Seminário discute políticas públicas e fundo de cultura


06/12/2004 20:42

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Emir Sader (terceiro) defende a democrização radical da cultura<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/Seminario Politicas B.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Deputado Vicente Cândido (1º à direita) ouve exposição do adido cultural do México no Brasil, Felipe Eremberg<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/Seminario PoliticasA.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Da redação

O seminário Políticas Públicas para a Cultura, realizado nesta segunda-feira, 6/12, no auditório Franco Montoro da Assembléia Legislativa, reuniu o sociólogo Emir Sader, o deputado estadual Vicente Cândido (PT), o deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP), o diretor teatral Luis Carlos Moreira, o ex-secretário de Cultura de Londrina, Bernardo Pellegrini, o adido cultural do México no Brasil, Felipe Eremberg, e o secretário de Cultura do Mato Grosso do Sul, Silvio Nute.

O foco principal do seminário foi a criação do Fundo Estadual de Arte e Cultura, cujo projeto tramita na Assembléia paulista desde o ano passado e aguarda votação em plenário. A concepção do Fundo prevê a destinação de recursos para a pesquisa, criação e circulação de obras no Estado de São Paulo. Os produtores culturais deverão se inscrever mediante editais públicos, publicados duas vezes por ano, na sua região. Os projetos devem passar pelo julgamento de um conselho, formado por pessoas indicadas pelas entidades de classe. O projeto estima que recursos da ordem de 100 milhões de reais, corrigidos anualmente, provenientes de várias fontes discriminadas em lei (receitas das bilheterias da Secretaria de Cultura, taxas publicitárias, contribuições, dotações, transferências, taxas sobre bingos, loterias e máquinas de diversão eletrônicas, etc.).

O deputado Vicente Cândido (PT) comentou o valor atualmente recebido pela Secretaria de Cultura do Estado: "R$100 milhões mal pagam os funcionários da secretaria, precisamos de uma verba maior para investir em projetos culturais".

Cândido explicou o motivo pelo qual o projeto teve autoria coletiva. "A autoria coletiva sanou um dos nossos grandes problemas e fez com que o projeto fosse visto como algo suprapartidário, um projeto de todos nós".

O projeto do Fundo Estadual de Arte e Cultura fez um caminho diferente do feito pela maioria dos projetos de lei da Casa. Normalmente, o governador envia os projetos para que sejam aprovados pelos deputados, mas segundo Cândido, a ordem das coisas foi invertida, "nós fizemos a lei e enviamos para o governador".

O projeto precisa entrar na pauta para que os deputados possam aprova-lo ou não. Conforme o deputado Cândido Vaccarezza, seu partido já tomou a decisão. "A bancada tem concordância absoluta. No que depender do PT o Fundo de Cultura será aprovado".



Democratização da cultura

Para o sociólogo Emir Sader, os fundos de cultura devem ser quanto mais democráticos possível. Não devem ter caráter estatal nem mercantil. A lógica que deve rege-los é a do interesse público. "Queremos a promoção da cultura popular, diversa e alternativa. Temos de produzir cultura para fazer do nosso país um outro país".

Emir Sader comentou o documento produzido pelo seminário realizado pela Rede Globo, intitulado Conteúdo Brasil. Assinado por vários artistas globais, o documento sai em defesa da proteção de conteúdos nacionais e do fortalecimento do mercado nacional com vistas a aumentar a presença brasileira no mercado mundial de bens e serviços culturais. Diz que a televisão é fundamental para a promoção da identidade nacional e reivindica o apoio de uma estratégia de Estado para a produção de cultura nacional, com crédito, subsídios e legislação adequada, para que ela tenha condições de competitividade. Completa dizendo que o "Estado brasileiro deve apoiar a consolidação de empresas fortes de produção, distribuição e comercialização de conteúdo nacional".

Para o sociólogo, o documento é surpreendente, pois a maior rede nacional de televisão aparece defendendo o Brasil. "O Brasil deles", diz Sader, ao destacar que o documento centra o eixo produtor de cultura na empresa privada. "É claro que há uma tentativa de apropriação da idéia de Brasil, quando a Globo defende a produção nacional".Na ótica do sociólogo o que está em questão não é a soberania nacional, mas sim a soberania popular. Por isso, as políticas públicas para a cultura devem fazer os interesses públicos se sobreporem aos interesses mercantis. Seu papel é fazer chegar às massas a produção cultural, democratizando o acesso à produção e à fruição da cultura.

"Nosso inimigo é a cultura que está aí, na qual tudo se vende, tudo se compra", disse Sader ao defender a radicalização da democratização dos recursos por meio do orçamento participativo e de processo de consulta popular que permitam à população decidir sobre temas fundamentais de interesse coletivo. "Todos pagamos impostos. A população tem o direito a um fundo de cultura que propicie acesso a todos à produção cultural do país".

