Petrobras: 50 anos de história

Antônio Sérgio Ribeiro*
02/10/2003 21:34

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Getúlio Vargas mostra a mão suja de petróleo da refinaria de Mataripe - Bahia<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/petrobrasC.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Presidente Getúlio Vargas na inauguração da Petrobras<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/petrobrasD.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Plataforma de prospecção de petróleo <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/petrobrasA.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Instalações da empresa<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/petrobrasB.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Neste 3 de outubro, a Petrobras, a mais importante empresa brasileira e uma das maiores do mundo, completa o seu cinqüentenário de existência. Fruto do idealismo de uma geração, tem como seu idealizador e criador o presidente Getúlio Vargas.

Para compreender os 50 anos da Petrobras, temos que voltar na história e falar da batalha do petróleo no Brasil desde o século XIX.

As primeiras tentativas de encontrar petróleo no Brasil remontam a 1864, mas somente em 1897, no município de Bofete, no Estado de São Paulo, é que foi de fato perfurado o primeiro poço petrolífero no país. Não foi nada promissor, apenas dois barris foram extraídos, porém ficou patente a existência de petróleo no Brasil.

No século XIX, o mundo vivia em plena revolução industrial, com a descoberta dos motores na Inglaterra. Em seguida, com a fabricação dos automóveis com motores a explosão, no início do século XX, a transformação foi radical e a corrida ao ouro negro em todo o mundo iniciou de maneira mais eficaz.

No Brasil, a preocupação com a defesa das riquezas do subsolo só teve efeito com a Revolução de Trinta, com a chegada ao poder do governo nacionalista de Getúlio Vargas. Na República Velha, o entreguismo e a formação de trustes de capital estrangeiro eram uma constância.

O primeiro órgão responsável pela prospecção de petróleo no Brasil foi o Serviço Geológico e Mineralógico Brasileiro (SGMB), criado em 1907. No governo Vargas, foi instituído o Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), subordinado ao Ministério da Agricultura.

Curiosamente, a primeira vez que se comprovou a existência de petróleo na Bahia foi em virtude de um litígio de vizinhos, quando um deles acusou o outro de ter contaminado o poço de água existente no quintal com gasolina. Chamado o advogado Oscar Cordeiro, então presidente da Bolsa de Mercadorias, para defender a causa, ficou comprovado, por meio de exames no local, a existência de petróleo.

Monteiro Lobato, que havia sido designado adido comercial do Brasil nos Estados Unidos, no governo Washington Luís (1926-1930), observador perspicaz do progresso e da industrialização norte-americano, retornou ao Brasil em 1931 e escreveu dois livros: "América" e "Viagem ao Céu" (1932).

Segundo ele, o Brasil, para se desenvolver, precisava produzir o seu próprio ferro e extrair seu próprio petróleo. Sobre esse assunto, escreveu "O Escândalo do Petróleo e do Ferro" (1936) e "O Poço do Visconde" (1937), nos quais narra toda a aventura e desventura da situação então vivida. Notadamente era contra a burocracia governamental que, associada a outros problemas, era impedimento para a realização de seu sonho, o de um país desenvolvido e auto-suficiente. Inconformado e revoltado com a situação, escreveu uma dura carta ao presidente Vargas, na qual acusava o Conselho Nacional de Petróleo de omissão. Essas críticas lhe valeram seis meses de prisão (1941), cumpriu três, tendo sido indultado pelo próprio presidente.

Descoberta do petróleo

Em agosto de 1938, foi descoberto petróleo na localidade de Lobato no Recôncavo Baiano. A premonição de Monteiro Lobato conjecturada em seu livro "O Poço do Visconde" (1937) - a existência de ouro negro nesse mesmo local -, confirmara-se, apesar de os céticos e de outros com interesses suspeitos afirmarem que no Brasil não havia petróleo.

Pelo Decreto-Lei 366, de 11 de abril de 1938, foi incorporado ao Código de Minas, de 1934, novo título, em que se instituiu o regime legal das jazidas de petróleo e gases naturais, inclusive os gases raros.

O governo federal, em 29 de abril de 1938, pelo Decreto-Lei 395, criou o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), órgão que teria responsabilidade sobre toda a questão petrolífera brasileira e uma vitória da corrente nacionalista das Forças Armadas, principalmente do Exército. Esse mesmo dispositivo legal declarava de utilidade pública e regulava a importação, exportação, transporte, distribuição e comércio de petróleo bruto e seus derivados, no território nacional, assim como a indústria da refinação de petróleo importado ou produzido no país.

O primeiro presidente do CNP foi o general Horta Barbosa, de formação positivista e nacionalista, que dificultou a operação de empresas privadas representantes de interesses estrangeiros no Brasil, entrando em conflito com o próprio Monteiro Lobato e com a Standard Oil Company (Esso). Sua visão era estatizante na questão das jazidas petrolíferas descobertas na Bahia, que o fez iniciar um planejamento para a construção de uma refinaria estatal.

