Morre a escritora Raquel de Queiroz

Antonio Sérgio Ribeiro
04/11/2003 19:23

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Raquel foi a primeira mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras. Eleita para a Cadeira nº. 5 em 4 de agosto de 1977<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/raquel4nov.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Rachel de Queiroz, professora, jornalista, romancista, cronista e teatróloga<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/raquel4novb.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Rachel de Queiroz, professora, jornalista, romancista, cronista e teatróloga, nasceu em Fortaleza, Ceará, em 17 de novembro de 1910, filha do juiz de Direito Daniel de Queiroz e de Clotilde Franklin de Queiroz. Descendia, pelo lado materno, dos Alencar, parente do autor de O Guarani, José de Alencar, e, pelo lado paterno, dos Queiroz, família de raízes de Quixadá e Beberibe.

Em 1917, veio para o Rio de Janeiro, em companhia dos pais que procuravam, nessa migração, fugir dos horrores da terrível seca de 1915, que mais tarde a romancista iria aproveitar como tema de O Quinze, seu livro de estréia, lançado em 1930. No Rio, a família Queiroz pouco se demorou, viajando logo a seguir para Belém do Pará, onde residiu por dois anos. Regressando a Fortaleza, Rachel de Queiroz matriculou-se no Colégio da Imaculada Conceição, onde fez o curso normal, diplomando-se em 1925, com apenas 15 anos de idade.

Estreou no jornalismo em 1927, com o pseudônimo de Rita de Queluz, publicando trabalhos no jornal O Ceará, de que se tornou afinal redatora efetiva. Ali publicou poemas à maneira modernista, cujos ecos do sul, da Semana de Arte Moderna de 1922, chegavam a Fortaleza. Em fins de 1930, publicou o romance O Quinze, que teve inesperada e grande repercussão no Rio de Janeiro e em São Paulo. Com vinte anos apenas, projetava-se na vida literária do país, agitando a bandeira do romance de fundo social, profundamente realista na sua dramática exposição da luta secular de um povo contra a miséria e a seca. O livro, editado às expensas da autora, apareceu em modesta edição de mil exemplares, recebendo crítica de Augusto Frederico Schmidt, Graça Aranha, Agripino Grieco e Gastão Cruls. A consagração veio com o Prêmio da Fundação Graça Aranha, que lhe foi concedido em 1931, ano de sua primeira distribuição oficial. No Rio de Janeiro conheceu integrantes do Partido Comunista e no seu regresso a Fortaleza ajuda a fundar o PC cearense. Em 1932, publicou um novo romance, intitulado João Miguel. Nesse ano casou-se com José Auto da Cruz Oliveira e no ano seguinte nasceu sua filha Clotilde, que morreria com apenas 18 meses, vítima de septicemia. Abalada, mudou-se em 1935 para a cidade de Maceió, nas Alagoas, onde fez amizade com Jorge de Lima, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e com o jornalista Arnon de Mello. Em 1937, lançou o livro Caminho de Pedras, pela José Olympio, que seria sua editora até 1992. Com a decretação do Estado Novo em 10 de novembro de 1937, seus livros foram queimados em Salvador, na Bahia, juntamente com os de Jorge Amado, José Lins do Rego e Graciliano Ramos, acusados de subversivos. Em Fortaleza permaneceu detida por três meses no quartel do Corpo de Bombeiros.

Separada do marido, mudou-se para o Rio de Janeiro em 1939, e publicou seu quarto romance, As Três Marias, com o qual conquistou o prêmio da Sociedade Felipe d'Oliveira, passando a colaborar no Diário de Notícias, em O Cruzeiro, na famosa crônica de última página e em O Jornal. No ano de 1940, conheceu o médico Oyama de Macedo, com quem passou a viver. O casamento durou até a morte do marido em 1982. Ainda nesse ano se afastou da esquerda, após o assassinato de Leon Trotski, por ordem de Joseph Stalin.

Cronista emérita, publicou mais de duas mil crônicas, cuja seleta propiciou a edição dos seguintes livros: A donzela e a Moura Torta; 100 Crônicas Escolhidas; O Brasileiro Perplexo e O Caçador de Tatu. Em 1950, publicou em folhetins, na revista O Cruzeiro, o romance O Galo de Ouro. Tem duas peças de teatro, Lampião, escrita em 1953, e A Beata Maria do Egito, de 1958, laureada com o prêmio de teatro do Instituto Nacional do Livro, além de O Padrezinho Santo, peça que escreveu para a televisão, ainda inédita em livro. No campo da literatura infantil, escreveu o livro O Menino Mágico, a pedido da escritora Lúcia Benedetti. O livro surgiu, entretanto, das histórias que inventava para os netos. Dentre as suas atividades, destaca-se também a de tradutora, com cerca de quarenta títulos vertidos para o português.

