Memórias e interpretações

DA REDAÇÃO
24/08/2001 22:34

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"No Palácio, era como se estivesse no Pólo Ártico... Eu era assessor da Presidência do Jânio Quadros e o ambiente ali foi como se tudo parasse. Era um silêncio, uma perplexidade. Aquela coisa, ninguém entendia porque aquilo, foi um choque absoluto. Ninguém esperava que ocorresse aquela renúncia. Foi a primeira vez que eu vi o doutor Roberto Marinho, por acaso..., no térreo do Palácio, se preparando para subir no elevador... Eu me lembro só disso, que ele olhou para mim, pálido, só com uma exclamação: "Que coisa!"... "Que coisa, hein?!" (Evandro Carlos de Andrade, jornalista)

"O presidente Jânio Quadros quando assumiu o governo resolveu adotar a mesma prática que tinha sido adotada por Winston Churchill, primeiro-ministro da Inglaterra... comunicaria as decisões dele aos seus colegas de gabinete, aos demais subordinados, por meio de pequenos memorandos... Na Presidência, foi o método de trabalho preferido dele (Jânio). De modo que quando ele deixou o governo já havia expedido mais de 1.500 desses bilhetes, como foram conhecidos." (José Augusto Ribeiro, jornalista, redator de O Estado de São Paulo até 1963)

"Perguntei quais eram as "forças terríveis". Ele citou o embaixador da Alemanha, que estaria transmitindo exigências de grupos econômicos alemães, grupos poderosos... talvez a Volkswagen. E citou emissários do governo americano, entre os quais o embaixador Adolph Berger... Berger foi visitar o presidente Jânio Quadros no Palácio do Planalto para pedir o apoio do Brasil a uma invasão armada de Cuba... O problema de Cuba era um problema dos cubanos. Não tinha cabimento o país mais poderoso do mundo invadir Cuba. Então o diálogo do presidente Jânio Quadros com o embaixador Berger foi tão áspero que, segundo Jânio, o Berger saiu da sala meio às pressas, errou o caminho, em vez de abrir a porta da sala entrou num armário." (José Augusto Ribeiro, jornalista, redator de O Estado de São Paulo até 1963)

"Eu estive duas vezes em Brasília antes que as crises começassem a aparecer... E voltei muito impressionada com o que vi. Porque, de fato, governar o Brasil de lá, naquelas condições, é uma coisa de estressar qualquer pessoa calma e tranqüila, que não era o caso do Jânio. Ele não tinha a menor noção do que se passava no resto do país. Eu voltei de lá e contei para o Carlos Lacerda: - Ô Carlos, esse negócio não vai dar certo. O homem está governando o Brasil de lá da Bolívia... o Jânio ficava olhando aquela imensidão de terra vermelha pela janela, conversando trivialidades, tinha tempo... Então, ele estava muito mal, muito mal... Eu não entendi até hoje. Várias vezes depois eu estive com ele. Jânio, ele foi meu amigo... Nunca consegui entender aquela renúncia. Não foi a briga com o Carlos Lacerda. O próprio Lacerda foi completamente apanhado de surpresa pelo episódio. E quando voltou daquela história toda, "fica no Palácio, não fica", ele já achou que o Jânio já não estava no normal dele naquela ocasião." (Sandra Cavalcante, deputada da UDN no Estado da Guanabara, em 1960)

"Os militares ofereceram a Presidência da Republica para o Carvalho Pinto (governador de São Paulo 1958-1962). Se ele quisesse, eles fariam um ato institucional, e o Carvalho Pinto assumiria." (Plínio de Arruda Sampaio, advogado, foi subchefe da Casa Civil do governo Carvalho Pinto)

"Acho que ele renunciou na esperança de voltar à Presidência. Eu ouvi dele a seguinte frase, que aclara bem o mistério da renúncia: - Eu não queria poderes totais. Eu queria poderes diferentes." ( Paulo de Tarso, advogado, em 1961, foi nomeado por Jânio prefeito do Distrito Federal e ministro da Educação no governo de João Goulart)

"Há um fato muito importante, que não foi suficientemente divulgado... O Jânio renunciou à candidatura à Presidência. E a repercussão na campanha foi muito má... E eu, conversando com ele, disse: - Olha, Jânio, eu acho que você precisa de um fato novo que desvie a atenção de sua renúncia... sou amigo do embaixador de Cuba no Brasil... se quiser, ele trataria de obter de Fidel Castro um convite para que você vá a Cuba. Ele disse assim: - Me agrada a idéia." (Paulo de Tarso)

"Era sempre um golpe. Já antes de Juscelino, desde Café Filho, praticamente de dois em dois anos, ia haver um golpe... Mas, acho que, depois da morte de Getúlio, o grande susto nacional foi a renúncia de Jânio. Porque o vice estava na China, olha que perigo estar na China, e tinha um cunhado lá no Rio Grande... E tinha os mineiros todos ali segurando as pontas. As ruas totalmente tomadas pelo povo, pela discussão, pelos tanques, pelo que você possa imaginar. Bom, nessas horas, não tem teatro, não tem diversão. Pára todo mundo, para tudo e vai ver o que acontece." (Fernanda Montenegro, atriz)

"É bom lembrar que mesmo os governos civis sempre tiveram uma deferência especial para com os militares, e eu vou lembrar o caso de um presidente que foi eleito com grande apoio popular. Como foi o caso de Jânio Quadros, que renunciou sete meses depois, e que tinha uma relação muito especial com os militares, na medida em que determinou que fossem oficiais do Exército os responsáveis pelos inquéritos que ele estava realizando no Brasil todo, com aquela política da vassoura, de limpeza contra a corrupção. Eu costumo dizer que a vassoura do Jânio abriu caminho para a espada. Porque, certamente, foi o fortalecimento dos militares nesse breve período do Jânio que lhes deu força para enfrentar o governo de João Goulart e, depois, para o golpe de 64." (Maria Victória Benevides, professora doutora de Ciências Sociais)

*Citações extraídas do livro Histórias do Poder, de Alberto Dines, Florestan Fernandes Jr. e Nelma Salomão; São Paulo, Editora 34, 2000.

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