TV Assembléia realiza debate sobre a "cláusula de barreira"


06/10/2006 20:08

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"Cláusula de Barreira" foi o tema do programa Assembléia Debate, da TV Assembléia<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Clausura Barreira5782-ze.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

"Cláusula de Barreira" foi o tema do programa Assembléia Debate, da TV Assembléia, exibido nesta quinta-feira, às 22h. Os convidados David Zaia, presidente estadual do PPS e eleito deputado estadual em 1º/10, Padre Afonso Lobato, reeleito deputado estadual pelo PV, Everson Tobaruela, presidente da Comissão de Direito Político Eleitoral da OAB-SP, e Humberto Dantas, professor de ciência política, discutiram os aspectos positivos e negativos da legislação que disciplina a organização partidária no país.

A chamada cláusula de barreira está prevista na Lei dos Partidos Políticos (9.096/95), que determina que os partidos para serem reconhecidos e terem acesso ao fundo partidário ou a tempo de rádio e TV precisam obter pelo menos 5 % dos votos válidos nas eleições para deputado federal em todo o país, distribuídos em pelo menos nove estados, com um mínimo de 2% do total de cada um deles. Sem cumprir esse requisito, as legendas ficam impedidas também de eleger líderes, de participar da composição das mesas diretoras e de indicar integrantes para comissões na Câmara dos Deputados e nas assembléias legislativas.

Leia a seguir trechos do programa, apresentado pela jornalista Ana Kaline, e saiba qual é a opinião dos participantes do debate.



ANA KALYNE " A cláusula de barreira hoje é a dor de cabeça de muitos partidos políticos. Com a nova legislação só permanecem os partidos que conseguiram nas eleições deste ano 5% dos votos nacionais e 2% dos votos em nove estados. A lei aprovada apresenta três interpretações: o Tribunal Superior Eleitoral ainda vai decidir qual delas será aplicada. Pela primeira, apenas 6 dos 29 partidos políticos conseguiriam ultrapassar a cláusula de barreira: PT, PSDB, PFL, PMDB, PP e PSB. Pela segunda, entraria também o PDT. A última interpretação garantiria a sobrevivência de 10 partidos, com a inclusão do PTB, PPS e PL. Assim, legendas como o PV, PCdo B, PSOL, PSC, Prona e PTC não conseguiriam ultrapassar a cláusula e, por isso, podem perder a representatividade em 2007. Os partidos que não venceram a cláusula não deixarão de existir, mas serão impedidos de presidir comissões, não terão direito aos recursos do Fundo Partidário nem a tempo de TV.

Cláusula de barreira: pontos positivos e pontos negativos, o primeiro passo para a tão esperada reforma política. Este é o tema do Assembléia Debate de hoje. Para falar sobre o assunto, estamos recebendo David Zaia, presidente estadual do PPS, eleito deputado estadual, e diretor do Sindicato dos Bancários; o deputado Afonso Lobato, líder da bancada do Partido Verde na Assembléia paulista; Everson Tobaruela, jurista, especialista em Direito Eleitoral, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP; e o cientista político Humberto Dantas, do Movimento Voto Consciente.

Ditadura civil

EVERSON TOBARUELA " Ela pretende coibir a liberdade, a autonomia dos partidos. Criou uma regra infraconstitucional, enfrentando o próprio texto constitucional. Ela aconteceu em 1992. Evoluiu-se na discussão, mas não se conseguiu aplicar a cláusula em 94. Aprovou-se a lei em 96. Portanto, ela não é uma lei nova. Ela não seria aplicada em 98 nem na segunda legislatura, em 2002. Ela só entraria tecnicamente na sua aplicação plena em 2006, que é o que está acontecendo agora. É uma lei que já tem mais de dez anos, que já mereceu inclusive ações diretas de inconstitucionalidade, que ainda não foram apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal.

E pode até não entrar em vigor, que é o que eu espero, porque restringe partidos políticos. Ela seria uma forma de nos aproximarmos da ditadura civil. Ela não se vê em nenhum lugar. A Inglaterra tem nove partidos políticos e é um país extremamente organizado. Os Estados Unidos tem 84. Não tem propósito diminuir a qualquer custo as legendas e os partidos políticos. Pela regra que está posta, seriam 7 os partidos; 22 estariam excluídos. O artigo 13 da Lei dos Partidos Políticos é uma infringência constitucional muito grave.

