80 anos da revolução que mudou o Brasil


08/10/2010 20:20

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Clique para ver a imagem " alt="Fogo na redação do jornal governista "O Paiz" Clique para ver a imagem "> Obelisco<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/10-2010/REVOLUCAOde30obelisco.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Junta Pacificadora<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/10-2010/8 - junta pacificadora.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Washington Luis deposto deixa o palácio com o cardeal Leme, rumo ao Forte de Copacabana<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/10-2010/84 - deposicao washington luis.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Povo cerca o Palácio Guanabara<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/10-2010/82 - povo cerca o palacio guanabara.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Oswaldo Aranha com a junta e o ministro das Relações Exteriores<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/10-2010/85 - Oswaldoaranhacomajunta.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Movimento rebelde e a ascensão de Getúlio ao poder



Preparado em total segredo, o movimento militar foi articulado no então chamado norte do país, sob o comando do capitão Juarez Távora, que ficaria conhecido como o "vice-rei do norte". Em Minas Gerais eram os cabeças da rebelião, Antonio Carlos e seu sucessor no governo mineiro, Olegário Maciel, mas na realidade eles não queriam a revolução, mas o apoio do ex-presidente Artur Bernardes à causa, acabou trazendo os integrantes do Partido Republicano Mineiro (PRM) para a revolução.

Faltando apenas 40 dias para a posse do novo presidente da República, finalmente às 17h30 da sexta-feira, dia 3 de outubro de 1930, como de praxe, um contingente da Guarda Civil, como todas as tardes, saiu do seu quartel em direção a uma outra unidade da corporação, mas naquela tarde foi diferente. Em vez de seguir sua marcha habitual, atacou de surpresa o Quartel General da 3ª Região Militar, em Porto Alegre, sede do comando do Exército no Rio Grande do Sul.

A eclosão do movimento visava inicialmente tomar todas as instalações das forças federais existentes no território gaúcho, além da sede dos Correios. Após grande fuzilaria, que fez de imediato várias vítimas entre a guarda do QG, o tiroteio acabou se prolongando até o dia seguinte, quando, inferiorizados em homens e armas, os militares legalistas se entregaram às tropas revolucionárias, inclusive o seu comandante, general Gil de Almeida.



Estado de sítio



Getúlio Vargas fez publicar na edição do dia 4 de outubro do jornal do governo A Federação um manifesto à nação no qual explicava a sua atitude. No mesmo dia, um sábado, no Rio de Janeiro, surpreendido com os acontecimentos, o governo federal tentou, através de várias medidas legais que estavam a seu alcance, sufocar a rebelião. A primeira delas foi encaminhar mensagem em caráter de urgência para o Congresso Nacional, solicitando a devida autorização para a instauração do estado de sítio no Distrito Federal e nos Estados conflagrados, e uma autorização especial dando poderes para que o presidente da República pudesse expandi-lo para outras regiões do país quando julgasse necessário.

Na mesma tarde, após uma longa e acalorada discussão entre os parlamentares de oposição e situação, a medida foi aprovada pela Câmara dos Deputados por 121 a 8. No Senado Federal, a aprovação foi por unanimidade. A medida autorizava o chefe da nação a estender o estado de sítio para outros pontos do território nacional. Era um cheque em branco. Washington Luis solicitou também ao Congresso Nacional a abertura de um crédito especial de até 100.000:000$000 (cem mil contos de réis) "para ocorrer às despesas com a manutenção da ordem pública". A crise na economia mundial vinha desde o ano anterior, quando da quebra da Bolsa de Valores de Nova York. A situação econômica no Brasil, que já era difícil desde a queda do nosso maior produto de exportação, o café, com a revolução acabou se complicando ainda mais, com o enorme déficit no orçamento da União. Esse montante no déficit só seria ultrapassado em 1942, quando foi declarada a guerra aos países do Eixo.

No dia 5 de outubro, a luta continuava em Minas Gerais, onde o governo reclamava da falta de munição. No Paraná, a situação estava quase definida a favor dos revoltosos, com o envio de reforços de tropas gaúchas. No nordeste, os governos eram depostos, um atrás o outro, pelas tropas sob o comando de Juarez Távora.



