São Paulo - 450 anos de história

Antônio Sérgio Ribeiro (*)
23/01/2004 19:53

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"Tupã omogaraiba, yawé ara catu omechê peeme!"

("Deus vos abençoe e vos dê também tempos felizes!")

(Citação do general Couto de Magalhães, em conferência no tricentenário do Anchieta, em 1896)

Quando do descobrimento do Brasil, em 22 de abril de 1500, o território paulista era habitado por diversas tribos indígenas.

No litoral, do norte até o centro (hoje região de Santos), eram os Tamoios e os Tupinambás; do centro mais para o sul eram os Tupiniquins e no extremo sul do Estado eram os Carijós. Na região do Vale do Ribeira, eram os Goianas, cujo território abrangia até a região em que hoje se situa a grande São Paulo. Na região de Registro era habitada pela tribo Guaiana (Guaianazes).

A serra da Mantiqueira era habitada pelos Purís. No médio Tietê era a tribo Tupi. No alto Tietê ao norte eram os Kaiapó Meridionais, e ao sul os Kaingans, nessa mesma área, mas em pequenos territórios, também eram habitadas pelos Opaié-xavantes, estes às margens do rio Paraná, e pelos Otí-Xavante mais para o interior, mas na mesma região.

A Coroa portuguesa resolveu empreender a colonização de seu território ultramarino que estava à mercê de corsários e piratas. Assim foi determinada pelo Rei D. João III, a vinda de Martim Afonso de Sousa, que partiu de Lisboa em 3-12-1530, em companhia de seu irmão Pedro (Pero) Lopes de Sousa e de uma esquadra.

Martim Afonso de Sousa, ao desembarcar em novas terras, depois de ter ido até o rio da Prata, recebeu com surpresa João Ramalho, morador no planalto de Piratininga, e Antonio Rodrigues, que habitava no litoral, em Tumiaru (Bertioga), e que segundo consta teriam chegado ao Brasil em 1513, com a expedição de João Dias Solis, ou em 1519, com Fernando de Magalhães, não sabendo se os dois eram degredados ou mesmo náufragos. Estes, ao tomarem conhecimento da chegada da esquadra lusitana e que os índios iriam hostiliza-la, conseguem dos dois chefes indígenas Tibiriçá e Caiubi, cujas filhas eram suas esposas, uma recepção de paz e amizade. Martim Afonso funda em 22-1-1532 a primeira povoação do Brasil: São Vicente.

Sabendo, por João Ramalho, da existência de uma povoação (hoje região de São Bernardo do Campo), no alto da serra de Paranapiacaba, Martim Afonso sobe em companhia de Ramalho e comitiva até o planalto de Piratininga, onde assina algumas cartas de sesmarias, conforme Carta régia do Rei de Portugal, na qual tinha a faculdade de conceder terras que ele descobrisse às pessoas que o acompanhassem, e que fossem lá morar. Um dos beneficiados foi o próprio João Ramalho.

Em março de 1533, retornou Martim Afonso de Sousa para Portugal, deixando como seu representante o sacerdote Gonçalo Monteiro, que governou a Capitania como loco-tenente de 1536 a 1539.

João Ramalho era casado com Bartira (M´bicy), filha do cacique Tibiriçá, e colaborou com a colonização da Capitania e com as autoridades portuguesas. A povoação por ele financiada e construída era constituída por simples choupanas, e cercada de uma cerca de pau a pique, com uma trincheira e quatro baluartes para proteger dos ataques de tribos inimigas.

Nóbrega na Aldeia de Piratininga

Em 1549, chega ao Brasil, na esquadra do primeiro Governador-Geral do Brasil Tomé de Sousa, o Padre Jesuíta Manoel da Nóbrega, membro da Companhia de Jesus, esta fundada em 1540 pelo depois Santo Inácio de Loyola, chefiando o primeiro grupo de Jesuítas, os Padres Leonardo Nunes, este seria o primeiro religioso a ir serra acima na região do planalto, (hoje São Paulo e ABC), João de Aspicuelta Navarro, Antonio Pires e os irmãos Diogo Jácome e Vicente Rodrigues, que tinham como missão a catequese dos indígenas.