Há uma situação bem clara: nós temos um clero no Brasil, que não quer largar o osso de jeito nenhum. O Estado intervencionista continua. Esqueceram-se de que nós temos uma Constituição de 88 em vigor e continuam tentando fazer valer a de 67 e a emenda de 69. Os partidos que realmente levam os parlamentares a mudar de partido são os grandes. Assim que um partido grande ganha a eleição, a primeira coisa que faz é abrir as portas para trazer deputados, para fazer o maior número de membros na Mesa, de membros nas comissões. E pior: para ter maior horário de televisão, que é um custo maior para o povo, porque quem paga esse horário é o povo. Toda rede de televisão tira um proveito fiscal que o povo paga. Ou seja, o partido grande abre as portas e traz os deputados. Tecnicamente, ele é uma legenda que estaria se prestando a um serviço muito impróprio. É como sonegação fiscal (a próposito da crítica que se faz aos pequenos, que seriam usados como "partidos de aluguel"). Se há sonegação, fecham-se todas as empresas? Não, vamos coibir os abusos.



"Deputados zumbis"

HUMBERTO DANTAS " Acho que qualquer medida que caminha no sentido de uma reforma ou de uma operação tem de ser entendida não puramente como ruim nem puramente como boa. Acho que, como se colocou a cláusula de barreira já faz algum tempo, tivemos uma década para debater. E se quer debater agora que a água bateu no queixo. Agora os partidos resolveram entrar com um monte de representações, porque a casa desabou. Além disso, a cláusula de barreira como é colocada no Brasil é uma cláusula de barreira fajuta. O que normalmente acontece em outros países é que, quando você tem uma cláusula de barreira, o partido que não a alcançou não elege ninguém. A vaga dele vai para outro. Os votos são redistribuídos para os outros partidos.

Então, a nossa cláusula de barreira é o tradicionalíssimo jeitinho brasileiro. Deu-se um jeitinho. E, com esse jeitinho, o que se criou? Um cientista política importante no nosso cenário hoje, Jaime Nicolau, chamou de deputado "zumbi" esse deputado que vai pairar pelos corredores do Poder Legislativo sem liderança, sem assumir comissão. Ou seja, você está estimulando o indivíduo sem horário de televisão, o que é muito importante, principalmente o horário fora do tempo das eleições, que é quando os partidos fazem seus testes, mostram suas caras. O estímulo que esse sujeito tem para mudar de partido é enorme.

Então, se você usar o que está escrito na regra, como diz o comentarista de futebol Arnaldo César Coelho, a regra é clara: bateu 5% dos votos válidos e 2% de pelo menos nove estados, o resto é resto. Agora vem a interpretação da regra, como se interpretou a radicalização, como se interpretou a regra para determinar a quantidade de vereadores, e se vai interpretando, interpretando, interpretando... E depois dizem que a Justiça não tem papel político. Tem papel político demais neste país. Hoje quase um terço dos deputados federais poderiam ser considerados, como disse o Jaime Nicolau, "deputados zumbis".

É a maior bancada hoje no Congresso. E esses sujeitos vão para onde? Eles vão migrar. Não estou dizendo todos, mas de cara vamos ter 33% de migração. Ou pelo menos a possibilidade de ela existir. E a gente quer falar em fidelidade partidária, em moralização do quadro partidário brasileiro, criando uma regra dessas? Eu crio a cláusula de barreira certa e o que isso beneficia? Dizem que beneficia a inteligibilidade do eleitor. Acho que se está remendando a toda hora, está se falando só em reforma política como se isso fosse resolver o problema do país, que é moral e não institucional. E se fica criando monstros. Vai se criar um Frankstein.

Remendos em vez de reforma

DAVID ZAIA " Primeiro, há que se considerar que temos uma Constituição, que garante ampla liberdade de organização partidária. Agora, temos uma lei, que quer restringir essa liberdade. É preciso frisar que os partidos já questionaram a constitucionalidade dessa lei. A culpa não é dos partidos, por terem deixado para discutir o assunto só agora. A culpa é do Tribunal, que nesse tempo todo não se manifestou sobre a constitucionalidade ou não da lei.

Outra questão importante é que esse é o grande debate hoje na sociedade: de que precisamos de uma reforma política. Não se faz a reforma política e fica-se com os remendos. E esse é um péssimo remendo, porque ele restringe a liberdade partidária, quer dizer: correntes expressivas da opinião pública e da sociedade que querem se manifestar, tanto que tiveram votos, elegeram deputados.

