Constitucionalidade estadual é tema de debate em seminário

Seminário: Direito Constitucional Estadual
03/10/2003 21:31

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Elival da Silva Ramos, procurador-geral do Estado de São Paulo<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/ElivalRamos.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Sérgio Resende de Barros, e André Ramos Tavares<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/seminarioA31003.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Ao centro, Andyara Klopstock Sproesser, ex-assessor chefe da Assessoria Técnica da Mesa da Assembléia paulista<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/seminariog.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Secretário Alexandre de Moraes, Monica Herman Salem Cagianno e Dalmo Dallari<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/seminarioE.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Seminário Direito Constitucional Estadual <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/seminario31003.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

DA REDAÇÃO

Para discutir questões como os limites da atuação dos Estados no modelo federativo brasileiro e do poder constituinte estadual, o seminário "Direito Constitucional Estadual", coordenado pela Secretaria Geral Parlamentar da Assembléia Legislativa de São Paulo, reuniu nesta sexta-feira, 3/10, no auditório Franco Montoro, parlamentares, assessorias, advogados e estudantes. O primeiro painel do evento foi presidido por Mônica Herman Salem Caggiano, professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e teve como palestrantes Dalmo Dallari, também professor da USP, e Alexandre de Moraes, secretário estadual da Justiça e Defesa da Cidadania.

Dallari apontou a escassez de produção bibliográfica sobre o direito constitucional estadual. Ele salientou ser "um grande equívoco a concepção de que haveria uma hierarquia entre União, Estado e Município; não há hierarquia, mas diferentes competências".

Segundo ele, os Estados têm competências exclusivas e competências comuns, aspectos ainda muito mal estudados, o que tem dado margem a inúmeros conflitos. "O legislador tem de estar atento a essa tríplice distribuição de competências ", comentou.

O jurista explicou ainda que a União é considerada soberana, enquanto os Estados são autônomos. Autonomia é a capacidade de fixar as próprias regras. "É fundamental conhecer o que é autonomia e quais são os seus limites", enfatizou. Na busca desse conhecimento, verificou-se que a Constituição brasileira estabelece o federalismo como norma imutável e reconhece um poder constituinte estadual, reservando ao Estado grande amplitude de competências.

"Não é verdade que sobram poucas competências aos Estados; elas são é pouco exploradas", concluiu Dallari. Ele sugeriu que, nesse aspecto, os Estados tenham mais "atrevimento".

Na opinião do secretário Alexandre de Moraes, as Assembléias acabaram se acomodando por causa da história antidemocrática do Brasil. Segundo ele, é preciso avançar para se conceder efetividade às constituições estaduais, que são praticamente ignoradas. "O nosso federalismo faz de conta há muito tempo", afirmou. Para o secretário, não há a cultura da descentralização, que precisa começar a se fortalecer na sociedade. "Conquistas na constitucionalidade estadual vão se refletir em avanços para toda a sociedade", afirmou.

O seminário sobre direito constitucional foi aberto pelo primeiro secretário, deputado Emidio de Souza (PT), que destacou que a Constituição Federal de 1988 "é um marco na história da cidadania, mas ainda exige desdobramentos dos membros da federação". A mesa de abertura do seminário foi composta também pelo deputado Ricardo Tripoli (PSDB), presidente da Comissão de Constituição e Justiça; Auro Augusto Caliman, secretário-geral Parlamentar da Assembléia; Carlos Roberto Dutra, procurador-chefe do Legislativo paulista; Amilcar Aquino Navarro, da Comissão de Acompanhamento Legislativo da OAB/SP; William Roberto de Campos, juiz do 2º Tribunal de Alçada Civil, além dos palestrantes.

As competências legislativas

No segundo painel, presidido pelo professor Sérgio Resende de Barros, da USP, os professores Manoel Gonçalves Ferreira Filho, da USP e André Ramos Tavares, da PUC-SP, discorreram sobre as competências legislativas do estado-membro no modelo federativo brasileiro.

Novamente, o modelo federativo do país veio à discussão.Convém ressaltar que nenhum Estado federado é dotado de soberania, pois estão todos submetidos aos ditames da Constituição Federal, apesar de possuírem também relativa autonomia, com suas respectivas Constituições Estaduais, Poder Executivo, Legislativo e Judiciário devidamente constituídos.

