Ditadura e homossexualidade em debate na Comissão da Verdade

Convidados falaram da dificuldade de ser militante de esquerda e homossexual
26/11/2013 22:46 | Da Redação: Monica Ferrero Fotos: Roberto Navarro

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James Green e Renan Quinalha <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149483.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Amelinha Teles, Marisa Fernandes, Adriano Diogo, James Green e Renan Quinalha<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149484.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Marisa Fernandes e publicação da escritora Cassandra Rios <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149485.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Reunião desta terça-feira, 26/11 da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149486.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Marisa Fernandes exibe exemplar do jornal Lampião da Esquina, e Adriano Diogo<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149487.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> James N. Green, professor de História e Cultura Brasileiras na Brown University (EUA) <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149488.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Marisa Fernandes, militante lésbica e feminista desde 1978.<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149489.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Reunião desta terça-feira, 26/11 da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149490.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Em sua 98ª audiência pública, nesta terça-feira, 26/11, a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva abordou o tema Ditadura e homossexualidade: a resistência do movimento LGBT. Para falar sobre o tema, foram convidados James Green, professor de História e Cultura Brasileiras na Brown University (EUA), e Marisa Fernandes, militante lésbica e feminista desde 1978.

O presidente da comissão, Adriano Diogo (PT), ao dar a palavra a James Green, ressaltou seu papel no apoio e acolhimento de exilados políticos brasileiros nos EUA. Assessora da Comissão da Verdade, Maria Amélia Teles disse que Marisa Fernandes é um ícone na história do movimento LGBT brasileiro.

James Green - também autor do livro Além do Carnaval: a Homossexualidade Masculina no Brasil do século 20, que está em processo de atualização e relançamento - contou que esteve pela primeira vez no Brasil em 1976, e dois anos depois participava do Grupo Somos e da Convergência Socialista. Ele lembrou que a ditadura militar teve um viés moralizante, e o discurso da direita e da Igreja Católica era contra a suposta degradação moral da família e contra o comunismo. Portanto, era uma ideologia preconceituosa e homofóbica, sendo que a homofobia também estava presente nos grupos de esquerda, o que levava militantes homossexuais a se reprimirem, afirmou Green.

Apesar disso, a visibilidade de gays e lésbicas era crescente, seguindo a tendência cultural mundial, com o surgimento de pontos de encontro LGBT, como bares. Mas a edição do AI-5, em dezembro de 1968, acabou com qualquer possibilidade de organização, pois gerou medo de repressão.

Green citou alguns episódios de repressão a homossexuais, ocorridos nos anos 1970, como num baile de fantasias do carnaval de 1973, quando um coronel declarou que lá "havia veadagem demais". Também houve uma campanha no Itamaraty para expulsar de seus quadros comunistas, homossexuais e alcoólatras, "para não dar uma imagem negativa do Brasil ao mundo".

Com a abertura política começou também a reorganização dos movimentos LGBT, disse Green, que participou da fundação em 1978 do Grupo de Afirmação Homossexual (Somos) em São Paulo, formado a partir da publicação do periódico O Lampião da Esquina. O Somos é considerado o primeiro grupo brasileiro em defesa dos direitos homossexuais.

Duas ditaduras

Mestre em história social, e integrante do Coletivo de Feministas Lésbicas, Marisa Fernandes disse que nos anos 1960 e 1970 o movimento LGBT convivia com duas ditaduras: a político-militar e a da própria esquerda, que não compreendia que militância e homossexualismo poderiam conviver.

Socialmente havia uma opinião pública higienista, que procurava criminalizar e transformar em doença a homossexualidade. Citou como exemplo uma série de reportagens, com enfoque negativo, publicada no jornal Notícias Populares em 1979, intitulada O Mundo das Lésbicas. Marisa lembrou ainda o pioneirismo da escritora Cassandra Rios, que chegou a ser ameaçada e presa por escrever livros eróticos de temas lésbicos.

Lampião da Esquina

"O jornal Lampião da Esquina, que durou entre 1978 e 1981, foi o pioneiro ao abordar de forma positiva temas LGBT, que permanecem atuais", disse Marisa, que exibiu imagens de alguns exemplares. Das entrevistas importantes realizadas pelo jornal, ela destacou as da sambista e atual deputada estadual Leci Brandão (PCdoB) e da atriz Norma Bengell, ambas de 1978.

Em sua edição comemorativa de um ano de existência, o Lampião fez um número totalmente focado nas mulheres. "Foi a primeira vez que as lésbicas escreveram sobre si mesmas", lembrou Marisa. À época o jornal já tinha seus editores perseguidos, e as bancas que vendiam a publicação eram alvo de atentados.

Segundo Marisa, o grupo Somos, que publicava o Lampião, "era um grande guarda-chuva", e as lésbicas decidiram fazer um grupo independente, a Ação Lésbica Feminista, que com muitas dificuldades procurou levar sua pauta para o movimento de mulheres, incorporando também a questão da violência de gênero.

Entre as ações deste grupo estão a participação, em 13/6/1980, de passeata precursora da Parada Gay, contra os arrastões promovidos pelo delegado de polícia Wilson Richetti, que prendia e agredia travestis e prostitutas. Marisa também lembrou do "Stonewall brasileiro", o Ferro"s Bar, na capital, em 19/8/1983, por conta da discriminação que as ativistas do Grupo de Ação Lésbico-Feminista (Galf) sofriam no local.

Assessor da Comissão da Verdade, Renan Quinalha disse que a ditadura militar foi além da repressão política, pois também manteve clima de terror sobre mulheres e negros e tentou impor uma moral sexual na sociedade. A orientação sexual também foi usada para ampliar o estado de terror. Maria Amélia Teles também lembrou que naqueles anos de chumbo começaram os primeiros movimentos de gays e lésbicas. Segundo ela, havia o duplo mal-estar de ser esquerdista e lésbica.

Problemas atuais

Após a abertura política, o movimento de luta pelos direitos LGBT pulverizou-se. Hoje em dia há núcleos em diversos órgãos governamentais e sindicatos. As paradas gays, apesar de seu caráter de diversão, também contribuem para a visibilidade da causa, disse Marisa. Essa maior visibilidade também chegou às famílias, completou Green, pois os jovens de hoje têm mais espaços sociais.

Entretanto, segundo James Green e Marisa Fernandes, a democracia e o respeito às diferenças estão sob sério risco no Brasil atual. Marisa está preocupada com o ressurgimento da ultradireita. "Graças aos avanços de Felicianos e Bolsonaros, voltamos a ter medo".

Respondendo a questionamento de Adriano Diogo, James Green falou da maior presença do protestantismo de linha pentecostal no Brasil, após o golpe de 1964. Segundo ele, essas igrejas estão ligadas a movimentos de direita conservadora nos EUA. Green falou que em uma de suas voltas ao Brasil, em 1993, percebeu o crescimento dessas denominações, e alertou amigos, que não acreditaram no potencial dos pentecostais de formarem alianças com as forças políticas reacionárias.

"Hoje em dia, no Brasil, os pentecostais estão participando cada vez mais da política, por vezes se escudando em bandeiras simpáticas a grande parte da população", afirmou Green. "Eles ocuparam o espaço deixado pela Igreja Católica ao não se envolver com os problemas sociais, principalmente os da população mais pobre", disse. A seguir, os convidados responderam a perguntas do público.

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