Celular é a principal dificuldade para combater PCC


08/10/2003 22:06

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Delegado Ruy Ferraz Fontes e deputado Romeu Tuma<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/seguranca81003.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Delegado titular da 5ª Delegacia de Patrimônio/Roubo a Banco do Deic, Ruy Ferraz Fontes<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/segurancaA81003.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

DA REDAÇÃO

As maiores dificuldades encontradas pela polícia no combate ao PCC são os telefones celulares. Além de serem difíceis de rastrear, não há a colaboração por parte das operadoras em fornecer dados que auxiliem a polícia a localizar a origem de chamadas. Para ilustrar essas afirmações, o delegado titular da 5ª Delegacia de Patrimônio/Roubo a Banco do Deic, Ruy Ferraz Fontes, citou o caso de seqüestro em que esteve trabalhando toda a noite e ao qual voltou após comparecer à reunião da Comissão de Segurança Pública da Assembléia Legislativa desta quarta-feira, 8/10.

Presidida pelo deputado Romeu Tuma (PPS), a reunião teve a finalidade de ouvir o delegado Ruy Ferraz a respeito do andamento das investigações sobre a organização criminosa Primeiro Comando da Capital, mais conhecida pelas iniciais PCC.

Objeto constante de notícias na imprensa e já famosa por atentados como o que matou o juiz da vara de Execuções Criminais de Presidente Prudente, José Antonio Machado Dias, em março deste ano, a facção criminosa foi ainda assunto de notícia falsa veiculada pela rede de TV SBT, no Programa Legal, do apresentador Gugu Liberato.

Ruy Ferraz fez um relato breve da estrutura da organização e do trabalho de coleta de dados que vem sendo realizado pela equipe sob seu comando. "Difícil por natureza, a obtenção de dados esbarra ainda no problema dos celulares que ainda entram nos presídios." Para Ruy Ferraz, é fundamental tentar romper a comunicação entre os membros da facção. Onde não há celulares nem telefones fixos, como o presídio de Presidente Venceslau, os contatos acabam sendo feitos durante visitas de advogados que servem de mensageiros. Com honorários que vão de R$30 a R$50 por mensagem transmitida, cinco desses advogados já foram presos. A prisão dos advogados impede temporariamente as comunicações entre os membros do PCC.

Estrutura do PCC

O deputado Conte Lopes - que recebeu, recentemente, carta de promotor de Justiça de Taubaté, que pediu para não ser identificado, com denúncias sobre o poder do PCC frente às autoridades - pediu ao delegado informações sobre a estrutura da facção e sobre a existência ou não de lista de atentados que seriam realizados contra autoridades constituídas.

Segundo Ruy, o PCC tem uma estrutura simples. O topo da pirâmide consiste num conselho de 12 líderes, cuja deliberação deve ser sempre unânime. Abaixo do conselho estão os chamados "pilotos" - em cada presídio há um piloto, representante do PCC (são cerca de 88 no Estado). Abaixo deles, estão os "soldados", presos ou não. Todo membro do PCC é ligado a algum preso, e passa a integrar o comando mediante um "batismo": uma missão que lhe é confiada, atentado ou assalto. Os membros do PCC pagam uma porcentagem do que auferem com o crime, em geral tráfico de drogas no varejo, dinheiro que constitui a "caixinha" do comando e que serve para pagar por benefícios e serviços dentro da prisão.

Segundo Ruy, não há atentado sem o conhecimento do conselho, ou melhor, sem a ordem direta deste. Ninguém do PCC ousa contrariar o comando ou agir independentemente, porque a punição é imediata. Quando indagados, os "soldados" presos por atentados, como o que ocorreu contra o Fórum da Penha, respondem apenas que lhes foi dada uma missão e que a cumpriram. As autoridades acreditam que a resposta é padrão porque esses "soldados" temem por suas vidas ou as de seus familiares.

Armamentos também têm sido adquiridos pelo PCC. Comprovadamente, já foram adquiridos um lançador de granadas e 2 fuzis. A polícia investiga um suspeito de fornecer metralhadoras ao PCC por valores em torno de R$40 mil.

Quem está na mira do PCC

Conte Lopes insistiu em saber se há alguma lista, porque, à vista das informações que vem obtendo, inclusive do promotor de Justiça de Taubaté, todas as autoridades da Segurança e da Justiça são alvos potenciais.

Ruy acredita que não, porque os líderes querem deixar o regime de isolamento e voltar ao sistema normal, e qualquer atentado, ou série de atentados contra autoridades, seria contraproducente.

Além do PCC, agem também em São Paulo outras duas grandes facções criminosas: o Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC), oponente do PCC, e a Seita Satã, que às vezes se alinha ao PCC.