A batalha que não houve



Getúlio Vargas, em 11 de outubro, sob aclamação popular, partiu de trem de Porto Alegre em direção ao Rio de Janeiro. A preocupação era a atitude a ser tomada em relação ao Estado de São Paulo, onde o governo federal concentrava suas tropas. A cidade de Itararé, na divisa com o Paraná, ficaria famosa por "uma batalha que não houve".

Em todas as estações, Vargas era delirantemente recebido por multidões. Em uma acidentada viagem, com várias quebras e até descarrilamento, o trem chegou, no dia 17 de outubro, à cidade paranaense de Ponta Grossa, onde os estados-maiores civil e militar da revolução encontraram-se com as tropas de vanguarda, iniciando os preparativos para o ataque ao Estado de São Paulo.

Assumindo o comando das tropas revolucionárias, Getúlio Vargas, tendo o então coronel Góes Monteiro como seu chefe militar, aguardou a chegada dos reforços para a ofensiva final, e foram feitos planos para a invasão ao território paulista. No dia 20, o trem deslocou-se até Curitiba, já em poder dos revolucionários. Na capital paranaense, Vargas foi homenageado pela população. Em 23 de outubro retornaram a Ponta Grossa. Na manhã do dia 24 de outubro, notícias desencontradas vindas do Rio de Janeiro informavam o início de um movimento militar na capital do país contra o presidente Washington Luis, que culminaria com a sua deposição e o fim da República Velha.



Convocação dos reservistas



Washington Luís, no decorrer das três semanas que perdurou o movimento armado, baixou vários decretos, que visavam a assegurar o seu mandato como chefe do governo brasileiro, que terminaria poucas semanas depois, em 15 de novembro, quando deveria transferir a faixa presidencial para seu sucessor Julio Prestes.

Avançando em direção ao Rio de Janeiro, as tropas vindas do Rio do Grande do Sul foram conseguindo as adesões das tropas de Santa Catarina e do Paraná. Em Ponta Grossa se aquartelaram, para desencadear uma ofensiva maciça contra as tropas legalistas da 2ª Região Militar, sediada em São Paulo, concentradas na cidade de Itararé.

Em Minas Gerais, as tropas leais a Washington Luís da 4ª Região Militar estavam imobilizadas pelos rebelados. No Estado do Rio de Janeiro, os adeptos da causa revolucionária agiam para minar a incipiente defesa do regime. No norte e nordeste do Brasil, os governos estaduais ligados aos perrepistas eram depostos um atrás o outro. Com a gravidade da situação, o governo federal resolveu convocar todos os reservistas da 1ª Região Militar, sediada na então Capital Federal, no Rio de Janeiro. A opinião pública até então equidistante da questão política que envolvia os dois lados em confronto, ficou radicalmente contra: as famílias não queriam seus filhos ou seus pais envolvidos no conflito. E assim Washington Luís e o seu governo acabaram perdendo o último apoio que lhe restava, o da população. Essa medida acabou recebendo o pejorativo nome de "Batalhão mamãe não quer que eu vá".



Perda de apoio



Desde o assassinato do presidente do Estado da Paraíba, João Pessoa, os militares acompanhavam com preocupação os desdobramentos dos acontecimentos. No Rio de Janeiro, o general Augusto Tasso Fragoso, antigo chefe do Estado-Maior do Exército e respeitado líder entre seus companheiros de farda, recebeu em sua residência os ex-deputados federais gaúchos Lindolfo Collor e Sérgio de Oliveira, que participaram da eclosão de uma revolução contra o presidente Washington Luís. Após argumentar que era contrário a movimentos armados contra autoridade constituída, Fragoso frisou que não ficaria neutro nesse caso e que "tomaria a atitude que o seu patriotismo indicasse". Também estava atento aos fatos o Inspetor do 1º Grupo de Regiões Militares, general João de Deus Menna Barreto, instado pelo seu chefe do estado-maior, coronel Bertholdo Klinger, em nome de um grupo de jovens oficiais, a intervir no sentido de conseguir a cessão das hostilidades, visivelmente favorável aos revolucionários. A ideia era articular um golpe militar contra o governo com o apoio dos generais que estavam prestando serviço na capital da República.