Inovação da CF, os municípios também figuram como entidades federativas, sendo a "célula política" do corpo federativo.

O professor Manoel Gonçalves Filho teceu algumas considerações sobre a constituição americana de 1785, que serviu de base para a "primeira" constituição brasileira que, através do decreto número um, de 15 de novembro de 1889, quebrou a vigência da Carta do período imperial, de 1824. "Pode-se dizer que o decreto número um foi a primeira constituição brasileira que, a exemplo da americana, dava soberania aos Estados."

Conforme o professor, a segunda constiuição brasileira adotou o princípio da convenção de Filadélfia - uma revisão da Carta americana feita em 1787 - que criara um novo modelo federativo. Após essa revisão, toda competência não atribuída pela constituição à União pertenceria aos estados, que deveriam se organizar para administrar os seus problemas. Todas as constituições posteriores à de 1891 fixam o poder centralizado na União - uma prerrogativa do pacto federativo.

André Ramos Tavares, professor do programa de doutorado e mestrado em Direito da PUC-SP, abordou também a problemática das competências compartilhadas, estabelecidas pela Constituição de 1988. No seu ver, ilustrado com casos concretos julgados pelo STF, os limites de atuação nesse tipo de competência compartilhada ficam um pouco confusos, e mesmo deixam lacunas. Se por um lado não haveria hierarquia entre os âmbitos da União, dos estados e dos municípios, por outro ocorre por vezes a edição de legislação estadual que abdica de sua competência em determinados assuntos, atribuindo-os aos municípios, como o caso de uma lei estadual promulgada no Rio Grande do Sul, que determinava que sítios arqueológicos deviam ser mantidos e administrados pelos municípios em cujo território estivessem. Representação no Supremo Tribunal Federal contra o dispositivo legal levantou, justamente, o problema da abdicação de competência praticada pelo estado, e foi julgada procedente.

O palestrante Raul Machado Horta, professor titular de direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, não pôde comparecer devido a problemas de saúde.

Federação brasileira inspira-se no modelo americano

Enrique Ricardo Levandowski, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor titular da Faculdade de Direito da USP, iniciou sua exposição explicando as diferenças entre estados unitários e federações, estas últimas sendo mais vantajosas para estados de grande extensão territorial, com grandes populações ou cuja sociedade é formada por diversas etnias e culturas. "As federações propiciam a descentralização do poder, o que contribui para o aperfeiçoamento da democracia."

Levandowski recordou que o estado federativo brasileiro é inspirado no exemplo das 13 ex-colônias britânicas, que se tornaram confederação em 1776 e consolidaram o modelo em 1787, formando uma federação. "A diferença fundamental é que os Estados Unidos surgiram com a agregação de unidades detentoras de autonomia política e administrativa, que delegaram competências e receitas para um poder central. A federação brasileira, por outro lado, é fruto do desmembramento de um estado unitário."

O desembargador citou as quatro prerrogativas que os estados-membros têm de apresentar para que formem uma federação autêntica. São elas: autonomia política; participação nas decisões políticas da União, o que se pratica pelo Senado Federal; esfera de competência privativa; e rendas próprias. "Conforme o caminho que tomar a Reforma Tributária, a autonomia dos Estados pode ser ameaçada, já que competência significa encargos, e estes demandam recursos próprios suficientes."

O palestrante afirmou haver no Brasil um movimento pendular de poder, que oscila conforme a época entre a União e os Estados-membros. "A Federação Brasileira surgiu em 1891 como uma cópia da americana, por isso, dava grande poder aos estados, que tinham delegações diplomáticas e podiam decretar estado de sítio ou contrair empréstimos internacionais". Levandowski citou como momentos de grande poder da União a instituição da intervenção federal, em 1926, a Revolução de 1930, o Estado Novo, o golpe de 1964, a Constituição de 1967 e a sua primeira emenda, em 1969. Segundo o desembargador, o pêndulo deu mais poder aos estados com a Revolução Constitucionalista de 1932, que resultou na Constituição de 1934, com o fim da Era Vargas, em 1946, e finalmente com a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988. "A atual Constituição inovou, elevando inclusive os municípios à categoria de entes federados com competência para legislar sobre suas Leis Orgânicas".

