Brasil, meu Brasil brasileiro... 100 anos de Ary Barroso

Antônio Sérgio Ribeiro (*)
06/11/2003 20:27

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Ary Barroso<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/Ary1.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O maior compositor popular brasileiro completa 100 anos neste dia 7 de novembro. O seu centenário será lembrado em todo o Brasil, assim como em diversos países do mundo.

Ary Evangelista Barroso nasceu na cidade mineira de Ubá, em 7 de novembro de 1903, filho de João Evangelista Barroso e de Angelina Rezende Barroso. Seu pai foi deputado estadual e promotor público em Minas Gerais.

Aos oito anos ficou órfão, sendo adotado ainda em 1911 por sua avó Gabriela. Com sua tia Rita, professora de piano, teve aos dez anos sua iniciação musical, aprendendo teoria, solfejo e piano. Iniciou seus estudos na escola pública dirigida por Guida Solero. Frequentou o Externato Mineiro do Prof. Cícero Galindo, os Ginásios São José, Rio Branco, de Viçosa, de Leopoldina e de Cataguases, onde concluiu o curso regular. Apesar da tentativa de sua avó e sua tia de fazê-lo padre, começou sua vida artística aos 12 anos como pianista auxiliar do Cinema Ideal. Trabalhando aos 15 anos de idade como caixeiro na loja "A Brasileira" em sua cidade, compôs nessa época a sua primeira musica, o cateretê De Longe, que seria gravada como samba no ano de 1931, por Carmen Miranda, com o título de Nosso Amô Veio D´um Sonho. Em seguida fez a música Ubaenses Gloriosos.

Em 1920, com a morte de seu tio Sabino Barroso, ex-ministro da Fazenda do governo Wenceslau Braz, recebeu uma herança de 40 contos (milhões de réis). Aos 17 anos foi ao Rio de Janeiro estudar direito, ali permanecendo sob a tutela de Carlos Peixoto.

Aprovado no vestibular em 1921, cursou até o segundo ano da Faculdade Nacional de Direito, passando a freqüentar ao mesmo tempo as rodas boêmias da então Capital Federal. Suas economias exauriram-se levando-o a empregar-se como pianista no Cinema Íris, no Largo da Carioca, e, mais tarde, na sala de espera do Teatro Carlos Gomes com a orquestra do maestro Sebastião Cirino. Tocou também nas orquestras de Alarico Pais Leme, no Teatro Trianon, e na de J. Tomás, na sala de espera do Cine Eldorado. Fez apresentações em orquestra de dança, como a American Jazz, do maestro José Rodrigues, e no Jaz-Band Sul-Americana, de Romeu Silva. Nessa época tocou nas rádios cariocas que começavam a entrar no ar. Em 1926 retomou os estudos de Direito, mas sem deixar as atividades artísticas, até que foi convidado pelo maestro Spina, de São Paulo, a excursionar com ele a Poços de Caldas, permanecendo ali oito meses.

A opção definitiva

Em 1929, retornando ao Rio, trouxe na bagagem algumas composições que entregou à editora musical Carlos Wehrs. Começou então a compor para o teatro de revista estreando em Laranja da China, de Olegário Mariano e Luiz Peixoto. Compôs também para a revista Brasil do Amor, É do Balacobaco, entre outras. De 1929 a 1960, musicou mais de 60 peças.

Sua primeira música gravada foi Vou à Penha, em 1929, por seu colega de faculdade Mário Reis. Na voz do mesmo cantor conheceu seu primeiro sucesso, Vamos deixar de intimidades.

Incentivado pelo maestro e compositor Eduardo Souto, inscreveu no concurso de músicas carnavalescas da Casa Edison a marchinha Dá nela, gravada pelo cantor Francisco Alves. Saiu vencedor e recebeu o prêmio de 5 contos de réis. Com este dinheiro casou com sua noiva, Ivone Belfort Arantes, com quem teve dois filhos, Flávio Rubens e Mariúza. Nesse mesmo ano bacharelou-se em Direito, na mesma turma do cantor Mário Reis.

Em 1931 seguiu para Belo Horizonte, onde seu tio, o deputado estadual Inácio Barroso, lhe conseguiu uma nomeação para juiz municipal de Nova Resende, MG. Após meditar sobre o assunto, Ary recusou o cargo e retornou ao Rio para tentar carreira com a música. Começa então a compor com determinação e a ganhar algum dinheiro com a venda de suas partituras editadas pela Casa Carlos Wehrs. Nesse ano compôs Faceira, lançada na revista Brasil do Amor por Sílvio Caldas, que também a gravou em disco. Outro grande sucesso foi a música em parceria com Lamartine Babo, No rancho fundo, gravada por Elisa Coelho de Andrade.

Sílvio Caldas gravou em 1932 outro grande sucesso de Ary Barroso, a música Maria.

Com a Orquestra de Napoleão Tavares, em 1934 Ary conheceu a Bahia. Por essa ocasião, começou a tocar nos programas de rádio, tais como Horas de Outro Mundo de Renato Murce e Programa Casé, ambos na rádio Philips do Rio de Janeiro.

