O BRASIL E A TERCEIRA CONFERÊNCIA MUNDIAL CONTRA O RACISMO - OPINIÃO
A cidade de Durban, na África do Sul, sediará a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a discriminação racial, a xenofobia e formas correlatas de intolerância. Promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU), o evento começa nesta sexta-feira, 31/8, e vai até o próximo dia 7 de setembro. Diferentemente das duas primeiras conferências, realizadas na Europa em 1978 e 1983, este terceiro encontro terá a África, continente mais devastado pelo racismo, como palco dos debates entre representantes de Estados e de organizações não-governamentais.
Nas duas edições anteriores, os debates se deram sobre o apartheid, a condenação do colonialismo na África, as ideologias racistas, a dupla discriminação enfrentada pela mulher negra e o massacre de povos indígenas em várias partes do mundo. Atualmente, há quem afirme que pelo menos dois terços dos conflitos em curso no mundo têm motivação étnica e cultural. Esta será uma das questões a serem debatidas durante o encontro na África do Sul.
Porém, há outra questão a ser discutida nessa Terceira Conferência que nos interessa mais de perto. Não basta a mera reprovação do tráfico transatlântico, que colocou na escravidão mais de 10 milhões de homens e mulheres africanos. O trabalho desse enorme contingente de pessoas é que alicerçou o acúmulo de riquezas e impulsionou o desenvolvimento econômico da Europa, da América e do Brasil, mais especificamente. Não podemos simplesmente virar uma página da história mundial, ignorando o verdadeiro holocausto a que foram submetidos os africanos escravizados: milhões de vidas humanas foram perdidas sob o emprego sistemático de tortura e de penas cruéis, mulheres negras foram estupradas, crianças negras exploradas e a cultura de um povo massacrada.
O racismo estrutural que continua caracterizando nossa sociedade exige que o Estado brasileiro assuma sua responsabilidade jurídica e social pelos fatos do passado, mas também pelas omissões do presente, pelas desigualdades, pela discriminação e pelas violências racial, física, material e simbólica. Sem assumir sua responsabilidade histórica e adotar formas concretas de reparação ao povo negro, o Estado brasileiro continuará figurando como mero beneficiário do holocausto negro, em débito com sua própria história. Além disso, será incapaz de oferecer ao mundo qualquer contribuição substantiva para o equacionamento dos problemas que estarão em pauta na Conferência da África do Sul.
Este congresso internacional contra o racismo é também um momento para uma profunda reflexão da sociedade brasileira. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 47% da população de nosso país (cerca de 72 milhões de pessoas) é composta por negros e seus descendentes. Apesar disso, o Brasil ainda não assumiu e renega que seja a maior população negra fora do continente africano.
O IBGE aponta outros dados contundentes. Pesquisa realizada em 1991 mostrava que a renda média do negro brasileiro é de apenas 2,7 salários mínimos por mês, enquanto a da população branca é de 6,2 salários mínimos mensais. Outro exemplo que mostra o peso da discriminação ainda entranhada em nossa sociedade é a brutal diferença entre a média salarial de um homem branco e a de uma mulher negra, exercendo a mesma função. Para cada R$100,00 recebidos pelo homem branco, a mulher negra recebe apenas R$34,00. Este dado é estarrecedor e aponta uma dupla discriminação em relação à mulher negra, que é tratada de forma desigual por questões de raça e de gênero. É uma situação absurda, reveladora da forma velada com que o preconceito racial perpetua-se na sociedade brasileira.
Vivemos verdadeiramente uma forma de racismo cordial, onde as raças não entram em conflito direto. Os atos discriminatórios ocorrem de maneira cotidiana mas sutil, despertando a falsa impressão de que o racismo não existe entre os brasileiros. Acreditar que a discriminação não existe no Brasil é ignorar os fatos concretos. A qualidade de vida da maioria da população negra brasileira se equipara à dos moradores do Zimbábue e do Lesoto, dois dos países mais pobres da África. Enquanto brasileiros brancos e negros ocupam juntos o 63.º lugar em qualidade de vida no mundo, os negros e seus descendentes brasileiros, isoladamente, estão em 120.º lugar nesse ranking. O acesso aos cursos universitários e, conseqüentemente, às profissões que requerem mais especialização, é ainda bastante reduzido.
Por tudo isso, não devemos depositar muitas esperanças em relação à participação brasileira nessa Terceira Conferência Mundial contra o Racismo. Basta verificar que o Brasil se tinha oferecido para sediar a pré-conferência do continente americano e, sem maiores explicações, desistiu às vésperas da realização do evento. Falecido recentemente, o geógrafo Milton Santos, um dos mais respeitados intelectuais negros do País, afirmava que a política oficial brasileira em relação ao racismo é de uma grande hipocrisia, pois nada do que é acordado é colocado em prática. Para ele, as iniciativas internacionais devem surtir poucos efeitos práticos, porque devem criar somente uma certa pressão moral e o governo brasileiro já demonstrou que não se preocupa com pressões morais.
Em minha atuação política, tenho lutado e proposto ações para desencadear mudanças nessa situação. Quando secretária de Educação de Santos, na gestão Telma de Souza (89-92), criei o Programa Capoeira nas Escolas, que oferecia uma prática esportiva e difundia a cultura negra. Como primeira mulher a presidir a Câmara de Vereadores de Santos (93-94), transformei em lei a criação do Conselho Municipal da Comunidade Negra e resgatei a importância do Dia Quintino de Lacerda (13 de maio), utilizando a comemoração da data como mais um instrumento de luta contra a discriminação racial.
Na Assembléia Legislativa, venho defendendo há anos a instalação, na Baixada Santista, de uma delegacia especializada no combate ao racismo. Este equipamento é fundamental para que os crimes raciais sejam devidamente punidos, já que nas delegacias comuns as queixas costumeiramente são registradas apenas como ofensas morais. Sou também autora do Projeto de lei 631/97, que obriga o Governo Estadual a apresentar etnias distintas nas publicidades oficiais, já que é notório que o mercado publicitário tende a privilegiar a participação de brancos. Em outra proposta parlamentar, reivindico que os currículos dos cursos de magistério da rede oficial de ensino contenham temáticas específicas referentes ao preconceito racial. Nada mais eficiente e eficaz que a prática educacional para combater a perpetuação do racismo.
Minha luta é por uma sociedade livre de todas as formas de discriminação. Uma sociedade justa, onde todos tenham as mesmas oportunidades. Precisamos instaurar, de uma vez por todas, a ERA DOS DIREITOS, na qual todos nós sejamos plenamente cidadãos.
*Maria Lúcia Prandi é deputada pelo PT e preside a Comissão Permanente de Educação da Assembléia Legislativa
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