O último dia do Império no Brasil

Antônio Sérgio Ribeiro*
13/11/2003 19:43

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"Senhor, esta noite, o 1º e o 9º Regimentos de Cavalaria e o 2º Batalhão de Artilharia, a pretexto de que iam ser atacados pela Guarda Negra, e de ter sido preso o marechal Deodoro, armaram-se e mandaram prevenir o chefe do Quartel General de que viriam desagravar aquele marechal. O governo toma as providencias necessárias para conter os insubordinados, e fazer respeitar a lei. Acho-me no Arsenal de Marinha com meus colegas da Justiça e da Marinha. (Ouro Preto). "

Eram cinco e meia da manhã do dia 15 de novembro de 1889, quando chegou no Palácio Imperial de Petrópolis o telegrama com a nota de "urgente" passado pelo presidente do Conselho de Ministros, Affonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde do Ouro Preto. D. Pedro II o recebeu e leu várias vezes. Resolveu, mesmo assim, fazer seu passeio matinal. O próprio Imperador foi até a estação para se informar com que antecedência devia solicitar o trem especial, recebendo como resposta que uma hora bastaria. O agente prometeu o transporte para as 11 horas.

Logo a seguir, foi à Catedral de Petrópolis, em companhia de D. Thereza Christina e de pessoas de sua amizade, para assistir à missa pela alma de sua irmã, D. Maria II, rainha de Portugal, pelo 36º aniversário de seu falecimento; na saída recebe novo telegrama do Visconde de Ouro Preto:

"Senhor, o Ministério, sitiado no Quartel General da Guerra, à exceção do Sr. Ministro da Marinha, que consta achar-se ferido em casa próxima, tendo por mais de uma vez ordenado debalde, por órgão do Presidente do Conselho e do Ministro da Guerra, que se repelisse pela força a intimação armada do marechal Deodoro, para pedir sua exoneração, e diante das declarações feitas pelos generais Visconde de Maracajú, Floriano Peixoto e Barão do Rio Apa de que, por não contarem com a tropa reunida, não há possibilidade de resistir com eficácia, depõe nas augustas mãos de Vossa Majestade o seu pedido de demissão. A tropa acaba de fraternizar com o marechal Deodoro, Abrindo-lhe as portas do Quartel."

Após ler o telegrama, inteirou-se da gravidade da situação e dirigindo-se à Imperatriz disse:

" - Vamos à Corte, porque não se sabe o que fez Deodoro..."

A Imperatriz pediu a seu marido que o coche passasse pelo palácio antes para pegar sua valise e sua capa, mas o Imperador respondeu que se quisesse acompanhá-lo que fosse dali para a estação ferroviária. Assim fez D. Thereza Christina.

A preocupação da Imperatriz era com as suas jóias, que havia usado dias antes no baile da Ilha Fiscal, em homenagem aos oficiais chilenos do navio de guerra Almirante Cochrane, que realizavam uma visita ao Brasil. Como havia partido diretamente para Petrópolis, não tivera como guardá-las na Quinta da Boa Vista, palácio localizado em São Cristóvão, no Rio.

A linha ferroviária ligava Petrópolis ao distrito de São Francisco Xavier. A partir daí o transporte passou ser feito por terra, em carruagens e, pela primeira vez, não foram escoltadas por cavalarianos, para estranheza de todos.

Chegaram ao Rio às 14 horas. D. Pedro dirigiu-se diretamente ao Paço Imperial, localizado no centro do Rio de Janeiro (hoje praça XV de novembro), por caminho diverso do habitual. Ao chegar ao Paço, foi recebido pelo comandante do vaso de guerra chileno, que ofereceu abrigo mais seguro. O imperador agradeceu e respondeu: "Fogo de palha, comandante, como o senhor verá. Conheço, de sobra, a minha gente... Fogo de palha!"

Apesar de se mostrar confiante e calmo, estava seriamente sucumbido. Desde 1886, a saúde do monarca estava debilitada. Com a viagem à Europa em 1888, seu estado agravou-se chegando a receber extrema-unção quando se encontrava em Paris.

A chamado do Imperador, Ouro Preto, que havia sido preso juntamente com outros ministros e posteriormente libertado, informou com detalhes tudo que havia ocorrido envolvendo a tropa e Deodoro da Fonseca, inclusive a longa conversa havida entre eles na sede do Quartel-General, quando este afirmou que se pusera na frente do Exército para vingá-lo das gravíssimas injustiças e ofensas recebidas do Governo. Na realidade, eram boatos intencionalmente espalhados como notícia, assim como a ordem de prisão contra Deodoro e o embarque de alguns corpos do Exército, mais sabidamente comprometidos com na conspiração. Ele diria para Lourenço de Albuquerque, Ministro da Agricultura: "Fomos miseravelmente traídos. Chamaram-nos para esta ratoeira afim de que não pudéssemos organizar lá fora a resistência. Antes me houvessem matado!"

O visconde demissionário do conselho de ministros se recusou a permanecer no cargo. Apesar dos apelos de D. Pedro II, Ouro Preto sugere para o seu lugar o senador gaúcho Silveira Martins, mas este estava em viagem de sua terra ao Rio e só chegaria quatro dias depois. Mas eles não sabiam que Silveira Martins e Deodoro da Fonseca eram inimigos por causa de uma mulher.