Após permanecer algum tempo na Bahia e em Pernambuco, Manoel da Nóbrega, que foi o primeiro Provincial da Companhia no novo continente, foi para São Vicente, onde fundou em 22 de janeiro de 1553, o Colégio de Meninos de Jesus. Ainda em 1552, em carta ao Padre Inácio de Loyola, Manuel da Nóbrega solicita o envio de mais missionários para auxiliar a árdua tarefa de catequese em terra ultramarina. No dia 8-5-1553, parte de Lisboa para a Bahia o segundo Governador-Geral D. Duarte da Costa, nomeado pelo Rei, trazendo em sua esquadra os Jesuítas Padres Luis da Grã, como Superior, Braz Lourenço, Antonio Pires e os irmãos Antonio Blasques, Gregório Serrão, João Gonçalves e o discípulo José de Anchieta.

Em meados de 1553, o Padre Manoel da Nóbrega, com os demais religiosos, sobe a serra de Paranapiacaba, apesar da oposição do Governador-Geral, que entendia que deveria primeiro povoar o litoral para garantir a presença da Coroa portuguesa no Brasil, e vai conhecer a Vila de Santo André da Borda do Campo de João Ramalho. Não gostando do local, segue com o guia André, filho de Ramalho, pelo sertão, tendo fundado às margens do rio Anhembi (hoje Tietê) a povoação de Maniçoba (hoje região do Itu), que teria curta existência em virtude de ataques de tribos hostis. No planalto, com a idéia de "juntar três aldeias numa para aprenderem a doutrina cristã" e achando um lugar apropriado e seguro, funda em 29-8-1553, com o auxilio dos irmãos caciques Tibiriçá e Caiubi, e reunindo 50 catecúmenos, um povoamento, que recebeu o nome de Aldeia de Piratininga.

Entre o Anhangabaú e Tamanduateí

O local escolhido, no alto de elevação de Inhapuambussu (hoje Pátio do Colégio), entre os rios Anhangabaú e Tamanduateí, entre a habitação de Tibiriçá, localizada no atual largo de São Bento, e a taba de Caiubi, na altura da atual rua Tabatinguera, distância que se percorria em menos de meia hora, ficava a singela habitação que serviu para os Jesuítas e mestre-escola dos curumins, com uma rústica igrejinha e residência anexa. O Padre Nóbrega ordena "que a povoação nova se leve adiante nesse sítio", e também "que alguns irmãos estudassem gramática e juntamente servissem de intérpretes para os índios, tendo confiado a doutrinação ao Padre Manoel de Paiva. Em carta para o rei português, Manoel da Nóbrega escreveu de Piratininga, dizendo: "... vai-se fazendo uma formosa povoação".

Por determinação do Padre Manoel da Nóbrega, o Padre Leonardo Nunes foi à Bahia buscar os Jesuítas recém-chegados, que vieram ajudar na evangelização no Brasil. No dia 24-12-1553, desembarcaram em São Vicente, os Padres Braz Lourenço, Antonio Pires e os Irmãos Diogo Jácome, Gregório Serrão, Vicente Rodrigues e José de Anchieta.

Os recém-chegados sobem a serra em direção a Aldeia de Piratininga, para ajudarem seus companheiros religiosos. Na manhã de 25-1-1554 por designação do Superior Nóbrega, o Padre Manoel de Paiva celebrou a missa padroeira pela inauguração do Colégio dos Jesuítas, conhecido também como Casa de São Paulo, em homenagem ao dia consagrado à conversão de Paulo de Tarso ao cristianismo, que ficou padroeiro do estabelecimento. A missa teve como sacristão o noviço José de Anchieta, que contava com apenas 19 anos.

A simples choupana que os índios ajudaram a levantar tinha 14 passos de comprimento por 10 de largura, de paredes de pau-a-pique, coberta de sapé, que nas palavras de Anchieta:

"Aqui se fez uma casinha de palha com uma esteira de cana por porta. As camas são redes que os índios costuram, os cobertores, o fogo..."

