militar do Exército e outra da Marinha de Guerra. Os aviões legalistas " conhecidos como vermelhinhos, em virtude de sua cor ", após serem armados com bombas, atacaram diversos pontos do Estado de São Paulo. Um dos ataques foi, no dia 29/7, à usina hidroelétrica de Cubatão, a Henry Borden, que fornecia energia elétrica para São Paulo.

A situação não era nada tranquila entre as hostes governamentais. Ao receber uma correspondência de Getúlio Vargas, em 6/8, na qual informava as dificuldades de natureza político-militar, o general Góes Monteiro, sentindo-se desprestigiado e achando que faltava confiança por parte do governo, pediu demissão do cargo de comandante das tropas legalistas. De pronto, o presidente negou o pedido.

No sul, as tropas do general Waldomiro Lima estavam em situação calamitosa, sendo atacadas por aviões constitucionalistas, e não dispunham de armamentos próprios para combatê-los.

Em 9/8, Areias, no vale do Paraíba, foi ocupada, e Queluz foi cercada. A cidade de Cruzeiro foi a próxima visada pelas tropas governamentais, fazendo os revoltosos paulistas recuarem. No dia seguinte, as cidades de Queluz e Silveiras foram evacuadas, obrigando os constitucionalistas a formarem uma linha de resistência em Cachoeira Paulista.

As tropas de São Paulo, na frente leste, bombardearam de suas linhas de defesa. Nesse mesmo dia 14/8, sigilosamente, um emissário do general Klinger chegou ao Rio de Janeiro com uma carta ao ministro da Marinha, com uma proposta de armistício, no mesmo teor em que fora apresentada pelo ex-ministro da Justiça Maurício Cardoso, que posteriormente foi recusada, mas ainda acrescentava a exigência da saída de Vargas do poder. Essa correspondência deixava patente as divergências com os civis paulistas e ainda desejava um entendimento entre os militares para um governo militar em São Paulo.

Uma grave preocupação de Getúlio Vargas foi com o governo francês que, apesar de ter recebido do governo brasileiro os valores referentes à compra de armamentos, protelava o envio dessa aquisição, sob a alegação de fins humanitários. Dos EUA, também haviam sido comprados armamentos e aviões, mas a única informação que o governo do Brasil tinha era que cinco aviões haviam sido embarcados por via marítima para o Rio de Janeiro.



A paz

No dia 22/8, é travado o mais importante combate na região sul, em Buri. Na capital federal, o general Góes Monteiro, em palestra com Vargas e com o ministro da Guerra, general Espírito Santo Cardoso, no Palácio do Catete, descreveu as deficiências da organização, as falhas do Exército, a escassez de material e a situação dúbia do governo mineiro, cujas forças policiais não queriam atacar o território paulista.

Em reunião ministerial na sede do governo, na noite de 25/8, foram discutidas e reiteradas as condições para a paz, já apresentadas por Mauricio Cardoso e pelo ministro da Marinha, Protógenes Guimarães: 1) deposição das armas pelos rebeldes; 2) novo governo civil e paulista; 3) anistia; e 4) Constituição provisória até que a futura Constituinte votasse a definitiva.

A situação do lado dos paulistas foi se complicando e, em 31/8, a cidade de Itapira foi tomada por tropas do governo federal vindas de Minas Gerais, grande número soldados paulistas foi feito prisioneiro e apreendido todo o material bélico. Uma semana depois foram ocupadas Mogi Mirim e Mogi Guaçu.

Em uma carta recebida pelo ministro da Marinha, o coronel Brasílio Taborda, chefe da coluna sul das tropas paulistas, confessou tacitamente a derrota e "ofereceu" ao ministro a chefia do governo provisório no lugar de Getúlio...

Em Belém do Pará, em 6/9, quando da chegada dos prisioneiros do forte de Óbidos, houve uma rebelião na capital, e no dia seguinte estourou um levante por parte da Polícia Civil paraense. Esses dois motins foram sufocados por tropas leais ao interventor, major Joaquim de Magalhães Barata, e os envolvidos acabaram presos.