O Imperador D. Pedro II solicitou a presença do marechal Deodoro da Fonseca no Paço Imperial, mas os emissários voltaram e lhe informaram que ele não receberia ninguém por estar muito enfermo. Desde o dia anterior, vítima de dispnéia, ele fora obrigado a sair de casa em um coche e só então montou um cavalo para entrar no Quartel General no Campo de Santana. De retorno a casa, sua esposa, Dª Marianinha, trancou as portas da residência, não permitindo o contato do marido com quem quer que fosse... Mas Benjamim Constant, o ideólogo do novo regime, seria o único a ser recebido para levar-lhe os despachos iniciais do governo, como a proclamação e a nomeação dos novos Ministros. Esses atos haviam sido lavrados no Instituto dos Cegos, do qual era diretor.

O Imperador ainda aguardou a presença de Deodoro, que não apareceu e nem apareceria. Os jornais de todo o Brasil já traziam em manchete o advento da nova forma de regime. O primeiro a proclamar a República foi José do Patrocínio, durante a reunião do Conselho Municipal do Rio de Janeiro, quando desfraldou o pavilhão republicano e, em nome do povo, declarou extinta a monarquia. Só depois veio a proclamação escrita de Deodoro da Fonseca.

A cidade viveu mais um dia e, à noite, nada de anormal ocorreu, excetuando-se a determinação das autoridades de não haver ajuntamentos. E em torno do Paço, a tropa cercou D. Pedro II, sua família e amigos.

No dia seguinte, após deliberações que ocorreram à noite e de madrugada com o Conselho de Estado, ficou decidido que o conselheiro Saraiva deveria formar um novo Ministério. Ao ser consultado, Deodoro afirmou: "Agora já é tarde". A partir das 10 horas veio a ordem de não deixar entrar nem sair quem quer que fosse. Às 15 horas é entregue ao Imperador uma carta de Deodoro da Fonseca, portada pelo major Sólon Ribeiro, acompanhado de dois subordinados. Nervoso, o major tratou D. Pedro II de Vossa Excelência, depois Vossa Alteza e finalmente, de Vossa Majestade, o correto. O documento informava da situação insustentável do gabinete de Ouro Preto; da perseguição deste contra o Exército; da situação do país, principalmente econômica, e, ao final, declarava a destituição do Imperador e a conseqüente proclamação da República no Brasil, além de determinar a partida da família imperial para o exílio em 24 horas.

Em resposta a Deodoro, D. Pedro escreveu:

"Á vista da representação escrita, que foi entregue hoje ás 3 horas da tarde, resolvo, cedendo ao império das circunstâncias, partir com toda a minha família amanhã, deixando esta pátria, de nós estremecida, à qual me esforcei por dar constantes testemunhos de entranhado amor e dedicação durante quase meio século em que desempenhei o cargo de chefe de Estado. Ausentando-me, pois, eu com todas as pessoas da minha família, conservarei do Brasil e mais saudosa lembrança, fazendo ardentes votos por sua grandeza e prosperidade.

Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1889. - D. Pedro d´Alcântara"

Todos permaneceram o dia 16 detidos no Paço. Ficou acertado que no dia seguinte, domingo, 17/11, por volta das 14 horas, D. Pedro II e os demais embarcariam, tendo sido permitido a ele assistir de manhã à missa na Capela do Carmo, vizinha ao Palácio. Mas, de madrugada, o Conde d´Eu é despertado com a chegada do coronel João Nepomuceno M. Mallet, que lhe comunica que o governo provisório temia o derramamento de sangue na partida da família imperial, pois soubera que havia um grupo disposto a defender o monarca.

Acordado, o Imperador é informado que deveria se vestir para embarcar. Surpreso e revoltado, disse "que não sairia como um negro fugido...". Mas, por volta das três da manhã, é escoltado juntamente com a Imperatriz e toda a família, além de alguns amigos, para embarcar no Cais Pharoux, atrás do Paço Imperial. Somente um coche negro puxado por dois cavalos estava à disposição, onde iam os imperadores; os demais seguiram a pé. Uma lancha do Arsenal de Guerra, tripulada por quatro alunos da Escola Militar, aguardava-os. Foram transportados para a canhoneira Parnaíba, fundeada na Baía da Guanabara. Às 10 horas da manhã chegam os três jovens príncipes, filhos do Conde D´eu e de Isabel, que se encontravam em Petrópolis. A bordo, profundamente abalada, estava a Imperatriz D. Thereza Christina, que muito chorava; não menos comovida estava a Princesa Isabel, mas aliviada com a chegada dos seus filhos. Ao meio-dia de 17 de novembro de 1889, a embarcação levantou ferros e partiu em direção a Ilha Grande para encontrar o paquete Alagoas, que os levaria para o exílio na Europa.



*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador, é funcionário da Secretaria Geral Parlamentar da ALESP.

O autor agradece a colaboração das colegas Sandra Sciulli Vital e Patrícia Ide, da Divisão de Biblioteca e Documentação do DDI.

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