OPINIÃO: Saúde paga atendimento sucateado


26/04/2005 11:24

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Romeu Tuma*

Todos conhecem a luta do trabalhador brasileiro para ter registro em carteira. Até pouco tempo atrás, ele representava " entre outros direitos " a certeza de que teria um atendimento médico público, se não decente, pelo menos aceitável. Nas últimas duas décadas, o sucateamento do sistema de saúde pública fez com que essa garantia se esgarçasse. Para garantir o bem-estar de seus funcionários, os empregadores passaram a contratar companhias de saúde privada, os famosos planos de saúde. Com o tempo, não somente as empresas, mas também os chefes de família autônomos passaram a contratar planos de saúde privada, como forma de garantir um atendimento rápido e de qualidade.

Com o passar dos anos, contar com um plano de saúde se tornou uma questão de sobrevivência. Em um primeiro momento, em vez de enfrentar as filas do antigo INPS, os cidadãos conveniados gozavam de muitas regalias, antes limitadas àqueles que podiam pagar por consultas particulares. A partir dos anos 90, os planos de saúde privados se multiplicaram pelo Brasil. Como em todo ramo de atividade, há empresas sérias e aventureiros que prometem mundos e fundos a seus clientes. O acirramento da concorrência, aliado à necessidade de altos investimentos nos modernos equipamentos médicos, desencadeou uma crise sem precedentes no setor. Os aventureiros, ou golpistas, sumiram. E mesmo os planos sérios começaram a enfrentar cada vez maiores dificuldades para continuar operando " alguns, obviamente, por incapacidade administrativa.

Nesse contexto, diversas empresas, seja por meio de cooperativas de médicos ou por qualquer outra forma de funcionamento, acabaram deixando milhares de pessoas sem o devido atendimento, apesar de os consumidores " sempre eles pagam o pato " arcarem religiosamente com as nada baratas mensalidades. Aqueles que se atrevem a atrasar o pagamento ficam impiedosamente sem atendimento.

A partir do momento em que as empresas de saúde privada se tornaram parte do cotidiano, o governo criou, no final dos anos 90, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), um órgão regulador do sistema, que teria a função de normatizar os diversos planos e, como objetivo maior, garantir os direitos dos consumidores. Porém, não é isso o que vem acontecendo. Apesar de haver uma dita regulamentação do setor, o consumidor segue sendo lesado.

Hoje, quando contrata um plano de saúde, o cliente acredita piamente estar fazendo um bom negócio. Afinal, entende que poderá contar com assistência médica sempre que necessitar. Mas basta ficar doente para perceber que as coisas não são bem assim. Para marcar uma consulta, precisa ligar com antecedência. Dependendo da especialidade e do profissional, é obrigado a esperas de até um mês para conseguir um horário. Quando chega ao consultório, mais surpresas. Apesar do horário marcado, entra numa fila de espera de uma, duas, três, quatro horas ou mais.

Na hora de fazer exames ambulatoriais, invariavelmente o paciente descobre que aqueles laboratórios bonitos, que fazem propaganda na televisão e que aparecem na lista do convênio, não estão habilitados para aquele plano contratado. E se houver necessidade de uma cirurgia? Aquele médico de confiança, com quem a pessoa se trata há vários anos, pode não estar credenciado por aquele plano para operar, apesar de fazer consultas. O paciente, em um dos momentos mais delicados de sua vida, é transferido para outra equipe médica, formada por profissionais não conhecidos.

Outro problema recorrente é o dos altos reajustes de preços. As mensalidades aumentam de forma até abusiva com o avanço da idade dos pacientes. Não são poucos os casos de pessoas que pagam a vida inteira por um plano e ficam sem atendimento quando mais precisam, por não ter, na velhice, condições financeiras de bancar os valores propostos.

Está mais do que na hora de os consumidores fazerem valer seus direitos. Devemos cobrar, não só das empresas de saúde privada, mas também da ANS, medidas efetivas que levem os planos de saúde a não abandonar seus pacientes nos momentos que mais necessitam. Ninguém fica doente porque quer. Ninguém usa o plano de saúde à toa. Usa porque precisa, porque carece de um atendimento médico de qualidade, porque o poder público não cumpre sua função de garantir saúde à população.

Diante de tantos casos denunciados, a Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor da Assembléia Legislativa de São Paulo não vai se calar. Lutar para que os planos de saúde privados cumpram com o que está escrito nos contratos é fundamental. Assim como é necessário que o atendimento seja exercido com a qualidade e presteza que o consumidor merece.



*Romeu Tuma é deputado estadual (PMDB) e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor da Assembléia Legislativa de São Paulo

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