Menna Barreto, preocupado com a hierarquia militar, decidiu que a chefia desse movimento deveria ser entregue ao oficial mais graduado do Exército, o general Augusto Tasso Fragoso, que declinou do convite. Foi então procurado o chefe do Estado-Maior do Exército, general Alexandre Henrique Xavier Leal, que também recusou. Com as negativas de seus colegas, Menna Barreto passou então a articular o movimento no Rio com apoio de seus filhos, os tenentes Valdir e João de Deus, que entraram em contato com a oficialidade.

Na manhã do dia 23, um dos filhos do general Menna Barreto foi à residência do general Tasso Fragoso para reiterar o convite para que encabeçasse o movimento. Aceitando finalmente as ponderações, Fragoso iniciou de imediato contato com os generais. Na mesma noite, foi ao encontro de seu colega Menna Barreto no Forte de Copacabana, de onde passaram a coordenar o plano de ação.

Ainda na madrugada do dia 24 de outubro de 1930, os ministros foram informados que a situação se agravara. O presidente estava no seu gabinete em companhia do deputado federal e líder da bancada de São Paulo na Câmara Federal, Roberto Moreira, seu amigo particular. O Forte de Copacabana estava sublevado e o general Menna Barreto havia divulgado uma proclamação na qual concitava o presidente da República a renunciar ao cargo. Antes do amanhecer, o ministro da Guerra, general Nestor Sezefredo dos Passos, e o comandante da 1ª Região Militar, general Azeredo Coutinho, vieram entrevistar-se com o presidente, e, pela fisionomia de ambos, já se sabia que a situação era insustentável e irreversível.

Ainda no palácio, o ministro das Relações Exteriores, Octavio Mangabeira, foi informado que o cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, d. Sebastião Leme, estava querendo falar-lhe com absoluta urgência. Depois de participar do fato a Washington Luís, Mangabeira seguiu de automóvel para o Palácio de São Joaquim, situado na Rua da Glória, sede da Mitra Arquiepiscopal e residência do cardeal, onde foi comunicado de que os militares haviam solicitado que ele fosse o portador da intimação ao presidente da República, mas recusara a missão. Retornando ao Guanabara, o ministro narrou o ocorrido ao presidente e aos demais em um ambiente sereno e silencioso. Washington ainda falou via fone com o ministro da Justiça, Vianna do Castello, que informou que o governo podia contar com os 2.600 soldados da Polícia Militar.



Pólvora seca



Pouco antes das 9 horas da manhã, o cardeal Leme ligou para falar com Mangabeira no palácio, e informou que havia recebido uma comunicação do Forte de Copacabana, na qual era determinado ao presidente que abandonasse o governo até as 11 horas. Como aviso, a partir das 9 horas começariam a atirar com pólvora seca.

Ao expor ao presidente a situação, este determinou que sua esposa, dona Sophia Barros Pereira de Sousa, e outras senhoras até então no palácio deixassem a residência e fossem procurar abrigo na casa de amigos no bairro do Cosme Velho. Após a saída das mulheres do Guanabara, começaram a ser ouvidos os tiros de pólvora seca, assustando toda a população da cidade do Rio de Janeiro.

Washington Luís reuniu o ministério e os presentes, e deu liberdade a todos para que pudessem se retirar, principalmente os civis. O ministro da Fazenda, com o apoio de todos, respondeu que ficariam a seu lado. Pouco depois, um oficial da Polícia informou que a brigada tinha passado para o lado dos rebelados. O palácio do Catete havia sido tomado com apoio da população. Os jornais governistas eram empastelados no centro da cidade, onde eram vistos grossos rolos de fumaça.

Sem resposta, os generais resolveram ir pessoalmente ao encontro do presidente, a fim de intimá-lo a renunciar e apresentar-lhe garantias de vida.

Foi formada então uma junta governativa provisória pelos generais Tasso Fragoso e Menna Barreto e o contra-almirante José Isaías de Noronha. Em razão da recusa do chefe do governo, foi mantido contato com o cardeal d. Sebastião Leme para que fosse intermediário na solução do impasse, sendo autorizado a conceder asilo no palácio episcopal de São Joaquim.

