OPINIÃO - CONSCIÊNCIA NEGRA

Maria Lúcia Prandi*
24/11/2004 14:46

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O Brasil concentra o segundo maior contingente de população negra do mundo, ficando atrás somente da Nigéria, no continente africano. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - referentes ao ano 2000 - apontam que aproximadamente 80 milhões de brasileiros têm ascendência africana.

É indiscutível a contribuição do negro na construção da sociedade brasileira. Muitos deram, e ainda dão, a própria vida durante um doloroso processo histórico que começou com a escravidão e persiste nos dias atuais, com a perversa exclusão social, que flagela grande parte da população negra do Brasil.

Metade dessa parcela da nossa população é considerada pobre e tem menos chances de ascensão social do que os brancos pobres. Na Educação, o analfabetismo é duas vezes maior entre os negros, que têm dois anos a menos de escolaridade, em média. Entre as mulheres negras, a discriminação é dupla: racial e de gênero.

Zumbi foi um dos que morreu em conseqüência do preconceito selvagem e da intolerância nefasta. Há exatos 309 anos, no dia 20 de novembro, ele era assassinado pelas forças da Coroa Portuguesa. O objetivo era aniquilar o sonho de liberdade concretizado no Quilombo dos Palmares, dando exemplo a outras comunidades espalhadas pelo País.

Morreu o homem, nasceu o mito, o exemplo de coragem e resistência. O 20 de novembro tornou-se o Dia Nacional da Consciência da Negra. Data recentemente conquistada, após anos de luta e mobilização do movimento negro brasileiro. Momento de reflexão e a reafirmação de um compromisso que deve ser de todos nós: a construção de uma sociedade livre de preconceitos.

Desde o início do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, várias ações vêm sendo implementadas para enfrentar e reverter o perverso quadro que mantêm grande parte dos negros brasileiros à margem da sociedade. São ações que vão desde a garantia da terra aos quilombolas, passando pela valorização da influência da raça negra no desenvolvimento do país, além das políticas afirmativas, como as cotas.

A Educação tem papel fundamental. Por meio de mudanças nos currículos escolares - que começaram com a promulgação da Lei 10.639 de janeiro de 2003 - devemos proporcionar uma visão positiva dos afrodescendentes na sociedade, valorizando a participação dos negros na construção do Brasil e despertando o entendimento sobre as razões que colocam a maioria destes brasileiros em autênticos guetos.

Em toda minha atuação política tenho lutado e proposto ações para desencadear mudanças. A mais recente dessas ações é a apresentação de Projeto de Lei na Assembléia Legislativa, determinando a criação do Museu Estadual da Cultura e das Tradições do Negro. Tal iniciativa visa colaborar para o processo de resgate e sistematização do passado e do presente da raça negra.

A constituição do Museu servirá para contar a verdadeira história do negro, com toda sua amplitude, magia, riqueza e beleza. Será uma forma de reconhecer, divulgar a importância e dar visibilidade à raça, ensinando o respeito à sua contribuição. Embora a herança cultural negra seja um dos pilares da identidade nacional, os meios de comunicação insistem num modelo de brasileiro "louro, de olhos claros e de classe média".

A proposta de criação do Museu vai além da definição de um espaço para exposição de um acervo fixo, como documentos, instrumentos musicais, artesanatos, pinturas, vestimentas e utensílios. A idéia é que haja um importante trabalho de registro de depoimentos em audiovisual de depoimentos de afrodescendentes, personalidades negras e lideranças da luta em defesa da cultura e da causa negra.

Outro importante ponto é garantir uma área para manifestações da cultura e das tradições negras, um autêntico "museu vivo". Este local deverá ser usado para dar divulgação e visibilidade de festas da tradição afro-brasileira, como a congada, atividades ancestrais, como a capoeira, e outras ligadas à expressão da cultura de rua, por meio dos rappers.

Acredito e atuo na política como instrumento para a transformação social e a construção da verdadeira igualdade. Devemos usar cada espaço que dispomos na sociedade para fazer esta boa luta. As mudanças estão acontecendo, mas devemos nos empenhar a fim de torná-las mais céleres. O futuro melhor para o Brasil passa, obrigatoriamente, por proporcionarmos dignidade e oportunidades aos milhões de brasileiros que tiveram, e ainda têm, extirpados seus direitos à cidadania plena.

* Maria Lúcia Prandi é deputada estadual e 4ª secretária da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa de São Paulo.

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