Sociedade Desorganizada

OPINIÃO - Souza Santos*
09/04/2003 18:14

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O crescimento do número de condomínios fechados, dos muros de vários metros

de altura, das casas fortemente gradeadas, dos circuitos internos de

câmeras e das cercas eletrificadas, são fatos que há alguns anos têm feito

parte do nosso cotidiano. Com tanta força estão presentes, que incorporaram

um novo estilo de arquitetura à nossa realidade. Com semelhante

naturalidade, encaramos as prefeituras transformando seus municípios em

cidades-fortalezas. Assim como em Paulínia e Iracemápolis, é forte a

tendência de que um número cada vez maior de prefeituras cerquem seus

municípios e controlem suas entradas, para então, mais uma vez,

acostumarmo-nos com essas novas formas de organização, como se fosse a

única coisa que pudéssemos fazer diante da omissão das nossas autoridades

com relação ao sério problema da violência que assola o país.

As centenas de mortes de pais de família vitimados pelo terror da criminalidade, e a

execução estúpida de pessoas de bem, também é outro acontecimento que se

perde no dia a dia da nossa sociedade. Não existem mais lágrimas coletivas.

O sofrimento dos pais que perderam sua filha no tiroteio do metrô ou dos

familiares da jovem que não saiu com vida do circular, são dores

individuais. Só eles choram por elas. A sociedade já não se choca mais com

a subtração de vidas inocentes, e apesar de anestesiada à dor, vive

atemorizada. Não se trata de insensibilidade, mas da necessidade tácita de

ter que conviver com um quadro tenebroso diante do qual só resta o

sentimento de impotência. Um quadro que parecia condenado à estagnação

porque até pouco tempo só atingia a anônimos.

As notícias dos últimos dias trazem algo de novo a esta triste realidade.

As barbáries são as mesmas, os crimes são iguais, mas as vítimas ganharam

rostos. Uma grande pergunta paira no ar: será que também nos acostumaremos

com a intimidação da justiça? Logo ela, tão suprema e absoluta e sobre a

qual paira grande parte da responsabilidade de promover a mudança deste

sistema que tem dado sustentação à esta situação caótica? Sim, porque se

depende do legislativo a reformulação das leis e normas judiciárias, também

é verdade que o lobbe de juristas, seja entre a magistratura, seja entre os

advogados, tem responsabilidade por as coisas estarem como estão. São

grandes os interesses que cooperam para o protelar da reforma do judiciário

e para que leis que atingem a raiz da criminalidade não saiam das gavetas

dos gabinetes. O crime vitima as mais altas camadas e não existe sequer um

que esteja imune ao terror deste grave problema. As próprias instituições

responsáveis pela segurança e manutenção da ordem estão com medo. Juizes,

promotores, delegados, enfim, todos são vítimas, todos se sentem ameaçados.

O sangue de comuns tem clamado sem eco. A violência atingiu a prefeitos,

deputados, juizes, promotores e diretores de presídios. Também eles terão

embargados o timbre de seus clamores? É vergonhoso que só diante de fatos

como estes, se observe alguma mobilização contra o problema. Certamente

tudo estaria de outro modo se a mesma repercussão dada à morte de

excelentes tivesse alcançado o drama do cidadão comum. NÃO É O CRIME QUE

ESTÁ ORGANIZADO, mas A SOCIEDADE ESTÁ DESORGANIZADA e é isto o que precisa mudar. Em todas as esferas, todos os poderes têm que agir conjuntamente

para que os planos de combate à violência saiam do papel. Do contrário,

continuaremos abrindo presídios ao invés de escolas, continuaremos formando

doutores nos crimes, com PHD em marginalidade, ao invés de profissionais

competentes instruídos nas universidades oficiais. VERDADEIRAMENTE A

SOCIEDADE ESTÁ DESORGANIZADA. E de tão acostumada com a inversão da ordem

e valores, não repara que lhe faltam escolas equipadas, computadores nas

salas de aula, condições dignas de ensino. Não percebe que o máximo que o

Estado tem feito pelos seus jovens, é a criação de presídios de segurança

máxima os quais infelizmente hoje em dia, são tão necessários quanto os

quadros negros, se quisermos viver com um mínimo de segurança. A SOCIEDADE

VIVE DESORGANIZADA, e como a desordem parece natural não se dá conta de que

o primordial não muda e que nos acostumamos com o incomum. Se cada um de

nós cidadãos, alunos do ensino público, visitarmos a escola em que

estudamos, por exemplo, certamente pouco ou nada foi feito nela. No mesmo

prédio descuidado, se encontram as mesmas carteiras, a mesma ausência de

recursos a mesma disposição ignorante às inovações tecnológicas. Próximo à

ela, ou em algum lugar daquele bairro, certamente também haverá uma unidade

da FEBEM. Mais recente, é verdade, e também carente de recursos que

promovam reeducação efetiva e digna custódia dos menores que abriga. Porém,

melhor lembrada pelas autoridades em função do "perigo" que representa.

Assim também com os presídios, que hoje são mais presentes que as escolas,

senão em número, pelo menos em atenção. Atenção sumamente necessária, é

verdade, impossível de não se considerar. Mas fruto de uma SOCIEDADE NÃO

ORGANIZADA, que por não se importar com suas crianças, agora é obrigada a

lidar com jovens criminosos que se organizam no crime. FILHOS DA DESORDEM

que por assistirem impotentes o acaso para com os seus pais anônimos,

tornaram-se os agressores dos rostos conhecidos. Filhos que não receberam

escolas dignas mas que estão merecendo as melhores e mais fortificadas

prisões. Mas isto também tornou-se natural, a SOCIEDADE parece não notar. E

se nota, percebe apenas o presídio sem reparar a falta da escola. Por isso,

recebemos com pesar a notícia da construção de presídios. Lamentamos

profundamente que para os nosso jovens, eles necessitem ser de segurança

máxima. Imprescindíveis e por demais necessários, são símbolo do descaso

das autoridades em relação ao futuro, em relação aos seus jovens, em

relação à educação.

Precisamos reverter esta situação. Uma das vertentes dessa desorganização e

que prontamente pode ser atacada pelo legislativo, é a distorção que se faz

a cerca da excelência da nossa democracia. Concordo que por ela e em nome

dela, debatamos propostas, discutamos opiniões, promovamos debates. Contudo

a ação não deve se limitar ao debate, temos que ser unânimes na perseguição

dos problemas. A unanimidade não deve ser em prol desta ou daquela

administração, mas pela definitiva extinção do mal. Não podemos continuar

permitindo que divergências partidárias, procedência de propostas, slogans

deste ou daquele programa estejam à frente dos interesses da população que

tanto tem sofrido a espera de soluções que nunca chegam. Este seria um bom

começo para um momento em que tanto carecemos de organização.

alesp