No caso do PPS, nós somos um dos partidos que mais cresceram nesta eleição. Não se resolve a questão do quadro político nessa situação de deputados que vão continuar mudando de partidos, em que não se garante nenhuma fidelidade partidária, não se discute o financiamento das campanhas, não se discute a eleição em listas, não se discute modelo político, se vai ser o voto distrital, o voto distrital misto, que são questões que poderiam trazer uma mudança qualitativa e significativa no quadro político brasileiro.

Do ponto de vista do PPS, achamos até que uma discussão mais de fundo neste momento é a discussão do parlamentarismo, um outro regime de governo, que poderia mudar a relação entre o Executivo e o Legislativo. Fala-se muito do Legislativo, dos deputados, mas não se fala dessa relação que existe entre o Executivo e o Legislativo, mudança de partido, por que ela ocorre, como se constituem as maiorias. Então, toda essa discussão está sendo deixada de lado e nós estamos restritos a isso.

Nós temos mantido conversa com outros partidos, com o próprio PV. Temos conversado. O Roberto Freire tem iniciado essas conversas, conversas que já existiriam antes e, dependendo da cláusula de barreira, os partidos também discutem possibilidades, aquilo que há em comum para se poder avançar. Então, esse é o caminho que o PPS vai adotar: aguardar uma definição da interpretação da legislação e, independentemente disso, continuar as conversas.



DEPUTADO AFONSO LOBATO " Se uma lei é realmente boa, não deve ter tanta interpretação. Acho que tanto da parte do tribunal como da parte dos partidos faltou um pouco dessa articulação. Mas eu vejo que se fala tanto dessa reforma e que nós vamos fazer um punhado de remendos e não vamos chegar de fato àquilo que a população quer.

Vocês falaram mais de 120 deputados que estamos chamando de "zumbis". Imagine, com essa questão de crise moral no Congresso e com 120 deputados sem participar de comissões, como vai ser a barganha. Isso porque a relação do Executivo com o Legislativo é uma relação de subserviência e, às vezes, até pior do que isso. É uma relação promíscua, Se nós não tivemos uma posição clara, nós que fomos colocados no Poder Legislativo pelo voto do povo, realmente não sei onde vamos parar.

A Heloísa Helena, do PSOL, teve milhões de votos, de pessoas que acreditaram, apostaram. São votos que têm que ser levados a sério. O PV está discutindo. Só não fizemos 2% no Rio Grande do Norte. Se valer a primeira interpretação, nós estamos no mesmo barco do PPS, estamos procurando outros partidos para viabilizar. Mas estamos esperançosos, a gente acredita que deve haver da parte dos partidos uma pressão popular. Não podemos aceitar de forma nenhuma que o Congresso tenha 120 "deputados zumbis" e que os deputados que foram eleitos pelo voto não tenham o seu funcionamento pleno.

Nós sofremos isso aqui na Assembléia Legislativa, no início do nosso mandato. Ficamos quase um ano sem poder participar das comissões, não podíamos falar pelo artigo 82. Um absurdo. Isso porque não tínhamos liderança. Foi uma luta. Conseguimos vencer as disposições transitórias. Eu acho que, quando realmente a lei é boa, não precisa de tanta interpretação. Acho que a questão da inconstitucionalidade da lei tem de ser revista.

Pluralismo partidário

EVERSON TOBARUELA " Caso os partidos continuem independentes, deve haver uma atitude consciente para enfrentar essa vergonha que está aí é fazer que alguma coisa aconteça. Porque se os partidos se fundirem, eles terão três opções: incorporarem-se, fundirem-se ou criar uma suposta federação, como está sendo proposto na reforma política. Se isso acontecer, não vai haver enfrentamento. Eu acho que o deputado que passar pelos impedimentos deve questionar na Justiça, porque quem define a liberdade e a atuação do deputado é a Constituição, não a lei.

Acredito que compete aos partidos políticos, em nível nacional, brigar por isso. É preciso que batam, imediatamente, à porta do Supremo. Gostaria de ver qual seria a posição do ministro que receber uma ação sobre esse assunto, seja mandado de segurança, seja ação adequada. Gostaria de ver se ele garantiria o acesso do deputado na comissão ou na Mesa ou não. Parece-me que essa deveria ser a primeira providência. Eu estive visitando deputados desta Casa que foram eleitos, com os quais trabalhamos durante a campanha, assessorando juridicamente. E a primeira coisa que ouvimos ao chegar ao comitê eleitoral foi: "Já estamos conversando com outro partido. Estamos esperando uma reunião". Essa aceitação pacífica diminui literalmente a possibilidade do partido.