O deputado Arlindo Chinaglia falou sobre o que o Congresso Nacional vem fazendo na área da Cultura. Destacou a proposta de Emenda à Constituição, apresentada pelo deputado Gilmar Machado, que prevê a criação do Plano Nacional de Cultura, nos moldes de um plano plurianual, no qual se definam as diretrizes para o desenvolvimento cultural do país para períodos de cinco anos. Outra proposta de Emenda à Constituição (PEC 150/2003) encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça e trata da vinculação de 2% do orçamento da União à área da cultura. Estados e municípios ficariam também obrigados a destinar de 1% a 1,5 % de seus orçamentos ao setor. Essa Emenda, se aprovada, garantiria ao Ministério da Cultura um orçamento anual de aproximadamente R$ 1,74 bilhão. O orçamento atual da pasta é de R$ 450 milhões. Segundo Chinaglia, há a expectativa de que haja um aporte de mais R$ 200 milhões para a Cultura por meio de emendas de parlamentares ao orçamento, o que garantiria algo próximo a R$ 650 milhões para a pasta do ministro Gilberto Gil em 2005.

Chinaglia provocou o público ao questionar por que a discussão sobre o financiamento da cultura não abrange também o emprego das verbas da educação, garantidas pela Constituição federal. "A exemplo do que ficou demonstrado nos CÉUS da cidade de São Paulo, não há nada mais próximo da cultura do que a educação".

Sujeitos da história

O diretor teatral Luis Carlos Moreira avalia que a criação do fundo de cultura não é o ponto de chegada, mas de partida. O fundo deve ser um instrumento de formulação de políticas publicas para a cultura. Entretanto, ressaltou que os produtores culturais têm de ser os sujeitos históricos dessa relação entre o fundo e os projetos dos produtores independentes e do governo. Para Moreira, existem políticas públicas na área de cultura que transformam artistas em mão-de-obra barata, atribuindo-lhes papéis provisórios em ações também provisórias. "Não é somente o governo que faz políticas públicas. Quem as executa somos nós. A produção artística é uma criação da sociedade". Para ele, a estruturação do fundo deve ater-se a um papel conjuntural. Não devem existir programas de caráter permanente, mas sim editais públicos periódicos que contemplem a dinâmica da produção cultural independente e dos processos de criação de novas linguagens.

Uma experiência municipal

O ex-secretário de Cultura de Londrina, Bernardo Pellegrini, apresentou a experiência da criação do fundo municipal de cultura na cidade paranaense. No formato londrinense, 65% dos recursos do fundo destinam-se a produtores independes. Outros 35% são empregados em projetos articulados pelo poder público. A cidade, que tem 500 mil habitantes, financia atualmente de 120 a 130 projetos por ano, criou a Rede da Cidadania, na qual 70 pontos espalhados pelos bairros oferecem ao público apresentações e exibições de 35 tipos de expressões artísticas e várias linguagens. "Construímos em Londrina uma efervescente dinâmica cultural, integrando os produtores culturais à cidade e vice-e-versa. Festivais de circo, de música e teatro, escola pública municipal de teatro e serviços públicos de capoeira, balé e outros fazem da cultura um instrumento estratégico de gestão. As ações de cultura integram hoje o trabalho de todas as secretarias", concluiu Pellegrini.

Cultura é valorizada no México

O adido cultural do México no Brasil, Felipe Eremberg, falou sobre o financiamento da cultura em outros países, citando principalmente o México, que começou a privilegiar as indústrias culturais e, depois, a arte.

A cultura é o terceiro item mais apoiado no México, com 0,06% do PIB. O adido leu texto de Eduardo Nivon que afirma: "a cultura é inseparável da vida humana e está intimamente ligada ao desenvolvimento econômico e social".

Felipe Eremberg torce também por uma descentralização cultural, que visa lograr novos impulsos. O apoio às indústrias culturais tem o intuito de formar um número cada vez maior e de maior qualidade de indústrias radiofônicas, cinematográficas e televisivas.

As soluções para os problemas culturais, segundo Eremberg, devem ser encontradas dentro dos países. Os centros culturais e os governos devem facilitar a criação cultural, permitindo o livre desenvolvimento cultural dos cidadãos. "Nosso continente não é a Europa. Ao buscarmos soluções lá, perdemos as que surgem aqui. Se a censura não existe na maioria dos países, a liberdade de expressão ainda é um terreno muito escorregadio", disse o adido.

Fundo do MS baseia-se na renúncia fiscal

O secretário da Cultura do Mato Grosso do Sul, Silvio Nute, falou sobre a experiência de seu Estado na criação do Fundo de Arte e Cultura. A captação das verbas destinadas ao Fundo é feita pelo governo. O dinheiro, que chega na forma de renúncia fiscal, é depositado nesse fundo. Quem decide os projetos que serão aprovados é o Conselho Estadual de Cultura e não mais as empresas como acontecia antes.

Da verba destinada, 3% vai para a fiscalização e acompanhamento dos projetos e 7%, para a publicidade.

O apoio aumenta o desenvolvimento e a qualidade da cultura do Mato Grosso do Sul, que todo ano é sede, por exemplo, do Festival América do Sul. "Nós apoiamos a política cultural e não artistas ou produtores específicos. Eles são beneficiados por conseqüência", completou Silvio Nute.

O deputado Cândido Vaccarezza (PT) parabenizou o deputado Vicente Cândido (PT) pela criação do projeto do Fundo Estadual de Arte e Cultura para São Paulo. "Isso é uma ação que dignifica a Assembléia, é algo ímpar. Nunca nenhum outro projeto conseguiu reunir assinaturas de 70 deputados", disse o deputado. Ele afirmou também que a população tem papel fundamental na votação do projeto e pediu maior participação popular nas decisões dos parlamentares.

alesp