Sucesso no rádio

Participou, em 1935, do filme Alô, Alô, Brasil!, da Waldow-Cinédia e, nesse mesmo ano, em companhia do compositor e autor teatral Luiz Peixoto, veio para São Paulo para trabalhar na Rádio Cosmos, onde criou seu programa Hora H, um humorístico de muito sucesso na época. No carnaval paulistano de 1936, participou do concurso de músicas carnavalescas instituído pela Prefeitura do Município de São Paulo, obtendo o segundo lugar com a marcha Paulistinha Querida. Retornou ao Rio logo depois para trabalhar na Rádio Transmissora, mas acabou contratado pela Cruzeiro do Sul, com o salário de um conto e quinhentos réis. Estreou como locutor esportivo ao substituir Afonso Scola na narração do clássico carioca Flamengo-Fluminense e auxiliou posteriormente Gagliano Neto nas irradiações de corridas de automóveis no Circuito da Gávea.

Em 1937, também na Rádio Cruzeiro do Sul, estreou seu programa a Hora do Calouro, que animava com graça e impiedade e era marcante a participação de Macalé, que gongava os calouros após gestos do apresentador. No ano de 1938, a revista Fon-Fon, instituiu o concurso Os Melhores do Rádio: Ary Barroso foi eleito através do voto popular o melhor compositor do Brasil e foi homenageado juntamente com os demais vencedores em sua categorias - cantora: Carmen Miranda, cantor: Francisco Alves, locutor: César Ladeira, humorista: Barbosa Júnior - com um programa especial na Rádio Mayrink Veiga.

Em 1939, transferiu-se para a Rádio Tupi, no maior contrato radiofônico de então, tendo a Tupi pago à Cruzeiro do Sul a multa contratual de 75 contos de réis, uma verdadeira fortuna. Ary recebeu o salário de cinco contos por mês e permaneceu na Cacique do Ar até 1956, atuando como comentarista, humorista, ator, locutor e chefe do departamento de esportes. Transmitindo partidas de futebol, ficou famoso por anunciar os gols através do toque de uma gaitinha e por sua escandalosa parcialidade em favor do Flamengo. No mês de março de 1939, passou a trabalhar também em O Jornal, chefiando a seção de esportes.

Ficou notória a narração de um jogo em 1941 entre Paulistas e Cariocas, quando Alberto Byngton Jr. comprou a exclusividade da diretoria do Palestra Itália para a transmissão por suas emissoras. Proibido de narrar de dentro do Parque Antártica, Ary Barroso não se deu por vencido: transmitiu todo o jogo do telhado de uma casa...

Outra epopéia foi o jogo entre Argentina e Brasil no Estádio de São Lourenço, em Buenos Aires, pela Copa Sul-Americana. Nessa época não havia cabine para as rádios e os locutores eram obrigados a transmitir entre a torcida. Nesse dia, por ter sido cuspido e levado guarda-chuvadas, Ary foi obrigado a transmitir da lateral do campo. Sua gravata foi utilizada como tipóia pelo jogador Jaú, para que pudesse continuar jogando depois de ter sido agredido violentamente em uma disputa de bola por um jogador argentino. Após o término do jogo, foi obrigado a sair escoltado pela polícia portenha, pois foi xingado e recebeu até pedradas da torcida adversária. Retornando ao Brasil, foi recebido como herói por amigos e torcedores, apesar da derrota da seleção brasileira.

A Aquarela que o consagrou

Em junho de1939, lançou na revista musical Entra na Faixa, no Teatro Recreio, o samba Aquarela do Brasil, cantado por Araci Cortes e interpretado, no mês seguinte, por Cândido Botelho no espetáculo Joujoux et Balangandans, de Henrique Pongetti, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro A música foi gravada em disco por Francisco Alves. Com essa composição, Ary Barroso foi o precursor do samba-exaltação, de melodia extensa e sempre apoiada em grande aparato orquestral. Aquarela do Brasil, denominada Brazil no exterior, é sem dúvida a música brasileira mais conhecida e mais gravada lá fora.

Em 1944, foi para os Estados Unidos convidado a compor a trilha sonora do desenho animado Você já foi à Bahia?, de Walt Disney, do qual participou também como narrador para a versão em português. Retornou à América em 1945 para musicar o filme da Repúblic Pictures, Brazil, tendo concorrido ao Oscar com a música Rio de Janeiro, (incluída atualmente na trilha sonora da telenovela Celebridade da Rede Globo), recebendo por essa indicação um diploma da Academia de Ciências e Artes Cinematográficas de Hollywood.

Em 1946, retornou mais uma vez aos Estados Unidos, para musicar em Nova York o espetáculo O Trono das Amazonas, com 18 composições suas. Por problemas de ordem financeira da produção, o musical acabou não sendo realizado.

Nem a política Ary deixou de lado

Ainda em 1946, candidatou-se e elegeu-se vereador do então Distrito Federal pela União Democrática Nacional - UDN, tendo sido o segundo mais votado para a Câmara Municipal do Distrito Federal. Foi o grande defensor da construção do Estádio do Maracanã para a Copa do Mundo de 1950. Não tendo sido reeleito, abandonou a política em 1951.