O que vai acontecer é a união de poucos, em detrimento das identidades. Imaginem, por exemplo, o PV unindo-se com o PPS. Isso é uma vergonha para o sistema político partidário. Não há como imaginar um Congresso sem o PPS. Já o deputado Fernando Gabeira teve uma importância ímpar na história do Brasil, ele fez cair um presidente da Câmara, desqualificando-o em público, em alto e bom som. Foi a oposição, em minoria, que conseguiu fazer isso. Não dá para imaginar o Brasil sem o partidão, o famoso Partido Comunista, que hoje tem a legenda PPS. Não dá para imaginar esse povo fora da participação política.

O que está se querendo, na verdade, é criar uma ditadura dos grandes partidos, buscar de alguma forma captar os deputados para dentro das grandes bancadas e manter uma expressão política de ditadura civil, em prejuízo da sociedade brasileira. O pluralismo político está previsto na Constituição. A liberdade e a autonomia partidária estão previstas na Constituição, e nós não podemos admitir isso. Eu espero que o PV, o PPS e todos os outros partidos vejam que conseguiram eleger deputados importantes, com expressão nacional.

Acho que devem existir regras quanto a dinheiro público e ao espaço na televisão. É preciso ter representação para poder fazer parte do bolo. Mas não se pode limitar a atuação do parlamentar.



HUMBERTO DANTAS " Vamos pensar sobre algumas questões: quais foram os partidos que se envolveram nos recentes escândalos e foram flagrados na Câmara dos Deputados? Foram os pequenos ou os grandes? Muitos dos grandes.

Portanto, não é o pequeno partido o problema. O problema engloba os partidos e os indivíduos que ocupam as cadeiras. O problema é do eleitor também, que escolhe e seleciona, e, muitas vezes, reclama depois. Ele olha para a bancada eleita e diz: "eles de novo". Então, que se filie a um partido e participe da vida partidária. O cidadão comum se distancia disso, o Legislativo vira uma área estranha e o cidadão comum se afasta dessa questão. Não pode ser assim. Por isso, estou dizendo desde o começo que se trata de um problema moral e de educação.

Na passagem da década de 70 para a década de 80, é importante que se lembre disso, nós comemoramos no país o multipartidarismo. Derrubamos o bipartidarismo artificial. Na verdade foi um golpe, um jogo do regime militar, porque o MDB começava a ganhar reconhecimento da sociedade. Então resolveram cortar as asinhas do bipartidarismo, para ver a oposição se dissolver. Espertamente, o que era MDB virou PMDB, que conquistou o país na década de 80. Em 1986, o PMDB fez quase todos os governadores do Brasil. Então, há menos de 30 anos, a gente comemorou a possibilidade de existirem vários partidos, e agora estão querendo cortar. Daqui a pouco, vamos perceber que a imoralidade continuou e que vários problemas voltaram a acontecer. Então, abrir-se-á de novo a oportunidade para novos partidos. São idas e vindas que não acrescentam absolutamente nada e geram o que na ciência política costumamos chamar de "instabilidade jurídica", que é absolutamente nociva para a perpetuação da cidadania e da democracia em qualquer país do mundo. Existem países cujas regras datam dos séculos XVII e XVIII. Nós fizemos as regras em 1988 e as mudamos a todo momento. Parece que existe uma ansiedade para contemplar desejos. É um negócio muito sério, não esperamos as coisas amadurecer.



DAVID ZAIA " Toda a vez que se fala em discutir o sistema partidário vem um Santo Dias autoritário. Imagina-se que uma série de problemas na vida política brasileira será resolvida criando-se leis. A ditadura tentou fazer isso, criou o senador biônico, o domicílio eleitoral, achando que com isso iria organizar a vida política brasileira.

Não tenho nada contra o ex-presidente Sarney, mas é um fato conhecido por todos que ele é do Maranhão, onde passou toda a sua vida política. Aí ele resolve sair candidato pelo Amapá. Conseguiu o endereço e cumpriu o que a legislação manda.