A escolha do local feita pelo próprio Padre Manoel da Nóbrega se fez por uma questão estratégica, pois tinha vista privilegiada de todas as direções, pois se localizava no alto de uma colina, o que dificultava a escalada dos índios e cercado de dois rios, o Tamanduateí e o Anhangabaú, impossível de ataque surpresa. O novo povoamento foi depois fortificado e cercado por uma paliçada, construída pela mobilização de todos os brancos, índios, até os padres e a criançada. Para assegurar a sua defesa dos ataques sorrateiros das feras, e assalto dos índios inimigos, principalmente dos Carijós, que era uma constante, acabou tornando-se um verdadeiro reduto inexpugnável. Posteriormente, foi construída uma segunda defesa, uma muralha com baluartes e ameias, de taipa de pilão, isto é com muros de terra batida ou socada, para resistir as chuvas. A fortificação ia pelas atuais ruas do Tesouro, Direita, de trás da Sé, Santa Teresa e Carmo, terminando na igreja do Colégio. Com o passar dos anos, sem reparos e manutenção devida, alguns trechos começaram a cair, até desaparecerem totalmente. Anchieta diria:

"Esta guerra foi causa de muito bem para os nossos antigos discípulos, os quais são agora forçados pela necessidade a deixar todas as suas habitações em que se haviam esparzido, e recolherem-se todo a Piratininga, que eles mesmo cercaram agora de novo, com os portugueses e esta segura de todo o embate e, desta maneira, podem ser ensinados nas coisas da fé..."

O colégio e a povoação ficam conhecidos como São Paulo de Piratininga. A catequese e a instrução dos meninos índios ficou a cargo do Padre Antonio Pires, que falava muito bem a língua tupi, e assim podia ensina-los a ler e escrever, e ao jovem Irmão José de Anchieta cabia ensinar latim aos seus colegas noviços, pois ainda não sabia a língua dos gentios.

a Vila de São Paulo de Piratininga

Em 1º-11-1556, foi inaugurada a nova igreja dos Jesuítas, mandada fazer por Manoel da Nóbrega, que já havia sido obrigado a retornar a Bahia, por ser sede do governo no Brasil, e construída sob a direção do Padre Affonso Braz, e que duraria perto de 111 anos.

A opinião de Nóbrega era fazer da Casa de São Paulo um colégio fixo, nos termos que determinava as normas da Companhia de Jesus, mas o problema era que os índios não reconstruíam suas moradias e quando estas estavam em situação precária eles iam para longe, no mato, e com isso seus filhos iam juntos abandonando os estudos e a catequese. A única maneira de manter o colégio e, em conseqüência, o povoamento era trazendo moradores brancos, que manteriam suas habitações em condições de moradia e que não iriam para o mato como os indígenas.

A saída para o problema era a transferência dos moradores da Vila de Santo André, elevada a esta categoria em 8 de abril de 1553, mudança que seus habitantes também desejavam. A questão era que o seu fundador João Ramalho, então seu Alcaide e Guarda-mor do Campo, era contra.

Em 1560, Santo André estava em franca decadência, possuindo apenas trinta habitantes brancos. Diante da solicitação da maioria deles, e com o pedido pessoal do Padre Manoel da Nóbrega, ao Governador-Geral Mem de Sá, ocasião em que se encontravam em São Vicente, este determinou a transferência deles para São Paulo de Piratininga, mudando a Câmara Municipal e o pelourinho de Santo André (ato que extinguiu a Vila de Santo André) para a frente do Colégio de São Paulo, passando a Aldeia de Piratininga à categoria de Vila no dia 5-4-1560, e nela integrando-se todos moradores, inclusive João Ramalho, eleito vereador logo depois. Assim São Paulo não teria mais perigo de se desfazer.

Em 9-7-1562, a Vila de São Paulo de Piratininga é cercada e atacada pelos índios Guaianazes confederados com os Tamoios e Carijós, sob o comando do cacique Araraí, (este irmão de Tibiriçá) e de seu filho Jagoanharo (Cão Bravo), (que seria morto pelo próprio tio quando tentava forçar a igreja onde se encontravam mulheres refugiadas), quase destruindo a Vila, sendo a defesa liderada por João Ramalho e pelo cacique Tibiriçá, que ferido em combate morreria pouco depois.

Quando a casa do conselho que era coberta de palha desabou, os membros da Câmara e o povo da Vila de São Paulo deliberaram em 2-8-1584 construir outra coberta de telhas.

Em 1602, parte de São Paulo para o sertão uma numerosa bandeira organizada pelo capitão Nicolau Barreto, a fim de descobrir ouro e aprisionar indígenas. Tem início a fase dos bandeirantes com o desbravamento do interior do Brasil, que resultaria na ampliação das fronteiras com a anexação de território pertencentes à Coroa espanhola, pelo tratado de Tordesilhas.