Entre os dias 10 e 11/8, Amparo foi tomada por tropas federais, e foi apertado o cerco a Silveiras e à zona do túnel, no vale do Paraíba. Finalmente, o governo central recebeu dez toneladas de pólvora e trotil há muito tempo encomendados e angustiosamente aguardados. No dia seguinte, Góes Monteiro encaminhou a Getúlio um relatório no qual explanou sua ideia de reagrupamento das forças e de aumento das tropas do Exército para 100 mil homens.



Mais cidades retomadas

No dia 15/8, as tropas federais ocuparam a cidade de Lorena e a fábrica de pólvora de Piquete. As tropas constitucionalistas, ao recuar, destruíram o que puderam, além de levar todos os gêneros alimentícios disponíveis. Quem sofreu foram os habitantes das zonas abandonadas, que ficaram sem recursos. A linha de defesa paulista ficou estabelecida na estação de Engenheiro Neiva, entre Lorena e Guaratinguetá.

Combates no Rio de Grande do Sul terminaram com a vitória das tropas leais aos governos federal e estadual. Foi preso Borges de Medeiros, ex-governador do Estado, que encabeçava o movimento constitucionalista no Estado sulista.

Em Minas Gerais, o ex-presidente da República Arthur Bernardes também foi detido, após manifestar publicamente seu apoio aos paulistas. Os dois seriam transferidos para o Rio de Janeiro, ficando confinados na ilha do Rijo, no meio da baía da Guanabara.

Enquanto prosseguiam as conversações para o fim das hostilidades, no dia 29/9 chegava ao porto do Rio o navio alemão General Osório, trazendo da Europa material bélico para reequipar as tropas do governo federal. O cerco se fechava sobre São Paulo.

No dia 30/9, as tropas da Força Pública de São Paulo se recusaram a obedecer às ordens do general Klinger. Este, sabedor da impossibilidade de continuar a luta, tentou mais uma vez um acordo para a cessação da rebelião. O comando da polícia paulista, em entendimento direto com o general Góes Monteiro, apresentou então uma fórmula de paz, que foi aceita à revelia dos líderes do movimento revolucionário.



Término das hostilidades

Finalmente, no dia 2/10/1932, terminou a Revolução Constitucionalista, quando foi deposto o governo do Estado, chefiado por Pedro de Toledo, pelo coronel Herculano de Carvalho, comandante geral da polícia paulista, que assumiu o poder interinamente até a chegada das autoridades federais.

Com o fim do conflito, Getúlio Vargas nomeou como comandante da 2ª Região Militar o general Waldomiro Lima, que assumiu também o cargo de governador militar em São Paulo. Todos os 77 cabeças da Revolução Constitucionalista foram encaminhados presos para o Rio de Janeiro, e posteriormente exilados na Europa. O número de vítimas do conflito até hoje é uma incógnita, mas calcula-se que perto de 2 mil homens morreram no conflito, além de milhares de feridos, inclusive civis.

A situação econômica do Brasil, que já não era boa, desde a crise da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, complicou-se gravemente quando a União foi obrigada a gastar uma vultosa verba que não tinha na compra de armamentos e com o deslocamento e a manutenção das tropas federais. O déficit no orçamento foi de mais de um trilhão de contos de réis, o maior da história do Brasil até então. Somente quando da entrada do Brasil na Segunda Grande Guerra, em 1942, é que essa cifra foi ultrapassada.

Apesar de ter perdido a luta por falta de armas e de estrutura, os paulistas acabaram vitoriosos politicamente, já que poucos meses depois, em 3/5/1933, foram realizadas as eleições para a Constituinte, que elaborou uma nova Carta Magna para o Brasil. Com a sua promulgação, em 16/7/1934, houve o retorno da tão esperada democracia.

*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador, é diretor do Departamento de Documentação e Informação da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

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