Ética e transparência

Opinião
28/07/2005 18:38

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Rodrigo Garcia<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/rodrigo.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O país vem assistindo a um desfile cotidiano de denúncias e acusações que, segundo alguns, podem até mesmo colocar em risco a jovem democracia brasileira, sem esquecer, é claro, da estabilidade econômica. Corrupção, malas-pretas, laranjas, "mesadas" para políticos passaram, lamentavelmente, a fazer parte do cardápio diário dos brasileiros. No exterior, voltamos a ser tratados como um país de pouca seriedade. Muito além de discutir quem são os responsáveis por tudo isso, os corruptores e corruptos, o fato é que o clima explosivo não é bom para o país.

É fundamental investigar a fundo cada acusação, cada empresa ou político citado, sempre preservando o direito à mais ampla defesa, mas sem exceções. E, acima de tudo, investir na transparência. Na prestação de contas das campanhas eleitorais e na fiscalização dos gastos públicos. É um trabalho essencial, se quisermos resgatar a credibilidade das instâncias políticas " Executivo e Legislativo " aos olhos da população.

Quando se fala em transparência, destacam-se, em meio ao lodaçal, alguns bons exemplos em todo o país. A Assembléia Legislativa de São Paulo, assim como o Legislativo gaúcho, decidiu publicar em seu website a prestação de contas dos parlamentares, em relação às verbas de gabinete. Desde então, vêm se multiplicando as reportagens sobre o destino desses valores.

Talvez alguns parlamentares considerem incômoda a maior fiscalização da imprensa e dos cidadãos sobre seus gastos. Acontece que estamos falando de recursos públicos e a fiscalização da comunidade é a grande vacina contra a repetição da saraivada de escândalos que assola o país. Não por acaso, dezenas de câmaras municipais paulistas vêm debatendo a publicação permanente dos gastos dos vereadores. Em pouco tempo, a instituição que não revelar o destino dessas verbas merecerá o repúdio dos eleitores.

No caso da Assembléia paulista, denúncias publicadas na imprensa, sobre irregularidades na contratação de funcionários e sobre eventuais servidores-fantasmas, têm mesmo permitido o aperfeiçoamento de processos e a correção de erros. É doloroso constatar nossas falhas pelas páginas e imagens da imprensa. No entanto, isso nos estimula a solucioná-las mais rapidamente.

Mas a transparência, calcada no esclarecimento absoluto de todas as denúncias apresentadas, é apenas um dos lados do processo de recuperação das instituições políticas. No caso do Legislativo, é preciso fazer com que se aproxime do cotidiano das pessoas. Que debata e vote menos suas questões e prerrogativas internas, e mais os problemas que digam respeito à sociedade.

Só assim será possível encontrar, junto à opinião pública, eco para uma verdade que poucos têm a coragem de dizer: a democracia tem um custo. Hoje, qualquer reportagem sobre salários e gastos de parlamentares desperta imediatamente a irritação das pessoas. Tudo é encarado quase como um assalto à mão desarmada.

Sob o impacto da vaga de escândalos, não é exagero dizer que boa parte dos cidadãos brasileiros vê pouco sentido na própria existência do Parlamento, das Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais. Que dizer então dos salários dos parlamentares, de seus assessores ou das verbas de gabinete? O princípio de independência dos poderes hoje parece reduzido à triste imagem de um Executivo que aluga parlamentares para que apenas legitimem seus interesses,

Montesquieu (1689-1755), pensador francês que primeiro formulou a tese da autonomia dos poderes " Executivo, Legislativo, Judiciário " dizia que "somente o poder pára o poder". Essa máxima, que é a principal justificativa para a independência dos poderes, afirma que o Executivo, diante da necessidade de tomar decisões imediatas, tenderia facilmente ao despotismo, se não fosse forçado à moderação por outro poder capaz de detê-lo. Em contrapartida, o Legislativo, por refletir as inclinações de maiorias ocasionais, tenderia à anarquia, caso não fosse bloqueado por outros poderes.

Nos regimes totalitários não há gastos com deputados e vereadores. Mas qual é o custo da inexistência de fiscalização sobre os ocupantes do Executivo? Ou do esmagamento das oposições? Ou ainda da fuga dos melhores cérebros, em busca da liberdade criativa em outros cantos?

O Brasil, que saiu recentemente de 20 anos de regime de exceção, conheceu de perto as mazelas e o atraso gerados pela restrição à democracia. Mas o tempo passa e, para as novas gerações, tudo isso é parte de um passado distante. Só uma dose gigantesca de ética e transparência, que traga consigo um Brasil passado a limpo poderá resgatar aos olhos da população a importância fundamental da convivência entre os três poderes. E sem um Legislativo forte e independente, que não possa ser "alugado" pelos ocupantes de momento do Executivo, a tentação autoritária é inevitável.





*Rodrigo Garcia é deputado estadual (PFL), presidente da Assembléia Legislativa do Estado de S. Paulo

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