Democracia e crise política brasileira são tema de seminário


01/07/2005 19:20

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Maurílio Maldonado e Rodrigo Garcia<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/ILPMAUPRE-MARCO.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Estevam Martins<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/ILPESTEVAO.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Marco Aurélio Nogueira<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/ILPIIB.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Cientistas políticos e parlamentares falam sobre democracia e autonomia dos Poderes<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/ilpmesa-marco.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Fábio Wanderley Reis<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/ILPIIC.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O seminário, organizado pelo Instituto do Legislativo Paulista (ILP), é o terceiro da série sobre o tema realizado por meio de convênio com a Unesp, dentro do programa de cursos de "Especialização Governamental e Poder Legislativo", do instituto. Durante a quinta-feira, 30/6, cientistas políticos como Renato Lessa, professor titular de Teoria Política no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Fernando Limongi, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas " Departamento de Ciência Política da USP, discorreram sobre o legislativo e o governo brasileiros, para um público de universitários, reunidos no Auditório Teotônio Vilela. No sábado 2/7, a TV Assembléia transmite a íntegra do seminário (NET-canal 13 e TVA canal 66).

Desajuste nas instituições representativas

"O Brasil vive um momento político extremamente delicado, mas é nos momentos de crise que surgem soluções" afirmou o deputado Rodrigo Garcia, presidente da Assembléia Legislativa, ao fazer a abertura do seminário O parlamento como questão democrática e a atual crise política brasileira. Ele afirmou que o Legislativo paulista tem se pautado na discussão de um poder autônomo, atuante, e que na busca da democracia há muito a avançar, reconhece. "Esta discussão dentro do maior parlamento do país, declarou, é muito importante para se estabelecer uma boa relação entre os poderes".

Para Rodrigo Garcia, os poderes Legislativos e Executivos, devem buscar formas de atuação transparentes, de forma inteligente, passíveis de se submeterem à fiscalização da sociedade.

"O parlamento está no centro, é o espaço principal da atual crise", afirmou Marco Aurélio Nogueira, professor de Política da Unesp e coordenador do seminário Ele afirmou que a situação reflete o desajuste nas instituições representativas, os poderes Legislativo e Executivo no país.

Para o professor é muito importante a realização de cursos e seminários no parlamento paulista, para proporcionar ao maior número de cidadãos o entendimento da crise. "A disposição do poder público para atuar na mudança desse quadro, disse, é um exercício de cidadania".



Presidente da República interfere demais no legislativo

O professor Fernando Limongi, do Departamento de Ciências Políticas da USP, fez uma análise do atual sistema político brasileiro. Segundo ele, no Brasil o presidencialismo se distancia do modelo original americano pelas amplas prerrogativas que atribui ao presidente da República no processo legislativo. Com base na Constituição de 1998, o Executivo detém a iniciativa legislativa em questões fundamentais, como tributação e orçamento. "Além disso, o governo dita o ritmo do Congresso por meio de mecanismos como a urgência constitucional", disse Limongi. Mas o professor ressalta também que isso não implica necessariamente um Poder Legislativo fraco, afinal todas as leis passam pela aprovação do Congresso. Em síntese, trata-se de um presidencialismo aglutinativo em que, no caso brasileiro, o governo tem tido sempre respaldo assegurado no Parlamento. Segundo ele, o modelo brasileiro se aproxima do parlamentarismo, ou seja, funciona com base no acordo entre os dois poderes. "Contrariando o senso comum, esse modelo tem funcionado", afirmou.

A crise e a reforma política

Na opinião de Limongi, a crise atual está mais ligada à questão do financiamento de campanha do que à compra de votos propriamente dita. "Até porque, em se tratando de apoio parlamentar, há excesso de oferta", declarou. Portanto, segundo ele, não há necessariamente um nexo causal entre essa crise e a necessidade de uma reforma política. "As propostas nesse sentido que estão sendo veiculadas não têm nada a ver com o teor das investigações", disse ele.

Para o professor, é no mínimo precoce diagnosticar os desdobramentos da crise política vivida pelo país, e mesmo sua dimensão. Ele considera que é inoportuno comparar a dimensão da crise atual com a do impeachment do ex-presidente Collor. "Estamos vendo o surgimento de novas denúncias, que são a ponta do iceberg", diagnosticou.



Mudança na cultura política do cidadão

Já o expositor Renato Lessa, professor titular de Teoria Política no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, destacou a importância de se tentar mostrar, no Brasil, como o Legislativo e o Executivo estabeleceram relações especiais, independentemente do nexo que têm com o mundo exterior, ou seja, o cidadão. Para ele, tal fato ocorre desde a transição para a democracia, relações que são, em grande parte, herança do período autoritário. Afirmou que as atuais relações, "puramente eleitorais", grande parte do Legislativo mantém com o cidadão apenas na busca de capturar de votos, afirmou.

