A atualidade de um pensamento político: o imperador Dom Pedro II e as eleições


26/10/2006 16:19

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Em <i>Conselhos à Regente</i>, o verdadeiro auto-retrato de um monarca que considerava a liberdade de eleição nossa principal necessidade política<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/M-Eleicoes 1-ok.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Eis o texto, às vezes rabiscado e emendado pelo próprio imperador<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/M-ELEICOES-cartas.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Ampulheta de vidro e madeira, com areia em seu interior; sinete da Monarquia da Casa Imperial; modelo da mão de Dom Pedro II, quando jovem; óculos dobráveis; medalha comemorativa da sessão de 15/12/1849; e diploma assinado pelo imperador<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/M-Eleicoes 2-ok.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, em 29 de outubro, achei oportuno divulgar um documento pouco conhecido da história nacional. Escrito por Dom Pedro II, em 1871, revela de forma franca, clara e praticamente completa o pensamento político do monarca que dirigiu os destinos do país de 1840 a 1889.

Modelo de correção, isenção, justiça, moralidade e filantropia, além de reservado e silencioso por temperamento e educação, Dom Pedro II, próximo de sua primeira viagem ao exterior, resolveu escrever a sua filha Isabel, entre fins de abril e 3 de maio de 1871, uma série de recomendações, a serem observadas durante o período em que ela assumiria a regência do Império.

Conservadas pacientemente pelo príncipe Dom Pedro Gastão de Orleans e Bragança, decano da família imperial, essas recomendações foram reunidas em 1958 e, sob o título de Conselhos à Regente, publicadas pela Livraria São José, com introdução e notas de João Camillo de Oliveira Torres. Dentro desses conselhos, é interessante reproduzir na íntegra a carta introdutória e o capítulo referente às eleições, retirados da edição fac-similar do documento, que nos foi oferecida pelo próprio neto da princesa Isabel e bisneto de Dom Pedro II.

Eis o texto, às vezes rabiscado e emendado pelo próprio imperador:

"Minha filha,



O sentimento inteligente do dever é nosso melhor guia; porém os conselhos de seu pai poderão aproveitar-lhe.

O sistema político do Brasil funda-se na opinião nacional, que, muitas vezes, não é manifestada pela opinião que se apregoa como pública. Cumpre ao imperador estudar constantemente aquela para obedecer-lhe. Dificilímo estudo, com efeito, por causa do modo porque se fazem as eleições; mas, enquanto estas não lhe indicam seu procedimento político, já conseguirá muito se puder atender com firmeza ao que exponho sobre as principais questões, mormente no ponto de vista prático.

Para ajuizar bem delas, segundo os casos ocorrentes, é indispensável que o imperador, mantendo-se livre de prevenções partidárias, e portanto não considerando também como excessos as aspirações naturais e justas dos partidos, procure ouvir, mas com discreta reserva das opiniões próprias, as pessoas honestas e mais inteligentes de todos os partidos; e informar-se cabalmente de tudo o que se disser na imprensa de todo o Brasil, e nas Câmaras Legislativas da Assembléia " geral e provinciais. Não é prudente provocar qualquer outro meio de informação, e cumpre aceitá-lo cautelosamente.



Eleições

Estão alguns pelas diretas, com maior ou menor franqueza; porém nada há mais grave do que uma reforma constitucional, sem a qual não se poderá fazer essa mudança do sistema das eleições, embora conservem os eleitores indiretos a par dos diretos. Nada há contudo imutável entre os homens, e a Constituição previu sabiamente a possibilidade da reforma de algumas de suas disposições.

Além disto, sem bastante educação popular não haverá eleições como todos, e sobretudo o imperador, primeiro interessado em que ela seja legitimamente representada, devemos querer, e não convém arriscar uma reforma, para assim dizer definitiva, como a das eleições diretas, à influência tão deletéria da falta de suficiente educação popular.

Por ora, não será mais preciso do que reformar as leis, de que tanto se tem abusado, por causa das eleições: a judiciária, no sentido de distinguir a ação dos juízes da das autoridades policiais, de abolir a prisão preventiva, isto é, antes da sentença do juiz, ou, ao menos diminuir o mais possível, sem prejuízo da punição dos crimes, os casos dessa prisão, e duração dela, assegurando o castigo de quem tiver abusado; a da Guarda Nacional, estatuindo que esta só possa ser chamada a serviço em casos extraordinários marcados na lei e por ato do Poder Legislativo, quando estejam abertas as Câmaras, e na ausência destas, por decreto do governo, que deverá ser sujeito à aprovação daquelas, logo que estiverem abertas; a do Recrutamento, conforme o sistema do projeto, que se discute nas Câmaras; e a eleitoral, não admitindo alteração da qualificação senão por sentença do juiz, estabelecendo garantias contra os falsos votantes e meios de sua eficaz punição, e regulando a votação de modo a que o partido em minoria nunca deixe de ter representantes na Câmara dos Deputados.

Colocarei assim as reformas na ordem da conveniente precedência de discussão: primeiro, a judiciária, que já está no Senado, onde se melhorará; a da Guarda Nacional; a eleitoral, visto que as próximas eleições só se farão em novembro de 1872; e a do recrutamento, que pode por uma lei ser suspenso, por maior prazo, antes e depois das próximas eleições.

A escolha de presidentes que não sejam representantes da Nação e não vão administrar as Províncias por pouco tempo, e para fins eleitorais, assim como, pelo menos, a pronta demissão e privação, por algum tempo, de graças e favores para qualquer autoridade, que influir, valendo-se unicamente do prestigio de seu cargo, em favor de candidatos eleitorais, também tem sido recomendação minha."



Nota: A fim de facilitar a leitura, introduzi no texto da correspondência de Dom Pedro II divisões em parágrafos inexistentes no documento original, bem como atualizei sua ortografia.

alesp