Segunda Guerra Mundial

Com eclosão da Segunda Grande Guerra, o presidente Vargas baixou o Decreto-Lei 3.236, de 7 de maio de 1941, que instituiu o regime legal das jazidas de petróleo e gases naturais, de rochas betuminosas e piro-betuminosas e dava outras providências. Com interesse do governo brasileiro na construção da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, financiada por capital norte-americano, o presidente Vargas resolveu agir com mais cautela, com isso a corrente nacionalista se sentiu desprestigiada, o que resultou na substituição de Horta Barbosa, em 1943, pelo então coronel João Carlos Barreto, de corrente liberal. O Decreto presidencial abria à iniciativa privada a concessão para importar derivados de petróleo, instalar refinarias e contratar fornecimento de petróleo bruto para processamento no país. Assim, permitiu-se a construção de refinarias privadas no Brasil, concretizada com a instalação das refinarias União, de Capuava, (hoje RECAP) em Mauá - SP e de Manguinhos, no Rio de Janeiro, que entrariam em operação somente na década de 50.

Nas eleições de 3 de outubro de 1950, Getúlio Vargas retornava ao poder com um governo nacionalista; entre suas iniciativas, estava a criação de uma nova empresa destinada a questão do petróleo.

Criação da Petrobras

No dia 6 de dezembro de 1951, através da Mensagem Presidencial nº 469, foi encaminhado, ao Congresso Nacional, o projeto de Lei de criação da Petróleo Brasileiro S.A., a Petrobras. O presidente em sua justificativa afirmava:

"O Governo e o povo brasileiros desejam a cooperação da iniciativa estrangeira no desenvolvimento econômico de País, mas preferem reservar à iniciativa nacional o campo de petróleo, sabido que a tendência monopolística internacional dessa industria é de molde a criar focos de atrito entre os povos e entre governo. Fiel, pois, ao espírito nacionalista da vigente legislação do petróleo, será essa empresa genuinamente brasileira, com capital e administração nacionais".

O projeto de criação da Petrobras recebeu críticas da direita e da esquerda. Apesar de entender que a questão petrolífera era essencialmente nacional, permitia que "pessoas jurídicas de direito privado brasileiras" participassem como acionistas, essa abertura permitiria a entrada de capitais estrangeiros por meio de testas-de-ferro.

A oposição, notadamente formada pela União Democrática Nacional (UDN), abriu baterias contra o governo, mas isso era apenas o início de uma longa batalha que se travaria não só no Legislativo, mas também em todo o país, empolgando toda a população e, principalmente, os estudantes, que saíram às ruas para defender a campanha "O Petróleo é Nosso!".

Rômulo de Almeida, chefe da assessoria econômica de Vargas, e um dos responsáveis pela redação do projeto de criação da Petrobras, diria depois que a elaboração do projeto fora realizada com "grande cuidado político", por entender que o Congresso, cuja maioria era conservadora, poderia rejeita-lo caso tivesse sido incluído o monopólio estatal do petróleo, motivo pelo qual não constava da mensagem presidencial.

Desde as primeiras sessões no Congresso Nacional, a questão do monopólio recebia acalorados debates entre os seus participantes. Em janeiro de 1952, o deputado Eusébio Rocha, do PTB de São Paulo, apresentou um substitutivo determinando que o governo fosse o proprietário integral das ações da nova companhia. Eusébio Rocha, em depoimento, diria que esse seu substitutivo havia sido elaborado após conversa com o presidente Getúlio Vargas, no Palácio do Catete, que teria afirmado "quanto mais nacionalista o projeto, melhor".

Em 7 de março de 1952, durante a discussão do projeto na Comissão de Segurança Nacional, foi aprovado o substitutivo do deputado Eusébio Rocha, sendo rejeitado em seqüência o projeto original do executivo. As demais comissões da Câmara Federal aprovaram o projeto inicial, acrescentando algumas emendas ao substitutivo de Eusébio Rocha, que exigiam o controle estatal sobre a empresa e eliminava o aspecto inconstitucional do artigo 4º, que limitava a refinarias e navios os bens relativos a petróleo de que a União poderia dispor para a integralidade do capital inicial da empresa. A liderança do governo em 12 de maio de 1952 apresentou um pedido de urgência ao projeto, a oposição criticou a iniciativa acusando o Executivo de querer manobrar a discussão do projeto. A urgência foi aprovada pela maioria governista, mas esta teve que ceder. Foi aberto um prazo maior à discussão.

Em 4 de junho, o deputado Bilac Pinto da UDN, da oposição, apresentou emenda que mudou substancialmente o projeto governamental. A principal alteração foi instituir o monopólio estatal de exploração, produção, refino e transporte de petróleo sem quaisquer concessões.

Aprovado em segunda votação em sessão extraordinária, no dia 18 de setembro de 1953, pelo Congresso Nacional, o projeto aprovado seria encaminhado para sanção presidencial no dia 23. No Senado, depois de muita discussão, notadamente do senador Assis Chateubriand, famoso por defender o capital estrangeiro em toda a economia brasileira, o projeto foi aprovado, após quase dois anos de tramitação. Para ajudar na constituição da nova empresa, foi determinada a contribuição de todos os proprietários de veículos no Brasil.