A Cidade e a Capitania de São Paulo

Em 22-3-1681, São Paulo é elevada a cabeça da capitania de São Vicente, e instalada como tal em 27-4-1683. Os moradores e membros da Câmara Municipal em petição ao Rei de Portugal D. João V, em 1709, solicitam que a Vila fosse elevada a Cidade, o que ocorreu em 1711, com catedral e bispo (este ainda demoraria). Nesse período foram construídas as primeiras pontes da cidade, de Jurubatuba em Pinheiros e a Ponte Grande do Guaré.

A descoberta do ouro e pedras preciosas em Minas Gerais, em 1720, resultou na separação desta de São Paulo, tornando-se uma Capitania. Em 1738, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul também são desligados do território paulista. O Governador e Capitão-general Gomes Freire escreve ao Rei de Portugal, afirmando que São Paulo era "formosa sem dote". A decadência é total. Com o êxodo para Minas Gerais, São Paulo tinha apenas uma agricultura de subsistência, e o comércio incipiente. Em 1748, culmina com a Carta Régia, que separa Goiás e Mato Grosso e em conseqüência a Capitânia de São Paulo é extinta e anexada e subordinada ao Rio de Janeiro.

Somente em 1765, o Rei D. José I restabeleceu a Capitania de São Paulo, o novo Governador e Capitão-general D. Luis Antônio de Sousa Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, seria o grande artífice no desenvolvimento, incentivando a agricultura e mandando vir da Europa e da Índia mudas e sementes para distribuir aos lavradores.

No governo do Capitão-general Francisco da Cunha Meneses, em 1784, tem início o calçamento das ruas da cidade e, em 1809, o Ouvidor-geral determina a colocação de placas com nomes das ruas e numeração nas casas. Em 16-12-1815, a cidade é elevada a condição Capital da Província.

A agricultura até então baseada no açúcar é substituída pela do café, que plantando em terras fluminenses adentra o território paulista pelo Vale do Paraíba em fins do século XVIII. Mas o grande desenvolvimento de São Paulo começa em 1850, quando é proibido o tráfego de escravos e começa a vinda dos imigrantes europeus para São Paulo. A cultura cafeeira seria, até a primeira metade do século XX, a base da economia do Brasil.

Nos trilhos do crescimento

As exportações e, em conseqüência, a entrada de grande soma de dinheiro fizeram a Capital de São Paulo desenvolver e com isso a melhoraria nos serviços públicos se fizeram notar como em 27-4-1842, quando começa a funcionar o serviço de iluminação pública por lampiões, substituído em 31-3-1873 pelo gás e posteriormente pela energia elétrica, a partir de 1898. Mas o grande fator de desenvolvimento foi a inauguração em 1867 da estrada de ferro São Paulo Railway (Santos-Jundiaí), com capital estrangeiro, mas favorecendo o transporte das sacas de café do interior do Estado para o porto de Santos, onde eram embarcados para todo o mundo.

Com o crescimento da cidade de São Paulo, foi colocado em funcionamento no dia 2-10-1872 a primeira linha de bondes com tração a animal, que ligava do Largo do Carmo até a estação ferroviária da São Paulo Railway (Santos-Jundiaí), que seria substituída em 7-5-1900 pelo serviço elétrico, mantido por 68 anos.

Outro fato de importância para a Capital foi à inauguração da Avenida Paulista em 8/12/1891, projetada pelo arquiteto Joaquim Eugenio de Lima. Nela seriam construídas as residências dos barões do café, sendo a primeira via pública asfaltada e arborizada de São Paulo. Hoje é um dos cartões de visita da cidade.

De 1899, quando o Conselheiro Antonio da Silva Prado, foi o primeiro prefeito eleito, até a atual administração de Marta Teresa Suplicy, foram 56 pessoas que ocuparam a Prefeitura da Capital.

Do humilde casebre coberto de capim, passando por ataques de índios, enchentes, doenças, revoluções, privações e problemas São Paulo com o trabalho e o progresso, tornou-se o centro financeiro do Brasil e a terceira maior metrópole do mundo. Neste 25 de janeiro de 2004, 450 anos depois da instalação do Colégio dos Jesuítas só temos que comemorar o sonho e o idealismo do Padre Manoel da Nóbrega e pensar no futuro dessa grande e querida cidade.



Antônio Sérgio Ribeiro é advogado e pesquisador.

Funcionário da Secretaria Geral Parlamentar da ALESP.

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