Comissão discute agressões sofridas por moradores de rua


26/08/2004 21:32

Compartilhar:

Aldaíza Sposati, secretária municipal de Assistência Social, Aldaíza Sposati<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/aldaisa.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Deputado Romeu Tuma, presidente da Comissão de Representação<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/Tuma14.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Padre Júlio Lancellotti ao lado da secretária municipal de Assistência Social, Aldaíza Sposati<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/Pe. Julio15.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Padre Júlio Lancellotti<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/Pe. Julio.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Disley Germano, (esq)  morador de rua<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/Disley48.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A violência contra moradores de ruas foi o tema das discussões travadas nesta quinta-feira, 26/8, na Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, presidida pelo deputado Renato Simões (PT). A reunião contou com a participação do padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, Aldaíza Sposati, secretária municipal de Assistência Social, do promotor público de justiça Carlos Cardoso, de representantes de organizações sociais e moradores de rua.

No início da reunião foi mencionada a formação de uma Comissão de Representação, constituída por nove parlamentares da Assembléia, para acompanhar as investigações sobre os casos de assassinatos dos moradores de rua da região central da cidade. A comissão, presidida pelo deputado Romeu Tuma (PPS), se reuniu pela manhã desta quinta-feira com o delegado Domingos de Paula Neto do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), para tomar ciência das investigações que estão em curso.

Intolerância social

O padre Júlio Lancellotti disse que a violência contra os moradores de rua não é algo recente, é uma situação recorrente e presente no dia-a-dia de todos os envolvidos com essas pessoas. "O fato ocorrido na última semana foi inédito por ter sido cometido em série e ter características de execução".

Umas das preocupações do padre é o policiamento nas áreas onde aconteceram as mortes. "Temos que evitar o terrorismo. Os policiais não podem aterrorizar os moradores, dizendo a toda hora que eles devem ir embora, pois os assassinos podem chegar. Eles devem inibir a violência com competência e capacidade de acolher", completou.

Segundo o representante da Pastoral, medidas de segurança não bastam para melhorar a vida dos que habitam as ruas. São necessárias políticas de saúde mental, atendimento a dependentes químicos e programas de empregos, mas, principalmente, deixar de lado a indiferença: "é preciso oferecer-se como pessoa e conviver com eles", disse o padre.

A clara intolerância contra minorias que toma conta de parte da sociedade preocupa o padre Júlio, que acredita que essa onda de violência pode migrar para outros grupos sociais.

Rede Rua

Alderon Pereira da Costa, membro da Associação Rede Rua, que auxilia moradores de rua e produz o jornal "O Trecheiro", acredita que a primeira violência sofrida por essas pessoas é o próprio fato de elas terem de ir para rua: "mas além de ter que ir para rua, elas sofrem pequenas violências, como latinhas jogadas sobre eles e fogo ateado sobre seus cobertores". Alderon disse que não acredita que haja grande empenho nas investigações e que o esforço que está sendo feito deve-se à grande repercussão dessas mortes na mídia. "Mesmo assim, o simples fato de estarmos aqui discutindo esse assunto já é uma grande vitória".

Sem palanque

Para o promotor público Carlos Cardoso, o assunto não pode virar alvo de propaganda política, situação que só atrapalharia as investigações, por desviar o foco da questão principal.

Segundo Cardoso, tem aumentado muito o número de moradores de rua, cuja assistência é competência tanto do município quanto do Estado. "O Ministério Público já promoveu ações contra o Estado e o município para que definissem políticas públicas voltadas aos moradores de rua."

A expectativa do MP é que as atividades voltadas a essa população sejam retomadas com a criação de novos programas de atendimento.

Quem é o morador de rua?

Ninguém melhor para traçar um quadro do morador de rua do que ele próprio. Disley Germano estudou até o primeiro ano do 2º grau e fez vários cursos profissionalizantes. Após a morte dos pais, a constância no desemprego levou o jovem de 29 anos a perder a condição de se sustentar por conta própria. Obrigado a desocupar a casa onde morava, por falta de pagamento, acabou indo para a rua. Apesar de ter irmãs, Disley afirmou que a ausência de diálogo acabou afastando-o da família.

Atualmente, ele pernoita no Albergue Arsenal da Esperança, onde, diz, "é muito bem atendido". Mas a grande expectativa de Disley é obter uma ocupação profissional que lhe permita manter uma moradia. "Já me inscrevi na Cooperativa de Catadores de Papel. Acho que é a única saída para aqueles que vivem na rua, a união em torno de cooperativas."