Após várias recusas, finalmente, às 17 horas, após uma conversa com o bispo da cidade de Vitória, d. Benedito Paulo Alves de Souza, seu amigo de longa data, Washington Luís concordou em se retirar, mas para garantia de sua vida, o local determinado foi mudado para o Forte de Copacabana. Em companhia do cardeal Leme, Washington Luís foi conduzido à limusine presidencial, um Lincoln sete lugares, modelo 1928, e, ao entrar no veículo o cardeal quis ceder ao presidente deposto o lado direito, mas ele recusou, sentaram no banco de trás, juntamente com d. Benedito de Souza, e nos bancos escamoteáveis, à frente, sentaram o general Tasso Fragoso e o auxiliar do cardeal, monsenhor Rosalvo da Costa Rego. Nos estribos laterais externos, foram em pé quatro oficiais do Exército, dois de cada lado do veiculo, entre eles o capitão José Carlos Barreto, que seria no governo do presidente Juscelino Kubitschek, como general-de-exército, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (Emfa) entre 1960-1961, e o então primeiro-tenente Arthur da Costa e Silva, que seria ministro do Exército entre 1964-1966 e presidente da República entre 1967-1969.

A comitiva deixou no Forte de Copacabana o presidente destituído, que foi recebido pelo seu comandante, capitão Honorato Pradel. O general Fragoso, logo depois, passou rapidamente por sua residência e se dirigiu ao palácio do Catete, sede do governo federal.

Washington Luis ficou acomodado no alojamento dos oficiais. A detenção abateu-se, e sua fisionomia era outra dos tempos em que era o todo-poderoso chefe da nação. Ele acordava cedo, fazendo sua higiene pessoal, e por volta das 7h20, habitualmente tomava seu café da manhã com torradas, almoçava pontualmente às 12h e jantava às 19h, sempre em companhia do capitão Pradel, com quem no decorrer dos dias passou a fazer um passeio matinal entre a beira do cais a o portão do forte. Nessas caminhadas o comandante que lhe mostrava as instalações da unidade militar, e as tardes ia para a sala da biblioteca, onde escrevia cartas a seus familiares e amigos.

Não era permitido a Washington Luis ler jornais. Apesar da ordem de incomunicabilidade, a partir de alguns dias passou a receber diariamente a visita de sua esposa Sofia, que o fez se sentir mais alegre.



Junta Militar



A formação da Junta Militar, foi recebida com desconfiança por Vargas e seu estado-maior, apesar das trocas de telegramas entre eles, ficou resolvido o envio ao Rio de Janeiro de Osvaldo Aranha como emissário para saber os objetivos da junta. No dia 30 de outubro, mesmo dia que Getúlio desembarcava do seu trem na capital federal, foi emitida uma nota: "Assegurada a ordem púbica no território nacional, a Junta passará o governo ao presidente Getúlio Vargas, normalizando-se a vida administrativa."

A chegada do novo chefe da nação foi precedida das tropas gaúchas que resolveram amarrar seus cavalos no obelisco localizado no início da avenida Rio Branco, simbolizando assim a triunfal tomada do poder. Após trocar vários telegramas com a Junta, e o envio de Oswaldo Aranha como emissário para negociar sua posse, Getúlio Vargas chegou de trem à capital federal, com seu alto comando e mais tropas, no dia 31 de outubro, e exatamente um mês depois do início da Revolução, ficando hospedado na ala residencial do palácio do Catete. Em 3 de novembro, tomou posse como chefe do governo provisório.

Antonio Carlos Ribeiro de Andrada afirmou na ocasião ao novo ministro das Relações Exteriores, Afrânio de Melo Franco, que "talvez, dentro de dez anos, deveriam os mineiros fazer outra revolução, desta vez para arrancar Getúlio do poder". Na realidade seriam cinco anos a mais, no total de quinze anos.

Na edição desta quinta-feira, 14/10, o Diário Oficial do Poder Legislativo publica o último texto da série sobre a Revolução de 1930.



* Antônio Sérgio Ribeiro, advogado, pesquisador e diretor do Departamento de Documentação e Informação da Assembleia.

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