Lessa entende que os partidos devem ter presença na sociedade e não só no Legislativo, o que requer, sobretudo, mudança na cultura política dos cidadãos e de cada partido.

"Não sabemos onde essa crise política vai dar", analisa. Para ele, essa crise provoca debates sobre o possível fim do Partido dos Trabalhadores, além de poder agravar ainda mais a visão que o cidadão tem do político brasileiro.

Lessa declara que, como estudioso político, freqüentemente se depara com sua própria perplexidade. Para ele, estão interligados temas como crise política e mudança institucional. Ao discorrer a respeito da atuação dos Legislativos e Executivos, alerta para a necessidade de refletir sobre fatos importantes, além da crise, como o isolamento a que o governo Executivo condenou o Legislativo, ressalva que o processo político é controlável, ao contrário do social, que não pode ser controlado.



Sociólogo defende redução do número de parlamentares

Carlos Estevam Martins, do Departamento de Ciência Política da USP, afirmou, durante o seminário, que o financiamento público das campanhas eleitorais, ainda que não iniba completamente as doações de grupos econômicos a candidaturas, já cumpririam o importante papel de viabilizar o funcionamento de partidos que não teriam meios de subsistência. "Nosso sistema eleitoral garante a todos o direito de votar, mas não garante igualdade de condições entre os partidos".

Martins defende a adoção dos mesmos critérios da Lei de Responsabilidade Fiscal: para cada despesa criada tem de ser indicada a fonte de receita. "O primeiro passo é extinguir os cargos políticos desprovidos desnecessários, em seguida todos os cargos de vice das três esferas de poder". Nem o Senado Federal escapou do corte de gastos do professor. "Se os senadores representam os estados, as bancadas estaduais fazem o quê?", questionou, ressaltando que o unicameralismo resultante da extinção do Senado poderia prescindir ainda de uns 200 deputados. "Mesmo no auge do império britânico, o parlamento inglês nunca precisou de mais de 300 parlamentares". Por fim, como a votação seria em chapas elaboradas democraticamente pelos partidos, o período de campanha poderia ser reduzido para apenas quatro semanas.

"O horário eleitoral gratuito, de gratuito não tem nada!", continuou Martins, argumentando que esta divulgação já é financiada pelos cofres públicos. Além disso, teria de ser proibida toda a "pirotecnia" das campanhas publicitárias. "Política se faz falando, não com musiquinhas, entrevistas fajutas e imagens maravilhosas".

Quem decide são eles

Para o professor, discutir reforma política é o mesmo que pôr o carro diante dos bois. "Como nós, os sociólogos, podemos saber o sistema em que os partidos políticos estão planejando? É o mesmo que um arquiteto projetar a reforma de uma casa sem consultar seu dono". Martins indicou a omissão " ou não-decisão " dos partidos como forma de exercer seu poder. "Não sabemos se eles desejam um Estado corporativista, liberal ou totalitário. Não há um norte nem dentro dos partidos, o que resulta em frustração da opinião pública". Para ilustrar seu ponto de vista, o cientista social citou pesquisa realizada pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. O estudo verificou que 94,3% da população vêem a necessidade de reformas no sistema político, mas pouco mais de 30% acreditam que elas aconteçam antes de 2010. "A investigação verificou ainda que a maioria dos entrevistados acredita que qualquer mudança significativa somente surja em um momento de ruptura, e que tanto partidos quanto parlamentares são um empecilho às reformas", acrescentou.

Uma no cravo...

Quanto à análise do projeto de reforma política, que já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, Martins ressalta que há avanços e retrocessos. "A proibição das coligações é um instrumento que visa a coibir o aluguel de legendas, entretanto, o mesmo projeto reduz as barreiras para o acesso ao fundo partidário, o que beneficias os pequenos partidos".

"Ou democracia ou eficiência", diz cientista político

Fábio Wanderley Reis, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, sintetizou a atuação dos administradores públicos com o binômio "eficiência versus representatividade democrática". O primeiro termo consistiria na escolha dos meios, o segundo, na deliberação dos fins. "Quanto mais autonomia tem um governo, mais eficiente ele é. Mas essa autonomia o torna também menos sensível à multiplicidade dos interesses sociais".

Para tornar a sua exposição mais clara, o exemplo citado foi o do judiciário norte-americano, cujas câmaras são compostas por indicação dos partidos. "Uma corte cuja maior parte de seus membros tenha sido indicada pelo Partido Republicano somente proferirá sentenças vantajosas a esse grupo. Isso põe em risco os direitos civis, que são mais bem resguardados quando o judiciário é composto por critérios técnicos, como no caso brasileiro". Outra questão que o professor citou foi a do Banco Central que, se fosse autônomo, estaria imune à implantação de políticas de curto prazo, desastrosas para o país, mas eficientes em períodos eleitorais.

