Resumo
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Na experiência constitucional brasileira, desde a Constituição de 1824, passando por todas as constituições subsequentes, até chegarmos à atual, de 1988, sempre foram previstas normas que instituíam incompatibilidades para os membros do Poder Legislativo, com a finalidade de proteger a representação político-parlamentar, assegurando a observância do princípio da separação dos poderes e, por via de consequência, garantindo a independência dos membros do Congresso Nacional frente ao Poder Executivo. A partir da Constituição de 1891, a questão do poder econômico e a da impessoalidade nas relações dos parlamentares com o Estado brasileiro também passou a orientar o rol de situações e posições na esfera privada proibidas ao congressista. Nesse contexto, o art. 54 da atual Constituição prevê hipóteses em que o parlamentar encontrar-se-ia impossibilitado de conservar o exercício do seu mandato em razão de desempenhar determinadas atividades, públicas ou privadas, tidas como incompatíveis e inconciliáveis com os pressupostos mínimos para uma atuação política eficiente, responsável, comprometida, independente e voltada para a consecução do bem público. Essas regras, pela sua importância, ao resguardar a noção de representação política em um regime democrático, deveriam ensejar um número significativo de casos em que a manutenção do mandato parlamentar seria questionada. Não é, porém, o que acontece. A observância e a eficácia dessas normas são inexistentes na prática. Em mais de 28 anos da promulgação da Constituição de 1988, nenhum parlamentar perdeu o mandato por essa razão. Não há notícia sequer da deflagração de representação nesse sentido, que depende da provocação de alguma das Mesas das Casas que compõem o Congresso Nacional ou de qualquer dos Partidos Políticos com representação nele. Como um dos piores resultados disso, após o advento da nova ordem constitucional, continuou-se o processo de livre formação de uma classe parlamentar que explora, mediante concessão, permissão e autorização, o serviço público de radiodifusão. Além de utilizar essa atividade, de interesse público, em proveito próprio, esse grupo político legisla e intervém no processo de outorga do serviço em causa própria. O problema gerado para a democracia se agrava, ainda mais, com o estabelecimento de uma aliança, política e econômica, dessa classe com os grandes conglomerados empresariais da mídia eletrônica, que atua no sentido de frustrar o projeto constitucional de democratização da comunicação social no país, mantendo privilégios, a ausência de regulação e de fiscalização e a extrema concentração observados nesse mercado. Nesse sentido, o presente trabalho, em seu primeiro capítulo, lança um olhar sobre a experiência constitucional brasileira, não só nos textos normativos, que se mantiveram quase inalterados, mas também no sentido prático e efetivo conferido a essas regras na dinâmica parlamentar, com a finalidade de tentar compreender melhor a função, os pressupostos, as consequências, os interesses e as dificuldades envolvidas na interpretação das normas de incompatibilidades. No segundo capítulo, são examinadas as consequências da negligência institucional do trato das incompatibilidades parlamentares na área específica do serviço público de radiodifusão. O foco será a dinâmica desenvolvida dentro do Parlamento e do Poder Executivo em suas relações com os grandes conglomerados da mídia eletrônica e seus interesses. Partindo do pressuposto de que a Constituição de 1988 previu um sistema de controle a ser exercido de forma democrática pelo poder político sobre as outorgas do serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, será analisado se e como essa competência é desempenhada na prática.
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