Então, o que adianta isso? Aliás, eu não sou contra isso. Acho ruim ele ser senador pelo Amapá, mas se o povo daquele Estado acha que ele é um bom senador para representá-lo está ótimo. Se ele fosse candidato aqui por São Paulo, e o povo paulista achasse que ele era um bom representante, também seria ótimo. Vamos criar essa liberdade.

Temos de ampliar a liberdade de escolha, ampliar a liberdade para que as pessoas possam se manifestar e não achar que é necessário restringir. Agora, claro que precisamos de regras, como toda democracia precisa. Infelizmente, quando se fala em regras procura-se restringir o espaço. Nós vivemos a ditadura, quando havia apenas dois partidos. Nós vivemos aquilo. E esse é o debate que nós precisamos enfrentar com a sociedade.

Acho que o que aconteceu na vida política neste último ano e meio, com uma série de denúncias, possa ser refletido. Como vamos exigir fidelidade partidária com a legislação eleitoral que temos hoje?

Um partido monta uma chapa, e no dia seguinte cada um tem de cuidar da sua campanha individualmente. Não há campanha dos partidos, por mais que eles consigam se organizar. Mas, por quê? Eu vou ser eleito pelos meus votos, então tenho que pensar: eu sou o presidente do partido, tenho que pensar na sua organização, no programa de televisão, na assessoria para os candidatos, porque todos têm que caminhar bem. Mas não tenho tempo de cuidar da minha campanha, e eu tenho que estar entre os mais votados.

Vamos fazer listas, se queremos fidelidade partidária. Assim, a pessoa pode militar no partido e a sua militância no partido é que vai dizer que espaço ela vai ter na legenda.



DEPUTADO AFONSO LOBATO " A quem interessa a cláusula de barreira? Na verdade, há partidos grandes já telefonando, querendo chamar a quem lhes interessa. Lembrar que comemoramos a abertura do pluripartidarismo faz a gente querer dizer não ao Muro de Berlim. Vamos construir de novo, vamos refazer de novo, porque aqui foi feito e não deu certo. Estamos batendo na mesma tecla, mas não adianta, se não houver uma reforma verdadeira. Estamos jogando a água suja com a criança. Não vamos resolver o problema se não investirmos um pouco mais na consciência política, na consciência cidadã. Acho que esse é o caminho. Tanto é verdade que nós temos, por exemplo, pessoas que na campanha política pediram desculpas ao público por que erraram e, mesmo assim, continuaram lá. Isso é uma coisa imoral. É importante que a gente possa realmente rever isso. Espero que o jeitinho brasileiro não consiga prevalecer. Acho que precisamos fazer com que o bom senso prevaleça neste momento, justamente para resgatar aquilo que é nosso. Os votos estão aí. Precisamos fazer com que os deputados que foram eleitos e os partidos que são reconhecidamente sérios possam existir e exercer seu pleno funcionamento.

Grandes e pequenos

EVERSON TOBARUELA " A cláusula de barreira tem relação com o funcionamento parlamentar. A Constituição diz que o partido político tem autonomia, portanto pode ser administrado, internamente, da forma que seus membros entenderem. É o parlamentar eleito que deixará de participar da Mesa e das comissões, tendo sua atuação restrita a seu voto em plenário. Os políticos teriam, ainda, algumas restrições quanto aos recursos do fundo partidário e ao tempo de televisão, e isso se tornaria um impeditivo para que pudessem progredir na vida partidária.

Há ainda a questão inversa. Muitas vezes não são os partidos pequenos que se comportam como siglas de aluguel. O que acontece é o contrário. Como o dinheiro do fundo partidário é dividido de acordo com bancadas na data do início da legislatura, os partidos grandes se utilizam desses recursos para atrair os parlamentares dos pequenos. Os partidos grandes convencem esses parlamentares a entrar em suas bases, ganham tempo de televisão e dinheiro do fundo partidário, e depois os dispensam para que voltem aos seus partidos de origem.

Com isso em vista, quem atua mal no exercício do funcionamento parlamentar? É o deputado que se submete a essa situação para poder atender sua base, ou o partido que usa desse artifício para tirar proveito político e financeiro? A prática do partido grande é muito mais grave que a do pequeno!

HUMBERTO DANTAS " A questão do fundo partidário, no meu modo de entender, é o menor dos problemas. Seis milhões de reais é muito pouco para um partido participar de eleições em milhares de municípios. O tempo de televisão é o fundamental. É ali que começam os testes para as campanhas dos anos vindouros.