Em 1961, o presidente da República Jânio Quadros, a convidou para ocupar o cargo de ministra da Educação, que foi recusado com a justificativa: "Sou apenas jornalista e gostaria de continuar sendo apenas jornalista."

Foi membro do Conselho Federal de Cultura, desde a sua fundação, em 1967, até sua extinção, em 1989. Participou da 21a Sessão da Assembléia Geral da ONU, em 1966, quando serviu como delegada do Brasil, nomeada pelo presidente da República Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, trabalhando especialmente na Comissão dos Direitos do Homem. No ano seguinte, recebeu em visita a sua Fazenda "Não Me Deixes", no município de Quixadá, no Ceará, o ex-presidente Castelo Branco. No retorno a Fortaleza seu avião colidiu com outro, e caiu, matando-o.

Foi a primeira mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras. Eleita para a Cadeira nº. 5 em 4 de agosto de 1977, na sucessão de Cândido Mota Filho, foi recebida em 4 de novembro de 1977 pelo acadêmico Adonias Filho.

Em 1988, iniciou colaboração semanal no jornal O Estado de S. Paulo e no Diário de Pernambuco. Em 1994 foi eleita para a Academia Cearense de Letras, a mais antiga do Brasil.

Foram-lhe outorgados os seguintes prêmios: Prêmio Fundação Graça Aranha para O Quinze, (1930); Prêmio Sociedade Felipe d'Oliveira para As Três Marias, (1939); Prêmio Saci, de O Estado de S. Paulo, para Lampião, (1954); Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de obra, (1957); Prêmio Teatro, do Instituto Nacional do Livro, e Prêmio Roberto Gomes, da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, para A Beata Maria do Egito, (1959); Prêmio Jabuti de Literatura Infantil, da Câmara Brasileira do Livro (São Paulo), para O Menino Mágico, 1969; Prêmio Nacional de Literatura de Brasília para conjunto de obra (1980); título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará, (1981); Medalha Marechal Mascarenhas de Morais, em solenidade realizada no Clube Militar, (1983); Medalha Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores (1985); Medalha do Mérito Militar no grau de Grande Comendador (1986) e Medalha da Inconfidência do Governo de Minas Gerais (1989). Premio Camões, do governo de Portugal (1993). Juca Pato, da União Brasileira de Escritores (1996). Prêmio Moinho Santista, pelo conjunto de sua obra (1996). Título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, (2000).

Obras: O Quinze, romance (1930); João Miguel, romance (1932); Caminho de Pedras, romance (1937); As Três Marias, romance (1939); A Donzela e a Moura Torta, crônicas (1948); O Galo de Ouro, romance (folhetins na revista O Cruzeiro, 1950); Lampião, teatro (1953); A Beata Maria do Egito, teatro (1958); 100 Crônicas Escolhidas (1958); O Brasileiro Perplexo, crônicas (1964); O Caçador de Tatu, crônicas (1967); O Menino Mágico, infanto-juvenil (1969); As Menininhas e Outras Crônicas (1976); O Jogador de sSnuca e mais Historinhas (1980); Cafute e Pena-de-Prata, infanto-juvenil (1986); Memorial de Maria Moura, romance (1992); "Não me Deixes - Suas histórias e sua cozinha", em colaboração com sua irmã. Maria Luiza (2000). Obras reunidas de ficção: Três Romances (1948); Quatro Romances (1960). Seleta, seleção de Paulo Rónai; notas e estudos de Renato Cordeiro Gomes (1973).

Seu romance Memorial de Maria Moura virou minissérie na TV Globo em 1994, e obteve grande sucesso de audiência. Há anos sofria de diabetes, e foi vitima de dois acidentes vasculares cerebrais de que conseguiu se recuperar, mas com a saúde abalada e sem condições de continuar a escrever a sua crônica semanal para o jornal O Estado de S. Paulo, por intermédio do jornalista José Nêumane Pinto apresentou ao editor responsável Ruy Mesquita seu pedido de demissão. Faleceu dormindo em sua residência no Rio de Janeiro no prédio que levava o seu nome no bairro do Leblon, na madrugada desta terça-feira, 4 de novembro de 2003, sendo seu corpo velado na sede da Academia Brasileira de Letras -- exatamente 26 anos após sua posse como imortal.

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