O governo FHC, segundo o palestrante, iniciou a tendência atual de aumentar o poder da União, o que vem se consolidando com as reformas Administrativa, do Judiciário, da Previdência e Tributária, e esta última "está roubando renda dos estados". Como exemplo de federalismo equilibrado em competências e rendas, Levandowski citou a União Européia, que segue dois princípios básicos: "A federação não faz o que o ente menor pode fazer melhor e mais barato; e deve sempre haver proporcionalidade entre meios e fins."

Enrique Levandowski finalizou sua explanação afirmando que os estados devem resgatar sua competência residual (aquela que nunca foi delegada à união) e as competências concorrentes enumeradas no artigo 24 da Constituição, nas quais a União só pode definir normas gerais. "Não se abre mão de competência. Competência é poder", finalizou.

O veto no processo legislativo

Entre as competências específicas da matéria constitucional estão o rateio de competências entre as esferas da federação (União, estados e municípios) e o processo legislativo. Nesse quadro, o professor titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) e procurador-geral do Estado de São Paulo, Elival da Silva Ramos, centrou sua exposição sobre o controle da constitucionalidade da matéria legal, em especial, sobre o exercício do poder de veto pelo Poder Executivo.

Dividindo o processo legislativo em quatro fases, Elival identificou a primeira como sendo a da iniciativa legislativa, que, no modelo clássico, era reservada ao Poder Legislativo e, no contemporâneo, comporta reservas de iniciativa para o Poder Executivo. Após esta fase de apresentação do projeto de lei, inicia-se a segunda fase, instrucional, em que a matéria é analisada pelas comissões temáticas do Legislativo, em especial, pela Comissão de Constituição e Justiça, que avalia se a proposta está, ou não, de acordo com o texto constitucional. É o que se conhece, no Direito, por controle prévio da constitucionalidade. Vencida essa etapa, o projeto vai, enfim, à votação, em uma terceira fase, que Ramos identificou como constitutiva, na qual a matéria toma seu corpo final, estando, assim, em condições de seguir ao exame do Executivo, que cumprirá a quarta e última fase.

Ao chegar às mãos do governador, o projeto será objeto de análise, que culminará em sua sanção e conseqüente promulgação, ou no veto a ele oposto pelo chefe do Poder Executivo. Foi justamente sobre esta última fase que se debruçou o procurador-geral.

Após comparar as visões clássica e contemporânea do Direito a respeito do veto (no primeiro, absoluto, no segundo, relativo), Elival Ramos discorreu sobre as modalidades de veto no Direito contemporâneo, ou seja, total ou parcial, lembrando que a visão clássica, predominante nos anos que se seguiram à Revolução Francesa, só admitia o veto total. No caso em exame, ou seja, no direito contemporâneo brasileiro, seja qual for a modalidade, esclareceu, ambos estão sujeitos, pela Constituição, aos mesmo prazos.

São 15 dias para o governador vetar ou sancionar o projeto, caso contrário, a matéria será considerada automaticamente sancionada e, a seguir, promulgada pela Assembléia Legislativa. Por seu turno, como reza a Constituição, a Assembléia tem 30 dias para deliberar sobre a matéria vetada, mantendo ou derrubando a recusa do governador em sancioná-la. Essa recusa, como salientou o palestrante, deve ser sempre motivada, ou seja, deve-se esclarecer as razões por que a matéria está sendo vetada, quer por inconstitucionalidade, quer por inconveniência ou inoportunidade, nesses casos, a critério do chefe do Executivo.

Elival, por fim, discutiu diversos casos que demonstram, de modo prático, o controle da constitucionalidade da lei, com exemplos que abordam tanto a oposição pura e simples do veto do governador a este ou àquele projeto ou emenda a projeto, como o recurso, via Procuradoria Geral do Estado (PGE), ao Supremo Tribunal Federal (STF), argüindo da inconstitucionalidade da proposta legal (sempre em caso de derrubada do veto oposto).

Muito aplaudido ao final de sua exposição, o procurador-geral do Estado terminou sua participação no evento, afirmando ter sempre grande satisfação em vir à Assembléia Legislativa, onde já esteve por diversas vezes, a convite da Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Elival foi, ainda, saudado pelo presidente da mesa desse quarto e último painel, Andyara Klopstock Sproesser, ex-assessor chefe da Assessoria Técnica da Mesa da Assembléia paulista, que destacou a importância de o procurador geral ter trazido para dentro do Parlamento uma visão sobre o assunto emanada de outro Poder do Estado, o Executivo.

alesp