Vou aproveitar o exemplo do deputado David Zaia, do PPS, que elegeu dois governadores de estado " Ivo Cassol, em Rodônia, e Blairo Maggi, no Mato Grosso " e ainda concorre ao do Rio de Janeiro com Denise Frossard. São três governos de um partido que pode, simplesmente, pela cláusula de barreira, deixar de ter representatividade na Câmara dos Deputados.

Esse partido não pode perder credibilidade no nível estadual. E esses indivíduos que vão ocupar, a partir de janeiro, uma importantíssima cadeira de governador em dois ou três estados importantes do Brasil, não podem se sentir estimulados a mudar de partido. Essa norma não interfere só no Legislativo, mas em todas as relações políticos partidárias do país.

Essa cláusula de barreira, então, é fajuta. Se desejamos que o eleitor olhe para sete partidos e os identifique com causas, a cláusula de barreira teria de funcionar como em muitos países do mundo. Essa está malfeita: anula o partido.



EVERSON TOBARUELA " Ela veio de dois parágrafos pequenininhos da legislação alemã. Quer dizer, buscaram um texto totalmente desapropriado e colocaram na legislação eleitoral. Na Alemanha é um sistema de lista distrital.

Diminuir o número de partidos não facilita a vida do eleitor. Temos de fazer com que o partido, dentro de sua estrutura, seja obrigado a permitir a participação do eleitor e do filiado. Hoje o partido decide muito de cúpula, ou com um número pequeno de convencionais. Se o partido fosse obrigado a permitir a participação dos filiados de forma abrangente, o povo teria participação dentro do partido político.



Como vamos explicar ao eleitor?

DEPUTADO AFONSO LOBATO " Tenho notado também que a grande mídia tem passado a questão da cláusula de barreira como algo positivo, justamente para dizer que os partidos pequenos são os responsáveis. Nós temos que inverter e colocar o outro lado da moeda à população. Se tivemos o exemplo de um candidato a governador por um partido pequeno vendendo horário eleitoral, quantos outros exemplos tivemos em situação inversa? A mídia tem vendido isso como sendo uma solução, e é um engodo.

Nós, do Partido Verde, tivemos uma grande conquista, mais cinco deputados federais. Um partido que existe no mundo inteiro e tem uma ideologia. E sua imagem acaba comprometida em função de outro partido. Como vamos explicar isso para o eleitor?

DAVID ZAIA " O que estamos falando aqui é que os partidos tiveram votos. Já foi citado o caso do PPS que elegeu governadores. O PV ampliou sua bancada na Assembléia e na Câmara dos Deputados porque manteve uma postura. Fez com que a população reconhecesse, no partido, propostas sérias, merecedoras de votos.

A idéia de que a existência de poucos partidos pode tornar mais fácil a escolha da população não é verdade. O horário eleitoral continuaria a mesma coisa, um desfile de propaganda, de fotos, de cada um falando alguma coisa, um tentando fazer propostas, outro tentando ser folclórico. A solução para o problema é uma legislação eleitoral que dê consistência e força aos partidos. Este é o grande desafio. Uma legislação partidária. Os partidos têm que ter em seu estatuto regras democráticas que permitam ampla participação.

Se reclamamos hoje que o problema é que os candidatos mudam de partido depois de se elegerem, traindo os eleitores, temos de criar mecanismos para inibir isso. Essa questão é fundamental para a estabilidade na política.



Participação ativa

EVERSON TOBARUELA " Se a sociedade não entender que ela tem uma participação ativa e sua representação é o partido político, que indica quem vai disputar os cargos, não existirá nenhuma legislação eficiente.

Comendo a sopa pela beirada. A sopa está quente? Deputado Afonso Lobato, o senhor assinaria uma lei que prejudicaria a estrutura do seu partido, sua atividade parlamentar?



DEPUTADO AFONSO LOBATO " Exatamente, por isso, até agora, a reforma não saiu.

EVERSON TOBARUELA " Por isso temos que começar a comer a sopa pela beirada. Mostrar à sociedade que ela tem um meio de vir ao partido, que o partido tem como criar uma estrutura, que ele precisa conhecer a estrutura partidária. São 20 milhões de pessoas que têm acesso à Internet. Estamos falando de uma população de 180 milhões de habitantes, 126 milhões de eleitores. Como podemos ter um voto consciente?

