Representantes da Polícia Civil, da OAB e de entidades de direitos humanos debatem violência policial

Entidades avaliam que violência na abordagem policial aumentou depois dos ataques do Primeiro Comando da Capital
19/10/2006 20:32

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Denis Castro, Margarete Barreto, Ítalo Cardoso, Carmem Dora e José Reinaldo Araldo<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/DIR HUM 09marc.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Deputados Hamilton Pereira, Rosmary Corrêa e Ana Martins <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/DIR HUM deps13marc.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, presidida pelo deputado Ítalo Cardoso (PT), promoveu nesta quinta-feira, 19/10, reunião para debater a violência e abusos cometidos por policiais contra afrodescendentes. A reunião teve caráter informal, devido à insuficiência de quórum regimental para realizar o debate.

O SOS Racismo, serviço de recepção de denúncias telefônicas que a Assembléia colocou à disposição da população paulista há um ano, foi que encaminhou à presidência da Comissão o pedido para que o debate se realizasse. Participaram do encontro representantes da Corregedoria da Polícia Civil, da Delegacia de Crimes Raciais de São Paulo, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de entidades de defesa dos direitos humanos.

Depoimentos

O destaque da reunião foi o relato feito por uma vítima de abuso e violência policial, o jovem José Raimundo Santos, acadêmico de direito da cidade de São José do Rio Preto. De acordo com as afirmações do estudante, no dia 20/9, ele saiu de casa de bicicleta para se encontrar com sua namorada, por volta das 21h, quando foi abordado por uma viatura com dois policiais militares. Ele obedeceu ao comando de levantar os braços e ficou parado no portão da residência. Um dos policiais torceu seu braço para trás e o agrediu, referindo-se a ele como "neguinho folgado", enquanto Santos tentava explicar que estava na casa da namorada e gritava os nomes dos familiares da moça, pedindo socorro.

Ainda segundo José Raimundo, o policial mais graduado, um tenente, estava visivelmente alcoolizado. Quando saíram para a rua, os parentes da namorada, a própria moça e alguns vizinhos, os policiais tentaram convencê-los de que o rapaz os tinha desacatado e que, por isso, iriam levá-lo à delegacia. Colocaram-no à força no "chiqueirinho" do automóvel e o levaram ao distrito, de onde saiu por interferência de militantes do movimento em defesa dos negros daquele município, do qual faz parte.

José Raimundo disse ainda que ocorrências como esta são cada vez mais comuns na zona norte da cidade, onde vive a população mais pobre de São José do Rio Preto.

Humilhações

A advogada Carmem Dora, do Comitê do Negro e de Assuntos de Discriminação da OAB-SP, relatou outro caso exemplar de violência e abuso de autoridade, neste caso cometido por dois policiais civis contra um rapaz e uma senhora. Trata-se da história de Edivanilde Moura e do jovem Ricardo, que ocupou, no início deste semestre, as páginas dos jornais e dos noticiários televisivos justamente pelo desrespeito aos direitos e pela violência contra esses dois cidadãos.

De acordo com Carmem Dora, os policiais pararam Ricardo quando este passava pela viatura policial com sua moto e começaram a espancá-lo. Edivanilde, que se dirigia a uma padaria, vendo a cena, protestou e pediu aos policiais que parassem de bater no jovem e o levassem à delegacia. Os policiais a ofenderam e a mandaram calar a boca. Ela voltou para casa. Quando já estava no quintal de sua residência, os policiais a abordaram novamente com xingamentos, torcendo seu braço, jogando-a no chão e arrastando-a para a viatura.

Na delegacia, as humilhações e agressões continuaram. Os policiais a mantiveram detida até o dia seguinte sem pedir documentos nem identificá-la. Também não lhe foi permitido falar com seu advogado.

Edivanilde é funcionária pública e trabalha em um cartório de seu bairro. O caso ganhou notoriedade, segundo a advogada Dora, justamente porque a vítima conhecia seus direitos e soube como encaminhar a denúncia.

Para Dogival Vieira, da Agência de Notícias Afropress e da ONG ABC Sem Racismo, Edivanilde e José Raimundo estão vivos para contar suas histórias porque tiveram sorte de haver muitas testemunhas dos acontecimentos, mas correram grave risco. "Esses episódios, infelizmente, não são exceções. São regra no cotidiano da população", declarou o jornalista, ao enfatizar que houve uma mudança para pior no padrão da abordagem policial desde os ataques da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) no Estado.

SOS Racismo da Alesp

Segundo o coordenador do SOS Racismo, José Reinaldo Araldo, várias denúncias de abuso durante a abordagem policial têm sido encaminhadas ao serviço. Araldo disse também que o atendimento telefônico deixa evidente que, em geral, a população desconhece seus direitos e não apenas a parcela de baixa renda. "Constatamos também que as pessoas se sentem mais à vontade em pedir orientação à Assembléia do que a outras instituições. Muitas delas declararam ter medo de ir às delegacias e ser maltratadas", afirmou o coordenador, ao enfatizar a importância da reunião para o encaminhamento de resoluções que coíbam os abusos policiais.

Qual a solução?

O deputado Ítalo Cardoso afirmou que ministrar cursos sobre direitos humanos não irá resolver a questão da violência e dos abusos cometidos por policiais: "Oferecer cursos não vai resolver. É desculpa para pôr no protocolo. Se não houver punições contra os abusos, não adianta." O deputado fez a afirmação ao comentar as declarações de Denis Castro, que representou o corregedor da Polícia Civil, Ruy Stanislau, na ocasião. Castro disse acreditar que a prevenção, através da formação policial, impedirá que ocorram outros fatos semelhantes aos relatados, que ele considerou muito graves.

A delegada Margarete Barreto, da Delegacia de Delitos Raciais, defendeu a polícia. Ela disse que o trabalho policial só ganha destaque quando dá errado, mas que a instituição combate o crime diariamente e precisa ser respeitada pela população. A delegada declarou também que o policial deve ser técnico em sua abordagem e tratar o cidadão sem levar em conta sua raça ou condição social.

A representante da OAB-SP, Carmem Dora, sugeriu que se promova uma reciclagem dos policiais mais antigos para que haja modificação da cultura vigente na corporação.

O trabalho de parceira entre as instituições policiais, a Assembléia, organismos como o SOS Racismo, entidades de direitos humanos e a sociedade em geral foi também apontado por todos como meio para mudar o quadro.

A deputada Ana Martins (PCdoB) criticou a política estadual de segurança pública e o secretário Saulo de Castro Abreu Filho. Também estiveram presentes na reunião os deputados Hamilton Pereira (PT) e Rosmary Corrêa (PSDB).

alesp