Lutando a favor do compositor brasileiro, Ary foi conselheiro da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais), fundador da UBC (União Brasileira de Compositores) e, mais tarde da SBACEM (Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Editores Musicais), da qual também foi presidente.

Foi um dos primeiros no Brasil a ter programa de televisão, na Tupi, com Calouros em Desfile e Encontro com Ary. Seus programas revelaram nomes que fizeram história na MPB, como Dolores Duran, Elza Soares, Elizeth Cardoso, Zé Keti, entre outros.

Em 1953, organizou a Orquestra de Ritmos Brasileiros e com ela excursionou pela Venezuela e México.

No ano de 1955, após excursionar com sua orquestra pelo Uruguai e Argentina, recebeu das mãos do presidente da República Café Filho, no Palácio do Catete, a Ordem Nacional do Mérito, juntamente com Heitor Villa-Lobos.

Em 1956, transferiu-se para a Rádio Nacional no Rio de Janeiro. Foi homenageado em 1957 com o espetáculo Mr. Samba, produzido por Carlos Machado, na boate Night and Day, no Rio de Janeiro. O show retratou sua vida e suas composições. Entre os participantes estavam Aurora Miranda, Grande Otelo e Elizeth Cardoso. Nesse mesmo ano, assumiu a direção artística da gravadora Mocambo e, em 6 de janeiro, foi sancionado pelo prefeito do Distrito Federal o projeto de iniciativa da Câmara dos Vereadores que concedia a ele o título de Cidadão Carioca. Contratado pela TV Rio, passou a dividir com Antônio Maria a apresentação do programa Rio, gosto de você e relançou seu Calouros em desfile, ambos com grande sucesso. Convidado em 1958 a se apresentar na boate Fred´s, acabou tornando-se seu supervisor na área artística.

No Clube de Regatas Flamengo, em 1960 foi vice-presidente do departamento cultural e recreativo. Ainda nesse ano voltou à TV Tupi como chefe do setor de esportes e narrador de partidas de futebol.

O começo do fim

Em 1961 adoeceu seriamente de cirrose hepática. No ano seguinte, já restabelecido, retomou seu programa aos domingos na TV Tupi, Encontro com Ary. Ainda em 1962, em parceria com Vinicius de Morais, compôs quatro músicas, inclusive Rancho das Namoradas. Em 1963, a Ordem dos Músicos ameaçou proibir a execução de suas composições por desentendimento entre as entidades arrecadadoras UBC e SBACEM. A celeuma causada provocou uma semana de desagravo, que incluiu concentração popular na Praça Serzedelo Correia, Copacabana.

Internado na Casa de Saúde São José, com nova crise de cirrose, recuperou-se no Natal. Sofreu nova recaída e foi recolhido ao Instituto Cirúrgico Gabriel de Lucena, onde faleceu no domingo de carnaval, 9 de fevereiro de 1964, coincidentemente data de nascimento de sua grande amiga Carmen Miranda. Na avenida, a Escola de Samba Império Serrano desfilava apresentando o enredo Aquarela Brasileira. No carnaval de 1988, foi novamente homenageado como tema de escola de samba, desta vez pela União da Ilha do Governador. Para o carnaval de 2004, mais uma vez a Império Serrano levará para o Sambódromo da Marques de Sapucaí Aquarela Brasileira de Silas de Oliveira, quarenta anos depois, em homenagem ao centenário do compositor. A rua onde morou durante muitos anos no Leme tem seu nome. Também foi homenageado pelos moradores daquele bairro carioca com um busto na calçada da Avenida Atlântica.



Autor de mais de 400 músicas, Ary Barroso, pianista, compositor, regente, radialista, advogado e vereador, é mundialmente conhecido por ser o criador da obra-prima Aquarela do Brasil, mas tinha como músicas preferidas: Terra Seca, Tu e Menina que tem uma pose.



Além das músicas já citadas, são sucessos: Inquietação (1933), Tu (1933), Foi Ela (1934), Grau Dez (1934), Na Batucada da Vida (1934), Na Virada da Montanha (1935), No Tabuleiro da Baiana (1936), Como "Vais" Você (1936), Eu Dei (1937), Quando Penso na Bahia (1937), Na Baixa do Sapateiro (1938), Boneca de Piche (1938), Camisa Amarela (1939), Casta Susana (1939), Os quindins de Iaiá (1940), Upa! Upa! (A canção do trolinho) (1940), Três lágrimas (1941), Brasil Moreno (1941), Morena Boca de Ouro (1941), Sandália de Prata (1941) -- que,após a morte do autor, em uma "jogada " de marketing que nunca foi devidamente esclarecida, a gravadora Som Livre, da Rede Globo, regravou com o nome de Isto aqui o que é?** --, Terra seca (1943), Pra machucar meu coração (1943), Risque (1952), Folha Morta (1952) e É Luxo Só (1959).



(*) Antônio Sérgio Ribeiro, advogado, pesquisador e funcionário da Secretaria Geral Parlamentar da ALESP.

O autor agradece a sempre colaboração de Sandra Sciulli Vital da Divisão de Biblioteca e Documentação do DDI.

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