Ou a sociedade aprende que tem de vir o voto distrital, que tem de votar naquela pessoa que conhece, que está próxima, que no dia da convenção vai ter o seu voto, sua manifestação, ou não conseguirá deixar de ser descrente.

HUMBERTO DANTAS " Vou discordar de uma coisa. Quando se coloca o voto distrital majoritário, passa-se a eleger o representante da circunscrição. Perde-se completamente o sentido de eleger uma idéia para o de eleger um espaço. Suponhamos que eu seja homossexual. Quero um representante para defender meus interesses enquanto homossexual na Assembléia Legislativa de São Paulo. Eu nunca vou eleger esse sujeito, porque os homossexuais estão distribuídos pelo estado.

A grande questão é esta: onde está a reforma política? Acredito na importância da educação. Você já ouviu falar de alguma escola que dê aula de política a seus alunos, da quinta série do ensino fundamental até o terceiro ano do ensino médio? Estamos tentando resolver isso de uma eleição para outra. Mas é preciso 30 anos, no mínimo, para implantar isso na escola e esperar que as pessoas discutam política.



DAVID ZAIA " Não diria que o leitor mudou radicalmente. Pessoas com nome muito conhecido continuaram sendo eleitas. Paulo Maluf teve uma grande votação.

Muita gente acha que o Maluf fez muita coisa por São Paulo e, então, votou nele. Tem gente que disse que não recebeu material dele e correu atrás para buscar o material por estar convencido que seria um bom candidato. Mas eu encontrei boa parte da juventude que está mais preocupada em discutir política. É claro que é preciso ter acesso aos meios de comunicação, ao conhecimento, à internet. Eles passaram a discutir política, a questionar.



Descrença nos políticos

DEPUTADO AFONSO LOBATO " Acho que os eleitores acreditam que é possível mudar. Percebemos o número de pessoas que procura um partido quando vão disputar eleição, pessoas que não pagam a contribuição partidária, que estão militando na política e a usam para fazer prevalecer seus interesses. Acredito que é preciso semear, e isso se faz na educação, como foi dito, nas escolas. Eu participei de alguns debates na minha cidade e, quando terminavam, eu pensava se a população não estava mais mal informada que antes. Porque candidatos a deputados estaduais prometiam coisas da alçada federal, do Executivo... Uma confusão que você não imagina.

EVERSON TOBARUELA " Infelizmente, o que existe na sociedade brasileira é uma tendência de o político, quando gestor de qualquer entidade civil, se dizer apolítico, como se isso fosse extremamente importante para a sociedade brasileira.

Não existe como uma igreja ou uma entidade da sociedade civil organizada ficar fora da política. É justamente essa sociedade organizada que produz pessoas capazes de representar melhor o povo. A OAB lançou um movimento chamado Ética na Política e fizemos mais de quatro centenas de palestras. Ou trazemos a sociedade a acreditar que ela tem que ser política, ou não vamos ter muitos resultados nos próximos anos.



Inserção da política na educação

DAVID ZAIA " Eu queria acrescentar que é preciso chamar a sociedade para discutir política. Na campanha das Diretas, o Brasil se engajou. Na época era o presidente do sindicato, em Campinas. O sindicato, durante os quatro meses da campanha, fez toda semana um boletim Campanha das Diretas, cartaz na rua. Ninguém reclamou que o cartaz estava sujando. A sociedade estava engajada. Ninguém tratou isso como se o sindicato estivesse exorbitando. A sociedade vinha de um processo de buscar a democracia. As entidades se engajaram. Com a conquista, muita gente se afastou.

HUMBERTO DANTAS " Na escola você aprende português, matemática, história, física, tudo. É fundamental para minha formação. Mas sou cientista político. Algumas dessas coisas eu vi, achei importante, e descobri que talvez não tenha tanta identidade com isso. Não me lembro o que é uma ligação iônica. Mas essas coisas são fundamentais. Precisava ter conhecido, mas não uso. Mas o meu professor sabia que, dos 18 aos 70 anos, eu iria às urnas. Com eleição a cada dois anos, são 52 vezes, porque tem segundo turno, que eu tenho encontro com as urnas. Onde está essa formação? O que é um deputado estadual, federal, o que é um partido, como são os estatutos? Vamos estudar isso. A Igreja Católica tem um papel político fantástico no país. Tem pastorais, grupos, que fazem política. Política foi feita para ser discutida em regime democrático.

alesp