Brasil: um país ainda sem memória


02/03/2011 16:09

Compartilhar:


Em 29/06/2010, foi publicado neste mesmo espaço um artigo de minha autoria intitulado "Pedofilia: a omissão e seus desdobramentos". Na ocasião eu era membro da comissão parlamentar de inquérito que tinha o objetivo de investigar os casos de pedofilia no Estado. No texto, descrevi o que se passou em uma das últimas reuniões da CPI em que recebemos o prefeito de Porto Ferreira, Mauricio Sponton Rasi.

Rasi contou que em 2003, o pai de uma adolescente encontrou no quarto da filha fotos dela com garotas nuas e seminuas e resolveu procurar a polícia. Na época ele era delegado e iniciou então uma investigação para apurar a denúncia de que adolescentes de 13 a 16 anos eram agenciadas para participar de festas em que mantinham relações sexuais com vereadores e empresários. Doze acusados tiveram mandado de prisão preventiva expedido, e 11 deles foram cumpridos. Seis vereadores, três empresários e um funcionário público acusados de organizar essas festas foram condenados em primeira instância pela Justiça.

Na época, os acusados foram condenados por corrupção de menores, formação de quadrilha, favorecimento à prostituição e estupro. A maioria das condenações exigia mais de 40 anos de reclusão, mas eles ficaram presos em média por apenas sete anos. Segundo o prefeito, as vítimas, que antes eram defendidas pela sociedade, passaram a ser discriminadas e os agressores ganharam a solidariedade da comunidade local. Infelizmente, a história de Porto Ferreira e de tantas outras apresentadas na CPI se repetem todos os dias em todo o Brasil. A CPI acabou, processos contra pedófilos não deram em nada. É, parece mesmo que nosso país não tem memória, mas em quem sofreu esse tipo de abuso a memória permanece sim, e bem viva.

Assim como milhares de famílias, continuo aguardando a aprovação da lei que tipifica o crime de pedofilia como hediondo. O Projeto de Lei 5.658/2009, em tramitação na Câmara dos Deputados, torna a pedofilia um crime hediondo. Com essa mudança, os acusados ficarão passíveis de prisão temporária por maior prazo. A proposta, da CPI da Pedofilia do Senado, também torna crime hediondo a venda ou a exposição de vídeos e fotografias infanto-juvenis com teor sexual. Segundo o relatório da comissão, o objetivo é aprimorar o combate à prostituição e à exploração sexual dessas crianças.

Durante as reuniões da CPI vimos cenas estarrecedoras de violência contra a criança, cenas essas que não aconselho que ninguém assista, porque é necessário ter muito estômago para vê-las. São monstros que chegam a violentar crianças de menos de 1 ano; verdadeiros dementes que acabam com a infância de nossas crianças.

Não podemos cruzar os braços enquanto vemos a infância de muitos sendo destruída por esses monstros, é importante manter viva essa revolta para que nunca nos esqueçamos dessas crianças. As autoridades competentes não podem esquecer também de tipificar essa atrocidade. Não ficarei em paz enquanto não ver esse tipo de indíviduo respondendo pelo crime de maneira justa e rígida.

Espero que nosso país sem memória desta vez não se esqueça de cobrar a aprovação dessa lei. A violência sexual não é um problema que se resume apenas ao momento que se comete ao crime, ela desencadeia problemas de ordem psicológica, física, social, educacional, e, por fim, leva a vítima ao afastamento e a exclusão. Não bastasse ter que levar por toda a vida as marcas internas que essa violência traz, as vítimas e a família são obrigadas a conviver com a falta de punições mais rígidas.

Ainda carecemos de ações mais efetivas, precisamos, além de tipificar o crime, garantir a vítima um suporte educacional, psicológico ou mesmo familiar de maneira efetiva. Para evitar que casos como o de Porto Ferreira e de tantos outros se repitam é necessário também investir na criação de uma espécie de rede que incluiria educação, saúde, promoção social, conselhos tutelares e delegacias de polícia, todos bem preparados para atender vítimas e famílias. É importante, além de diagnosticar, prevenir e punir. Caro leitor, não podemos deixar que a sociedade esqueça dessas vítimas.



*Gilmaci Santos é deputado estadual pelo PRB e presidente estadual do partido. Participa das comissões de Defesa dos Direitos do Consumidor e de Economia e Planejamento da Assembleia.

alesp