Eu tive fome e me destes de comer

OPINIÃO - Padre Afonso Lobato*
16/04/2003 17:13

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O Brasil vem se arrastando por várias dezenas ou centenas de anos com o problema da fome e sempre faltou vontade política para resolvê-lo. Sempre tivemos programas paliativos que empurraram os mais pobres para condições mais desumanas, um escândalo num país rico como o nosso. Ainda falta incentivo para a agricultura, principalmente para a agricultura familiar. Falta uma reforma agrária decente e uma política agrícola que possa manter os trabalhadores no campo, dando-lhes condições de vida digna.

O povo elegeu um presidente da República que é sensível a essa situação, pois veio de uma região pobre e experimentou na "própria carne" a fome, o preconceito, enfim "frutos da exclusão". O presidente quer envolver toda a sociedade para que, numa parceria responsável, assuma o programa Fome Zero, que tem recebido algumas críticas, que visam o seu aperfeiçoamento. É preciso entender que o programa Fome Zero não é um programa do PT, e sim um programa nacional de nutrição, pois mais de 50 milhões de pessoas passam fome ou comem mal. Não é um programa assistencial que dá um prato de comida para quem tem fome, mas um programa que quer envolver os governos federal, estadual e municipal, os deputados, os prefeitos, os vereadores e a comunidade. Trata-se de criar uma estrutura para que essa enorme parcela da população tenha condições de comprar alimento, sem depender do assistencialismo, muitas vezes, eleitoreiro ou "caritativo". Para isso somos convidados para um mutirão contra a fome. O governo federal criou o Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar para propor aos governos estaduais e municipais um trabalho orgânico, conjunto.

Cabe ao poder público municipal, isto é, ao prefeito em parceria com igrejas (católicas, evangélicas), espíritas, grupos de jovens, sindicatos, associações, comunidades, lideranças políticas, etc., mapear a fome, isto é, onde ela está concentrada, quais são as suas causas e fazer um cadastramento das pessoas dessas regiões para uma ação posterior. É de vital importância a participação de todas as empresas, de qualquer porte, nesse processo. Tudo isso requer muito esforço, dedicação, vontade política e ,principalmente, acreditar naquilo que se está fazendo. Após o mapeamento e o recadastramento, é importante formar um Comitê Municipal de Segurança Alimentar, não esquecendo que se trata de uma parceria entre o governo municipal e a sociedade civil para que a distribuição saia do campo político. É uma guerra contra a fome e temos todas as armas para vencê-la, incluindo todas as pessoas de relevância num espírito de partilha e co-responsabilidade, sem medo de perder espaço político.

Esse programa vai beneficiar os pequenos produtores que poderão vender seus produtos diretamente para creches, hospitais, escolas, etc. Teremos assim um processo de redistribuição de renda e de política agrícola familiar. O governo federal terá um financiamento com juros baixos para a produção agrícola e os produtos vendidos por um preço justo, permitindo lucro e qualidade de vida para todos. Cada município tem plena liberdade de escolher o método, usando a criatividade e o bom senso e o comitê deve responder a sua necessidade e realidade local. Dentro de alguns anos, nesse processo, nenhum brasileiro precisará de cesta básica para comer. O programa Fome Zero não é assistencialista. Não se trata de tirar um quilo de alimento da despensa e dar para quem tem fome. Esse é o primeiro passo porque o povo brasileiro é generoso.

Tudo isso me faz lembrar do ensinamento de Jesus (Mateus, 25, 35). No final dos tempos Ele reunirá todas as nações e tribos diante Dele e separará uns dos outros e dirá: Eu tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, estive nu e me vestistes, doente e me visitastes. Ele não perguntará qual a religião, associação ou partido. Ele simplesmente nos julgará pela nossa capacidade de amar e de nos comprometer.

Padre Afonso Lobato é deputado pelo PV.

alesp