Encaminhado à sanção presidencial, passa a ser a Lei nº 2004 e a data escolhida foi 3 de outubro de 1953, aniversário da revolução de 1930 e o terceiro de sua eleição para Presidência da República. Em clima de festa, Getúlio Vargas, em discurso no Palácio do Catete à nação, afirmou:

"A criação da Petrobras

O Congresso acaba de consubstanciar em lei o plano governamental para a exploração do nosso petróleo. A Petrobras assegura não só o desenvolvimento da indústria petrolífera nacional, como contribuirá decisivamente para limitar a evasão de nossas divisas. Constituída com capital, técnica e trabalho exclusivamente brasileiros, a Petrobras resulta de uma firme política nacionalista no terreno econômico, já consagrada por outros arrojados empreendimentos em cuja viabilidade sempre confiei. Quando se construía Volta Redonda, muitos descreram de suas possibilidades, mas hoje a grande siderurgia se ergue como um testemunho irrefragável da capacidade criadora nacional. Quando foram lançadas as bases da usina de Paulo Afonso, houve igualmente quem vaticinasse o insucesso da obra grandiosa, que em breve será o esteio de toda a economia nordestina. Conquistas como essas revigoram a confiança no poder realizador do nosso povo e nos dão a certeza, contra a opinião dos negativistas, de que levaremos a bom termo a exploração do petróleo brasileiro. É portanto com satisfação e orgulho patriótico que hoje sancionei o texto da lei aprovada pelo Poder Legislativo que constitui novo marco da nossa independência econômica."

O sistema Petrobras

Em 2 de abril de 1954, pelo Decreto 35.308, o presidente Getúlio Vargas aprovou a constituição da Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras, e nomeou seu primeiro presidente, o general Juracy Magalhães, ex-governador da Bahia e presidente da Companhia Vale do Rio Doce.

A Lei de criação da Petrobras criou a inovação do pagamento dos royalties do petróleo. Essa bonificação seria posteriormente estendida para os diversos municípios brasileiros produtores, conforme a legislação, e até hoje é de grande ajuda para as finanças das cidades beneficiadas.

Além das atividades da holding, o Sistema Petrobras inclui subsidiárias - empresas independentes com diretorias próprias, interligadas à sede, que são as seguintes:

Petrobras Gás S.A - Gaspetro, subsidiária responsável pela comercialização do gás natural nacional e importado;

Petrobras Química S.A - Petroquisa, que atua na indústria petroquímica;

Petrobras Distribuidora S.A. - BR, na distribuição de derivados de petróleo;

Petrobras Internacional S.A. - Braspetro, que atua nas atividades de exploração e produção e na prestação de serviços técnicos e administrativos no exterior;

Petrobras Transporte S.A. - Transpetro, criada para executar as atividades de transporte marítimo da Companhia, que absorveu, em 1999, a Fronape - Frota Nacional de Petroleiros criada em 1949;

Braspetro Oil Services Company - BRASOIL;

Braspetro Oil Company - BOC;

Petrobras International Braspetro B.V. - PIB;

Petrobras Energia S.A.;

Petrobras Negócios Eletrônicos S.A.;

Petrobras International Finance Company - PIFCO;

Downstream Participações S.A.

A Petrobras hoje

Depois de 50 anos de sua criação, a Petrobras ocupa um lugar de destaque entre as maiores do mundo, não só no campo petrolífero, mas como detentora da mais avançada tecnologia na prospecção de petróleo em águas profundas, recebendo em duas oportunidades, 1992 e 2000, o prêmio Distinguished Achievement Award, concedido pela Offshore Tecnology Conference (OTC). A empresa possui atualmente 93 plataformas de produção, dez refinarias, 16 mil quilômetros em dutos, mais de sete mil postos de combustíveis, além de investir na preservação do meio ambiente, na área cultural e social.

(*) Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador, funcionário da Secretaria Geral Parlamentar da Assembléia Legislativa.



O autor agradece a valiosa colaboração de Sandra Sciulli Vital, da Divisão de Biblioteca e Documentação da ALESP



Bibliografia



A Batalha do Petróleo Brasileiro - Mario Vitor - Rio de Janeiro - Ed. Civilização Brasileira, 1970.

A Questão do Petróleo no Brasil - Uma História da Petrobras - José Luciano de Mattos Dias e Maria Ana Quaglino - Rio de Janeiro Ed. FGV/Petrobras, 1993.

Dicionário Histórico e Biográfico Brasileiro - Rio de Janeiro - Ed. Fundação Getúlio Vargas, 2002.

O Governo Trabalhista do Brasil - Vol. IV - Getúlio Vargas - Rio de Janeiro - Ed. José Olympio, 1969.

Minhas Memórias Provisórias - Juracy Magalhães - Rio de Janeiro - Ed. Civilização Brasileira, 1982.

Monteiro Lobato, Vida e Obra - Edgard Cavalheiro - São Paulo - Ed. Companhia Editora Nacional, 1956.

Leis do Brasil - anos: 1938, 1941, 1953 e 1954 - Divisão de Biblioteca e Documentação da ALESP.

Site da Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras.

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