Papel dos partidos

O instrumento por excelência de vocalização dos anseios da população são os partidos políticos, que, segundo Reis, têm ainda a função de agregar interesses dispersos, tornando sua defesa viável. "Não são associações, ONGs, ou conselhos a instância legítima para se fazer política, são os partidos. "A interferência de uma ONG no governo é tão ilegítima quanto a das grandes corporações. Nenhuma dessas instituições foi legitimada pelas urnas para governar".

O professor da UFMG ponderou que a busca de interesses corporativistas tende a ser vista como algo vil pela imprensa e pelos meios acadêmicos, mas que é impraticável uma "conversão" dos valores da sociedade. "Política é jogo de interesses sob uma estrutura normativa. Uma reforma política poderia criar regras em que próprio jogo das facções políticas as neutralizassem, de forma que se pudesse extrair daí algo de positivo para o interesse público", ressaltou, com a ressalva de que é preciso esperar e observar como as regras se enraízam na prática.

Citando Tancredo Neves, o sociólogo disse que o processo político precisaria decantar. "Entre 1945 e 1964, havia uma identificação do eleitor com o partido. Talvez pela figura forte de Getúlio, não se admitia a troca de partidos. Era inconcebível pelo eleitorado que um político do PSD, que se opunha a Vargas, migrasse à UDN, que o apoiava.

Populismo

Para Reis, a participação da maioria do eleitorado é alheia à política. "O povão está de costas ao processo, e mesmo na época das eleições tem uma percepção tosca. É como a torcida do Flamengo, sem identidade sequer de condição econômica". Este cenário, segundo o professor, é propício para práticas populistas. "O PT se beneficiou disso na eleição de Lula, apesar de ter sido criado de forma muito promissora", lamentou.

O pouco interesse da população pela disputa política faz com que Fábio Wanderley Reis defenda a manutenção do voto obrigatório: "afastar a maioria da população do sufrágio seria mais um fator de exclusão social", salientou, defendendo também o financiamento público das campanhas eleitorais: "Da mesma forma que o sistema garante a todos o direito de votar, também poderia garantir o direito de ser votado".



Entenda o que é o sistema bicameral

No sistema político bicameral, o Poder Legislativo é composto de duas casas de representantes eleitos pelo povo, com poderes de legislar sobre os assuntos de interesse nacional e fiscalizar a aplicação de recursos públicos. As duas casas legislativas são o Senado Federal e a Câmara dos Deputados e, juntas, constituem o Congresso Nacional. Já no sistema unicameral existe uma só casa legislativa. Neste caso o Poder Legislativo seria constituído somente pelos deputados.

Senado Federal

O Senado Federal é composto por 81 senadores, representantes das unidades da federação " os estados. Para cada estado, incluindo o Distrito Federal, são eleitos três senadores para um mandato de oito anos. A renovação, entretanto, é feita de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços: quer dizer que num pleito é eleito um senador e, quatro anos depois, são eleitos dois.

As atribuições do Senado, de modo resumido, são as seguintes:

- processar e julgar o presidente da República, o vice-presidente, e também os ministros de estado, os ministros do Supremo Tribunal Federal, o procurador geral da República e o advogado geral da União, assim como aprovar a indicação desses últimos;

- autorizar a União a realizar operações externas de natureza financeira, dispor sobre limites de crédito e garantias de operações realizadas pela União;

- estabelecer limites para a dívida dos estados;

- suspender a execução de leis declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal

- eleger membros do Conselho da República.

Câmara dos Deputados

A Câmara dos Deputados, formada por 513 deputados eleitos a cada quatro anos, é formada por representantes da sociedade. A distribuição dessa quantidade é proporcional à população de cada estado, e é feita de maneira que nenhuma unidade da federação tenha menos de oito nem mais de setenta deputados.

As atribuições da Câmara dos Deputados, de modo resumido, são as seguintes:

- instaurar processo contra o presidente da República, o vice-presidente e os ministros de estado;

- tomar as contas do presidente da República quando não apresentadas ao Congresso no prazo hábil;

- eleger membros do Conselho da República.

Congresso Nacional

O Senado Federal e a Câmara dos Deputados constituem o Congresso Nacional, ou seja, o Poder Legislativo brasileiro.

O Congresso Nacional trata de todos os aspectos da organização do país, dentre eles:

- sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas;

- planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento; plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, operações de crédito e dívida pública;

- limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do domínio da União;

- incorporação, subdivisão ou desmembramento de áreas de territórios ou estados;

- organização administrativa e judiciária;

- matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações;

- moeda, seus limites de emissão, e montante da dívida mobiliária federal.

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