Opinião - A ambivalência de um país multicultural e racista


20/06/2011 12:30

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A história do Brasil colonial foi marcada pelo racismo e exclusão dos negros. A colônia portuguesa, que vivia de exportação de madeira, cana-de-açúcar, ouro e diamantes, consumiu intensa mão de obra escrava. O Brasil recebeu cerca de 40% das dezenas de milhões de africanos escravos. A escravidão foi abolida em 1888, mas será que o preconceito racial foi extinto?

A miscigenação racial entre negros, brancos e índios traçou o mapa étnico e cultural em nossa nação. No entanto, o preconceito e a discriminação racial afetaram profundamente a sociedade brasileira e deixaram marcas em nossa cultura. Segundo o Instituto de Pesquisa e Estatísticas (Ipea), dos 53 milhões de pobres no país, 63% são negros. Esses números assustadores mostram que a maioria deles nasce em meio à desigualdade, inclusive econômica.

O senegalês Doudou Diéne, relator da ONU, visitou o Brasil entre 17 e 26 de outubro de 2005. Ele avaliou os fatores de discriminação que afetam a população afrodescendente, povos indígenas e estrangeiros, incluindo trabalhadores migrantes, refugiados e pessoas em busca de asilo. Em seu relatório, Diène afirma que "toda a sociedade está organizada a partir de uma perspectiva racista: os negros são excluídos de todos os setores da sociedade e confinados aos trabalhos difíceis, com baixos salários, e seus direitos básicos, incluindo o direito à vida, sendo violados". Ele disse ainda que "viajar pelo país é como mover-se entre dois planetas".

O relatório de Diène não traz nenhuma novidade frente ao que as entidades e organizações que defendem os direitos dos negros vêm afirmando nas últimas décadas.

Neste mês, o programa Conexão Repórter, apresentado por Roberto Cabrini, no SBT, levou ao ar uma reportagem especial sobre o tema. No programa, dois homens, com idades semelhantes e roupas iguais, vão para vários locais mostrar o tratamento diferenciado dado a eles. Vendedores, motoristas e seguranças dão, em geral, um tratamento superior ao homem branco. Em uma loja de carros importados de altíssimo padrão, Cabrini pergunta ao vendedor se alguma daquelas máquinas já foi vendida para algum negro, e ele responde que não.

Como mostra a reportagem, o preconceito por aqui é velado. Em São Paulo, metrópole onde diversas culturas e povos se encontram, isso tem ganhado cada vez mais força. Segundo o Ipea, 91% dos jovens negros do Estado de São Paulo já foram abordados pela polícia.

Outro caso de preconceito é o da empregada doméstica Simone Diniz, um caso histórico de racismo negado pela Justiça brasileira, mas reconhecido em um tribunal internacional. Ela recebeu uma indenização de R$ 36 mil, após recorrer à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. Pela primeira vez na história do Brasil, um Estado foi responsabilizado por não punir o crime de racismo. Na época, ao procurar emprego, Simone foi descartada por ser negra.

Infelizmente, casos como o de Simone ocorrem quase diariamente no Brasil. Pessoas ficam sem saber a quem recorrer quando são desrespeitadas por causa de sua cor. A Constituição Federal é clara ao dispor no art. 5º, inciso XLII: "a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei". O racismo parece estar incorporado em boa parte do cotidiano brasileiro. Ainda piores são as organizações radicais que pregam ódio aos negros.

Nossa nação ainda precisa percorrer um longo caminho para acabar de vez com esse tipo de retrocesso. É inaceitável que um país com mais de 190 milhões de habitantes, uma população afrodescendente em torno de 46%, composta por 220 diferentes grupos e que fala 280 línguas ainda acredite na inferioridade de determinadas pessoas. Todos devem ser respeitados e cabe a cada um de nós tratarmos negros, pardos e mulatos como iguais, pois eles fazem parte de uma raça apenas, a humana.



*Gilmaci Santos é deputado estadual pelo PRB e presidente estadual do partido.

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