O PCC foi criado em 1992, numa rebelião no presídio de Taubaté em razão da forte disciplina e da falta de benefícios. Porém, a organização cresceu a partir de 1998, quando ganhou espaço na mídia ao divulgar como objetivos a melhoria do sistema penitenciário. Essa "cortina moral", segundo Ruy Ferraz, encobre, em sua opinião, o verdadeiro propósito, que é o domínio de pontos de venda de drogas e o pagamento por proteção aos presos membros da facção e às suas famílias.

O deputado Vanderlei Siraque (PT) perguntou sobre a possível conivência de agentes públicos com as atividades do PCC, ou mesmo da participação na organização, pois os membros da facção não têm grandes patrimônios aparentes. O delegado informou que esse tipo de corrupção ocorre, evidentemente, e alguns casos já foram apurados, mas que não seria uma participação sistemática. Há pagamento por benefícios ou serviços, mas não constitui uma filiação do agente público ao PCC. Os membros da organização têm, segundo Ruy, profunda aversão aos agentes públicos, de modo que, até este ponto das investigações, não há indícios do envolvimento de instituições.

Pouco lucro

Outra coisa que chama a atenção é que os ganhos apurados pelos membros do PCC, em especial os líderes, demonstram ser muito baixos, o que pode levar a pensar que a atividade de tráfico de drogas e proteção não é muito lucrativa. Relações entre o PCC e o Comando Vermelho, que resultaram num acordo de distribuição de cocaína e maconha na Baixada Santista pelo CV, quando da transferência de dois membros do PCC para o Rio de Janeiro, hoje são mais tênues. O alto volume de dinheiro movimentado pelo CV, em comparação ao PCC, assim como o que se pôde apurar da monitoração das conversas entre membros das duas facções revelam que há grande diferença entre elas: enquanto a organização Comando Vermelho é eminentemente empresarial, o PCC tem forte componente ideológico.

"Qual o objetivo do PCC, então?", quis saber o presidente da comissão, Romeu Tuma. Na opinião de Ruy, o objetivo moral é a proteção ao preso, dentro do presídio, e a seus familiares, conforme seu regulamento interno.O prejuízo ao preso, como uma transferência que impeça o contato com a família, é objeto de reação imediata.

Segundo depoimentos dos próprios presos, a ação "Castelinho", em que foram mortos 12 assaltantes, alguns deles membros do PCC, gerou uma onda de atentados, com invasão de delegacias, morte de policiais etc.

Como acabar com o PCC?

Apesar de tudo, Ruy afirma que o Estado ainda tem o controle sobre as prisões. E que, para acabar com a organização criminosa, é imprescindível impedir a comunicação entre seus membros. Além disso, as ações no Estado têm de ser descentralizadas, e as informações obtidas pela Capital devem estar imediatamente disponíveis nas outras regiões.

Conte Lopes leu a carta do promotor, que, após denunciar que sobram celulares, armas e tráfico de drogas nos presídios, diz em determinado trecho que "parece existir um pacto entre os presos e o Governo do Estado", e mais adiante revela: "temos medo de mexer nesse vespeiro". Ruy Ferraz admitiu que o problema dos celulares, por exemplo, não tem solução eficiente, ainda.

"Há um PCC mirim agindo nas unidades da Febem?" Indagou o presidente Romeu Tuma. O delegado acredita que não. "É possível que adolescentes que participaram de ações, ou são membros do PCC por terem relações com presos da organização, estejam confinados na Febem, mas não há uma organização no sistema que seja de meu conhecimento", afirmou.

Para Vanderlei Siraque (PT), "dá a impressão de que o PCC foi criado pela omissão do Estado na execução da lei de execução penal". Ruy Ferraz concorda que houve omissão do Estado ao não coibir a profusão do uso de celulares na prisão. Além disso, observou que há grande dificuldade em transformar a investigação em elemento de análise para o processo judicial. "Grampos" telefônicos de 3 anos atrás ainda não foram transcritos pelo Instituto de Criminalística, por exemplo, e não puderam ser parte do processo. A demora leva ao relaxamento de prisões, por problemas processuais formais.

Respaldo ao trabalho investigativo

Romeu Tuma lembrou que a Comissão de Segurança Pública serve também para dar respaldo ao trabalho policial. Entre outras medidas, foi deliberada pelos membros presentes a realização de diligência ao Instituto de Criminalística, para cobrar providências na transcrição das gravações. Além disso, Tuma pediu ao delegado Ruy Ferraz o encaminhamento de relatório das necessidades materiais para que se dote adequadamente o orçamento do Departamento.

Para Ruy, "a tecnologia avança e precisamos do que há de mais moderno para facilitar o trabalho de investigação e coleta de informação. Nossa missão é mesmo 'arapongar' o PCC".

Participaram também da reunião os deputados Ubiratan Guimarâes (PTB), Afanasio Jazadji (PFL), Rosmary Corrêa (PSDB), Hamilton Pereira (PT), Mauro Menuchi (PT), Alberto Turco Loco Hiar(PSDB) e Luiz Gonzaga Vieira (PSDB).

alesp