Orlando Villas Bôas: o adeus ao fundador do Parque Nacional do Xingu

O indigenista recebeu as últimas homenagens de amigos e admiradores na Assembléia Legislativa
13/12/2002 19:40

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DA REDAÇÃO

O indigenista e sertanista Orlando Villas Bôas, 88, morreu na última quinta-feira, 12/12, em decorrência de falência múltipla de órgãos. Ele havia sido internado no dia 14 de novembro com um quadro agudo de infecção intestinal, segundo boletim divulgado pelo Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, e assinado pelo médico responsável pelo sertanista, Sérgio Reynaldo Stella.

O corpo de Villas Bôas foi velado no Hall Monumental da Assembléia Legislativa de São Paulo e sepultado no cemitério Morumby, na zona sul de São Paulo.

O indigenista era o último sobrevivente do grupo que fundou o Parque Nacional do Xingu (MT), projeto que surgiu a partir da famosa expedição Roncador-Xingu, da qual ele participou com seus irmãos Cláudio e Leonardo.

Leonardo morreu vítima de miocardite reumática, em 1961, aos 43 anos. E, em 1998, um infarto fulminante matou Cláudio.

Orlando Villas Bôas contraiu malária por mais de vinte vezes, durante as quatro décadas que passou na selva. Mas foi em 9 de julho de 2000, após uma queda em sua casa, que seu estado de saúde piorou. Internado, ele teve de passar por uma angioplastia. Nos meses seguintes, ele se recuperou e até conseguiu participar do desfile da escola de samba Camisa Verde e Branco, feito em sua homenagem, em fevereiro de 2001.

Foi novamente internado em estado grave no começo deste ano e a situação se agravou até dar entrada pela última vez no hospital em 14 de novembro.

A vida do sertanista

O lingüista, historiador e indigenista Orlando Villas-Boas nasceu em 12 de janeiro de 1914, em Botucatu, interior de São Paulo. Suas aventuras começaram quando decidiu deixar o emprego de escriturário da Esso, em São Paulo, em 1941, para integrar a expedição Roncador-Xingu, organizada pela Fundação Brasil Central. Com o dinheiro da indenização, comprou um facão e um revólver e se mandou para Goiás Velho, com os irmãos. Durante cinco dias, andou 141 quilômetros para encontrar o Rio Araguaia. Remou mais três semanas até localizar o posto da Funai, em Barra Goiana. "A gente cortava a mata com o facão."

O encontro com os índios, porém, deu-se apenas em 1944, no Rio Kuluene: cerca de 200 calapalos estavam postados no barranco, armados de arco e flecha. Em meio àquele pequeno exército, surgiu Izarari, o cacique. " Comunicamo-nos por gestos. Depois de alguns minutos, nos abraçamos. Ele estava desesperado. E eu, com medo." Antes disso, Villas Bôas tinha sido atacado 18 vezes pelos xavantes. "A maior lição que ficou desse trabalho é o comportamento do índio em sociedade. Eles não se sentem atraídos pelo poder e pela ganância. Nunca vi um índio discutir com o outro, nunca vi um índio dizer não para uma criança. Isso é maravilhoso."

Orlando aposentou-se em 1975, mas não abandonou o trabalho na Fundação Nacional do Índio (Funai). Isso só ocorreu no início de 2000, quando foi afastado por acumular uma aposentadoria e o salário, o que não era legalmente permitido. O episódio causou comoção entre estudiosos da questão indígena e, desde então, Villas Boas vivia em São Paulo.

"Nunca irão embora"

"Achamos que depois de viver trinta anos na selva, temos agora o direito de descansar um pouco". A declaração foi feita pelo sertanista Orlando Villas Bôas em 1975, depois de abandonar a Funai. Orlando disse que desejava apenas ficar ao lado de sua mulher e de seu filho Cláudio, manifestando um desejo antigo: continuar lendo Kant, bebendo água prata, sem ser molestado pelos mosquitos da selva amazônica. Entretanto, a relação de Orlando com o sertão e os indígenas não parou ali, pois sua ligação com os índios já não tinha volta.

Sempre que se sentiam ameaçados, os índios recorriam aos irmãos Villas Bôas, a quem costumaram chamar de "papai Cláudio" e "papai Orlando". E sempre que se comentava a possibilidade de os sertanistas deixarem a selva, para viver na cidade, eles afirmavam que "papai Cláudio e papai Orlando sempre ficam do nosso lado. Eles nunca irão embora".

A morte de Cláudio Villas-Bôas, há quatro anos, fez o Brasil lembrar-se dos seus índios, reduzidos a pouco mais de 150 mil, que chegaram a se constituir numa população estimada pelo padre Antônio Vieira (século XVII) em torno de dois milhões.

Indicação para o Nobel

Os irmãos Villas Bôas - Cláudio, Orlando e Leonardo -, discípulos do Marechal Rondon, foram responsáveis por duas instituições que muito trabalharam para que os índios brasileiros não fossem exterminados completamente: o Parque Nacional do Xingu e a Funai. Mas, conhecedores da enorme complexidade do problema, sabiam que a luta contra a ganância econômica daria pouquíssimas chances de vitória aos sobreviventes indígenas, progressivamente acuados pelo garimpo e pela abertura de novas fronteiras agrícolas, com o conseqüente desmatamento e as estradas por onde circulam os ditos civilizados, com suas máquinas, produtos químicos e armas de fogo.

Em 1971, os irmãos Cláudio e Orlando Villas Bôas foram indicados pela Sociedade dos Povos Primitivos, de Londres, para o Prêmio Nobel da Paz, pelo trabalho que desenvolveram, no Brasil, em prol da pacificação dos índios. A idéia do lançamento da candidatura surgiu do sertanista britânico Adrian Cowell, que em 1969 esteve no Xingu, realizando um filme sobre as atividades dos dois irmãos. A indicação fora apoiada pela Escola de Medicina de São Paulo, que enviara carta à Real Academia Sueca.

alesp