Morre César Lattes, o maior cientista que o Brasil produziu


09/03/2005 19:53

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Poucos homens no mundo e, em especial, no Brasil, merecem o adjetivo de gênio. Um deles era o professor doutor César Lattes, falecido na tarde de terça-feira, 8/3, no Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, vitimado por um câncer na bexiga e edema pulmonar.

Cesare Mansueto Giulio Lattes " César Lattes " nasceu em Curitiba, Paraná em 11 de julho de 1924, filho de Giuseppe Lattes e de Carolina Maria Rosa Lattes. Depois de realizar seus primeiros estudos na Escola Americana, entre 1929 e 1933, em Porto Alegre, transferiu-se para São Paulo, onde cursou o secundário no Colégio Dante Alighieri, de 1934 a 1938. Ingressou no Departamento de Física, então pertencente à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, concluindo o bacharelado no ano de 1943 com 19 anos. Com a idade em que os alunos entram em uma universidade, o precoce César Lattes saia formado.

Bolsa na Inglaterra

Após sua colação de grau, a convite, lecionou física teórica e matemática na própria USP, como professor assistente. Na Universidade de São Paulo travou amizade com os cientistas Gleb Wataghin, Paulus Pompéia e Marcelo Damy Souza Campos, que reforçaram seu interesse pela radiação cósmica.

Ao término da Segunda Grande Mundial, com uma bolsa de estudos paga pela companhia de cigarros Wills, embarcou para a Inglaterra, onde realizou pesquisas na área da Física na Universidade de Bristol, quando fundamentou seus estudos, com a coordenação do físico inglês Cecil Frank Powell, que ganharia o prêmio Nobel de Física, em 1950, por um trabalho feito a seis mãos.

Entre os colegas de estudo na universidade britânica estava o físico italiano Giuseppe Occhialini. As pesquisas em busca do méson-pi foram aprofundadas, depois que chapas fotográficas levadas para os montes Pirineus, na Itália, acenaram que a busca pelas partículas sub-atômicas estava no caminho certo.

Em 1947, retornando às pesquisas de C. D. Anderson, que, em parceria com S.H. Neddermeyer, descobriu na radiação cósmica uma partícula com massa intermediária entre a de um elétron e a do próton, a que chamaram mesotron, Lattes esteve nos Andes bolivianos, a fim de expor choques fotográficos à ação dos raios cósmicos. Examinando-os, juntamente com Occhialini e Powell, verificou experimentalmente a existência dos mésons, os quais se desintegravam num novo tipo de méson.

Descoberta comunicada

Em um artigo na revista Nature, edição de 25 de maio de 1947, César Lattes comunicou ao mundo a descoberta do Pic du Midi. Em 1948, quando soube da construção de poderoso acelerador ciclotron em Berkeley, foi para os Estados Unidos, e com a colaboração de Eugene Gardner, obteve a produção artificial do méson, acelerando as partículas alfa no ciclotronio de 184 polegadas, que fora construído por Ernest Orlado Lawrence " físico internacionalmente conhecido como o maior especialista em aceleradores de partículas, prêmio Nobel de 1939 e chefe do Radiation Laboratory da Universidade de Berkeley (Califórnia, EUA).

Ao término de sua bolsa de estudos, foi convidado a permanecer nos Estados Unidos, na Universidade de Harvard, mas recusou o convite. Idealista, justificaria a recusa anos depois em entrevista a revista carioca Ciência Hoje: "A gente pensava em melhorar o Brasil". Nesse mesmo ano, em 12 de abril de 1948, quando contava com apenas 23 anos de idade, foi-lhe concedido pela Universidade de São Paulo o título de Doutor Honoris Causa, outorga que receberia em solenidade, somente em 26 de agosto de 1965.

Com um grupo de cientistas brasileiros e de pessoas interessadas no desenvolvimento científico do país, em 15 de janeiro de 1949, foi um dos fundadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, do qual foi diretor. O CBPF em 1976 passou a fazer parte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) - órgão que participou do anteprojeto de criação - como um dos seus institutos, passando esse órgão a assumir o seu custeio.

Cotado para o Nobel

Em três oportunidades César Lattes foi cotado para ganhar o premio Nobel de Física. Em uma delas, em 1949, ganhou o físico japonês Hideki Yukawa, tido como responsável por toda interação nuclear. Na realidade coube a Lattes provar na prática a teoria de Yukawa, que era estudada desde os anos 30.

Trabalhou a partir de 1950 na Universidade de Chicago e, em 1957, retornou ao Brasil, onde ministrou aulas na Universidade de São Paulo (USP). Em 1969, cientistas brasileiros e japoneses, sob sua direção, determinaram a massa das "bolas de fogo", fenômeno originado do choque intenso de partículas com energia muito alta e, que se supunha serem nuvens de mésons. Essa determinação tornou-se possível após a revelação de câmaras (chapas especiais de chumbo) expostas durante anos aos raios cósmicos no pico Chacaltaya, Bolívia. Hoje, Laboratório de Física Cósmica da Universidad Mayor de San Andrés.

O cientista brasileiro, ao ser indagado, pela revista Superinteressante, em maio de 1997, sobre o que mudaria em sua carreira, respondeu: "Não mudaria nada. Fui empurrado pela história e fiz o possível..."

Foi professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, do qual era pesquisador emérito e da Universidade Estadual de Campinas, onde foi o criador do Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia do Instituto de Física "Gleb Wataghin". Era membro da Academia Brasileira de Ciências, da União Internacional de Física Pura e Aplicada, do Conselho Latino-Americano de Raios Cósmicos e das Sociedades Brasileira, Americana, Alemã, Italiana e Japonesa de Física. Entre os prêmios que recebeu destacam-se: Prêmio Einstein, (1950), Prêmio Fonseca Costa do CNPq (1958), medalha comemorativa aos 25 anos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, Prêmio Bernardo Houssay da Organização dos Estados Americanos - OEA (1978), Prêmio de Física da Academia de Ciências do Terceiro Mundo (1987), título de cidadão honorário da Bolívia (1972) e do governo da Venezuela recebeu a comenda Andrés Bello (1977). Era viúvo de D. Martha Siqueira Neto Lattes, com quem teve quatro filhas, que lhe deram nove netos. O corpo de César Lattes foi sepultado ontem no final da tarde, no Cemitério Parque Flamboyant, em Campinas, cidade onde participou da fundação da Unicamp e residia desde 1963. Talvez a maior homenagem prestada em vida a César Lattes foi imortalizada por um dos maiores compositores da música popular brasileira, Cartola, que em parceria com Carlos Cachaça, através do samba-enredo da Escola de Samba Mangueira, campeão no carnaval carioca de 1949, intitulado "Ciência e Arte":

"Tu és meu Brasil em toda parte

Quer na ciência ou na arte

Portentoso e altaneiro

Os homens que escreveram tua história

Conquistaram tuas glórias

Epopéias triunfais

Quero neste pobre enredo

Reviver glorificando os homens teus

Levá-los ao panteon dos grandes imortais

Pois merecem muito mais

Não querendo levá-los ao cume da altura

Cientistas tu tens e tens cultura

E neste rude poema destes pobres vates

Há sábios como Pedro Américo e César Lattes"

alesp