O triplo

De acordo com pesquisa da Fipe, feita a pedido da Prefeitura de São Paulo, o número de moradores de rua triplicou nos últimos 12 anos. Em 1991, havia 3.392 pessoas vivendo nas ruas da cidade e, em 2003, esse número já estava em 10.384 mil, concentrados praticamente na região central.

A secretária municipal, Aldaíza Sposati, apresentou esses dados, ressaltando a importância de as casas legislativas debaterem a situação dos moradores de rua. "A exclusão social chega a tal ponto na vida dessas pessoas que nem o censo demográfico as contabiliza no total de habitantes."

Sposati explicitou o perfil heterogêneo dessa população. "Na rua vivem analfabetos, graduados em nível universitário, aposentados, doentes mentais e portadores de HIV, entre outros." Os motivos que levaram essas pessoas às ruas são vários: envolvimento com alcoolismo, drogas, abandono imposto pela família, preconceito.

Serviços oferecidos

A Prefeitura de São Paulo tem o programa Acolher, que assiste moradores de rua e busca meios para que possam reconstruir suas vidas.

Sposati informou que existem 111 albergues e 9 abrigos especiais que disponibilizam cerca de 5.500 vagas, mantidas a partir de um orçamento de R$ 33 milhões anuais. "É imprescindível o trabalho de vigília social, ou seja, de acompanhar a presença das pessoas nas ruas." A secretária lembrou que a Prefeitura conta com o número 0800 771303, para o atendimento de moradores de rua. "Cada vez que alguém constatar a presença de pessoas abandonadas nas ruas, pode e deve nos informar sobre isso." O atendimento é feito ininterruptamente por meio de vans pertencentes ao município.

O deputado Roberto Alves (PTB) perguntou a Aldaíza Sposati o motivo de ainda haver moradores de rua, se era oferecido um atendimento de tal qualidade. A secretária respondeu com a projeção de um gráfico, que mostrava o aumento de 3.693 albergados em 2000 para 6186 atendidos em 2003.

Posteriormente, respondendo à pergunta do deputado, a moradora de rua Inês Pereira Lima explicou: "Não adianta o albergue ter cinema ou água quente para dar banho em cachorro. Lá não é a casa da gente".

O catador de papelão Anderson Lopes Miranda pediu que se fizesse um minuto de silêncio em homenagem às vítimas de violência. Em seguida, explicou a importância de se resgatar a auto-estima dos moradores de rua, etapa imprescindível para a sua reinserção social.

Sposati voltou a comentar que é necessária certa tolerância dos empregadores com essas pessoas. E acrescentou: "A prefeitura está utilizando, de forma remunerada, mão-de-obra de albergados para serviços de manutenção e lavanderia, muito embora não exista amparo legal para tal ação".

Direitos da população de rua

A presidente da Comissão Extraordinária Permanente de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal de São Paulo, Lucila Pizani Gonçalves (PT), falou sobre a importância da aprovação da Lei Municipal 12.316/97, que descreve os direitos da população de rua e a forma como esta deve ser tratada pelo poder público. A deputada Maria Lúcia Prandi (PT), por sua vez, ressaltou que há dois problemas distintos: "A Comissão de Direitos Humanos deve tratar de uma política de amparo à população de rua. Para a questão das chacinas que estão ocorrendo, é tarefa da Comissão Especial de Representação acompanhar o andamento dos trabalhos policiais".

Romeu Tuma (PPS) frisou a importância da rápida apuração dos fatos e a conseqüente punição dos culpados. "É preciso impedir que esses delitos se transformem em um novo 'crime de moda', com casos acontecendo em todo o país".

Após votação, estabeleceu-se o envio de ofícios ao delegado geral de Polícia e ao comando geral da Polícia Militar para que os moradores de rua deixem de ser conduzidos contra a vontade a albergues ou a delegacias, como fora denunciado. Também será promovido um encontro entre policiais e moradores de rua de forma a melhorar seu relacionamento. Por sugestão de Roberto Alves, o evento contará ainda com a presença de representantes da Guarda Civil Metropolitana.

Um censo estadual para estimar a quantidade de pessoas em situação de rua no Estado também foi indicado pelos deputados, além da averiguação dos repasses feitos aos municípios para a área de Assistência Social.

alesp