O Brasil concentra o segundo maior contingente de população negra do mundo, ficando atrás somente da Nigéria, no continente africano. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - referentes ao ano 2000 - apontam que aproximadamente 80 milhões de brasileiros têm ascendência africana. É indiscutível a contribuição do negro na construção da sociedade brasileira. Muitos deram, e ainda dão, a própria vida durante um doloroso processo histórico que começou com a escravidão e persiste nos dias atuais, com a perversa exclusão social, que flagela grande parte da população negra do Brasil.Metade dessa parcela da nossa população é considerada pobre e tem menos chances de ascensão social do que os brancos pobres. Na Educação, o analfabetismo é duas vezes maior entre os negros, que têm dois anos a menos de escolaridade, em média. Entre as mulheres negras, a discriminação é dupla: racial e de gênero.Zumbi foi um dos que morreu em conseqüência do preconceito selvagem e da intolerância nefasta. Há exatos 309 anos, no dia 20 de novembro, ele era assassinado pelas forças da Coroa Portuguesa. O objetivo era aniquilar o sonho de liberdade concretizado no Quilombo dos Palmares, dando exemplo a outras comunidades espalhadas pelo País.Morreu o homem, nasceu o mito, o exemplo de coragem e resistência. O 20 de novembro tornou-se o Dia Nacional da Consciência da Negra. Data recentemente conquistada, após anos de luta e mobilização do movimento negro brasileiro. Momento de reflexão e a reafirmação de um compromisso que deve ser de todos nós: a construção de uma sociedade livre de preconceitos.Desde o início do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, várias ações vêm sendo implementadas para enfrentar e reverter o perverso quadro que mantêm grande parte dos negros brasileiros à margem da sociedade. São ações que vão desde a garantia da terra aos quilombolas, passando pela valorização da influência da raça negra no desenvolvimento do país, além das políticas afirmativas, como as cotas.A Educação tem papel fundamental. Por meio de mudanças nos currículos escolares - que começaram com a promulgação da Lei 10.639 de janeiro de 2003 - devemos proporcionar uma visão positiva dos afrodescendentes na sociedade, valorizando a participação dos negros na construção do Brasil e despertando o entendimento sobre as razões que colocam a maioria destes brasileiros em autênticos guetos. Em toda minha atuação política tenho lutado e proposto ações para desencadear mudanças. A mais recente dessas ações é a apresentação de Projeto de Lei na Assembléia Legislativa, determinando a criação do Museu Estadual da Cultura e das Tradições do Negro. Tal iniciativa visa colaborar para o processo de resgate e sistematização do passado e do presente da raça negra.A constituição do Museu servirá para contar a verdadeira história do negro, com toda sua amplitude, magia, riqueza e beleza. Será uma forma de reconhecer, divulgar a importância e dar visibilidade à raça, ensinando o respeito à sua contribuição. Embora a herança cultural negra seja um dos pilares da identidade nacional, os meios de comunicação insistem num modelo de brasileiro "louro, de olhos claros e de classe média".A proposta de criação do Museu vai além da definição de um espaço para exposição de um acervo fixo, como documentos, instrumentos musicais, artesanatos, pinturas, vestimentas e utensílios. A idéia é que haja um importante trabalho de registro de depoimentos em audiovisual de depoimentos de afrodescendentes, personalidades negras e lideranças da luta em defesa da cultura e da causa negra.Outro importante ponto é garantir uma área para manifestações da cultura e das tradições negras, um autêntico "museu vivo". Este local deverá ser usado para dar divulgação e visibilidade de festas da tradição afro-brasileira, como a congada, atividades ancestrais, como a capoeira, e outras ligadas à expressão da cultura de rua, por meio dos rappers.Acredito e atuo na política como instrumento para a transformação social e a construção da verdadeira igualdade. Devemos usar cada espaço que dispomos na sociedade para fazer esta boa luta. As mudanças estão acontecendo, mas devemos nos empenhar a fim de torná-las mais céleres. O futuro melhor para o Brasil passa, obrigatoriamente, por proporcionarmos dignidade e oportunidades aos milhões de brasileiros que tiveram, e ainda têm, extirpados seus direitos à cidadania plena. * Maria Lúcia Prandi é deputada estadual e 4ª secretária da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa de São Paulo.